sexta-feira, 3 de outubro de 2014

Michael Lowy, cientista social: "Agora é que a história do socialismo está começando"

No Brasil para uma palestra e vivendo na França há 40 anos, marxista brasileiro especializado em Walter Benjamin relaciona revolução com impulso messiânico

POR PEDRO GUEIROS


Michael Lowy fala sobre religião e marxismo, dá sua opinião sobre utopia e comenta tropicalismo - Marcelo Carnaval / Agência O Globo



“Nasci no Brasil, fui para a Europa fazer tese sobre Marx e vivo na França há 40 anos. Tenho estudado o judaísmo libertário e o grupo de pensadores que articulou a tradição messiânica com a utopia revolucionária. Sou um ateu religioso. Acredito no marxismo e no homem, mas essa já é uma fé profana”

Conte algo que não sei

Estima-se que o derretimento das calotas polares elevará o nível do mar em 70 metros mas basta subir um metro para as principais cidades ficarem debaixo d'água. A sociedade industrial capitalista ocidental nos faz caminhar para o desastre mais rápido do que se esperava. Estamos sob ameaça do dilúvio, como na Bíblia. Precisamos pensar numa alternativa civilizatória radical, determinada pela decisão coletiva e democrática. Chamo isso de ecossocialismo.

Boa parte dos intelectuais marxistas, como o senhor, tem origem judaica. A religião que oprime é a mesma que liberta?

Walter Benjamim denuncia o capitalismo como religião mas diz que o materialismo precisa da ajuda da teologia para ser redentor. Há na tradição judaica o messianismo, promessa de um mundo do qual a opressão, a fome, a miséria, a guerra desaparecerão. Isso tem potencial subversivo, mas não é monopólio dos judeus. O pessoal teologia da libertação, leitor atento do antigo testamento, se apropriou. Há uma relação forte desse elemento profético com o cristianismo da libertação na América Latina.

Por que antigos militantes de esquerda convertidos ao liberalismo tratam com despeito a bandeira vermelha?

Quem muda de lado tem contas a acertar com o passado, e ataca quem se mantém fiel a ideias. Alguns dos maiores inimigos do socialismo foram socialistas antes. Para citar um nome, Mussolini. O problema não é o indivíduo, há gente honesta e humana em toda doutrina. Mesmo na escravidão havia senhores que tratavam bem os escravos. O problema é o sistema. A escravidão tinha de acabar. O mesmo diz-se do capitalismo.


É preciso ser jovem de espirito pra crer no coletivo?

Em qualquer luta, a juventude é protagonista. Mas há gente de várias idades que continua convicta. Depois de passar a vida ouvindo que quando ficasse velho iria ver que as coisas são diferentes, o poeta surrealista francês Benjamim Péret disse: “Fiquei velho e não vi nada”.


O uso da força faz do oprimido de hoje o opressor de amanhã. A revolução definitiva será obtida por meio do amor?

O ideal seria a revolução do amor, pacífica, tal qual pregaram Luter King, Mandela. Infelizmente, sabemos que as classes dominantes resistem às mudanças, e há o perigo de uma resistência violenta das oligarquias. É importante buscar a transformação pela consciência, mas em certas circunstâncias você será obrigado a se defender.


Com a queda do muro, o que restou da utopia?


O que fracassou nos países do leste foi uma caricatura burocrática do socialismo: o marxismo foi usado só para legitimar um estado que não tinha muito a ver com a essência socialista, em que a sociedade controla democraticamente os meios de produção e consumo. Talvez no começo, havia uma tentativa, mas virou uma ditadura totalitária. Só que não acabou. Na verdade, é agora que a história do socialismo está começando.

Vistos como a civilização do atraso, os índios agora são o paradigma do futuro?


Benjamim dizia que o capitalismo tem relação assassina com a natureza. As comunidades primitivas do Brasil e de toda a América Latina consideravam a natureza como uma mãe generosa. Não por acaso, indígenas estão na vanguarda da luta. Não podemos voltar a viver como eles, mas aprender a respeitar essa mãe generosa.


Não é hora de buscar o tropicalismo como doutrina?


Não, mas todas as doutrinas europeias que chegam ao Brasil têm que se adaptar ao clima tropical, do contrário, não pegam. O marxismo é como arroz, é universal mas cada povo o faz de um jeito. Com o feijão brasileiro vai dar um gosto diferente.


FONTE: O Globo

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