No Brasil para uma palestra e vivendo na
França há 40 anos, marxista brasileiro especializado em Walter Benjamin
relaciona revolução com impulso messiânico
POR PEDRO GUEIROS
Michael Lowy fala sobre religião e marxismo, dá sua opinião sobre utopia e comenta tropicalismo - Marcelo Carnaval / Agência O Globo |
“Nasci no Brasil, fui para a Europa
fazer tese sobre Marx e vivo na França há 40 anos. Tenho estudado o judaísmo
libertário e o grupo de pensadores que articulou a tradição messiânica com a
utopia revolucionária. Sou um ateu religioso. Acredito no marxismo e no homem,
mas essa já é uma fé profana”
Conte algo que não sei
Estima-se que o derretimento das calotas
polares elevará o nível do mar em 70 metros mas basta subir um metro para as
principais cidades ficarem debaixo d'água. A sociedade industrial capitalista
ocidental nos faz caminhar para o desastre mais rápido do que se esperava.
Estamos sob ameaça do dilúvio, como na Bíblia. Precisamos pensar numa
alternativa civilizatória radical, determinada pela decisão coletiva e
democrática. Chamo isso de ecossocialismo.
Boa parte dos intelectuais marxistas,
como o senhor, tem origem judaica. A religião que oprime é a mesma que liberta?
Walter Benjamim denuncia o capitalismo
como religião mas diz que o materialismo precisa da ajuda da teologia para ser
redentor. Há na tradição judaica o messianismo, promessa de um mundo do qual a
opressão, a fome, a miséria, a guerra desaparecerão. Isso tem potencial
subversivo, mas não é monopólio dos judeus. O pessoal teologia da libertação,
leitor atento do antigo testamento, se apropriou. Há uma relação forte desse
elemento profético com o cristianismo da libertação na América Latina.
Por que antigos militantes de esquerda
convertidos ao liberalismo tratam com despeito a bandeira vermelha?
Quem muda de lado tem contas a acertar
com o passado, e ataca quem se mantém fiel a ideias. Alguns dos maiores
inimigos do socialismo foram socialistas antes. Para citar um nome, Mussolini.
O problema não é o indivíduo, há gente honesta e humana em toda doutrina. Mesmo
na escravidão havia senhores que tratavam bem os escravos. O problema é o
sistema. A escravidão tinha de acabar. O mesmo diz-se do capitalismo.
É preciso ser jovem de espirito pra crer
no coletivo?
Em qualquer luta, a juventude é
protagonista. Mas há gente de várias idades que continua convicta. Depois de
passar a vida ouvindo que quando ficasse velho iria ver que as coisas são
diferentes, o poeta surrealista francês Benjamim Péret disse: “Fiquei velho e
não vi nada”.
O uso da força faz do oprimido de hoje o
opressor de amanhã. A revolução definitiva será obtida por meio do amor?
O ideal seria a revolução do amor,
pacífica, tal qual pregaram Luter King, Mandela. Infelizmente, sabemos que as
classes dominantes resistem às mudanças, e há o perigo de uma resistência
violenta das oligarquias. É importante buscar a transformação pela consciência,
mas em certas circunstâncias você será obrigado a se defender.
Com a queda do muro, o que restou da
utopia?
O que fracassou nos países do leste foi
uma caricatura burocrática do socialismo: o marxismo foi usado só para
legitimar um estado que não tinha muito a ver com a essência socialista, em que
a sociedade controla democraticamente os meios de produção e consumo. Talvez no
começo, havia uma tentativa, mas virou uma ditadura totalitária. Só que não
acabou. Na verdade, é agora que a história do socialismo está começando.
Vistos como a civilização do atraso, os
índios agora são o paradigma do futuro?
Benjamim dizia que o capitalismo tem
relação assassina com a natureza. As comunidades primitivas do Brasil e de toda
a América Latina consideravam a natureza como uma mãe generosa. Não por acaso,
indígenas estão na vanguarda da luta. Não podemos voltar a viver como eles, mas
aprender a respeitar essa mãe generosa.
Não é hora de buscar o tropicalismo como
doutrina?
Não, mas todas as doutrinas europeias
que chegam ao Brasil têm que se adaptar ao clima tropical, do contrário, não
pegam. O marxismo é como arroz, é universal mas cada povo o faz de um jeito. Com o feijão brasileiro vai dar um gosto diferente.
FONTE: O Globo
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