sábado, 4 de outubro de 2014

Os planos secretos de Kissinger em 1976 para atacar Cuba

Por Argemiro Ferreira


Embora até hoje o fato nunca tenha sido arrolado na folha corrida do ex-todo-poderoso Henry Kissinger, agora já se sabe de mais uma tentativa alucinada dele. Mantida quase 40 anos sob sigilo rigoroso, se efetivada ela poderia tornar-se uma ação militar de consequências imprevisíveis.

Como secretário de Estado do então presidente Gerald R. “Jerry” Ford (que o manteve no cargo depois da renúncia do presidente Richard Nixon), Kissinger julgou-se suficientemente poderoso para desencadear uma série de planos secretos de contingência que incluíam ataques aéreos e explosões de minas contra alvos de Cuba. Tudo a pretexto de não deixar os EUA parecerem “fracos” aos olhos do mundo.

As ações planejadas por ele, segundo os relatos agora levados ao conhecimento dos próprios norte-americanos, deveriam ocorrer como resposta à decisão de Fidel Castro de enviar militares cubanas a Angola, no final de 1975. Os papéis ocultados por 38 anos da opinião pública mundial, foram divulgados na última quarta-feira.

Segundo eles, Kissinger planejou atacar Cuba em seguida a incursão cubana em Angola.
Uma frase textual dita pelo secretário de Estado ao presidente Ford é citada: “Acho que vamos ter de arrasar Castro”.

A aventura parece ter assustado até o próprio presidente Ford, depois destas palavras de
Kissinger ao general George Brown, da Chefia do Estado Maior Conjunto das Forças Armadas: “Se decidirmos usar o poderio militar, ele terá de ter sucesso. Não poderemos nos limitar a meias medidas”, instruiu o secretário de Estado no dia 24 de março de 1976.

O grupo também incluía o secretário da Defesa, Donald Rumsfeld – que anos mais tarde ocuparia o mesmo cargo ao ser desencadeada, em 2003, à sombra do presidente George W. Bush e seu vice Dick Cheney, a sangrenta guerra contra o Iraque.

Kissinger, depois do maior momento de fúria irracional (“arrasar Castro”), pode ter sentido a conveniência de um recuo: “Provavelmente não podemos fazê-lo antes das eleições presidenciais (de 1976)”, reconheceu diante de Ford. Só então ganhou o apoio do presidente: “Eu concordo”.

Certos excessos retóricos que podem ser percebidos hoje na leitura dos papéis também podem ser melhor entendidos ao se considerar as incertezas políticas do governo Ford naqueles dias. Empossado em agosto de 1974, em seguida à renúncia de Nixon, o novo presidente desgastara a própria imagem ao assinar imediatamente o perdão para o presidente que o fizera vice. Apesar da reação negativa quase unânime, candidatou-se depois à reeleição – o que o levaria à derrota diante do democrata Jimmy Carter e à passagem do cargo em janeiro de 1977.

Além de ter prolongado desnecessariamente a presença no poder de Kissinger, já comprometido então com a ampliação da guerra do Vietnã, a repressão aos protestos em casa e o apoio a algumas das ditaduras mais sanguinárias da América Latina (Chile, Argentina, Brasil, América Central, etc.), ele passa o resto da vida agora a fugir de autoridades e países que sonham puni-los pelos crimes passados.

A própria ideia fixa de Kissinger segundo a qual a presença de cubanos em Angola seria interpretada como sinal de fraqueza dos EUA parece risível hoje – capaz até de reduzi-lo a mero personagem grotesco daquele momento histórico. Ajuda apenas a entender outras de suas ações – como a autorização dada à ditadura argentina para apressar o banho de sangue e terminar “o trabalho” antes da reabertura, em janeiro, do Congresso dos EUA.

Sua fixação em Cuba é outro capítulo grotesco. Em 15 de março de 1976, por exemplo, disse em reunião realizada no escritório oval da Casa Branca que “até os iranianos estão preocupados com a chegada de cubanos aos países do Oriente Médio. Acho que temos de humilhá-los. Se eles entrassem na Namíbia ou na Rodésia, eu seria a favor de liquidá-los”.

De acordo com os documentos, os planos de contingência de Kissinger previam opções militares para bloquear barcos cubanos transportando tropas e material de guerra contra bases e aeroportos de Cuba. Nos papéis são discutidos riscos, inclusive a possibilidade de a União Soviética frustrar bloqueios tomando ou afundando barcos. Segundo um dos documentos, isso poderia resultar em “escalada para guerra generalizada”.

Os planos de contingência motivaram nota cautelosa sobre que tipo de provocação justificaria disparar resposta militar dos EUA. Eles afirmaram que embora o “limiar” (“threshold”) deva estar baixo, se Cuba se movimentar contra territórios dos EUA, tem de estar no ponto mais elevado (“highest”) para a África.

A herança do governo Ford, cujo mandato foi inferior aos quatro anos tradicionais, foi discreta. Mas coube a ele projetar dois então desconhecidos –Dick Cheney e Donald Rams, os inventores da guerra do Iraque no governo do segundo Bush. Ford morreu em dezembro de 2006, com 93 anos de idade.

O fim do sigilo sobre esses documentos, agora à disposição dos interessados, foi mais uma iniciativa do grupo independente National Security Archive, que funciona em Washington. Paralelamente os professores William M. LeoGrande, da American University, e Peter Kornbluh, que dirige o Projeto Documentação de Cuba no National Security Archive, lançaram o livro Back Channel to Cuba: The Hidden History of Negociations Between Washington and Havana.

Os autores afirmaram que a história de tais conversações e as lições dela resultantes permanecem especialmente relevantes num momento em que tanto o presidente Barack

Obama como o presidente cubano Raul Castro declararam publicamente a urgência de esforços e movimentos além do legado de hostilidade perpétua das relações EUA-Cuba.

FONTE: Carta Maior

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