quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

POR QUE DESEJAR feliz ano novo se há tanta infelicidade à nossa volta?

Feliz ano novo
FREI BETTO

POR QUE DESEJAR feliz ano novo se há tanta infelicidade à nossa volta? Será feliz o próximo ano para afegãos, iraquianos e para os soldados americanos sob ordens de um presidente que qualifica de "justas" guerras de ocupações genocidas? Serão felizes as crianças africanas reduzidas a esqueletos de olhos perplexos pela tortura da fome? Seremos todos felizes, conscientes dos fracassos de Copenhague, que salvam a lucratividade e comprometem a sustentabilidade?

O que é felicidade? Aristóteles assinalou: é o bem maior a que todos almejamos. E alertou meu confrade Tomás de Aquino: mesmo ao praticarmos o mal. De Hitler a madre Teresa de Calcutá, todos buscam, em tudo o que fazem, a própria felicidade.


A diferença reside na equação egoísmo/altruísmo. Hitler pensava em suas hediondas ambições de poder. Madre Teresa, na felicidade daqueles que Frantz Fanon denominou "condenados da Terra".


A felicidade, o bem mais ambicionado, não figura nas ofertas do mercado. Não se pode comprá-la, há que conquistá-la. A publicidade empenha-se em nos convencer de que ela resulta da soma dos prazeres. Para Roland Barthes, o prazer é "a grande aventura do desejo".


Estimulado pela propaganda, nosso desejo exila-se nos objetos de consumo. Vestir esta grife, possuir aquele carro, morar neste condomínio de luxo, reza a publicidade, nos fará felizes. Desejar feliz ano novo é esperar que o outro seja feliz. E desejar que também faça os outros felizes? O pecuarista que não banca assistência médico-hospitalar para seus peões e gasta fortunas com veterinários para o seu rebanho espera que o próximo tenha também um feliz ano novo?


Na contramão do consumismo, Jung dava razão a são João da Cruz: o desejo busca, sim, a felicidade, "a vida em plenitude" manifestada por Jesus, mas ela não se encontra nos bens finitos ofertados pelo mercado. Como enfatizava o professor Milton Santos, acha-se nos bens infinitos.


A arte da verdadeira felicidade consiste em canalizar o desejo para dentro de si e, a partir da subjetividade impregnada de valores, imprimir sentido à existência. Assim, consegue-se ser feliz mesmo quando há sofrimento. Trata-se de uma aventura espiritual. Ser capaz de garimpar as várias camadas que encobrem o nosso ego.


Porém, ao mergulharmos nas obscuras sendas da vida interior, guiados pela fé e/ou pela meditação, tropeçamos nas próprias emoções, em especial naquelas que traem a nossa razão: somos ofensivos com quem amamos; rudes com quem nos trata com delicadeza; egoístas com quem nos é generoso; prepotentes com quem nos acolhe em solícita gratuidade.


Se logramos mergulhar mais fundo, além da razão egótica e dos sentimentos possessivos, então nos aproximamos da fonte da felicidade, escondida atrás do ego. Ao percorrer as veredas abissais que nos conduzem a ela, os momentos de alegria se consubstanciam em estado de espírito. Como no amor. Feliz ano novo é, portanto, um voto de emulação espiritual. É claro que muitas outras conquistas podem nos dar prazer e a alegre sensação de vitória. Mas não são o suficiente para nos fazer felizes. Melhor seria um mundo sem miséria, sem desigualdade, sem degradação ambiental, sem políticos corruptos!


Essa infeliz realidade que nos circunda, e da qual somos responsáveis, por opção ou por omissão, se constitui num gritante apelo para nos engajarmos na busca de "um outro mundo possível". Contudo, ainda não será o feliz ano novo. O ano será novo se, em nós e à nossa volta, superarmos o velho. E velho é tudo aquilo que já não contribui para tornar a felicidade um direito de todos. À luz de um novo marco civilizatório, há que se superar o modelo produtivista-consumista e introduzir, no lugar do PIB, a FIB (Felicidade Interna Bruta), fundada numa economia solidária.


Se o novo se faz advento em nossa vida espiritual, então, com certeza, teremos, sem milagres ou mágicas, um feliz ano novo, ainda que o mundo prossiga conflitivo; a crueldade, travestida de doces princípios; o ódio, disfarçado de discurso amoroso.


A diferença é que estaremos conscientes de que, para ter um feliz ano novo, é preciso abraçar um processo ressurrecional: engravidar-se de si mesmo, virar-se pelo avesso e deixar o pessimismo para dias melhores.

CARLOS ALBERTO LIBÂNIO CHRISTO, o Frei Betto, 65, frade dominicano, é assessor de movimentos sociais e escritor, autor de "Calendário do Poder" (Rocco), entre outros livros. Foi assessor especial da Presidência da República (2003-2004).

FONTE: Folha de São Paulo, 31 de dezembro de 2009.

quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Antes que acabe o ano




Antes que acabe o ano

Ademar Bogo*

Antes que acabe o ano
Farei uma poesia
Para dizer em versos
Que iremos renascer
Junto com o ano novo;
De novo...
Mas o ano velho também será lembrado
Ele é a causa presente terminando
Conhece-nos detalhadamente
E nos dá razão.
Continuará em nós
Em sabedoria e experiência
Em lembranças
Em consciência.

Antes que acabe o ano insatisfeito
E venha o ano bom
Farei uma poesia
Para zombar do tempo e da corrupção;
Zombar daqueles que pensam que venceram
Quando apenas se condenaram ainda mais
Por isto não renascerão
Nem terão um ano bom.

Antes que acabe o ano
Farei uma poesia às flores e aos amigos
Porque ambos guardaram as sementes
Para o novo plantio.
Juntos faremos as colheitas.

Antes que acabe o ano
Farei uma poesia aos novos planos
Em nome da continuação.

*Ademar Bogo é da Coordenação Nacional do MST

Fonte: http://www.mst.org.br/node/8890

LIVROS DA COLEÇÃO APLAUSO PODEM SER LIDOS ON-LINE


Cerca de 170 livros da Coleção Aplauso, lançada em 2004 para registrar a história do teatro, cinema e TV no Brasil, estão disponíveis na internet para leitura ou download gratuitos (aplauso.imprensaoficial.com.br). Entre os títulos, estão as histórias dos canais Tupi e Excelsior, as biografias de artistas como Gianfrancesco Guarnieri, Raul Cortez, Mazzaropi, Tônia Carrero, Eva Wilma, Walmor Chagas, Fernando Meirelles, Carlos Zara, e roteiros como "Estômago" e "Feliz Natal".

terça-feira, 29 de dezembro de 2009

"Internacionalização" das cadeias produtivas nacionais



Aumenta a presença do capital estrangeiro no campo
29 de dezembro de 2009
Do Valor Econômico

O agronegócio brasileiro tem passado por um profundo processo de "estrangeirização" nos últimos sete anos. De 2002 a 2008, as atividades ligadas ao campo receberam US$ 46,9 bilhões em investimentos diretos estrangeiros (IED), revela um estudo inédito do Banco Central. O valor equivale a 29,5% do IED total líquido ingressado no país no período, e a maior parte foi empregada na ampliação das operações da agroindústria fornecedora de insumos agropecuários.
O movimento de "internacionalização" das cadeias produtivas nacionais tem respaldo no avanço da concentração da posse da terra em mãos de poucos brasileiros e a atração cada vez maior de estrangeiros para esse tipo de investimento. Nos 11 Estados responsáveis por 90% desses registros, há 1.396 municípios com comunicado oficial de terras compradas por estrangeiros, segundo cadastro do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) - 124 desses municípios têm metade das áreas de médias e grandes propriedades em nome de estrangeiros. No total, há 3,6 milhões de hectares em mãos estrangeiras nas regiões Sul e Centro-Oeste, além de São Paulo, Minas, Bahia, Pará, Tocantins e Amazonas.
O capital internacional tem buscado, no Brasil, o alto potencial das terras locais para produzir commodities e matérias-primas para biocombustíveis. Mas o dinheiro estrangeiro também mira a valorização dessas terras. As recentes incorporações das usinas da Santelisa Vale pela francesa Louis Dreyfus e do grupo Moema pela americana Bunge reforçam a tendência de consolidação da presença estrangeira. No ano passado, mesmo com a crise financeira global e a queda dos preços das commodities em relação às máximas pré-debacle, o agronegócio recebeu 20% de todos os IEDs no Brasil. Em 2009, o BC projeta US$ 25 bilhões de investimentos estrangeiros no país - e o campo deverá absorver entre US$ 5 bilhões e US$ 7,5 bilhões do total.
O Incra, responsável pelo controle das informações da posse da terra no país, está preocupado com o avanço estrangeiro. "A terra é um meio de produção finito. Há uma forte disputa pela terra, que foi acirrada pelas crises mundiais de energia e de alimentos", avalia o presidente do Incra, Rolf Hackbart. O estudo do BC aponta que o movimento de "internacionalização" ajudou a elevar a produção doméstica no curto prazo, mas aumentou a concentração agroindustrial e reduziu o valor da produção agrícola no período. "A concentração elevada está associada aos investimentos estrangeiros", diz Hackbart. A solução, segundo ele, seria aprovar regras mais duras de controle sobre a posse dessas terras. "É preciso corrigir a legislação para termos regras para aquisição de terras por estrangeiros. Não é xenofobia, mas a defesa da nossa soberania sobre o uso dessas terras".
O Palácio do Planalto avalia, desde 1997, alterar as regras para restringir o capital estrangeiro na compra de terras. A Advocacia-Geral da União (AGU) deve apresentar nova norma para equiparar empresas nacionais com capital estrangeiro às companhias controladas por acionistas não-residentes no país ou com sede no exterior. Em áreas situadas ao longo da faixa de 150 quilômetros das fronteiras continuará necessária autorização do Conselho de Defesa Nacional para aquisição e arrendamento.
Concentração e desigualdade
O estudo do Banco Central alerta, ainda, que o processo de concentração da produção e das exportações do agronegócio tem contribuído para elevar as diferenças regionais na geração de riqueza. Além disso, o BC afirma que a indústria de insumos tem pressionado para baixo os preços ao produtor. Quanto maior o IED na agroindústria, menor o valor da produção agropecuária. A cada aumento de 1% no IED no segmento, haveria redução de 0,22% na produção, diz o estudo. Isso porque, explica o BC, a concentração agroindustrial, via fusões ou aquisições, eleva o poder das empresas e reduz os ganhos dos produtores.
Na análise do setor, o BC constata que os IEDs direcionam aportes para um grupo reduzido de produtos, como algodão, carnes, soja, óleo, etanol, açúcar e sucos de frutas, cuja participação no comércio internacional é relevante. A avaliação do BC também aponta que o setor ainda é bastante dependente da importação de insumos, como matérias-primas para adubos. Fatores como abundância de terras, competitividade e produtividade do agronegócio nacional têm atraído cada vez mais investimentos estrangeiros ao país.
Um impacto positivo desse movimento é o desempenho das exportações. O BC calcula que a cada 1% de aumento nas exportações do setor, a produção agrícola cresceria 0,35%. A cada dólar investido na agropecuária, a produção aumenta R$ 18,90. E a cada dólar exportado, esse valor quase dobra para R$ 1,80. "Mas isso fortalece a dependência dos produtores brasileiros da produção de commodities para exportação e as estratégias das empresas globais", diz o estudo.

O DIREITO DA HUMANIDADE A EXISTIR


Reflexões do companheiro Fidel


O DIREITO DA HUMANIDADE A EXISTIR
(Extraído de Cubadebate)
A mudança climática já causa danos consideráveis e centenas de milhões de pobres sofrem as conseqüências.
Os centros de investigações mais avançados garantem que resta muito pouco tempo para evitar uma catástrofe irreversível. James Hansen, do Instituto Goddard da NASA, assevera que um nível de 350 partes do dióxido de carbono por milhão ainda é tolerável; contudo, hoje ultrapassa a cifra de 390 e cada ano se incrementa a ritmo de duas partes por milhão, ultrapassando os níveis de há 600 mil anos. As últimas duas décadas têm sido, cada uma delas, as mais calorosas desde que se têm notícias do registro. Nos últimos 150 anos o mencionado gás aumentou 80 partes por milhão.
O gelo do Mar Ártico, a enorme camada de dois quilômetros de espessura que cobre a Groenlândia, as geleiras da América do Sul que nutrem suas fontes principais de água doce, o volume colossal que cobre a Antártida, a camada que resta do Kilimanjaro, os gelos que cobrem a Cordilheira do Himalaia e a enorme massa gelada da Sibéria estão a se derreter visivelmente. Cientistas notáveis temem saltos quantitativos nestes fenômenos naturais que originam a mudança.
A humanidade pôs grandes esperanças na Cimeira de Copenhague, depois do Protocolo de Kyoto subscrito em 1997, que começou a vigorar no ano 2005. O estrondoso fracasso da Cimeira deu lugar a vergonhosos episódios que precisam ser esclarecidos.
Os Estados Unidos da América, com menos de 5% da população mundial emitem 25% do dióxido de carbono. O novo Presidente dos Estados Unidos da América prometeu cooperar com o esforço internacional para encarar um problema que afeta esse país e o resto do mundo. Durante as reuniões prévias à Cimeira, ficou evidenciado que os dirigentes dessa nação e dos países mais ricos manobravam para fazer com que o peso do sacrifício caísse sobre os países emergentes e pobres.
Grande número de líderes e milhares de representantes dos movimentos sociais e instituições científicas decididos a lutar por preservar a humanidade do maior risco de sua história, viajaram a Copenhague convidados pelos organizadores da Cimeira. Não vou me referir aos detalhes sobre a brutalidade da força pública dinamarquesa, que arremeteu contra milhares de manifestantes e convidados dos movimentos sociais e científicos que acudiram à capital da Dinamarca, para me concentrar nos aspectos políticos da Cimeira.
Em Copenhague reinou um verdadeiro caos e aconteceram coisas incríveis. Os movimentos sociais e instituições científicas foram proibidos de participar nos debates. Houve Chefes de Estado e de Governo que não puderam nem sequer emitir suas opiniões sobre problemas vitais. Obama e os líderes dos países mais ricos apropriaram-se da conferência com a cumplicidade do governo dinamarquês. Os organismos das Nações Unidas foram relegados.
Barack Obama, que chegou no último dia da Cimeira para permanecer ali apenas 12 horas, reuniu-se com dois grupos de convidados escolhidos "a dedo" por ele e seus colaboradores. Junto a um deles se reuniu na sala da plenária com o resto das mais altas delegações. Falou e foi embora logo pela porta traseira. Nessa sala, com a exceção do grupo selecionado por ele, foi proibido fazer uso da palavra aos outros representantes dos estados. Nessa reunião os Presidentes da Bolívia e da República Bolivariana da Venezuela puderam falar porque, perante o reclamo dos representantes o Presidente da Cimeira não teve outra alternativa que lhes conceder a palavra.
Noutra sala contígua, Obama reuniu os líderes dos países mais ricos, vários dos Estados emergentes mais importantes e dois muito pobres. Apresentou um documento, negociou com dois ou três dos países mais importantes, ignorou a Assembléia Geral das Nações Unidas, ofereceu entrevistas coletivas, e foi embora como Júlio César numa de suas campanhas vitoriosas na Ásia Menor, que fez com que exclamasse: Cheguei, vi e venci.
O próprio Gordon Brown, Primeiro Ministro do Reino Unido, no dia 19 de outubro, afirmou: "Se não chegamos a um acordo, no decurso dos próximos meses, não devemos ter nenhuma duvida de que, uma vez que o crescimento não controlado das emissões tenha provocado danos, nenhum acordo global retrospectivo, nalgum momento do futuro, poderá desfazer tais efeitos. Nessa altura, será irremediavelmente tarde demais."
Brown concluiu seu discurso com dramáticas palavras: "Não podemos dar-nos ao luxo de fracassar. Se fracassamos agora, pagaremos um preço muito alto. Se atuamos agora, se atuamos de conjunto, se atuamos com visão e determinação, o sucesso em Copenhague ainda estará ao nosso alcance. Mas se fracassamos, o planeta Terra estará em perigo, e para o planeta não existe um Plano B."
Agora, declarou com arrogância que a Organização das Nações Unidas não deve ser tomada como refém por um pequeno grupo de países como Cuba, a Venezuela, a Bolívia, a Nicarágua e Tuvalu, ao mesmo tempo que acusa a China, a Índia, o Brasil, a África do Sul e outros Estados emergentes de cederem perante as seduções dos Estados Unidos da América para subscreverem um documento que lança à lixeira o Protocolo de Kyoto e não contém nenhum compromisso vinculativo por parte dos Estados Unidos da América e dos seus aliados ricos.
Sou obrigado a recordar que a Organização das Nações Unidas nasceu há apenas seis décadas, depois da última Guerra Mundial. Os países independentes, naquela altura não ultrapassavam o número de 50. Hoje fazem parte dela mais de 190 Estados independentes, após ter deixado de existir, produto da luta decidida dos povos, o odioso sistema colonial. À própria República Popular China, durante muitos anos, lhe foi negado pertencer à ONU, e um governo fantoche ostentava sua representação nessa instituição e em seu privilegiado Conselho de Segurança.
O apoio tenaz do crescente número de países do Terceiro Mundo foi indispensável no reconhecimento internacional da China, e um fator de suma importância para que os Estados Unidos da América e seus aliados da NATO lhe reconheceram seus direitos na Organização das Nações Unidas.
Na heróica luta contra o fascismo, a União Soviética tinha realizado o maior contributo. Mais de 25 milhões de seus filhos morreram, e uma enorme destruição assolou o país. Dessa luta emergiu como superpotência capaz de contrapesar em parte o domínio absoluto do sistema imperial dos Estados Unidos da América e as antigas potências coloniais para o saqueio ilimitado dos povos do Terceiro Mundo. Quando a URSS se desintegrou, os Estados Unidos da América estenderam o seu poder político e militar para o Leste, até o coração da Rússia, e a sua influência sobre o resto da Europa aumentou. Nada de estranho tem o acontecido em Copenhague.
Desejo sublinhar o injusto e ultrajante das declarações do Primeiro Ministro do Reino Unido e a tentativa ianque de impor, como Acordo da Cimeira, um documento que em nenhum momento foi discutido com os países participantes.
O Ministro das Relações Exteriores de Cuba, Bruno Rodríguez, na entrevista coletiva oferecida no dia 21 de dezembro, afiançou uma verdade que é impossível negar; usarei textualmente alguns dos seus parágrafos: "Gostaria de enfatizar que em Copenhague não houve nenhum acordo da Conferência das Partes, não foi tomada nenhuma decisão com respeito aos compromissos vinculativos ou não vinculativos, ou de natureza de Direito Internacional, de maneira nenhuma; simplesmente, em Copenhague não houve acordo".
"A Cimeira foi um fracasso e um engano à opinião pública mundial. [...] ficou a descoberto a falta de vontade política..."
"... foi um passo atrás na ação da comunidade internacional para prever o mitigar os efeitos da mudança climática..."
"... a média da temperatura mundial poderia aumentar em 5 graus..."
Logo, o nosso Ministro das Relações Exteriores acrescenta outros dados de interesse sobre as possíveis conseqüências segundo as últimas pesquisas da ciência.
"...desde o Protocolo de Kyoto até a data as emissões dos países desenvolvidos aumentaram 12,8%... e desse volume 55% corresponde aos Estados Unidos da América."
"Um estadunidense consome anualmente, em média, 25 barris de petróleo, um europeu 11, um cidadão chinês menos de dois, e um latino-americano ou caribenho, menos de um."
"Trinta países, incluídos os da União Européia, consomem 80% do combustível produzido."
O fato muito real é que os países desenvolvidos que subscreveram o Protocolo de Kyoto aumentaram drasticamente suas emissões. Querem substituir agora a base adotada das emissões a partir de 1990 com a de 2005, com o qual os Estados Unidos da América, o máximo emissor, reduziria só 30% suas emissões de 25 anos antes. É uma desavergonhada zombaria à opinião pública.
O Ministro das Relações Exteriores cubano, falando em nome de um grupo de países da ALBA, defendeu a China, a Índia, o Brasil, a África do Sul e outros importantes Estados de economia emergente, afirmando o conceito alcançado em Kyoto de "responsabilidades comuns, porém diferenciadas, quer dizer que os acumuladores históricos e os países desenvolvidos, que são os responsáveis por esta catástrofe, têm responsabilidades diferentes às dos pequenos Estados insulares ou às dos países do Sul, sobretudo os países menos desenvolvidos..."
"Responsabilidades quer dizer financiamento, responsabilidades quer dizer transferência de tecnologia em condições aceitáveis, e então Obama faz um jogo de palavras, e em vez de falar de responsabilidades comuns, porém diferenciadas, fala de ‘respostas comuns, porém diferenciadas’."
"... abandonou a sala sem se dignar a escutar ninguém, nem tinha escutado ninguém antes de sua intervenção."
Numa entrevista coletiva posterior, antes de abandonar a capital dinamarquesa, Obama afirma: "Temos produzido um substancial acordo sem precedente aqui em Copenhague. Pela primeira vez na história, as maiores economias viemos juntas aceitar responsabilidades."
Em sua clara e irrefutável exposição, nosso Ministro das Relações Exteriores afirma: Que quer dizer isso de que ‘as maiores economias viemos juntas aceitar nossas responsabilidades’? Quer dizer que estão descarregando um importante peso da carga que significa o financiamento para a mitigação e a adaptação dos países sobre todo do Sul à mudança climática, sobre a China, o Brasil, a Índia e a África do Sul; porque há que dizer que em Copenhague teve lugar um assalto, um roubo contra a China, o Brasil, a Índia, a África do Sul e contra todos os países chamados com eufemismo em desenvolvimento."
Estas foram as palavras contundentes e incontestáveis com as quais nosso ministro das Relações Exteriores relata o acontecido em Copenhague.
Devo acrescentar que, quando às 10 horas do dia 19 de dezembro nosso vice-presidente Esteban Lazo e o Ministro das Relações Exteriores cubano tinham ido embora, se produziu uma tentativa tardia de ressuscitar o morto de Copenhague, como um acordo da Cimeira. Nesse momento, não restava praticamente nenhum Chefe de Estado nem apenas ministros. Novamente, a denúncia dos restantes membros das delegações de Cuba, da Venezuela, da Bolívia, da Nicarágua e de outros países derrotou a manobra. Foi assim que finalizou a inglória Cimeira.
Outro fato que não pode ser esquecido foi que nos momentos mais críticos desse dia, em horas da madrugada, o ministro das Relações Exteriores de Cuba, juntamente com as delegações que travavam uma digna batalha, ofereceram ao secretario-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, sua cooperação na luta cada vez mais dura que se levava a acabo, e nos esforços a se realizarem no futuro para preservar a vida de nossa espécie.
O grupo ecológico Fundo Mundial para a Natureza (WWF) advertiu que a mudança climática ficaria fora de controle nos próximos 5 a 10 anos, se não são diminuídas drasticamente as emissões.
Mas não faz falta demonstrar o essencial do que aqui é afirmado a respeito do feito por Obama.
O presidente dos Estados Unidos da América declarou, quarta-feira, 23 de dezembro, que as pessoas têm razão ao estarem decepcionados pelo resultado da Cimeira sobre a Mudança Climática. Em entrevista pela cadeia de televisão CBS, o mandatário assinalou que "’em vez de ver um total colapso, sem que tivesse feito nada, o que poderia ter sido um enorme retrocesso, ao menos nos mantivemos mais ou menos donde estávamos’..."
Obama — afirma a notícia — é o mais criticado por aqueles que, de maneira quase unânime, sentem que o resultado da Cimeira foi desastroso.
A ONU agora está numa situação difícil. Pedir a outros países que adiram ao arrogante e antidemocrático acordo seria humilhante para muitos Estados.
Continuar a batalha e exigir em todas as reuniões, principalmente nas de Bonn e do México, o direito da humanidade a existir, com a moral e a força que nos outorga a verdade, é segundo a nossa opinião o único caminho.

Fidel Castro Ruz
Dezembro 26 de 2009
20h15

Literatura para conhecer e formar o Brasil

Entrevista de Antonio Candido, a propósito dos 50 anos da publicação de Formação da Literatura Brasileira (24/10/2009):
Zero Hora – À distância de 50 anos, a Formação da Literatura Brasileira (FLB) lhe parece padecer de algum traço nacionalista, como se costuma dizer? Se o senhor escrevesse a obra hoje, faria diferente, especificamente na abordagem do nacional ou, ao contrário, na integração do não-nacional?
Antonio Candido – Começando pelo fim, lembre quanto ao “não-nacional” que eu refiro sempre os autores brasileiros aos inspiradores ou afins europeus, porque a nossa é uma literatura que pertence organicamente ao quadro das literaturas ocidentais. Muitas vezes, o que escrevemos parece, aos outros, diferente do que nos parece. O fato de a FLB estudar o nacionalismo crítico não quer dizer que se enquadre nele. O que penso a respeito pode ser lido num trecho da introdução: “(...) o nacionalismo crítico, herdado dos românticos, pressupõe também, como ficou dito, que o valor da obra dependia do seu caráter representativo. Dum ponto de vista histórico, é evidente que o conteúdo brasileiro foi algo positivo, mesmo como fator de eficácia estética, dando pontos de apoio à imaginação e músculos à forma. Deve-se, pois, considerá-lo subsídio da avaliação, nos momentos estudados, lembrando que, após ter sido recurso ideológico, numa fase de construção e autodefinição, é atualmente inviável como critério, constituindo um calamitoso erro de visão”. Terei incorrido neste erro? Levar em conta a ocorrência nas obras de elementos característicos do país, tanto humanos quanto naturais, é necessário num trabalho de história literária, mas nem é exclusividade do nacionalismo crítico, nem basta para caracterizá-lo. O nacionalismo crítico propriamente dito tem entre os seus pressupostos a noção de que o conteúdo temático local determina o valor das obras. Isso não estava nas minhas intenções, mas é possível que tenha se infiltrado. Seja como for, continuo aceitando os pontos de vista da FLB, que, no entanto, é um livro de outro tempo. Portanto, desgastado. Parafraseando Carlos Drummond de Andrade num dos seus mais belos poemas, sinto que sobre ele o tempo abateu a sua mão pesada. Sobretudo levando em conta que, no último meio século, constituiu-se e amadureceu, de Norte a Sul, a crítica universitária, investigadora e retificadora por natureza. Quando escrevi a FLB, a partir de 1945, ela estava começando.
ZH – O prefácio da segunda edição da FLB identifica “o último quartel do século 19” como “o momento em que a nossa literatura aparece integrada, articulada com a sociedade”. A identificação desse momento é baseada em qual grau de articulação com qual porção da sociedade?
Candido – A parte final do século 19 me parece o momento no qual a nossa literatura já demonstrava um grau de integração autor-obra-público que, segundo o meu ponto de vista, permite considerá-la atividade contínua, marcada por uma tradição local, sendo que o público, isto é, a parte da sociedade com a qual se articula, era essencialmente a minoria capaz de ler. Por isso, parei o livro naquela altura. Quem o lê percebe que a pesquisa sobre tradição, implícita o tempo todo, é um fio condutor, porque a tradição é a prova de que o sistema vai se constituindo, de que a literatura vai se institucionalizando, ao longo de um processo esboçado em meados do século 18. Creio que a FLB chocou a rotina, preocupada com a ocorrência dos fatos literários, não com a sua articulação e a sua continuidade. A nossa historiografia procurava, por exemplo, estabelecer quando a literatura começou aqui (com a Carta de Caminha, com Bento Teixeira, com os “baianos”?), ou como foi exprimindo cada vez mais a realidade local. Ora, ela não começou em momento nenhum, porque veio pronta de Portugal, ou veio vindo, com todo o peso erudito do Renascimento. Quanto à importância da tradição como força constitutiva, a meu ver, a literatura amadurece quando é possível a um escritor reportar-se, para elaborar a sua linguagem e os seus temas, ao exemplo de escritores precedentes do seu país. Quais os antecessores locais de Gregório de Matos? Não há, é claro. A formação do sistema pressupõe a continuidade, que determina a fisionomia geral da literatura. É o que me parece haver no fim do século 19. Mas sou obrigado a reconhecer que grande parte dos equívocos sobre o meu livro deve ter sido motivada pelo título impróprio. Deveria ser: Arcádia e Romantismo – Momentos Decisivos na Formação do Sistema Literário Brasileiro. Mas isso o editor não aceitaria, nem eu ousaria propor, porque ele já estava sendo compreensivo demais ao aceitar que eu lhe desse, ao cabo de 12 anos, não a pequena história que havia encomendado, mas uma coisa inteiramente diversa. A propósito, lembro que escrevi em 1987 e publiquei em 1997 um resumo, no qual, aí sim, apresento o conjunto, à luz do que denominei sistema literário: Iniciação à Literatura Brasileira.
ZH – Vários intelectuais que lhe foram próximos, como Mário de Andrade e Sérgio Buarque de Holanda, e mesmo alguém não próximo, como Gilberto Freyre, parecem não ter compreendido a importância de Machado de Assis (Mário preferia Alencar a Machado, Sérgio considerava Machado a “flor da estufa do formalismo” etc). Até que ponto a FLB pode ser vista como uma tentativa de explicar essa importância a tais figuras?
Candido – Isso nunca me passou pela cabeça, mas aproveito para aludir ao significado de Machado de Assis no projeto do meu livro. Ele foi o primeiro escritor verdadeiramente genial de nossa literatura e marcou a superação do nacionalismo, inclusive sob seus aspectos pitorescos, valorizados pelos estrangeiros interessados, sobretudo, em nosso lado exótico (Denis, Monglave, Garrett etc). De maneira muito própria, ele traduziu a nossa realidade humana em valor universal, mas – aqui, entra o meu ponto de vista – isso não quer dizer, como se disse durante muito tempo, que tenha sido uma espécie de bólido caído no Brasil não se sabe por quê. É certo que não foi um produto necessário do que lhe era anterior, mas o fato é que pressupõe as tentativas precedentes, que sublimou e coroou, porque já havia aqui uma tradição em andamento. Ele incorporou e transcendeu os esforços medíocres de (Joaquim Manuel de) Macedo e os mais consistentes de (José de) Alencar, fazendo da ficção narrativa um instrumento refinado e moderno de análise da personalidade e da sociedade, com uma visão, por assim dizer, essencial, que o situa no nível dos grandes ficcionistas europeus do seu tempo. Com ele, personalidade e sociedade deixam de ser na ficção objetos de validade local para se tornarem universais. Daí o valor simbólico que lhe atribuí, como sinal de coroamento do processo de formação do sistema literário.
ZH – A última história da literatura brasileira importante foi a de Alfredo Bosi, História Concisa da Literatura Brasileira, escrita há mais de três décadas. A que se pode atribuir o silêncio atual na tarefa de historiar a literatura brasileira?
Candido – Hoje, a tarefa de escrever uma história da nossa literatura que ultrapasse a escala de compêndio ou, como se dizia dantes, de bosquejo, dificilmente poderá ser realizada por um só autor. Afrânio Coutinho sentiu isso bem quando recorreu, já nos anos de 1950, a uma equipe variada para realizar o seu importante A Literatura do Brasil, em seis volumes. A experiência pessoal me mostrou que mesmo o estudo mais ou menos aprofundado de apenas dois períodos era tarefa pesada demais quando a empreendi, de 1945 a 1957. Daí tantas lacunas na FLB. De lá para cá, a investigação se desenvolveu de maneira considerável, devido sobretudo aos programas de pós-graduacão, apoiados por bolsas de estudos. Do Amazonas ao Chuí, como se dizia, milhares de estudiosos, com mais ou menos talento, com mais ou menos êxito, vêm realizando um esquadrinhamento que torna difícil a uma só pessoa a tarefa de escrever uma história, mesmo curta. O livro de Alfredo Bosi é notável, e eu mencionaria também o de Luciana Stegagno Picchio. E há outra questão: será que ainda há interesse nesse tipo de livro? Houve modificação profunda nos estudos literários, e o tratamento histórico parece ter perdido o prestígio anterior, o que é uma pena e, sobretudo, uma perda.
ZH – O Modernismo da década de 1920 contribuiu para a afirmação nacionalista no estudo da literatura brasileira. Para críticos estrangeiros, como Erich Auerbach e Edmund Wilson, o nacionalismo não é um problema a ser pensado. A que o senhor atribui essa necessidade do nacionalismo no Brasil? Não parece ter havido influência demasiada do Modernismo na historiografia brasileira?
Candido – O nacionalismo dos românticos foi um instrumento de afirmação nacional e sobretudo patriótica, sendo tentativa de demonstrar que a literatura brasileira era diferente da portuguesa, porque tinha temas e sentimentos próprios. Foi uma espécie de compreensível reforço do processo de independência, processo lento que começa com a vinda de Dom João em 1808 e vai até a última revolta local em 1849. Foi um ponto de vista historicamente compreensível e válido, marcado pelo patriotismo e a euforia. O que se chama de nacionalismo dos modernistas de 1922 me parece outra coisa. Teve cunho crítico e desmistificador, procurando destacar aspectos considerados negativos pela ideologia tradicional: o negro, o imigrante, o pobre, a fala e a cultura popular etc. Sem falar que substituiu a euforia pela ironia, parecendo, às vezes, um antinacionalismo. Tanto assim que talvez o retrato mais significativo do Brasil que surgiu então foi Macunaíma. O que se poderia aproximar do nacionalismo originário é o verde-amarelismo, derivante secundária que deu no que deu. Quanto aos críticos estrangeiros, é bom lembrar que o nacionalismo romântico foi importante porque o Brasil era um país novo, precisava afirmar sua singularidade e sua valia, começando pela beleza da paisagem e chegando ao índio transfigurado. Fenômeno de adolescência sem sentido nos países velhos.
ZH – Aos 50 anos da FLB, que balanço íntimo o senhor faz? Ocorre-lhe alguma crítica que a obra poderia ter recebido e, para surpresa sua, não veio?
Candido – O que me causou estranheza é sobretudo o fato de FLB ter sido tratada como se fosse uma história truncada ou uma teoria geral. Creio que a maioria se limitou a comentar a pertinência do prefácio e da introdução, quando os quadros e critérios que eles propõem sempre me pareceram menos importantes do que as análises, escolhas, filiações, articulações das obras e dos autores. Esta é a matéria do livro, e dela não se fala. Tenho razão em considerar Santa Rita Durão um passadista e Basílio da Gama um inovador? O Uraguai é uma obra-prima mal composta? Houve de fato um “pré-romantismo franco-brasileiro”? A relação do Arcadismo e do Romantismo pode ser considerada de cunho dialético? Sousa Caldas é de fato um crítico ilustrado da tradição clássica? O gênero romance foi uma espécie de descoberta progressiva do país? A obra de (José de) Alencar vale mais pelo realismo do que pelo indianismo? O conto Ierecê a Guaná, de Taunay, pode ser considerado mola inconsciente de Inocência? Esses são alguns exemplos das dezenas de proposições da FLB às quais ninguém deu atenção. Mas não faltou quem dissesse que, para mim, a literatura brasileira começa em 1750. Essa atenção aos pressupostos e esse desinteresse pela realização me fazem pensar que não fui capaz de explicar claramente o que pretendia. Mas como o livro continua a ser editado meio século depois parece que tem sido mais apreciado pelos estudantes, pelos professores e pelos leitores em geral do que pela crítica. Por outro lado, mais recentemente, a FLB vem sendo elevada a alturas que não merece. De fato, alguns o situam ao lado de Casa-Grande & Senzala e Raízes do Brasil como interpretação do Brasil, o que é constrangedor pelo exagero e equivocado como juízo. Não apenas a sua escala é incomparavelmente mais modesta, mas as interpretações pressupõem a abordagem da realidade social diretamente registrada na documentação, sendo por isso efetuada por historiadores, sociólogos, economistas. Ora, a literatura é uma transfiguração da realidade, de maneira que não pode servir de base para as interpretações.

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

O legado de 1989 nos dois hemisférios

Por Noam Chomsky

Este ano marcou o aniversário de grandes eventos ocorridos em 1989: "o maior ano da história do mundo desde 1945", como o historiador britânico Timothy Garton Ash o descreve. Naquele ano, "tudo mudou", escreve Garton Ash. As reformas de Mikhail Gorbachev na Rússia e a sua "impressionante renúncia do uso da força" levaram à queda do Muro de Berlim, em 9 de Novembro – e à libertação da Europa Oriental da tirania russa. Os elogios são merecidos, os eventos, memoráveis. Mas perspectivas alternativas podem ser reveladoras.


A chanceler alemã, Angela Merkel, forneceu – sem querer – uma tal perspectiva, quando apelou a todos nós para "usar este dom inestimável da liberdade para ultrapassar os muros do nosso tempo". Uma forma de seguir o seu bom conselho seria desmantelar o muro maciço, superando o muro de Berlim em escala e comprimento, que serpenteia atualmente através do território da Palestina, em violação do direito internacional.


O “muro de anexação”, como deveria ser chamado, é justificado em termos de “segurança” – a racionalização por defeito para muitas das ações do Estado. Se a segurança fosse a preocupação, o muro teria sido construído ao longo da fronteira e tornado inexpugnável. O propósito desta monstruosidade, construído com o apoio dos EUA e a cumplicidade européia, é permitir que Israel se aposse de valiosa terra palestina e dos principais recursos hídricos da região, negando assim qualquer existência nacional viável à população autóctone da antiga Palestina.


Outra perspectiva sobre 1989 vem de Thomas Carothers, um acadêmico que trabalhou em programas de “reforço da democracia” na administração do antigo presidente Ronald Reagan. Depois de rever o registro, Carothers concluiu que todos os líderes dos EUA foram "esquizofrênicos" – apoiando a democracia quando se conforma aos objetivos estratégicos e econômicos dos EUA, como nos satélites soviéticos, mas não nos estados clientes dos EUA.


Esta perspectiva é dramaticamente confirmada pela recente comemoração dos acontecimentos de Novembro de 1989. A queda do muro de Berlim foi comemorada com razão, mas houve pouca atenção ao que aconteceu uma semana mais tarde: em 16 de Novembro, em El Salvador, o assassinato de seis importantes intelectuais latino-americanos, padres jesuítas, juntamente com a sua cozinheira e sua filha, pelo batalhão de elite Atlacatl, armado pelos EUA, fresco do treino renovado na Escola de Guerra Especial JFK, em Fort Bragg, Carolina do Norte.


O batalhão e seus esbirros já tinham compilado um registro sangrento ao longo da terrível década que começou em 1980 em El Salvador com o assassinato, praticamente às mesmas mãos, de Dom Oscar Romero, conhecido como “a voz dos sem voz”. Durante a década da “guerra contra o terrorismo” declarada pelo governo Reagan, o horror foi semelhante em toda a América Central.


O reinado de tortura, assassinato e destruição na região deixou centenas de milhares de mortos. O contraste entre a libertação dos satélites da União Soviética e o esmagamento da esperança nos estados clientes dos EUA é impressionante e instrutivo – ainda mais quando ampliamos a perspectiva.


O assassinato dos intelectuais jesuítas trouxe praticamente o fim à “teologia da libertação”, o renascimento do cristianismo que tinha as suas raízes modernas nas iniciativas do Papa João XXIII e do Vaticano II, que ele inaugurou em 1962. O Vaticano II "deu início a uma nova era na história da Igreja Católica", escreveu o teólogo Hans Kung. Os bispos latino-americanos adotaram a "opção preferencial pelos pobres". Assim, os bispos renovaram o pacifismo radical do Evangelho que tinha sido posto de lado quando o imperador Constantino estabeleceu o cristianismo como a religião do Império Romano – "uma revolução" que, em menos de um século, transformou a Igreja perseguida numa "Igreja perseguidora", de acordo com Kung.


No renascimento pós-Vaticano II, os sacerdotes latino-americanos, freiras e leigos levaram a mensagem do Evangelho aos pobres e perseguidos, reuniram-nos em comunidades, e encorajaram-nos a tomar o destino nas suas próprias mãos. A reação a essa heresia foi a repressão violenta. No decurso do terror e do massacre, os praticantes da Teologia da Libertação foram o alvo principal. Entre eles estão os seis mártires da Igreja, cuja execução há 20 anos é agora comemorada com um silêncio retumbante, praticamente não quebrado.


No mês passado, em Berlim, os três presidentes mais envolvidos na queda do Muro – George H. W. Bush, Mikhail Gorbachev e Helmut Kohl – discutiram quem merece crédito.


"Eu sei agora como o céu nos ajudou", disse Kohl. George H. W. Bush elogiou o povo da Alemanha Oriental, que "por muito tempo foi privado dos seus direitos dados por Deus". Gorbachev sugeriu que os Estados Unidos precisam da sua própria Perestroika.


Não existem dúvidas sobre a responsabilidade pela demolição da tentativa de reavivar a igreja do Evangelho na América Latina durante a década de 1980. A Escola das Américas (desde então renomeada Instituto do Hemisfério Ocidental para Cooperação de Segurança) em Fort Benning, na Geórgia, que treina oficiais latino-americanos, anuncia orgulhosamente que o Exército dos EUA ajudou a "derrotar a teologia da libertação" – assistida, com certeza, pelo Vaticano, utilizando a mão suave da expulsão e da supressão.


A sinistra campanha para reverter a heresia posta em movimento pelo Concílio Vaticano II recebeu uma incomparável expressão literária na parábola do Grande Inquisidor em Os Irmãos Karamazov de Dostoievski.


Nessa história, situada em Sevilha no "momento mais terrível da Inquisição", Jesus Cristo aparece subitamente nas ruas, "de mansinho, sem ser observado, e contudo, por estranho que pareça, toda a gente o reconheceu" e foi "irresistivelmente atraída para ele".


O Grande Inquisidor ordena aos guardas: "prendam-no e levem-no" para a prisão. Lá, ele acusa Cristo de vir "prejudicar-nos" na grande obra de destruir as idéias subversivas de liberdade e comunidade. Nós não Te seguimos, o Inquisidor admoesta Jesus, mas sim a Roma e à "espada de César". Procuramos ser os únicos governantes da Terra para que possamos ensinar à "fraca e vil" multidão que "só será livre quando renunciar à sua liberdade para nós e se submeter a nós". Então, eles serão tímidos e assustados e felizes.


Assim, amanhã, diz o inquisidor: "Devo queimar-te". Por fim, no entanto, o Inquisidor abranda a pena e liberta-o "nos becos escuros da cidade".


Os alunos da Escola das Américas não praticaram tal misericórdia.
Fonte: In These Times
Artigo traduzido por Infoalternativa.org.
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domingo, 27 de dezembro de 2009

Cultura pra quê???


A Reforma Agrária e o MST

Antônio Cechin e Jacques Távora Alfonsin comentam o debate sobre a Reforma Agrária travado no jornal Folha de S. Paulo, entre Zander Navarro e Plínio de Arruda Sampaio.
As opiniões de Zander Navarro e de Plinio de Arruda Sampaio, publicadas na Folha de São Paulo, dia 5 deste mês, a primeira contrária e a segunda a favor da reforma agrária, continuam repercutindo. Já foram analisadas, inclusive pelo Ministro de Desenvolvimento Agrário. Já que a atuação do MST aparece em todas elas como um elemento-chave a ser levado em conta, vale a pena considerar-se o que ficou dito, igualmente, contra e a favor dele.
Zander baseado em seus estudos, como refere no início do seu texto, defendeu nada menos do que treze teses de impugnação da causa, da ideologia, do método de arregimentação dos seus integrantes, da forma como são liderados, e do modo como esse movimento age. Negou que ele seja vítima de criminalização; denunciou, como um dos seus maiores defeitos, o caráter não institucional de que ele se reveste, não lhe reconhecendo, sequer, continuar sendo um Movimento Popular. Dá uma aula sobre o que ele acha que o MST é, e não hesita em dizer como ele deveria ser.
Plínio, ao contrário, preferiu analisar o MST, baseado em fatos e, no que mais interessava ao tema proposto pela Folha, no uso e na exploração da terra. Não ignorou o contexto histórico da realidade hostil e opressiva a que está submetido o povo sem-terra, em nosso país; criticou os poderes públicos, de forma particular o da União, pela preferência que adotou em relação ao nosso modelo agrícola; sublinhou o poder decisivo das transnacionais sobre o campo brasileiro (soja, álcool de cana, carne, madeiras); lamentou a extensão da grilagem (agora legalizada) das terras da Amazônia, o destino suspeito de transposição do Rio São Francisco, as vantagens inerentes à consolidação da agricultura familiar. Identificou o MST como um movimento socialista, impugnando, em números, a versão corrente sobre o que aconteceu na Fazenda Cutrale; conclamou vários atores sociais a se empenharem em favor da reforma agrária até para exigir do Judiciário maior rapidez nas desapropriações e fiscalização das violências praticadas contra as/os sem-terra nas ações de reintegração de posse.
A simples comparação das idéias aí em aberto conflito, parece indicar que a primeira é muito mais acadêmica, teórica e subjetiva do que a segunda. Para Zander o que o MST é, destoa do modelo que a sociologia (ele também, por óbvio) indica que esse Movimento deva obedecer. Para Plinio, o que o MST é, revela simplesmente uma forma de organização social necessária à defesa do povo sem-terra e da reforma agrária.
Desde logo, um primeiro questionamento se impõe à leitura dos dois artigos. O que é mais importante? A conformidade exigida pelo modelo teórico, acadêmico, “científico(?)”, previamente receitado na bula da primeira perspectiva, ou o remédio urgente e necessário de que carece uma doença social grave, vitimando multidões pobres que padecem, historicamente, de desrespeito?
Se as duas opiniões forem testadas à luz dos objetivos da reforma agrária, dos direitos humanos fundamentais do povo sem-terra, e até do modelo que temos de Estado democrático de direito, no Brasil, as treze teses de Zander sofrem de uma auto-suficiência incompatível até com a ciência da qual ele se socorre.
Nem é muito difícil se provar esse fato, podendo se dispensar aqui, até o grau de desigualdade dos serviços que ao povo sem-terra prestaram um e outro dos autores que assinam os artigos publicados pela Folha.
Zander insiste bastante no fato de que um dos maiores defeitos do MST consiste em ele se encontrar à margem da institucionalidade; verbera a circunstância de, usando esse Movimento recursos públicos, os Poderes responsáveis por tais recursos não cobrarem essa institucionalidade, já que com ela, num regime democrático, o MST “obteria alguma tolerância pública.” Ele qualifica como ridícula, por isso mesmo, entre outras razões, a queixa das/os sem-terra relativa à criminalização orquestrada e indiscriminada, no país e no Rio Grande do Sul, contra elas/es; entende que a reforma agrária deve alcançar, se alcançar, apenas o nordeste brasileiro.
Além do desconhecimento que o autor revela aí, do que a Constituição Federal e as leis do país dispõem a respeito da liberdade que o povo, ou parcela dele tem, de se associar, com personalidade jurídica, ou não, algumas contradições do seu libelo contra o MST acabam por desautorizar toda a sua crítica.A começar por um princípio jurídico elementar, respeitado mais por sua obviedade do que pela sua previsão legal (art. 476 do código civil), a ninguém cabe exigir o cumprimento de uma obrigação inserta num contrato, enquanto não cumprir, por sua parte, a obrigação a que se vinculou. A Instituição Estado brasileiro está em mora no cumprimento das suas obrigações para com o povo sem-terra desde que esse país, mal ou bem, foi reconhecido como nação independente no mundo todo. Se não cumpre a obrigação que lhe cabe, que direito lhe assiste de exigir o cumprimento da “obrigação” de suas/seus cidadãs/os?
Outra analogia bem próxima do tema que nos ocupa aqui, pode ser conferida na conduta dos latifundiários brasileiros que, mesmo descumprindo com a sua obrigação de respeitar a função social inerente ao seu direito de propriedade rural, condenam o MST, assim como faz o Zander, por ele não cumprir a “obrigação(?)” de se institucionalizar. Desde o evangelho, todo o mundo sabe que quem tem uma trave no próprio olho não pode censurar o argueiro que se encontra no olho alheio.
Ora, institucionalizado ou não, é justamente pela iniciativa das instituições públicas e as privadas vinculadas aos latifundiários, que as/os agricultoras/es sem-terra, filiadas/os ou não ao MST, têm sofrido historicamente de uma repressão judicial e policial-militar tão duras, ou mais, do que as que sofreram na época da ditadura. E isso, em pleno exercício do modelo de “democracia” que o Zander defende, ou seja, aquele que em vez de respeitar e promover a organização popular lhe outorga (como favor talvez?), “alguma tolerância”.
Como uma democracia a esse nível tem legitimidade ou autoridade ético-jurídica para exigir “institucionalização” de qualquer movimento popular, esse autor não explica, como nem deixa muito claro de resto, o que ele entende por institucionalidade.
Assim, uma primeira e fundamental contradição do seu raciocínio reside nisso. Ele acaba por justificar a ausência de personalidade jurídica, a ausência de um CNPJ para o MST, não só pelo fato de latifundiários e Poder Público descumprirem suas obrigações para com o povo sem-terra, como pelo tipo de democracia que ambos, mais ele, entendam contemplar esse povo; essa espécie de “democracia(?)” já na democracia autêntica aí nem existe. É até bem melhor que o Movimento se defenda desse tipo original de “regime” jurídico-político desenhado pelo autor, tentando quando menos denunciar o quanto há, aí sim, de “intolerável” autoritarismo nesse arremedo de obediência à soberania do povo (art. 1º parágrafo único da Constituição Federal).
Nem seria necessário lembrar, a propósito, que a democracia, para valer, a história o comprova, nasce quase sempre depois de o povo sofrer e até morrer por se insubordinar, exatamente, contra os poderes da “instituição” legalizada dos regimes anteriores. Quem não sabe, ou até viola, o sentido e as referências do que seja instituição, e instituição democrática, não pode exigir que outros se “institucionalizem”.
Ignorando, também, que o poder constituinte do povo não morre, durante a vigência do constituído, o autor reserva para os movimentos populares, exigindo-lhes o que ele entende por institucionalidade, apenas o poder regulatório próprio das Constituições e das leis, castrando todo o poder emancipatório que elas contêm, um vício nada moderno, conservador e até reacionário, como Boaventura de Sousa Santos tem demonstrado, em lições bem menos reducionistas do que a do sociólogo contrário à reforma agrária e ao MST.
A manipulação vergonhosa desse poder regulatório tem sido responsável por não poucas violações dos direitos humanos do povo sem-terra e por muitos prejuízos às organizações populares que o apóiam. A violência e a desonestidade com que a bancada ruralista impôs à Constituição Federal a expressão “propriedade produtiva” no art. 185, inc II da Constituição Federal, como José Gomes da Silva historiou em detalhes na sua obra “O buraco negro”, dá bem um exemplo “institucional” disso. O relatório original da CPMI da terra, igualmente, todo ele feito de apoio à reforma agrária, foi substituído por outro, ao feitio e ao interesse exclusivo daquela bancada, que convenceu a “instituição” Tribunal de Contas da União que toda e qualquer ONG, pessoa jurídica pública ou privada, que apoiasse financeiramente o MST, era suspeita de corrupção ou desvio de dinheiro. Pura mesmo, só aquela bancada, caloteira histórica de dívidas tributárias, defensora de grilagens e de todo o tipo de depredação da terra e de dominação de gente no campo, capaz de obstruir até a votação de projetos contrários ao trabalho escravo.
Assim, a ausência de “institucionalidade” do MST não impediu e nem continua impedindo que as pessoas jurídicas afinadas com os objetivos e a ação da Movimento possam prosseguir celebrando convênios, participando de licitações, obtendo fundos, sejam públicos ou privados, com que ajudavam o MST. Imobilizadas durante meses por fiscalizações de órgãos públicos, têm de desviar toda a sua atenção para responder questionamentos que concluem aberrações do tipo diminuição do valor de diárias (em mais de metade, às vezes) devidas a alunas/os filhas/os de sem-terra, em suas escolas, pelo fato de, por serem pobres, “estarem habituadas com pouco”...
Se isso acontece com pessoas jurídicas “institucionalizadas”, conforme o modelo zanderiano, o que não ocorreria com o MST se ele entrasse em tal armadilha?
Surpreende, por outro lado, numa época em que se estuda e questiona tanto o controle social, a democracia econômica e participativa, como características próprias de um Estado verdadeiramente democrático e de direito, pretender-se enfiar o barrete rígido da institucionalidade justamente num Movimento Popular que goza do prestígio e da companhia atuante de grande parte de personalidades que integram, ou não, pessoas jurídicas públicas e privadas “institucionalizadas” que, não pela informalidade dele, deixam de apoiar e auxiliar em suas iniciativas, exatamente nos momentos em que ele mais sofre de agressão aos direitos humanos de suas/seus integrantes.
Sua militância encontra apoio em outros testemunhos históricos e muito qualificados de defesa das/os sem-terra como a de dezenas de ONGs do Brasil e do mundo, Comissões de direitos humanos, CDDPH (Conselho de defesa dos direitos da pessoa humana), CPT, ADJ (Associação de Juízes para a democracia) Dom Pedro Casaldaliga, Dom Tomas Balduino, Fabio Konder Comparato, Oscar Niemeyer e, entre muitos que já nos deixaram, Paulo Freire, Florestan Fernandes, Milton Santos e José Gomes da Silva, para lembrar apenas algumas das muitas pessoas jurídicas e personalidades a quem o país mais deve.
Todas essas organizações e pessoas, pelo jeito, são tão míopes e ingênuas, fazem parte ou, pelo menos, estimulam um movimento ideologicamente atrasado e ditatorial, como Zander seja, as suas convicções sobre esse Movimento Social? Se ele não se deixa questionar por nada, não é de admirar que o seu posicionamento, já no passado, tenha provocado tanto mal ao povo sem-terra.
Não se pode esquecer que é baseado nos estudos e nas reiteradas críticas de sua autoria ao MST, que a “instituição” Ministério Público do Rio Grande do Sul vem promovendo uma das maiores e mais violentas perseguições oficiais contra as/os sem-terra que o integram. Em 2007, numa decisão unânime do seu Conselho Superior, decidiu “dissolver” (!) o MST, coisa que, posteriormente, foi revogada, tal o absurdo pretensioso, totalitário e inconstitucional que aí se revelava; este ano, no desdobramento dessas iniquidades, o povo sem-terra chora a morte de um dos seus companheiros, Elton Brum da Silva, ocorrida em São Gabriel, efeito de uma “institucional” execução judicial.
Note-se o tamanho da contradição aí presente. Quem condena o MST por ele não se adequar à institucionalidade, é quem fornece ao Poder institucional, dotado da maior agressividade contra as/os sem-terra, as armas ideológicas capazes de causar as maiores perdas, os maiores danos às pessoas pobres do campo, organizadas em defesa das suas vidas, dignidade e cidadania.
Zander jamais quereria esse efeito, como deu a entender numa entrevista constrangida que já tinha concedido a um jornal de Porto Alegre, antes do assassinato do Elton. Nessa oportunidade, solidarizava-se com o MST (?!), depois que outras violências tinham sofrido as/os suas/seus integrantes, também essas baseadas em execuções judiciais sustentadas, quando menos em parte, nas opiniões dele.
Que essas têm pesado bastante, portanto, para seu pesar, no abuso de autoridade e poder que aquelas violências têm revelado, isso pode ser provado no próprio teor das petições redigidas pelos promotores gaúchos. Não adianta, depois, chorar o leite derramado. O esforço retórico que as sustenta têm nesse autor, senão a principal, uma das mais importantes bases argumentativas.
É muito contraditória, igualmente, a defesa da obrigação de o MST se institucionalizar, quando o autor opina sobre a reforma agrária, considerando-a quase como desnecessária. Acontece que essa política pública, ressalvada a hipótese de se desobedecer flagrantemente tudo quanto ainda resta de fundamentação constitucional nela, tem toda a sua execução dependente do exercício institucional do Poder do Estado. Então, é oportuno perguntar-se, questionando o autor da crítica ao MST e à reforma agrária: tudo quanto ele vê como nociva prática do MST, por não se institucionalizar, se transforma em virtude quando o Poder Público não institucionaliza as políticas que tem a obrigação de institucionalizar em favor do povo pobre do campo?
Zander também considera todos os méritos do MST como fictícios, seja em tamanho de poder, seja em prestígio, seja em número dos seus integrantes. Essa é – mesmo se descontando, mais uma vez, quanto há de “distração” ou “esquecimento” aí presentes, sobre os efeitos suprapositivos que a dignidade humana impõe ao próprio ordenamento jurídico, e ainda que se desconsidere o que pode haver de “rancor” nessa crítica, como o ministro de desenvolvimento agrário chegou a denunciar na análise que fez dela – uma contestação àquelas acusações, seguramente bem mais qualificada do que a nossa, já tinha sido antecipada na mesma “Folha”, um dia antes (edição de 4 de dezembro corrente).
Sob o título de “A contra-revolução jurídica”, Boaventura de Souza Santos não usa os mesmos óculos ideológicos de Zander para ver a realidade injusta e ilegal que oprime o povo sem terra, como ela efetivamente é; não como ela precisa ser disfarçada para se acomodar ao que se estuda e pensa sobre ela.
Justamente naquilo que constitui o eixo central da acusação de Zander contra o MST - institucionalidade - o conhecido pensador denuncia o que esse tão valorizado pressuposto legal está fazendo contra o Movimento: “...anulação de turmas especiais de assentados da reforma agrária (convênios entre universidades e Incra), de escolas itinerantes nos acampamentos do MST, de programas de educação indígena e de educação no campo.” (...) “Criminalização do MST. Considerado um dos movimentos sociais mais importantes do continente, o MST tem vindo a ser alvo de tentativas judiciais no sentido de criminalizar as suas atividades e mesmo de dissolve-lo com o argumento de ser uma organização terrorista.”
Finalmente, Zander encerra seu texto, diagnosticando como agonizante a situação atual do MST. Não descarta a sua extinção. Então, já é hora, também, de concluirmos nossa modesta defesa do MST e da reforma agrária. Se for “pelos seus frutos que os conhecereis” como diz o evangelho em nova lembrança oportuna para o caso, parece não haver dúvida sobre quem deve ser ouvido, entre os articulistas da Folha, seja no que se refere ao MST, seja no que se refere à reforma agrária.
Se o mau agouro de Zander se cumprir, coisa muitíssimo improvável, por tudo o que acima se referiu, não será na festa que a CNA e seus súditos fiéis presentes nos parlamentos e nas “instituições” vão fazer, a respeito, nem servirá de seu coveiro, o Plinio de Arruda Sampaio. Os frutos do trabalho deste, pelo testemunho de toda a sua vida, são de vida e não de morte, são de enfrentamento da injustiça social mantida e preservada pelo próprio modelo institucional que se quer impingir ao MST, são expressões de um sonho capaz de criar tudo quanto está ausente no texto que lhe serviu de contraponto, um outro mundo possível, como o Fórum Social Mundial tem ensaiado perseverantemente, uma nova sociedade, na qual se partilhe, com a justiça capaz de construir a paz, para alegria e satisfação de todas/os, a terra, a casa, o pão, a verdade e o amor.
Antonio Cechin é irmão marista, miltante dos movimentos sociais. Jacques Távora Alfonsin é advogado do MST e procurador do Estado do Rio Grande do Sul aposentado.

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Tragicomédia

"O capitalismo se especializa na criação de problemas, não em sua resolução. (...) O capitalismo é na essência um sistema parasita. Como todos os parasitas, pode prosperar um tempo uma vez que encontre o organismo no qual explorando possa alimentar-se, mas não pode fazê-lo sem destruir o hospedeiro." ( Livre tradução de trecho do artigo Del capitalismo como "sistema parásito", de Zygmunt Bauman)

Fonte: http://www.rebelion.org/

sábado, 26 de dezembro de 2009

Marx e sua herança política


Por Marcos César de Oliveira Pinheiro

Em 7 de novembro de 1917 (25 de outubro no antigo calendário russo), o mundo capitalista foi surpreendido com a notícia da instalação, na Rússia, de um sistema político inteiramente novo, nunca antes experimentado na História. Um partido revolucionário, cujo principal dirigente era Lênin (1870-1924), passou a exercer seu poder recém-conquistado para fazer reformas radicais, empenhado numa autêntica transformação revolucionária do país. Apoiava-se teoricamente em Marx e Engels, fundadores do materialismo histórico, popularmente chamado de marxismo. Ou ainda filosofia da práxis, segundo o comunista italiano Antonio Gramsci (1891-1937).

A revolução, liderada pelo Partido Bolchevique, se fez sob a bandeira de “Pão, Terra e Paz”. Essa proposta expressava os anseios dos setores populares russos. Em 1917, o país estava imerso na Primeira Guerra Mundial (1914-1918), que agravou drasticamente as já precárias condições de vida do povo russo. A grande aspiração era que acabasse a guerra, que houvesse pão, pois a fome era terrível na Rússia naquele momento, e que houvesse terra para os camponeses. A má distribuição de terras (alta concentração nas mãos de poucos) condenava à miséria 85% da população, que vivia no campo. Foi correta a bandeira empunhada pelos bolcheviques e contribuiu para que se avançasse rumo ao socialismo da recém-criada União Soviética.

Contudo, no percurso histórico da União Soviética foram cometidos graves erros. Em nome da doutrina marxista se ergueu a barbárie do stalinismo, cujo “modelo dogmático” influenciou fortemente o modo como os partidos comunistas de vários países, inclusive no Brasil, interpretaram a realidade em que estavam inseridos e formularam suas ações políticas. Não bastassem os fatores internos. Somava-se a isso o fato de que contra o ideário de Marx se levantaram quase todos os movimentos reacionários do século XX, forçando o movimento comunista internacional a colocar em primeiro plano a defesa da União Soviética das ameaças advindas do mundo capitalista.

Não obstante o fracasso da tentativa de construção do socialismo na União Soviética, que culminou com o seu desaparecimento em 1991, valem as ponderações de Francisco Fernández Buey, no prólogo do seu livro:

“Se continua a haver comunistas neste mundo é porque o comunismo dos séculos XIX e XX, o dos tetravós, bisavós, avós e pais dos jovens de hoje, não foi só poder e despotismo. Foi também, por antonomásia, ideário e movimento de libertação dos anônimos. Há um Livro Branco do comunismo que está por ser reescrito. Muitas das páginas deste Livro, hoje quase desconhecido para os mais jovens, foram esboçadas por pessoas anônimas que deram o melhor das suas vidas na luta pela liberdade em países nos quais não havia liberdade; na luta pela universalização do sufrágio em países nos quais o sufrágio era limitado; na luta em favor da democracia em países onde não havia democracia; na luta em favor dos direitos sociais da maioria onde os direitos sociais eram ignorados ou só concedidos a uma minoria. Muitas dessas pessoas anônimas, na Espanha e na Grécia, na Itália e na França, na Inglaterra e em Portugal, e em muitas outras partes do mundo, nunca tiveram nenhum poder nem tiveram nada a ver com o stalinismo, não oprimiram despoticamente os semelhantes, não justificaram a razão de Estado nem mancharam as mãos com a apropriação privada do dinheiro público.
Ao dizer que o Livro Branco do comunismo está por ser reescrito, não estou propondo a restauração de uma velha Lenda para pôr de lado ou fazer esquecer outras verdades amargas contidas nos Livros Negros. Não é isso. Nem estou falando de inocência. Como sugeriu Brecht num poema célebre, nem mesmo o melhor do comunismo do século XX, o daqueles que gostariam de ter sido amistosos com o próximo, pôde, naquelas circunstâncias, ser amável. A história do comunismo do século XX tem de ser vista como o que é, como uma tragédia. O século XX aprendeu bastante sobre o fruto da árvore do Bem e do Mal, de modo que ninguém pode se atrever a empregar a palavra ‘inocência’ sem mais nem menos. Falo, pois, de justiça. E a justiça é também matéria de historiografia”. (BUEY, 2004: p. 27)

Portanto, a história dos movimentos político-sociais, a partir do século XIX, não comporta uma versão tipo bandidos e mocinhos, como vem fazendo os intelectuais comprometidos com os donos do poder. Com a derrocada do chamado “socialismo real”, pode-se assistir a mais uma ofensiva da ideologia burguesa, a fim de revigorar a tese de que o capitalismo e a democracia burguesa constituem o coroamento da história da humanidade. Uma das manifestações mais emblemáticas dessa ofensiva é, primeiramente, o artigo “The end of history”, em 1989, publicado na revista norte-americana The national interest e, posteriormente, o livro “O fim da história e o último homem”, editado no Brasil pela Editora Rocco, em 1992. Ambos de autoria de Francis Fukuyama. Esse processo de presentificação ou naturalização da história é tratado, com muita propriedade, por Marx no seu texto “O 18 Brumário de Luís Bonaparte” (MARX, 2008).

De imediato, o emaranhado de datas e nomes presentes no texto pode, precipitadamente, induzir o leitor a identificá-lo à tradição positivista da história das datas, dos nomes e da sucessão dos fatos. Ao contrário, em Marx percebe-se que a descrição densa dos acontecimentos encerra sempre um conceito. Trata-se de um texto de particular importância para os historiadores. A problematização, os argumentos e os pressupostos teóricos e metodológicos, que fundamentam Marx no preparo da obra “O 18 Brumário de Luís Bonaparte”, ensejam a abordagem de várias questões historiográficas. Nele, Marx assume uma reflexão crítica sobre a política liberal, as concepções burguesas sobre a história e sua instrumentalização no jogo político. Isto é, descortina o processo de presentificação da história no “reino da burguesia” (a sociedade capitalista), em que o devir da história é esvaziado, uma vez que a burguesia se apresenta como o fruto e o fim da história. Nos seus Manuscritos econômico-filosóficos (MARX, 2004) , Karl Marx já havia rompido com a idéia de naturalização da história e assumido uma postura crítica, qual seja, o estranhamento do cotidiano como natural, tudo merece ser explicado, nada é natural.

No entanto, em tempos de hegemonia das “modernas democracias de mercado”, a fórmula “marxismo = modelo soviético” encontra-se consagrada e difundida nos meios acadêmicos e na mídia. Juntamente com o fim da União Soviética, decreta-se o fim do marxismo. Porém, como afirma Gramsci, “Marx inicia intelectualmente uma época histórica que provavelmente durará séculos, isto é, até o desaparecimento da sociedade política [o Estado] e o advento da sociedade regulada [sociedade comunista]. Somente quando isto ocorrer, a sua concepção do mundo será superada” (GRAMSCI, 2004: p. 243).

A derrocada do império soviético não inviabiliza a filosofia da práxis. Ela continua importante para analisar a realidade, a situação concreta e transformá-la.

Retomando Francisco Fernández Buey, faz-se necessário distinguir o que Marx fez e disse como comunista e o que outros fizeram, ao longo do tempo, em seu nome. Seria uma injustiça acusar Marx pelos erros e delitos dos que, com boa ou má vontade, continuaram utilizando seu sobrenome. Buey pede que sejamos razoáveis:

"A ninguém ocorreria, hoje em dia, lançar sobre os ombros de Jesus de Nazaré a responsabilidade pelos delitos cometidos, ao longo da história, por todos aqueles que se chamaram cristãos, desde Torquemada até o general Pinochet, passando pelo general Franco. E, com toda a certeza, trataríamos como sectário ou insensato quem pretendesse estabelecer uma relação causal entre o Sermão da Montanha e a Inquisição romana ou espanhola. Não sei se, no século XVI, alguém pensou que Jesus de Nazaré tinha de pedir perdão aos índios da América pelas barbaridades que os cristãos europeus fizeram com eles em nome de Cristo." (BUEY, 2004: p. 25)

Na leitura de Marx deve-se considerar: o rigor filológico, a atenção aos contextos históricos e a total ausência de beatice. Isso vale não só no que se refere a Marx como também no que diz respeito à história do comunismo (idem: p. 26)

Referências bibliográficas:

BUEY, Francisco Fernández. Marx (sem ismos). Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 2004.

GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere. Volume 1. 3 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004.

MARX, Karl. Manuscritos econômico-filosóficos. São Paulo: Boitempo, 2004.

MARX, Karl. O 18 Brumário de Luís Bonaparte. In: ____ . A revolução antes da revolução II. São Paulo: Expressão Popular, 2008.
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2010: apenas o poder

Chico de Oliveira: "não há nada importante em disputa para 2010, apenas o poder"

Escrito por Gabriel Brito, da Redação - http://www.correiocidadania.com.br/
08-Dez-2009

Com a proximidade de mais um final de ano marcado por turbulências e escândalos que seguem a desmoralizar a política diante dos cidadãos, o país se prepara para adentrar mais um ano eleitoral. Com vistas a tratar dos cenários que devem se apresentar em 2010, o Correio da Cidadania conversou com o sociólogo Francisco de Oliveira, professor aposentado da USP.

Em seu entendimento, não veremos nada mais que um jogo de cartas já marcadas, no qual a programática estará descansando em um costado, dando lugar a meras disputas pelo poder, entre correntes que pouco ou nada se diferenciam. É inclusive esse cenário monolítico que conduz o debate para o lado rasteiro de baixarias e escândalos sempre frescos para o público.

Em meio a ideários que se repetem entre correntes outrora antagônicas, Chico de Oliveira ressalva apenas alguns avanços na assistência social (via que não lhe agrada de todo) e numa nova diplomacia nacional. No entanto, alerta que a oposição de direita ainda não se conscientizou de que, deixando desavenças e vaidades internas de lado, pode triunfar.

No que se refere ao que realmente se poderia sentir como novas ondas no mar, o sociólogo pernambucano desestima o fator Marina, sem fôlego para ir longe a seu ver. Por fim, critica duramente a possibilidade de não ser formada uma frente de esquerda similar à de 2006, classificando de "oportunismo e miopia política" uma aliança do PSOL com Marina.

Correio da Cidadania: Como analisa o quadro político brasileiro com 2009 chegando ao final e na perspectiva de um ano eleitoral pela frente?

Chico de Oliveira: Vejo de forma bastante simples na verdade. O quadro já está desenhado, não vai mudar, salvo se o ‘vampiro medroso’ de fato não concorrer, o que não é de se esperar. É uma disputa eleitoral PT-SPDB. Mas só eleitoral, não haverá nada em jogo.

Coisas decisivas, o ponto de vista da economia e da sociedade, não estão nem um pouco em jogo. É por isso que a política tem ficado nessas firulas, ataques, artigo de César Benjamin... Porque realmente não tem nada importante em disputa, apenas o poder, este sempre importante.

CC: O que a oposição de direita deve vir a fazer para tentar virar um jogo que se apresenta desfavorável a eles? Acredita que os escândalos e baixarias serão a estratégia explorada?

CO: É essa a alternativa, pois ela não tem programa alternativo. O paradoxo é que o governo do PT realizou e radicalizou o programa tucano. Salvo algumas perfumarias na área social e na política diplomática externa, muito mais arejada, não tem muita diferença.

Dessa forma, os tucanos não podem atacar a própria criatura, restando a baixaria. Mas está muito difícil, porque o senador Azeredo teve sua denúncia aceita pelo STF e agora Arrudão jogou a pá de cal. Mas o embate vai se desenrolar por esse caminho mesmo, já que no mais eles estão todos de acordo.

CC: Como se encaminha o governo Lula para as disputas de 2010? Acredita que suas bases de sustentação se manterão firmes?

CO: Não, isso ainda não está garantido. Não existe na experiência da história política brasileira nenhuma transferência de votos desse porte. É verdade que a redemocratização ainda é curta, apenas 20 anos, mas, numa experiência anterior, Juscelino, no auge de sua popularidade, não conseguiu eleger seu sucessor.

Não há nada garantido, Dilma não pode ter a certeza da transferência de votos de Lula, ainda que se use a máquina do Estado o quanto puder. Principalmente se os tucanos acordarem e se conscientizarem de que, marchando desunidos como quinta coluna do Aécio, serão derrotados; marchando unidos, têm uma chance alta de derrotar o Lula.

CC: Alta?

CO: Alta, pois os colégios eleitorais de São Paulo e Minas Gerais engolem o resto do Brasil.

CC: No fundo, podemos considerar que dá na mesma PT ou PSDB no governo, ou poderia haver uma diferença, mesmo que sutil?

CO: É difícil responder a essa pergunta, porque para os pobres evidentemente faz diferença o Bolsa Família, embora eu não goste do programa. Mas não posso negar que quem tem fome precisa comer. E também tem uma política externa através da diplomacia que é importante para outros países da região, como Venezuela, Bolívia, Equador, que têm tentado vias democráticas muito particulares. Para eles, o Brasil é uma garantia, seria importante manter e até ampliá-las.

Há alguma diferença; no entanto, no marco mais geral, ela é menor.

CC: Como enxerga a possibilidade da candidatura Marina? Servirá para arejar ou para distrair, sem incomodar o viciado jogo institucional?

CO: Eu acho que ela não vai ter essa votação toda. Quando chegar a reta final e os ânimos estiverem exacerbados, a candidatura da Marina vai murchar, porque os eleitores sabem que ela não é a alternativa. Não tem força para se colocar como tal. Esse discurso verde não pega muito. Ela é muito simpática e ecologista, mas isso não faz um presidente.

Tenho a impressão de que, quando chegar a reta final, ela perderá espaço.

CC: Algum partido de esquerda pode ser alternativa no debate?

CO: No debate sim, mas como alternativa real não há nenhum partido de esquerda. Nem PSOL, nem PCB, nem PSTU... Minha própria posição é de que esses três partidos de esquerda deveriam formar uma frente e reproduzi-la, a fim fazer uma crítica e reapresentar o programa do socialismo à cidadania brasileira.

Trata-se de reapresentar para fazer uma crítica rigorosa, aproveitando o momento eleitoral para isso, mas sem nenhuma chance real de chegar ao governo. Aliás, é bom que Deus nos proteja, porque, se chega a governar um país como esse sem bases políticas reais, não demora um mês no poder.

CC: E a polêmica interna ao PSOL acerca de se lançar candidatura própria ou se aliar a Marina, como enxerga?

CO: Creio ser oportunismo do ponto de vista de quem não quer ter candidatura própria. Em primeiro, porque pensam que a Marina terá um alto desempenho, a exemplo da Heloisa Helena em 2006. Não vai. A impressão que tenho é de que a Marina vai murchar e a Heloisa não vai trocar uma cadeira certa no Senado pela incerteza. Vejo isso, portanto, como oportunismo e falta de visão estratégica.

Em segundo lugar, porque apresentar uma candidatura própria não tira os votos que eleitores do PSOL vão direcionar para eleger deputados com os quais eles já contam. Acho isso uma aventura irresponsável e miopia política.

Gabriel Brito é jornalista.

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

UNICEF confirma: Cuba tem 0% de desnutrição infantil

Segundo a ONU, Cuba é o único país da América Latina e Caribe que eliminou a desnutrição infantil severa, graças aos esforços do governo para melhorar a alimentação da população, especialmente dos grupos mais vulneráveis. As duras realidades do mundo mostram que 852 milhões de pessoas padecem de fome e que 53 milhões delas vivem na América Latina. Só no México há 5,2 milhões de pessoas desnutridas. No Haiti, são 3,8 milhões, enquanto que, em todo o planeta, mais de cinco milhões de crianças morrem de fome todos os anos.


Cira Rodríguez César - Prensa Latina

A existência de cerca de 146 milhões de crianças menores de cinco anos abaixo do peso ideal no mundo em desenvolvimento contrasta com a realidade das crianças cubanas que estão livres desta enfermidade social. Essas preocupantes cifras apareceram em um recente relatório do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), intitulado “Progresso para a Infância, um balanço sobre a nutrição”, divulgado na sede da ONU. Segundo o documento, os índices de crianças abaixo do peso são de 28% na África Subsaariana, 17% no Oriente Médio e África do Norte, 15% na Ásia Oriental e Pacífico, e 7% na América Latina e Caribe. Depois vem a Europa Central e do Leste, com 5%, e outros países em desenvolvimento, com 27%.

Cuba é o único país da América Latina e Caribe que eliminou a desnutrição infantil severa, graças aos esforços do governo para melhorar a alimentação da população, especialmente dos grupos mais vulneráveis. As duras realidades do mundo mostram que 852 milhões de pessoas padecem de fome e que 53 milhões delas vivem na América Latina. Só no México há 5,2 milhões de pessoas desnutridas. No Haiti, são 3,8 milhões, enquanto que, em todo o planeta, mais de cinco milhões de crianças morrem de fome todos os anos.

Segundo estimativas da ONU, não seria muito custoso garantir saúde e nutrição básica para todos os habitantes dos países em desenvolvimento. Para alcançar essa meta, bastariam 13 bilhões de dólares adicionais ao que se destina atualmente, uma cifra que nunca foi atingida e que é exígua se comparada com os bilhões de dólares destinados anualmente à publicidade comercial, os 400 bilhões gastos em medicamentos tranqüilizantes ou mesmo os 8 bilhões de dólares que são gastos em cosméticos nos Estados Unidos.

Para satisfação de Cuba, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) também reconheceu que esta é a nação com os maiores avanços na luta contra a desnutrição na América Latina. O Estado cubano garante uma cesta básica alimentar que permite a alimentação de sua população ao menos em dois níveis básicos, mediante uma rede de distribuição de produtos alimentícios. Além disso, há instrumentos econômicos em outros mercados e serviços locais para melhorar a alimentação do povo cubano e atenuar o déficit alimentar. Especialmente, há uma constante vigilância sobre o sustento das crianças e adolescentes. A nutrição começa com a promoção de uma melhor e mais natural forma de alimentação.

Desde os primeiros dias de nascimento, os incalculáveis benefícios do aleitamento materno justificam todos os esforços realizados em Cuba em favor da saúde e do desenvolvimento de sua infância. Isso tem permitido elevar os índices de recém nascidos que recebem aleitamento materno até o quarto mês de vida e que seguem consumindo esse leite, complementado com outros alimentos, até os seis meses de idade. Atualmente, 99% dos recém nascidos saem das maternidades com aleitamento materno exclusivo, índice superior à meta proposta, que é de 95%, segundo dados oficiais, nos quais se indica que todas as províncias do país cumprem essa meta.

Apesar das difíceis condições econômicas enfrentadas pela ilha, o governo cuida da alimentação e da nutrição das crianças mediante a entrega diária de um litro de leite a todas as crianças até sete anos de idade. Soma-se a isso a entrega de outros alimentos que, dependendo das disponibilidades econômicas do país, são distribuídos eqüitativamente para as idades mais pequenas da infância. Até os 13 anos de idade se prioriza a distribuição subsidiada de produtos complementares como o iogurte de soja e, em situações de desastre, se protege a infância mediante a entrega gratuita de alimentos de primeira necessidade.

As crianças incorporadas aos Círculos Infantis e às escolas primárias com regime de semi-internato recebem, além disso, o benefício do contínuo esforço por melhorar sua alimentação quanto à presença de componentes dietéticos, lácteos e protéicos. Com o apoio da produção agrícola – ainda enfrentando condições de severa seca – e a importação de alimentos, alcança-se um consumo de nutrientes acima das normas estabelecidas pela FAO. Em Cuba, esse indicador não é a média fictícia entre o consumo alimentar dos ricos e dos que passam fome.

Adicionalmente, o consumo social inclui a merenda escolar que é distribuída gratuitamente a centenas de milhares de estudantes e trabalhadores da educação, com cotas especiais de alimentos para crianças até 15 anos e pessoas de mais de 60 anos nas províncias do leste da ilha. Nesta relação, estão contempladas as grávidas, mães lactantes, anciãos e incapacitados, crianças com baixo peso e altura e o fornecimento de alimentos aos municípios de Pinar del Rio e Havana e também para a Ilha da Juventude. Essas regiões foram atingidas no ano passado por furacões, enquanto que as províncias de Holguín, Las Tunas e cinco municípios de Camaguey sofrem atualmente com a seca.

Esse esforço conta com a colaboração do Programa Mundial de Alimentos (PMA), que contribui para a melhoria do estado nutricional da população mais vulnerável da região oriental, beneficiando mais de 631 mil pessoas. A cooperação do PMA com Cuba data de 1963, quando essa agência ofereceu assistência imediata às vítimas do furacão Flora. Até hoje, já foram concretizados no país cinco projetos de desenvolvimento e 14 operações de emergência. Recentemente, Cuba passou de ser um país receptor a um país doador de ajuda.

O tema da desnutrição tem grande importância na campanha da ONU para atingir, em 2015, as Metas de Desenvolvimento do Milênio, adotada em uma cúpula de chefes de Estado em 2000 e que tem entre seus objetivos eliminar a pobreza extrema e a fome. A ONU considera que Cuba está na vanguarda do cumprimento dessas metas em matéria de desenvolvimento humano. Mesmo enfrentando deficiências, dificuldades e sérias limitações pelo bloqueio econômico, comercial e financeiro imposto pelos EUA há mais de quatro décadas, Cuba não mostra índices alarmantes de desnutrição infatil como ocorre em outros países. Nenhuma das 146 milhões de crianças menores de cinco anos com problemas de baixo peso, que vivem hoje no mundo, é cubana.

Tradução: Marco Aurélio Weissheimer

Fonte: Agência Carta Maior
http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=16298

Nossos Inimigos Dizem

Bertolt Brecht

Nossos inimigos dizem: A luta terminou.
Mas nós dizemos: Ela começou.

Nossos inimigos dizem: A verdade está liquidada.
Mas nós dizemos: Nós a sabemos ainda.

Nossos inimigos dizem: Mesmo que ainda se conheça a verdade
Ela não pode mais ser divulgada.
Mas nós a divulgamos.

É a véspera da batalha.
É a preparação de nossos quadros.
É o estudo do plano de luta.
É o dia antes da queda
De nossos inimigos.

Na América Latina o povo dá as costas a quem não é valente

Atilio Borón*, especialista em geopolítica.
(resumo da entrevista à Rebelión)

Atilio Borón é um dos grandes nomes da sociologia latino-americana contemporânea. Nasceu em Buenos Aires em 1943; suas obras se esgotam nas livrarias rapidamente. Talvez porque não seja um professor convencional e suas reflexões insistem na necessidade de transformar a realidade, trabalhando por um mundo melhor. Um mundo no qual este “continente de esperança”, como o definira Salvador Allende, seja um exemplo de que realmente é possível viver sem que o “mercado” regule nossas vidas e nossos sonhos.

Joseba Macías (JM) - Uma novidade significativa na América Latina que você bem conhece, é que boa parte dos países do continente passaram a ser governados por organizações que resultam do que poderíamos chamar de uma “reflexão socialista”. Ritmos, tradições e matizes diversas, sem dúvida, mas algo impensável há pouco tempo atrás.Atilio Borón (AB) - Falando de socialismo em toda a sua extensão, realmente só temos como país socialista, no momento, Cuba. Logo depois há três governos, Venezuela, Equador e Bolívia, que desenvolveram processos de construção da alternativa socialista, processos muito diferentes entre si. E mais, por sorte, no momento no qual já não há mais modelos a copiar. O caso boliviano, por exemplo, se sustenta sobre uma extraordinária capacidade de organização que vem da época pré-colombiana e que deixou em maus lençóis todos os sociólogos pós-modernos que entenderam o ascenso de Evo Morales como uma manifestação precisamente pós-moderna... Na Venezuela, sem embargo, não há uma tradição organizativa nem pré-colombiana, nem pós-colombiana, o que explicaria a importância do papel da liderança de Hugo Chávez. Também Rafael Correa, no Equador, formado no cristianismo progressista da Universidade de Lovina e mais tarde doutorado em Economia em Illinois... Na minha opinião, o resto vai em outra direção. Os governos do Brasil, Argentina, Chile ou Uruguai consideram que a solução dos problemas do capitalismo se encontram no próprio capitalismo. Na Argentina, por exemplo, não resta nenhuma dúvida quando você ouve Kirchner falar. No Brasil, em dois séculos de história do sistema bancário, nunca esse sistema foi tão rentável para o grande capital como nos anos de Lula no poder. Representam mecanismo adaptativos dentro do próprio capitalismo.
Agora: também é certo que estes governos são um suporte fundamental para aqueles outros que citava no início e que estão trabalhando por uma alternativa verdadeiramente socialista. Esse é um fato real e objetivo e a isso não é estranha a forte pressão popular que, desde a base, se desenvolve nos países como Argentina e Brasil. Sem esquecer que todos estes governos da chamada “centro-esquerda” que foram tímidos, pró-capitalistas e amigos dos norte-americanos, correm nos próximos meses sérios riscos de serem desalojados do poder. Entretanto, os governos que levaram adiante com mais audácia processos de mudança, reformando a constituição, a economia, as instituições ou convocando plebiscitos de forma permanente, estão todos muito fortes. Alguma lição haveria de retirar de tudo isso, por exemplo, que quando não és valente, o povo te dá as costas. Os povos preferem o original à cópia.

JM - Gostaria de conhecer também a sua opinião sobre o papel jogado na América Latina pela social-democracia espanhola. Na distância, ao menos, dá impressão de que sua influência é realmente importante na hora de salvaguardar os interesses econômicos das empresas espanholas na região ou de exportar “receitas políticas”.AB - Sem dúvida nenhuma. A socialdemocracia espanhola basicamente é uma cortina de fumaça que esconde a proteção das políticas de saque que estão levando a cabo muitas das empresas espanholas ali localizadas. Ai está o caso da Repsol, por exemplo. Ou o da Iberia, quando comprou os aviões da Aerolíneas Argentinas e seus escritórios por todo o mundo. Esta socialdemocracia nos vendeu também o modelo do Pacto de Moncloa, como exemplo a “exitosa” transição espanhola e vem apropriando-se paralelamente de muitos meios de comunicação em nome do grupo Prisa que ficaram sujeitos aos grandes ditames dos Estados Unidos: rádios, televisões, diários, revistas, livros escolares... Como no Estado Espanhol. Só que, na América Latina, o fato se agrava pelas condições de pobreza, de atraso cultural, etc.

JM - Na longa lista de países nos quais estão presentes estes interesses não podemos esquecer a Colômbia...AB: - Exatamente. Sustentando a presença das empresas espanholas com a ajuda desse criminoso comum chamado Álvaro Uribe. Publiquei diversas reflexões e ensaios sobre Uribe, alguns baseados nos documentos desclassificados pelos próprios EUA. Fica claro que já desde 1991, nos informes do DEA, é o homem que articula as relações entre o cartel de Medellín e o Governo colombiano para facilitar os negócios da droga. E isso o disse o próprio DEA. O dossiê de lá para cá é incrível . E aí está a socialdemocracia espanhola apoiando tudo isso... E sem que possamos chegar a explicar diretamente ao povo espanhol, porque o controle dos meios de comunicação é absolutamente feroz.

JM - Terminando, se lhe parecer adequado, falando desta crise planetária que, paradoxalmente, parece fortalecer uma vez mais as opiniões eleitorais dos partidos conservadores em todo o mundo. Como se explica este fenômeno?AB - Creio que a chave de tudo isso é o reflexo da grande vitória ideológica que o neoliberalismo conseguiu nos últimos quarenta anos. Ficou estabelecido que qualquer alternativa que não seja capitalista representa um delírio, uma aventura, uma salto no vazio. Creio que esta crise não vai ter a forma de um “V”, como dizem alguns, mas um “L” como já ocorreu no Japão a partir da década de 90. Estamos ante uma crise profunda e de muita longa duração. Você acredita que o G20 pode resolvê-la? É absolutamente patético. Nós instruímos os médicos que envenenaram-nos para nos dar o remédio, a curar...
Em definitivo, creio que estamos ante uma crise muito mais grave que as duas crises anteriores, a de 1929 e a de 1973. Em primeiro lugar porque nenhuma destas crises coincidiu com uma crise energética. E mais, em paralelo se desenvolve uma crise alimentar que não tem proporções. Na Europa, na África, na Ásia, na América Latina observamos motins motivados pela fome... Enquanto se utiliza uma área cada vez maior de terra para produção de biocombustíveis. Um exemplo: o pacto Bush-Lula firmado em São Paulo no ano de 2007... E finalmente vamos adicionar o tema das alterações climáticas para entender que esta crise não teve paralelo na história.
Dado este estado de coisas, só podemos pensar na construção de uma verdadeira economia pós-capitalista. Chamemos-lhe como quisermos, se trata definitivamente de avançar no processo de desmercantilização de maneira muito acelerada. Não podemos continuar com critérios mercantis para regular a relação entre nossas sociedades e a natureza. E este deve ser um princípio básico do mundo a construir: desmercantilizar a natureza, a saúde, a educação, a segurança social ....

Rebelión publicou este artigo com a permissão do autor, respeitando sua liberdade para publicá-lo em outras fontes.

O original encontra-se em: http://www.rebelion.org/noticia.php?id=96979

*Politólogo e Sociólogo argentino. Site: http://www.atilioboron.com/

Traduzido por: Dario da Silva