quarta-feira, 28 de abril de 2010

Serra distribuirá as terras da Kátia Abreu?

27 de abril de 2010
Do Blog do Miro

Em recente entrevista ao Jornal do SBT, o demotucano José Serra falou mais duas besteiras. No figurino “Serrinha paz e amor”, ele prometeu: “Eu quero a reforma agrária pra valer, com gente produzindo melhor, cada vez mais e com terra”. Na sequência, tirando a máscara e assumindo o seu estilo brucutu, ele rosnou: “O MST vive de dinheiro governamental. Eu acho que a reforma agrária para o MST é pretexto. Trata-se de um movimento político, com finalidades políticas”.

Quanto à “reforma agrária pra valer”, o seu cinismo é de arrepiar. Afinal, o ex-governador nunca fez nada para distribuir terras em São Paulo. Pelo contrário: sempre apoiou os latifundiários e os grileiros, como o ricaço Sr. Cutrale que surrupiou terras públicas no interior paulista. A marca do seu lamentável reinado foi a da pura repressão aos movimentos que lutam pela reforma agrária. Tanto que ele é o presidenciável dos sonhos dos barões do agronegócio e das entidades ruralistas.

Rodeado de direitistas fanáticos

Além disso, José Serra se cercou de renomados direitistas, que negam a importância da reforma agrária e odeiam os movimentos sociais do campo. O coordenador de programa da sua campanha presidencial será Xico Graziano, que foi assessor do ex-presidente FHC e presidiu o Incra. Ele ficou famoso por afirmar, em alto e bom som, que “a reforma agrária é um atraso”, e por atacar sem piedade o MST. Para Graziano, as lideranças deste movimento praticam “banditismo rural”, “botam medo no Estado” e são “justiceiros, que invocam cânones divinos e arrebentam cercas”.

Outro reacionário convicto que terá papel de destaque na campanha presidencial do demotucano é Marcelo Garcia. Ele é um quadro do DEM e deixou sua agência de publicidade para cuidar da imagem do tucano. “Estou deslocado pelos Democratas para trabalhar no programa de governo do candidato José Serra”, informou. Antes de sair, o publicitário ajudou a criar uma campanha na internet da ONG fascista “Vamos tirar o Brasil do Vermelho”, em parceria com a Confederação Nacional da Agricultura (CNA). O sítio ainda não foi ao ar, talvez para evitar constrangimentos.

A grileira como vice-presidente

Prova maior do cinismo de José Serra, porém, é que sua candidata a vice-presidente poderá ser a senadora Kátia Abreu (DEM-TO), atual presidente da CNA. Se o demotucano quisesse, de fato, realizar a “reforma agrária pra valer”, ele poderia começar propondo a desapropriação das terras griladas pela “musa da extrema-direita”. Segundo reportagem da CartaCapital, ela teria integrado a quadrilha que tomou 105 mil hectares de terras de 80 famílias de camponeses no município de Campos Lindos (TO). Ela e o irmão grilaram 2,4 mil hectares, desembolsando R$ 8 por hectare.

Ainda segundo a denúncia, as suas duas fazendas são improdutivas. Kátia Abreu também é alvo de ação civil do Ministério Público na Justiça de Tocantins por descumprir o Código Florestal e desrespeitar os povos indígenas. Ela ainda é acusada de desviar R$ 650 mil dos cofres da CNA para financiar a sua campanha ao Senado – o que é ilegal. Por estes e outros crimes, nada mais justo do que José Serra propor a desapropriação de suas terras. Será que o candidato demotucano está disposto a cumprir a sua promessa de fazer a “reforma agrária pra valer?”.

Criminalização dos movimentos sociais

Já no que se refere aos ataques ao MST, José Serra revelou mais uma vez a sua brutal conversão direitista. Até hoje a Justiça não comprovou o uso de “dinheiro governamental” pelo movimento. O candidato deveria ficar mais preocupado com as apurações sobre desvio de recursos públicos da CNA, que podem demolir sua sondada candidata à vice. Quanto ao MST ser um “movimento político”, qual o problema? Vai acionar a repressão? Ou só a CNA e outras entidades de direita podem fazer política? Na prática, o presidenciável tucano revela a sua aversão à democracia.

Para Gilmar Mauro, membro da direção nacional do MST, a entrevista de José Serra ao Jornal do SBT só revelou todo o seu reacionarismo. “Como é que um governador que perseguiu e mandou a polícia bater nos professores, que se recusou a recebê-los para negociar, pode se considerar um democrata?”. Ele lembra que durante sua gestão, Serra sempre agiu com violência contra o MST. “O que ele fez foi fechar escolas em assentamentos. Esse é o tratamento que o democrata Serra destinou à questão agrária e à educação das crianças, dos filhos dos trabalhadores rurais”.

Ainda segundo o líder do MST, o ex-governador também não tem moral para falar em reforma agrária. “Antes de falar, Serra deveria fazer. Enquanto esteve à frente do governo de São Paulo, ele não realizou um único assentamento. E olhe que o estado tem mais de um milhão de hectares de terras que poderiam ser destinadas a este fim”. Para Gilmar Mauro, o candidato demotucano é a expressão maior do autoritarismo, que visa criminaliza os movimentos sociais do campo para defender os interesses dos barões do agronegócio.

Cuba: dissidentes ou traidores?

por Atilio A. Boron [*]

A "imprensa livre" da Europa e das Américas – essa que mentiu descaradamente ao dizer que existiam armas de destruição em massa no Iraque ou que qualificou de "interinato" o regime golpista de Micheletti em Honduras – redobrou sua feroz campanha contra Cuba. Impõe-se, portanto, distinguir entre a razão de fundo e o pretexto. A primeira, e que estabelece o marco global dessa campanha, é a contra-ofensiva imperial desencadeada desde fins da administração Bush, cujo exemplo mais eloqüente foi a reativação e mobilização da IV Frota Naval.

Contra os prognósticos de alguns iludidos, essa política ditada pelo complexo militar-industrial não só continuou, como se aprofundou, por conta do recente tratado firmado por Obama e Uribe, mediante o qual se concede aos EUA o uso de pelo menos sete bases militares em território colombiano, imunidade diplomática para o pessoal estadunidense envolvido em suas operações, licença para introduzir ou tirar do país qualquer tipo de carregamento sem que as autoridades do país anfitrião possam sequer tomar nota do que entra ou sai e ainda o direito dos viajantes norte-americanos de entrar ou sair da Colômbia com qualquer documento que comprove sua identidade.

Como se o anterior fosse pouco, a política de Washington, reconhecendo a "legalidade e legitimidade" do golpe de Estado em Honduras e as fraudulentas eleições subseqüentes, é uma mostra a mais da perversa continuidade que liga as políticas implementadas pela Casa Branca, com independência da cor da pele de seu principal ocupante. E nessa contra-ofensiva geral do império, o ataque e a desestabilização de Cuba desempenham papéis de grande importância.

Essas são as razões de fundo. Mas o pretexto para esse relançamento foi o fatal desenlace da greve de fome de Orlando Zapata Tamayo, potencializado agora pela idêntica ação iniciada por outro "dissidente", Guillermo Fariñas Hernández, e que será seguida, sem dúvidas, pelas de outros partícipes e cúmplices dessa agressão. Como é bem sabido, Zapata Tamayo foi (e continua sendo) apresentando pelos "meios de desinformação de massas" – como adequadamente qualificara Noam Chomsky – como "um dissidente político", quando na realidade era um preso comum que foi recrutado pelos inimigos da revolução e utilizado inescrupulosamente como mero instrumento de seus projetos subversivos. O caso de Fariñas não é igual, mas ainda assim guarda semelhanças e aprofunda uma discussão que é imprescindível conduzir com toda a seriedade.

É preciso lembrar que tais ataques têm larga história. Começam no próprio triunfo da revolução, mas, como política oficial e formal do governo dos EUA, se iniciam em 17 de março de 1960, quando o Conselho de Segurança Nacional aprovou o "Programa de Ação Encoberta" contra Cuba proposto pelo então diretor da CIA, Allen Dulles. Parcialmente desqualificado em 1991, esse programa identificava quatro cursos principais de ação, sendo os dois primeiros "a criação da oposição" e o lançamento de uma "poderosa ofensiva de propaganda" para fortalecê-la e torná-la crível. Mais claro impossível.

Após o estrondoso fracasso desses planos, George W. Bush cria, dentro do próprio Departamento de Estado, uma comissão especial para promover o "cambio de regimen" em Cuba, eufemismo utilizado para evitar dizer "promover a contra-revolução". Cuba tem o duvidoso privilégio de ser o único país do mundo para o qual o Departamento de Estado elaborou um projeto de tal tipo, ratificando desse modo a vigência da doentia obsessão ianque em anexar a ilha e, por outro lado, o quão acertado estava Jose Marti quando alertou nossos povos sobre os perigos do expansionismo estadunidense.

O primeiro informe dessa comissão, publicado em 2004, tinha 458 páginas e ali se explicitava com grande minúcia tudo o que se deveria fazer para introduzir a democracia liberal, respeitar os direitos humanos e estabelecer uma economia de mercado em Cuba. Para viabilizar esse plano, forneciam 59 milhões de dólares por ano (fora o que se destinava por vias obscuras), dos quais 36 milhões estariam destinados, segundo a proposta, a fomentar e financiar as atividades de dissidentes. Para resumir, o que a imprensa apresenta como uma nobre e patriótica dissidência interna pareceria mais a metódica aplicação do projeto imperial desenhado para cumprir o velho sonho da direita norte-americana de dominar Cuba definitivamente.

Esclarecimento conceitual

Dito o anterior, impõe-se uma precisão conceitual. Não é casual que a imprensa do sistema fale com extraordinária ligeireza sobre os "dissidentes políticos" encarcerados em Cuba. Mas, são "dissidentes políticos" ou são outra coisa? Seria difícil dizer todos, mas, com toda segurança, a maioria dos que estão na prisão não se encontra ali por dissidência política, mas sim por uma caracterização muito mais grave: "traidores da pátria". Vejamos em detalhes.

No célebre Dicionário de Política de Norberto Bobbio, o cientista político Leonardo Morlino define o dissenso como "qualquer forma de desacordo sem organização estável e, portanto, não institucionalizada, que não pretende substituir o governo em suas funções por um novo, muito menos derrubar o sistema político vigente. O dissenso se expressa só no exortar, persuadir, criticar, pressionar, sempre por meios não violentos a fim de induzir os 'tomadores de decisões' a preferirem certas opções em lugar de outras ou a modificar decisões anteriores ou direcionamentos políticos. O dissenso nunca põe em discussão a legitimidade ou as regras fundamentais que fundam a comunidade política, mas apenas normas ou decisões bastante específicas" (p. 567-568).

Mais adiante assinala que existe um limiar que, uma vez ultrapassado, transforma o dissenso, e os dissidentes, em outra coisa. "O limiar é cruzado quando se colocam em dúvida a legitimidade do sistema e suas regras de jogo, fazendo-se uso da violência; ou quando se incorre em desobediência intencional a uma norma; ou, por fim, quando o desacordo se institucionaliza na oposição, que pode ter entre seus objetivos também o de derrubar o sistema" (p. 569).

Na extinta União Soviética, dois dos mais notáveis dissidentes políticos, cujo agir se ajusta à definição supracitada, foram o físico Andrei Sakharov e o escritor Alexander Isayevich Solzhenitsyn; Rudolf Bahro foi o mesmo na República Democrática Alemã; Karel Kosik, na antiga Tchecoslováquia; nos EUA destacou-se, avaliando o século passado, Martin Luther King; e em Israel de nossos dias, Mordekai Wanunu, cientista nuclear que revelou a existência do arsenal atômico deste país, o que o fez ser condenado a 18 anos de prisão sem que a "imprensa livre" tomasse nota do assunto.

A dissidência cubana, diferentemente do ocorrido com Sakharov, Solzhenitsyn, Bahro, Kosik, King e Wanunu, se enquadra em outra figura jurídica, pois seu propósito é subverter a ordem constitucional e derrubar o sistema. Além do mais, e esse é o dado essencial, pretende fazê-lo colocando-se a serviço de uma potência inimiga, os Estados Unidos, que há 50 anos agridem Cuba por todos os meios imagináveis com um bloqueio integral (econômico, financeiro, tecnológico, comercial e informático), com permanentes ataques de diversos tipos e com uma legislação migratória exclusivamente desenvolvida para a ilha (a Lei de Ajuste Cubano) e que estimula a migração ilegal para os EUA, colocando em risco a vida de quem quer acorrer para seus braços em busca de benefícios.

Enquanto Washington levanta um novo muro da vergonha em sua fronteira com o México para deter a entrada de imigrantes tanto astecas como da América Central, concede todos os benefícios imagináveis a quem, vindo de Cuba, ponha o pé em seu território.

Quem recebe dinheiro, assessoria, conselhos, orientações de um país objetivamente inimigo de sua pátria, e atua em congruência com sua aspiração de precipitar uma "cambio de regimen" que ponha fim à revolução, pode ser considerado "dissidentes políticos"?

O que eles fariam?

Para responder, esqueçamos por um momento das leis cubanas e vejamos o que estabelece a legislação em outros países. A constituição dos EUA fixa em seu artigo 3 que "o delito de traição contra os Estados Unidos consistirá apenas na tomada de armas contra a nação ou em se unir aos inimigos, dando-lhes ajuda e facilidades"; a sanção que merece tal delito fica a cargo do Congresso. Em 1953, Julius e Ethel Rosenberg foram executados na cadeira elétrica acusados de traição à pátria por terem supostamente se "unido aos inimigos", revelando segredos da fabricação da bomba atômica para a União Soviética.

No caso do Chile, o Código Penal deste país estabelece em seu artigo 106 que "todo aquele que dentro do território da República conspirar contra sua segurança exterior para induzir uma potência estrangeira a guerrear contra o Chile será castigado com penas maiores, em seu grau máximo de prisão perpétua. Se são seguidas de hostilidades bélicas a pena poderá ser elevada até a própria morte".

No México, país vítima de uma larga história de intervencionismo norte-americano em seus assuntos internos, o Código Penal qualifica em seu artigo 123 como delitos de traição à pátria uma ampla gama de situações, como "realizar atos contra a independência, soberania ou integridade da nação mexicana com a finalidade de submetê-la a pessoa, grupo ou governo estrangeiro; tomar parte em atos de hostilidade contra a nação, mediante ações bárbaras que possam prejudicar o México; receber qualquer benefício, ou aceitar promessa de recebê-lo; aceitar do invasor um emprego, cargo ou comissão e ditar, acordar ou votar providências encaminhadas a afirmar o governo intruso e debilitar o nacional". A penalidade prevista pela comissão desses delitos é, segundo as circunstâncias, de cinco a quarenta anos de prisão.

A legislação argentina estabelece no artigo 214 de seu Código Penal que "será reprimido com reclusão ou prisão de dez a vinte e cinco anos, ou reclusão ou prisão perpétua, e tanto em um caso como em outro, inabilitação absoluta perpétua, sempre que o fato não se encontre compreendido em outra disposição deste código, todo argentino, ou pessoa que deva obediência à nação por razão de seu emprego ou função pública, que pegue em armas contra esta, se una a seus inimigos ou lhes preste qualquer ajuda ou socorro".

Não é necessário prosseguir com essa simples revisão da legislação comparada para compreender que o que "imprensa livre" denomina dissidência é o que em qualquer país do mundo – começando pelos EUA, o grande promotor, organizador e financista da campanha anticubana – seria caracterizado pura e simplesmente como traição à pátria, e nenhum dos acusados jamais seria considerado "dissidente político".

No caso dos cubanos, à grande maioria dos chamados dissidentes (se não todos) está imputado este delito, ao se unirem à potência estrangeira que está em aberta hostilidade contra a nação cubana e receberem seus representantes (diplomáticos ou não), dinheiro e toda sorte de apoios logísticos para, como diz a legislação mexicana, "afirmar o governo intruso e debilitar o nacional". Dito em outras palavras, para destruir a nova ordem social, econômica e política criada pela revolução.

Não seria outra a caracterização que adotaria Washington para julgar um grupo de seus cidadãos que estivesse recebendo recursos de uma potência estrangeira que durante meio século tivesse acossado os EUA com o mandato de subverter a ordem constitucional.

Nenhum dos genuínos dissidentes acima mencionados incorreu em seus países em tamanha infâmia. Foram implacáveis críticos de seus governos, mas jamais se puseram a serviço de um Estado estrangeiro que ambicionava oprimir sua pátria. Eram dissidentes, não traidores.


26/Março/2010
Ver também: http://www.porcuba.org/

[*] Diretor do PLED, Programa Latinoamericano de Educación a Distancia em Ciências Sociais, Buenos Aires, Argentina.

O original encontra-se em http://www.atilioboron.com/ . A tradução, de Gabriel Brito, em Correio da Cidadania .

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

terça-feira, 27 de abril de 2010

Os 110 anos de Gregório Bezerra

O Arquivo de Memória Operária do Rio de Janeiro (Amorj) e o Instituto Luiz Carlos Prestes (ILCP) promovem mesa-redonda e outras atividades em torno de “Gregório Bezerra – 110 anos”.
A mesa-redonda conta com os seguintes debatedores: Anita Prestes (Programa de Pós-graduação em História Comparada – PPGHC/UFRJ), Beatriz Heredia (Programa de Pós-graduação em Sociologia e Antropologia – PPGSA/UFRJ) e Jaime Amorim (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST); na coordenação da mesa, a professora Elina Pessanha (PPGSA). Após o debate será exibido um filme sobre a vida de Gregório; ao mesmo tempo, estarão expostas diversas fotografias que registram variados momentos na vida deste importante militante do antigo PCB.

Dia 29 de abril, a partir das 10h, no Salão Nobre do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ (Largo de São Francisco de Paula, s/n, Centro – Rio de Janeiro).

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A Editora Boitempo promoverá o relançamento do livro Memórias, de Gregório Bezerra, acrescido de fotos e documentos inéditos. Essa iniciativa somar-se-á às homenagens pelos 110 anos de nascimento de Gregório, completados em março deste ano.

Nesta obra, o líder comunista Gregório Bezerra repassa sua distinta trajetória de vida e resgata um período rico da história política brasileira. Pernambucano, Bezerra começou a trabalhar aos quatro anos na lavoura de cana-de-açúcar e perdeu os pais ainda na infância. Analfabeto até os 25 anos de idade, passou pelo exército, foi operário, se tornou dirigente do PCB e foi ferrenho combatente do regime militar. Em Memórias narra os acontecimentos de sua vida e da história nacional entre 1900 e a década de 1960.

Domenico Losurdo no Brasil

Marcando o lançamento de A linguagem do Império – léxico da ideologia estadunidense , a Editora Boitempo traz ao Brasil o filósofo Domenico Losurdo, para uma série de conferências em universidades. Losurdo debaterá com intelectuais de peso como Antonio Carlos Mazzeo, Marcos Del Roio, João Quartim de Morais, Ruy Braga e Gaudêncio Frigotto, entre outros, passando, a partir de 3 de maio, por São Paulo (USP e PUC), Marília (Unesp), Campinas (Unicamp), Belo Horizonte (UFMG), Fortaleza (parceria com a Prefeitura) e Rio de Janeiro (UFF e Uerj).

Confira a programação completa clicando no link abaixo:
http://boitempoeditorial.wordpress.com/


SINOPSE do livro "A linguagem do império - léxico da ideologia estadunidense", de Domenico Losurdo

Com a desintegração da URSS e o fim daquela experiência de socialismo, o império estadunidense – a fim de justificar o controle do mundo e a crescente militarização – construiu um verdadeiro Tribunal do Santo Ofício para o qual os sete pecados capitais são: terrorismo, fundamentalismo, filoislamismo, antissionismo, antissemitismo, antiamericanismo e ódio ao Ocidente. Losurdo faz a crítica desses argumentos, localiza suas origens, seus significados, suas contradições e demonstra como tudo não passa de um discurso que busca justificar a pretensão de um domínio universal.

segunda-feira, 26 de abril de 2010

O aniversário do nascimento de Lenine



por Domenico Losurdo



O 140º aniversário do nascimento de Lenine decorreu em 22 de Abril de 2010. Deve-se ao diário alemão Junge Welt ter chamado a atenção para esta data: eu próprio contribuí para isso com um artigo reproduzido no meu blog . Mas como a ideologia dominante (mesmo à "esquerda") gosta de opor Gandhi, campeão da não-violência, a Lenine, dedicado ao culto da violência, chamo a atenção do leitor para duas pequenas páginas do meu livro [1] que demonstram algo radicalmente diferente. Por ocasião do primeiro conflito mundial, Gandhi orgulha-se de ser o "recrutador chefe" ao serviço do exército britânico e celebra as virtudes da vida militar. Qual é, em contrapartida, a atitude assumida pelo grande revolucionário russo?

Com o desencadeamento da guerra, ainda que partindo de posições bastante diferentes, Lenine presta homenagem aos círculos do "pacifismo inglês" e em particular a E. D. Morel, um "burguês excepcionalmente honesto e corajoso", membro da Associação contra a conscrição e autor de um ensaio que desmascara a ideologia "democrática" da guerra brandida pelo governo britânico. Neste momento, o dirigente bolchevique encontra-se bem mais próximo do pacifismo do que Gandhi, situado em posições anti-téticas.

Constrangido a verificar que, apesar das propostas de pacifismo combativo expressas na véspera da guerra, mesmo o movimento socialista acabou em grande parte por se acomodar à carnificina e à união sagrada patriótica destinada a legitimá-la, Lenine nota com desgosto a "imensa confusão", a "imensa crise provocada pela guerra mundial no socialismo europeu" e exprime uma "profunda amargura" pela "bacanal de chauvinismo" que grassa doravante. Sim, "a confusão foi grande" junto àqueles que viam na Segunda Internacional um vislumbre de esperança contra o ódio chauvinista e o furor belicista. Neste sentido, "a coisa mais entristecedora da crise actual é a vitória do nacionalismo burguês", é a atitude de adesão ou de submissão ao banho de sangue; sim, "mais que os horrores da guerra", ainda mais mesmo do que a "carnificina", aquilo que é dolorosamente ressentido são "os horrores da traição perpetrada pelos chefes do socialismo contemporâneo" que, engolindo seus compromissos anteriores, contribuem activamente para a legitimação da violência guerreira, para o retorno à barbárie cultural geral e para o envenenamento dos espíritos. "O imperialismo jogou os destinos da civilização europeia" e pôde fazer isso servindo-se da cumplicidade daqueles que estavam destinados a fazer valor as razões da paz e da coabitação entre os povos.

Para confirmar a sua análise, Lenine cita in extenso a declaração difundida por círculos cristãos de Zurique, os quais exprimem a sua consternação face a uma vaga chauvinista e belicista que não encontra obstáculos: "Mesmo a grande internacional operária [...] extermina-se reciprocamente nos campos de batalha". Cinco anos antes, em 1909, em oposição à "bancarrota" do "ideal do imperialismo" belicista, Kautsky havia celebrado "a imensa superioridade moral" do proletariado (e do movimento socialista), o qual "odeia a guerra com todas as suas forças" e "fará tudo para impedir que as paixões militaristas ganhem terreno". Este precioso capital de "superioridade moral" verifica-se agora que está completamente dissipado. Se, pelo menos na sua primeira fase, a guerra e a participação na guerra configuram-se, no quadro de uma ideologia à qual mesmo o primeiro Gandhi não é estranho, como uma espécie de plenitudo temporum no plano moral (pela motivação espiritual e a fusão comunitárias que implicam), aos olhos de Lenine a explosão do conflito fratricida (que também lacera a própria classe operária) aparece em contraste como alguma coisa semelhante à "época da culpabilidade reconhecida": utilizo aqui a expressão que Lukacs retoma de Fichte em 1916, ao passo que ele é dilacerado por um profundo trabalho destinado a concluir, na vaga de protestos contra a imensa carnificina, com a sua adesão à Revolução de Outubro. Evidentemente, o revolucionário russo é demasiado laico para recorrer a uma linguagem teológica. E, contudo, a substância não muda: para além da indignação política, a explosão da guerra provoca nele uma consternação moral.

A esperança, moral antes mesmo de política, parece renascer graças uma fenómeno que poderia talvez avariar a máquina infernal da violência: é a "confraternização entre soldados de nações beligerantes, até nas trincheiras". Esta novidade aprofundou contudo a divisão do movimento socialista, que já se manifestar com a explosão da guerra. Em contraposição ao "ex-socialista" Plekhanov, o qual assimila a confraternização à "traição", Lenine escreve: "Está bem que os soldados maldigam a guerra. Está bem que exijam a paz". No "programa da continuação da carnificina" formulado pelo governo provisório russo, do qual também fazem parte "ex-socialistas", Lenine responde: "A confraternização numa frente pode tornar-se confraternização em todas as frentes. O armistício de facto numa frente pode e deve tornar-se armistício em todas as frentes".

É verdade, a confraternização constitui para os bolcheviques um momento essencial da estratégia visando o abate do sistema social responsável pelo massacre e portanto a transformação da guerra em revolução. Mas esta passagem é tornada inevitável pelas "ordens draconianas" com as quais os dois campos opostos enfrentam a confraternização. E é uma passagem que, desde o princípio do gigantesco conflito, é imaginada e de certa forma invocada também pelos círculos cristãos suíços que Lenine opõe positivamente aos socialistas convertidos às razões do chauvinismo e da guerra. O revolucionário russo chama a atenção em particular para isto:

"Se a miséria se torna demasiado grande, se o desespero toma a dianteira, se o irmão reconhece seu irmão sob o uniforme inimigo, talvez factos ainda totalmente inesperados se produzam, talvez as armas retornem contra aqueles que incitam a guerra, talvez os povos, aos quais foi imposto o ódio, subitamente os esqueçam, unindo-se".

Não parece que Gandhi se tenha ocupado do fenómeno da confraternização, o qual de qualquer forma está em contraste com o seu empenho em recrutar soldados e carne de canhão para o governo de Londres.

25/Abril/2010
[1] La non-violenza. Une storia fuori dal mito , Laterza, 2010.

O original encontra-se em www.domenicolosurdo.blogspot.com . A versão em francês encontra-se em http://www.legrandsoir.info/Anniversaire-de-la-naissance-de-Lenine.html

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/

Na América Latina não faltam alimentos, os pobres é que não têm acesso a eles

Na América Latina, o problema da fome, que afeta cerca de 53 milhões de pessoas, não se deve a escassez de alimentos, mas a falta de acesso a eles de amplos setores da população, advertiu a FAO (Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação), nesta segunda-feira, 26/04/2010.
“O problema da fome na América Latina não é um problema de produção de alimentos, mas sim o acesso a eles, pois em seu conjunto a região produz mais alimentos de que necessita”, disse Fernando Soto, membro da FAO, na 31a Conferência Regional da entidade, inaugurada no Panamá.
Segundo a FAO, a América Latina e o Caribe se caracterizam por uma alta volatilidade dos preços de produtos básicos, especialmente os alimentos, o que dificulta seu acesso aos mais pobres.
A inflação, o desemprego, a diminuição das remessas e os altos preços dos alimentos têm reduzido os ganhos reais dos segmentos mais pobres da população e têm agravado suas dificuldades de acesso a uma alimentação adequada. (...)

Leia a íntegra da reportagem no link abaixo;
http://www.cubadebate.cu/noticias/2010/04/26/fao-en-america-latina-no-faltan-alimentos-los-pobres-no-acceden-a-ellos/

É preciso sonhar


"É preciso sonhar, mas com a condição de crer em nosso sonho, de observar com atenção a vida real, de confrontar a observação com nosso sonho, de realizar escrupulosamente nossas fantasias. Sonhos, acredite neles.”

“E, assim como toda grande mudança que acontece na vida de um indivíduo o ensina e o faz viver e sentir muitas coisas, a revolução é capaz de engendrar no povo os mais profundos e preciosos ensinamentos."

V. I. Lênin

sábado, 24 de abril de 2010

DIGA NÃO À ANISTIA PARA OS TORTURADORES, SEQUESTRADORES E ASSASSINOS DOS OPOSITORES À DITADURA MILITAR.

ASSINE o Manifesto Contra a Anistia aos torturadores!!!

Queremos que o Estado brasileiro diga:

A Lei de Anistia não se aplica aos crimes comuns praticados pelos agentes da repressão contra os seus opositores políticos, durante o regime militar, assim como já fizeram outros países .

Os crimes praticados durante a ditadura, como tortura, assassinato e desaparecimentos forçados, são crimes contra a humanidade e nesta medida não podem ser anistiados.


O Supremo Tribunal Federal marcou o julgamento do processo paro o dia 28/04/2010.

NÃO DEIXE DE ASSINAR O MANIFESTO. Clique no link abaixo e preencha o formulário:

http://www.ajd.org.br/anistia_port.php


APELO AO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL: NÃO ANISTIE OS TORTURADORES!

Exmo. Sr. Dr. Presidente do
Supremo Tribunal Federal
Ministro Gilmar Mendes

Eminentes Ministros do STF: está nas mãos dos senhores um julgamento de importância histórica para o futuro do Brasil como Estado Democrático de Direito, tendo em vista o julgamento da ADPF (Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental) nº 153, proposta em outubro de 2008 pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, que requer que a Corte Suprema interprete o artigo 1º da Lei da Anistia e declare que ela não se aplica aos crimes comuns praticados pelos agentes da repressão contra os seus opositores políticos, durante o regime militar, pois eles não cometeram crimes políticos e nem conexos.

Tortura, assassinato e desaparecimento forçado são crimes de lesa-humanidade, portanto não podem ser objeto de anistia ou auto-anistia.

O Brasil é o único país da América Latina que ainda não julgou criminalmente os carrascos da ditadura militar e é de rigor que seja realizada a interpretação do referido artigo para que possamos instituir o primado da dignidade humana em nosso país.

A banalização da tortura é uma triste herança da ditadura civil militar que tem incidência direta na sociedade brasileira atual.

Estudos científicos e nossa observação demonstram que a impunidade desses crimes de ontem favorece a continuidade da violência atual dos agentes do Estado, que continuam praticando tortura e execuções extrajudiciais contra as populações pobres.

Afastando a incidência da anistia aos torturadores, o Supremo Tribunal Federal fará cessar a degradação social, de parte considerável da população brasileira, que não tem acesso aos direitos essenciais da democracia e nesta medida, o Brasil deixará de ser o país da América Latina que ainda aceita que a prática dos atos inumanos durante a ditadura militar possa ser beneficiada por anistia política.

Estamos certos que o Supremo Tribunal Federal dará a interpretação que fortalecerá a democracia no Brasil, pois Verdade e Justiça são imperativos éticos com os quais o Brasil tem compromissos, na ordem interna, regional e internacional.

Os Ministros do STF têm a nobre missão de fortalecer a democracia e dar aos familiares, vítimas e ao povo brasileiro a resposta necessária para a construção da paz.

Não à anistia para os torturadores, sequestradores e assassinos dos opositores à ditadura militar.

Comitê Contra a Anistia aos Torturadores

PRIMEIRAS ASSINATURAS

Antonio Candido de Mello e Souza - crítico literário
Helio Bicudo - jurista e ex-membro da Comissão Interamericana de Direitos Humanos
Chico Buarque de Holanda - cantor e compositor
Leandro Konder - filósofo
Fábio Konder Comparato - professor emérito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo
José Celso Martinez Corrêa - dramaturgo, presidente da Associação Teatro oficina Uzyna Uzona
Aloysio Nunes Ferreira - secretário da Casa Civil do Estado de SP
Frei Betto - frade dominicano e escritor
Maria Rita Khel - psicanalista
Maria Victoria Benevides - professora USP
Michael Löwy - sociólogo (CNRS - França)
Milton Hatoum - escritor
João Pedro Stedile - coordenador do MST
Marilena Chauí - filósofa e professora da FFLCH a USP
Luis Fernando de Camargo Barros Vidal - presidente da Associação Juízes para a Democracia
Maria Della Costa - atriz e empresária
Arnaldo Carrilho - embaixador
Vito Monetti - presidente da MEDEL- "Magistrats Européens pour la Démocratie et les Libertés"
Gerónimo Sansó - presidente da Asociación Civil Justicia Democrática - Argentina e da Federação Juizes para a Democracia da América Latina
Alberto Silva Franco - desembargador Aposentado do TJSP e Presidente de Honra do IBCCRIM
Sérgio Mazina Martins - presidente do IBCCRIM
Viviana Krsticevic - diretora Executiva do CEJIL
Plinio de Arruda Sampaio - jurista e presidente da Associação Brasileira pela Reforma Agrária
Carlos Vico Mañas - desembargador do TJSP e 1º Vice-Presidente do IBCCRIM
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Paulo Arantes - professor de filosofia
Antonio Visconti - fundador do Movimento do Ministério Público Democrático
Jair Kirchke - historiador e dirigente do Movimento de Justiça e Direitos Humanos
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Emir Sader - secretário Executivo do Conselho Latinoamericano de Ciêcias Sociais
Cecília Coimbra - psicóloga, professora da UFF, presidente do Grupo Tortura Nunca Mais/RJ.
Alicia Gomez Carbajal - presidenta de la Asociacion de Jueces para la Justicia y Democracia de Perú - JUSDEM
Chico Whitaker - ex-coordenador da Comissão Brasileira Justiça e Paz da CNBB
Milton Temer - jornalista
Alipio Freire - jornalista
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Adriana Maciel - artista plástica
Rubem Grilo - artista plástico
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segunda-feira, 19 de abril de 2010

Historiador Eric Hobsbawm: questões cruciais do século 21

Aos 92 anos, o historiador britânico Eric Hobsbawm continua um feroz crítico da prevalência do modelo político-econômico dos EUA. Para ele, o presidente americano Barack Obama, ao lidar com as consequências da crise econômica, desperdiçou a chance de construir maneiras mais eficazes de superá-la.

“Podemos desejar sucesso a Obama, mas acho que as perspectivas não são tremendamente encorajadoras”, diz, na entrevista abaixo. “A tentativa dos EUA de exercer a hegemonia global vem fracassando de modo muito visível.”

Hobsbawm discute ainda questões globais contemporâneas –como as tentativas de criar Estados supranacionais, a xenofobia e o crescimento econômico chinês– à luz do que expressou em livros como “Era dos Extremos” e “Tempos Interessantes” (ambos publicados pela Cia. das Letras).

Pergunta – “Era dos Extremos” termina em 1991, com um panorama de avalanche global –o colapso das esperanças de avanços sociais globais da era de ouro [segundo Hobsbawm, 1949-73]. Quais são as mudanças mais importantes desde então na história mundial?
Eric Hobsbawm – Vejo quatro mudanças principais. Primeiro, o deslocamento do centro econômico do mundo do Atlântico Norte para o sul e o leste da Ásia. Isso já estava começando no Japão nas décadas de 1970 e 80, mas a ascensão da China desde os anos 1990 vem fazendo uma diferença real.

Em segundo lugar, é claro, a crise mundial do capitalismo, que vínhamos prevendo, mas que, mesmo assim, levou muito tempo para ocorrer. Em terceiro, a derrota retumbante da tentativa dos EUA de exercer a hegemonia global solo a partir de 2001 –e essa tentativa vem fracassando de modo muito visível.

Em quarto lugar, a emergência de um novo bloco de países em desenvolvimento, como entidade política –os Brics [Brasil, Rússia, Índia e China]–, não tinha acontecido quando escrevi “Era dos Extremos”. E, em quinto lugar, a erosão e o enfraquecimento sistemático da autoridade dos Estados: dos Estados nacionais no interior de seus territórios e, em grandes regiões do mundo, de qualquer tipo de autoridade de Estado efetiva. Isso pode ter sido previsível, mas se acelerou em um grau que eu não teria previsto.

Pergunta – O que mais o surpreendeu desde então?
Hobsbawm – Nunca deixo de me espantar com a pura e simples insensatez do projeto neoconservador, que não apenas fez de conta que a América fosse o futuro, mas chegou a pensar que tivesse formulado uma estratégia e uma tática para alcançar esse objetivo. Pelo que consigo enxergar, eles não tinham uma estratégia coerente, em termos racionais.

Em segundo lugar –fato muito menor, mas significativo–, o ressurgimento da pirataria, algo que já tínhamos em grande medida esquecido; isso é novo. E a terceira coisa, que é ainda mais local: a derrocada do Partido Comunista da Índia (Marxista) em Bengala Ocidental [no leste da Índia], algo que eu realmente não teria previsto.

Prakash Karat, seu secretário-geral, disse-me recentemente que o partido se sentiu sitiado e assediado em Bengala Ocidental. E está prevendo sair-se muito mal diante deste novo Congresso nas eleições locais. Isso depois de governar por 30 anos como partido nacional, por assim dizer.

Pergunta – O sr. visualiza qualquer recomposição política do que foi no passado a classe trabalhadora?
Hobsbawm – Não em sua forma tradicional. Marx [1818-83] acertou, sem dúvida, quando previu a formação de grandes partidos de classe em determinado estágio da industrialização. Mas esses partidos, quando foram bem-sucedidos, não operaram puramente como partidos da classe trabalhadora: se queriam estender-se para além de uma classe estreita, o faziam como partidos do povo, estruturados em torno de uma organização inventada pela classe trabalhadora e voltada a alcançar os objetivos dela.

Mesmo assim, havia limites à consciência de classe. No Reino Unido, o Partido Trabalhista nunca conquistou mais de 50% dos votos. O mesmo se aplica à Itália, onde o Partido Comunista era muito mais um partido do povo. Na França, a esquerda era baseada sobre uma classe trabalhadora relativamente fraca, mas que conseguiu se reforçar como sucessora essencial da tradição revolucionária.

O declínio da classe operária manual na indústria parece, de fato, ter atingido seu estágio terminal. Ainda restam ou vão restar muitas pessoas fazendo trabalhos manuais, e a defesa das condições de trabalho delas continua a ser uma tarefa importante de todos os governos de esquerda. Mas essa defesa não pode mais ser o alicerce principal das esperanças dessas pessoas: elas não possuem mais potencial político, nem mesmo teoricamente, porque não possuem o potencial de organização da classe operária antiga.

Houve três outras mudanças negativas importantes. Uma delas, é claro, é a xenofobia –que, para a maior parte da classe trabalhadora é, nas palavras usadas certa vez por [August] Bebel, “o socialismo dos tolos”: proteja meu emprego contra pessoas que estão competindo comigo.

Em segundo lugar, boa parte da mão de obra e do trabalho nos setores que a administração pública britânica qualificava no passado como “graus menores e manipulativos” não é permanente, mas temporária: são estudantes e migrantes trabalhando com catering [fornecimento de refeições para linhas aéreas, gastronomia hospitalar e cozinhas de navios], por exemplo. Assim, não é fácil enxergá-la como tendo potencial de ser organizada.

A única parte facilmente organizável desse tipo de mão de obra é a que é empregada por autoridades públicas, e isso devido ao fato de essas autoridades serem politicamente vulneráveis.

A terceira e mais importante mudança é, a meu ver, a divisão crescente gerada por um novo critério de classe: a saber, a aprovação em exames de escolas e universidades como critério de acesso a empregos. Pode-se dizer que se trata de uma meritocracia, mas ela é medida, institucionalizada e mediada por sistemas de ensino.

O que isso fez foi desviar a consciência de classe da oposição aos patrões para a oposição a representantes de alguma elite: intelectuais, elites liberais, pessoas que se erguem como superiores a nós.

Podem existir meios novos? Não podem mais ser em termos de uma classe única, mas, na minha opinião, isso nunca foi possível. Existe uma política progressista de coalizões, mesmo coalizões relativamente permanentes como as que unem, digamos, a classe média instruída, leitora do “The Guardian”, e os intelectuais –os altamente instruídos, que de modo geral tendem a posicionar-se muito mais à esquerda que outros– e a massa dos pobres e ignorantes.

Os dois grupos são essenciais para um movimento como esse, mas hoje talvez seja mais difícil uni-los do que era antes. É possível, em certo sentido, os pobres se identificarem com os multimilionários, como acontece nos EUA, dizendo “eu só precisaria de sorte para virar popstar”. Mas não é possível dizer “bastaria um pouco de sorte para eu virar ganhador do Prêmio Nobel”. Isso cria um problema real quando se trata de coordenar as posições políticas de pessoas que, objetivamente falando, poderiam estar do mesmo lado.

Pergunta – Que comparações o sr. traçaria entre a crise atual e a Grande Depressão?

Hobsbawm
-[A crise de] 1929 não começou com os bancos –eles só caíram dois anos mais tarde. O que aconteceu, na verdade, foi que a Bolsa de Valores [de Nova York] desencadeou uma queda na produção, com um índice muito mais alto de desemprego e um declínio real muito maior na produção do que havia ocorrido em qualquer momento até então.

A depressão atual levou mais tempo sendo preparada que a de 1929, que pegou quase todos de surpresa. Deveria ter sido claro desde cedo que o fundamentalismo neoliberal gerou uma instabilidade enorme nas operações do capitalismo. Até 2008, isso pareceu afetar apenas as áreas periféricas –a América Latina nos anos 1990 e no início da década de 2000, o Sudeste Asiático e a Rússia.

Parece-me que o verdadeiro indício de algo grave acontecendo deveria ter sido o colapso da Long-Term Capital Management [fundo de investimentos sediado nos EUA], em 1998, que provou como estava errado o modelo inteiro de crescimento. Mas o incidente não foi visto como tal. Paradoxalmente, a crise levou vários empresários e jornalistas a redescobrirem Karl Marx como alguém que tinha escrito algo interessante sobre uma economia globalizada moderna. Não teve absolutamente nada a ver com a antiga esquerda.

A economia mundial em 1929 era menos global do que é hoje. Isso exerceu algum efeito, é claro –por exemplo, teria sido muito mais fácil então para as pessoas que perderam seus empregos retornarem a suas cidadezinhas de origem.

A existência da União Soviética não exerceu efeito concreto sobre a Depressão, mas seu efeito ideológico foi enorme: significava que havia uma alternativa. Desde os anos 1990, temos assistido à ascensão da China e das economias emergentes, fato que vem realmente exercendo um efeito concreto sobre a depressão atual, na medida em que esses países vêm ajudando a manter a economia mundial muito mais equilibrada do que ela estaria sem eles.

Na verdade, mesmo na época em que o neoliberalismo estava supostamente em plena forma, o crescimento real estava ocorrendo em muito grande medida nessas economias em desenvolvimento recente –particularmente na China. Tenho certeza de que, não fosse pela China, a queda de 2008 teria sido muito mais séria.

Pergunta – E o que dizer das consequências políticas?

Hobsbawm
– A Depressão de 1929 levou a um desvio avassalador para a direita, com a exceção notável da América do Norte, incluindo o México, e da Escandinávia. Na França, a Frente Popular teve apenas 0,5% mais votos em 1936 do que tinha em 1932, de modo que sua vitória assinalou uma mudança na composição das alianças políticas, e não alguma coisa mais profunda. Na Espanha, apesar da situação quase ou potencialmente revolucionária, o efeito imediato e, de fato, também o efeito de longo prazo foi um desvio para a direita.

Na maioria dos outros países, especialmente na Europa central e do leste, a política se desviou para a direita de modo muito acentuado.

O efeito da crise atual não é tão nítido. Podemos imaginar que grandes mudanças políticas devem ocorrer não apenas nos EUA ou no Ocidente, mas quase certamente na China. Mas podemos apenas especular sobre quais serão essas mudanças.

Pergunta – O sr. antevê que a China continue a resistir ao declínio?

Hobsbawm
– Não há nenhuma razão em especial para prever que a China pare de crescer de uma hora para outra. A depressão causou um choque grave ao governo chinês, na medida em que paralisou muitas indústrias, temporariamente. Mas o país ainda se encontra nos estágios iniciais do desenvolvimento econômico, e há espaço enorme para expansão.

Não quero tecer especulações sobre o futuro, mas podemos imaginar que, dentro de 20 ou 30 anos, a importância relativa da China no palco mundial será maior do que é hoje –pelo menos econômica e politicamente, mas não necessariamente em termos militares. É claro que o país ainda enfrenta problemas enormes; sempre há pessoas que se perguntam se a China vai conseguir continuar unida. Mas acho que as razões reais e ideológicas para que as pessoas desejem que a China se mantenha unida continuam muito fortes.

Pergunta – Que avaliação o sr. faz da administração [do presidente dos EUA, Barack] Obama?

Hobsbawm
– As pessoas ficaram tão satisfeitas com a eleição de um homem como ele, especialmente em um momento de crise, que pensaram que certamente seria um grande reformador, que faria o que Roosevelt [presidente dos EUA, 1933-45, responsável pelo New Deal, série de programas econômicos e sociais contra a Grande Depressão] fez.

Mas Obama não o fez. Ele começou mal. Se compararmos os primeiros cem dias de Roosevelt com os primeiros cem dias de Obama, o que salta à vista é a disposição de Roosevelt em aceitar assessores não oficiais, em experimentar algo novo, comparada à insistência de Obama em se conservar no centro. Acho que ele desperdiçou sua chance.

Podemos desejar sucesso a Obama, mas acho que as perspectivas não são tremendamente encorajadoras.

Pergunta – Voltando-nos ao teatro mais explosivo de conflito internacional no mundo no presente, o sr. pensa que a solução de dois Estados, conforme visualizada no momento, é uma perspectiva digna de crédito para a Palestina?

Hobsbawm
– Pessoalmente, duvido que ela exista neste momento. Seja qual for a solução possível, nada vai acontecer enquanto os americanos não decidirem mudar totalmente de posição e aplicar pressão sobre Israel.

Pergunta – Existem lugares do mundo nos quais o sr. acha que projetos positivos e progressistas ainda estejam vivos ou tenham chances de ser reativados?

Hobsbawm
– Na América Latina, com certeza, a política e o discurso público geral ainda são conduzidos nos velhos termos do iluminismo –liberais, socialistas, comunistas. Esses são os lugares onde se encontram militaristas que falam como socialistas –que são socialistas. Encontram-se fenômenos como [o presidente] Lula, baseado em um movimento da classe trabalhadora, e [o presidente boliviano Evo] Morales.

Para onde isso vai levar é outra questão, mas a velha linguagem ainda pode ser falada, e os velhos modos políticos ainda estão disponíveis. Não estou inteiramente certo quanto à América Central, embora existam indícios de um ligeiro “revival” da tradição da revolução no próprio México –não que isso vá muito longe, na medida em que o México já foi virtualmente integrado à economia americana.

Acho que a América Latina se beneficiou da ausência de nacionalismo étnico-linguístico e de divisões religiosas, e isso fez com que fosse muito mais fácil conservar o discurso antigo. Sempre chamou minha atenção o fato de que, até muito recentemente, não se viam sinais de política étnica. Esta apareceu entre movimentos indígenas no México e no Peru, mas não em escala remotamente comparável ao que se viu na Europa, na Ásia ou na África.

É possível que projetos progressistas possam renascer na Índia, devido à força institucional da tradição secular de Nehru [que se tornou premiê da Índia após a independência do país, em 1947]. Mas isso não parece penetrar muito entre as massas, com a exceção de algumas regiões em que os comunistas têm tido ou tiveram apoio de massa, como em Bengala e Kerala, e possivelmente alguns grupos como os naxalitas ou os maoístas no Nepal.

Além disso, o legado dos velhos movimentos trabalhistas, socialistas e comunistas na Europa continua bastante forte. Os partidos fundados sob [a influência de Friedrich] Engels ainda são, em quase toda parte na Europa, potenciais partidos governistas ou os principais partidos de oposição. Desconfio que em algum momento a herança do comunismo, por exemplo nos Bálcãs ou até mesmo em parte da Rússia, possa se manifestar de maneiras que não podemos prever.

O que vai acontecer na China eu não sei. Mas não há dúvida de que eles estão pensando em termos diferentes, não em termos maoístas ou marxistas modificados.

Pergunta – O sr. sempre foi crítico do nacionalismo como força política, avisando à esquerda que não deve pintá-lo de vermelho. Mas também se manifestou de modo contundente contra violações de soberania nacional cometidas em nome de intervenções humanitárias. Após a falência dos tipos de internacionalismo nascidos do movimento trabalhista, que tipos são desejáveis hoje?

Hobsbawm
– Em primeiro lugar, o humanitarismo, o imperialismo dos direitos humanos, não tem muito a ver com internacionalismo. É indicativo ou de um imperialismo renascido, que encontra nele uma desculpa adequada para cometer violações de soberania de Estados –podem ser desculpas absolutamente sinceras–, ou então, o que é mais perigoso, é uma reafirmação da crença na superioridade permanente da região que dominou o planeta do século 16 até o final do século 20.

Afinal, os valores que o Ocidente procura impor são valores especificamente regionais, não necessariamente universais. Se fossem valores universais, teriam que ser reformulados em termos diferentes. Não creio que estejamos lidando aqui com algo que seja nacional ou internacional em si.

Mas o nacionalismo exerce um papel nisso, sim, porque a ordem nacional baseada em Estados-nações –o sistema westfaliano– tem sido no passado, para o bem ou para o mal, uma das melhores proteções contra a chegada de elementos externos a países. Não há dúvidas de que, uma vez que ela é abolida, o caminho fica aberto para guerras agressivas e expansionistas –de fato, é por essa razão que os EUA têm criticado a ordem westfaliana.

O internacionalismo, que é a alternativa ao nacionalismo, é uma coisa espinhosa. Ou é um slogan politicamente vazio, como foi, concretamente falando, no movimento trabalhista internacional –não queria dizer nada específico–, ou é uma maneira de assegurar uniformidade para organizações centralizadas e poderosas como a Igreja Católica ou a Internacional Comunista.

O internacionalismo significava que, como católico, você acreditava nos mesmos dogmas e participava das mesmas práticas, não importa quem você fosse ou onde vivesse. O mesmo acontecia, teoricamente, com os partidos comunistas. Em que medida isso realmente aconteceu, e em que estágio deixou de acontecer –mesmo dentro da Igreja Católica–, é outra questão. Não é realmente isso o que queríamos dizer com “internacionalismo”.

O Estado-nação foi e continua a ser o quadro em que são tomadas todas as decisões políticas, domésticas e externas. Até muito recentemente, as atividades dos partidos trabalhistas –na verdade, todas as atividades políticas– eram conduzidas quase inteiramente dentro do contexto de um Estado.

Mesmo dentro da UE [União Europeia], a política ainda é articulada em termos nacionais. Em outras palavras, não existe um poder de ação supranacional –apenas Estados separados formando uma coalizão.

É possível que o islã missionário e fundamentalista constitua uma exceção a essa regra, abarcando Estados, mas isso ainda não foi demonstrado concretamente. As tentativas anteriores de criação de Superestados pan-árabes, como a tentativa entre Egito e Síria, fracassaram precisamente devido à persistência das fronteiras existentes –antes coloniais– dos Estados.

Pergunta – Então o sr. vê obstáculos inerentes a quaisquer tentativas de extrapolar as fronteiras do Estado-nação?

Hobsbawm
– Economicamente e na maioria dos outros aspectos –inclusive culturalmente, até certo ponto–, a revolução das comunicações criou um mundo genuinamente internacional, no qual há poderes de decisão que se transnacionalizam, atividades que são transnacionais e, é claro, movimentos de ideias, comunicações e pessoas que são mais facilmente transnacionais do que jamais antes.

Mesmo as culturas linguísticas hoje são suplementadas por expressões idiomáticas das comunicações internacionais. Na política, contudo, não se vê nenhum sinal de que isso esteja acontecendo, e é essa a contradição básica no momento.

Uma das razões pelas quais não vem acontecendo é que, no século 20, a política foi democratizada em grau muito grande –a massa da população comum se envolveu nela. Para essa massa, o Estado é essencial para suas operações cotidianas normais e para suas possibilidades de vida.

Tentativas de fragmentar o Estado internamente, pela descentralização, foram empreendidas, em sua maioria nos últimos 30 ou 40 anos, e algumas delas não deixaram de ter algum sucesso –na Alemanha, com certeza, a descentralização vem tendo alguma medida de sucesso, e na Itália a regionalização vem sendo benéfica.

Mas as tentativas de criar Estados supranacionais não têm funcionado. A UE é o exemplo mais óbvio disso. Ela foi prejudicada, até certo ponto, pelo fato de seus fundadores terem pensado precisamente em termos de um Superestado análogo a um Estado nacional, apenas maior –sendo que essa não era uma possibilidade, creio, e hoje com certeza não é. A UE é uma reação específica no interior da Europa.

Em um ou outro momento se viram sinais de um Estado supranacional no Oriente Médio e em outros lugares, mas a UE é o único que parece ter ido adiante. Não acredito, por exemplo, que exista muita chance de uma federação maior surgir na América do Sul. Pessoalmente, eu apostaria contra essa possibilidade.

Logo, o problema ainda não resolvido continua a ser a seguinte contradição: por um lado, há entidades e práticas transnacionais que estão em processo de esvaziar o Estado, talvez ao ponto de levá-lo ao colapso. Mas, se isso acontecer –coisa que não é uma perspectiva imediata, não em Estados desenvolvidos–, quem se encarregará da função redistributiva e de outras funções até agora empreendidas unicamente pelo Estado?

No momento, temos uma espécie de simbiose e conflito. Esse é um dos problemas básicos de qualquer tipo de política popular hoje.

Pergunta – O nacionalismo claramente foi uma das grandes forças motrizes da política no século 19 e boa parte do século 20. O que o sr. diz da situação atual?

Hobsbawm
– Não há dúvida alguma de que o nacionalismo foi, em grande medida, parte do processo de formação dos Estados modernos, que exigiu uma forma de legitimação diferente da do Estado tradicional teocrático ou dinástico. A ideia original do nacionalismo era a criação de Estados maiores, e me parece que essa função unificadora e de expansão foi muito importante.

Um exemplo típico foi o da Revolução Francesa, na qual, em 1790, pessoas apareceram dizendo: “Não somos mais delfineses ou sulistas –somos todos franceses”.

Em uma etapa posterior, dos anos 1870 em diante, vemos movimentos de grupos no interior desses Estados impulsionando a criação de seus Estados independentes. Isso, é claro, gerou o momento wilsoniano de autodeterminação –se bem que, felizmente, em 1918-19, ele ainda fosse corrigido, até certo ponto, por algo que desde então desapareceu por completo, a saber, a proteção das minorias.

Era reconhecido, mesmo que não pelos próprios nacionalistas, que nenhum desses novos Estados-nações era, de fato, étnica ou linguisticamente homogêneo. Mas, depois da Segunda Guerra [1939-45], os pontos fracos das situações existentes foram enfrentados, não apenas pelos vermelhos, mas por todos, pela criação proposital e forçada da homogeneidade étnica. Isso provocou uma quantidade enorme de sofrimento e crueldade, e, no longo prazo, também não funcionou.

Apesar disso, até aquele período, o tipo separatista de nacionalismo operou razoavelmente bem. Ele foi reforçado após a Segunda Guerra Mundial pela descolonização, que, por sua própria natureza, havia criado mais Estados; e foi fortalecido ainda mais, no final do século, pela queda do império soviético [em 1991], que também criou novos Miniestados separados, incluindo muitos que, assim como aconteceu com as colônias, não tinham desejado de fato separar-se, mas aos quais a independência foi imposta pela força da história.

Não posso deixar de pensar que a função dos Estados separatistas pequenos, que se multiplicaram tremendamente desde 1945, mudou. Para começo de conversa, eles são reconhecidos como existentes. Antes da Segunda Guerra, os Miniestados –como Andorra, Luxemburgo e todos os outros– nem sequer eram vistos como parte do sistema internacional, exceto pelos colecionadores de selos.

A ideia de que tudo, até a Cidade do Vaticano, hoje é um Estado, potencialmente membro das Nações Unidas, é nova. Está muito claro, também, que, em termos de poder, esses Estados não são capazes de exercer o papel de Estados tradicionais –não possuem a capacidade de travar guerra contra outros Estados.

Tornaram-se, na melhor das hipóteses, paraísos fiscais ou bases subalternas úteis para as instâncias decisórias transnacionais. A Islândia é um bom exemplo disso, e a Escócia não fica muito atrás.

A função histórica de criar uma nação como Estado-nação deixou de ser a base do nacionalismo. Pode-se dizer que não é mais um slogan muito convincente. Pode ter sido eficaz, no passado, como meio de criar comunidades e organizá-las contra outras unidades políticas ou econômicas.

Hoje, porém, o fator xenofóbico do nacionalismo é cada vez mais importante. Quanto mais a política foi democratizada, maior foi o potencial para isso. As causas da xenofobia são muito maiores do que eram no passado. Trata-se de algo muito mais cultural que político –basta pensar na ascensão do nacionalismo inglês ou escocês nos últimos anos–, mas nem por isso menos perigoso.

Pergunta – O fascismo não incluía essas formas de xenofobia?

Hobsbawm
– O fascismo ainda foi, até certo ponto, parte da investida para criar nações maiores. Não há dúvida de que o fascismo italiano foi um grande passo à frente na conversão de calabreses e úmbrios em italianos; e mesmo na Alemanha, foi apenas em 1934 que os alemães puderam ser definidos como alemães, e não alemães pelo fato de serem suábios, francos ou saxões.

É verdade que os fascismos alemão e europeu central e oriental foram acirradamente contrários a outsiders –judeus, em grande medida, mas não apenas eles. E, é claro, o fascismo forneceu uma garantia menor contra os instintos xenofóbicos.

Uma das vantagens enormes dos movimentos trabalhistas antigos era que eles forneciam essa garantia. Isso ficou muito claro na África do Sul: não fosse pelo compromisso das organizações de esquerda tradicionais com a igualdade e a não discriminação, teria sido muito mais difícil resistir à tentação de cometer atos de vingança contra os africânderes.

Pergunta – O sr. destacou as dinâmicas separatistas e xenofóbicas do nacionalismo. O sr. vê isso como algo que hoje atua nas margens da política mundial, e não no teatro principal dos acontecimentos?

Hobsbawm
– Sim, acho que isso é provavelmente certo –embora existam regiões em que o nacionalismo causou danos enormes, como no sudeste da Europa. Ainda é verdade, é evidente, que o nacionalismo –ou o patriotismo, ou a identificação com um povo específico, que não precisa necessariamente ser definido por critérios étnicos– seja um enorme fator de legitimação dos governos.

Isso é claramente o caso na China. Um dos problemas da Índia, hoje, é que não existe nada exatamente assim por lá. Os EUA, obviamente, não podem ser definidos por uma unidade étnica, mas certamente têm sentimentos nacionalistas fortes.

Pergunta – Como o sr. prevê a dinâmica social da imigração contemporânea hoje, num momento em que tantos migrantes chegam anualmente à UE e aos EUA? O sr. prevê a emergência gradual de outro caldeirão cultural na Europa, não dessemelhante ao americano?

Hobsbawm
– Mas o caldeirão cultural nos EUA deixou de sê-lo desde os anos 1960. Ademais, no final do século 20, a migração já era algo realmente muito diferente das migrações de períodos anteriores, em grande medida porque, ao emigrar, as pessoas já não rompem os vínculos com o passado no mesmo grau em que o faziam antes.

É possível continuar vivendo em dois, possivelmente até três, mundos ao mesmo tempo, e a identificar-se com dois ou três lugares distintos. É possível continuar a ser guatemalteco mesmo vivendo nos EUA. Também há situações como as da UE, nas quais, concretamente, a imigração não gera a possibilidade de assimilação. Um polonês que vem para o Reino Unido não é visto como nada além de um polonês que vem trabalhar no país.

Isso é claramente novo e muito diferente da experiência de pessoas da minha geração, por exemplo –a geração dos emigrados políticos, não que eu tenha sido um–, na qual nossa família era britânica, mas culturalmente nunca deixávamos de ser austríacos ou alemães; mas, apesar disso, acreditávamos realmente que deveríamos ser ingleses.

Mesmo quando um desses emigrados retornasse a seu próprio país, mais tarde, não era exatamente a mesma coisa –o centro de gravidade tinha se deslocado. Sempre há exceções: o poeta Erich Fried [1921-88], que viveu em Willesden (zona noroeste de Londres) por 50 anos, continuou, de fato, a viver na Alemanha.

Acredito realmente que é essencial conservar as regras básicas da assimilação –que os cidadãos de um país particular devem comportar-se de determinada maneira e gozar de determinados direitos, e que esses comportamentos e direitos devem defini-los, e que isso não deve ser enfraquecido por argumentos multiculturais.

A França havia, apesar de tudo, integrado mais ou menos tantos de seus imigrantes estrangeiros quanto os EUA, relativamente falando, e, mesmo assim, o relacionamento entre os locais e os ex-imigrantes é quase certamente melhor lá. Isso acontece porque os valores da República Francesa continuam a ser essencialmente igualitários e não fazem nenhuma concessão pública real.

Seja o que for que você faça no âmbito pessoal –era também esse o caso nos EUA no século 19–, publicamente esse é um país que fala francês. A dificuldade real não será tanto com os imigrantes quanto com os locais. É em lugares como Itália e Escandinávia, que não tinham tradições xenofóbicas prévias, que a nova imigração vem criando problemas sérios.

Pergunta – Hoje é amplamente disseminada a ideia de que a religião tenha retornado como força imensamente poderosa em um continente após o outro. O sr. vê isso como um fenômeno fundamental ou como fenômeno mais passageiro?

Hobsbawm
– Está claro que a religião –entendida como a ritualização da vida, a crença em espíritos ou entidades não materiais que influenciariam a vida e, o que não é menos importante, como um elo comum entre comunidades– está tão amplamente presente ao longo da história que seria um equívoco enxergá-la como fenômeno superficial ou que esteja destinado a desaparecer, pelo menos entre os pobres e fracos, que provavelmente sentem mais necessidade de seu consolo e também de suas potenciais explicações do porquê de as coisas serem como são.

Existem sistemas de governo, como o chinês, que não possuem concretamente qualquer coisa que corresponda ao que nós consideraríamos ser religião. Eles demonstram que isso é possível, mas acho que um dos erros do movimento socialista e comunista tradicional foi optar pela extirpação violenta da religião em épocas em que poderia ter sido melhor não fazê-lo. Uma das grandes transformações interessantes advindas após a queda de Mussolini na Itália foi quando [Palmiro] Togliatti [secretário-geral do Partido Comunista Italiano] deixou de discriminar os católicos praticantes –e com razão.

De outro modo, ele não teria conseguido que 14% das donas de casa votassem nos comunistas na década de 1940. Isso mudou o caráter do Partido Comunista Italiano, que passou de partido leninista de vanguarda a partido classista de massas ou partido do povo.

Por outro lado, é verdade que a religião deixou de ser a linguagem universal do discurso público; e, nessa medida, a secularização vem sendo um fenômeno global, embora apenas em algumas partes do mundo ela tenha enfraquecido gravemente a religião organizada.

Para as pessoas que continuam a ser religiosas, o fato de hoje existirem duas linguagens do discurso religioso gera uma espécie de esquizofrenia, algo que pode ser visto com bastante frequência entre, por exemplo, os judeus fundamentalistas na Cisjordânia –eles acreditam em algo que é evidentemente tolice, mas trabalham como especialistas nisso.

O movimento islâmico atual é composto, em grande medida, por jovens tecnólogos e técnicos desse tipo. Com certeza, as práticas religiosas vão mudar muito substancialmente. Se isso vai realmente produzir uma secularização maior não está claro. Por exemplo, não sei até que ponto a grande mudança na religião católica no Ocidente –ou seja, a recusa das mulheres em pautar-se pelas normas sexuais– realmente levou as mulheres católicas a serem menos crentes.

O declínio das ideologias do iluminismo deixou um espaço político muito maior para a política religiosa e as versões religiosas de nacionalismo. Mas não creio que todas as religiões tenham vivido uma ascensão grande. Muitas delas estão claramente em declínio.

O catolicismo está lutando arduamente, mesmo na América Latina, contra a ascensão de seitas evangélicas protestantes, e tenho certeza de que está se mantendo na África apenas graças a concessões aos hábitos e costumes sociais que eu duvido que tivessem sido feitas no século 19.

As seitas evangélicas protestantes estão em ascensão, mas não está claro até que ponto são mais que uma minoria pequena entre os setores sociais com mobilidade ascendente, como era o caso antigamente com os não conformistas na Inglaterra. Tampouco está claro que o fundamentalismo judaico, que causa tanto mal em Israel, seja um fenômeno de massas.

A única exceção é o islã, que vem continuando a se expandir sem nenhuma atividade missionária efetiva nos últimos dois séculos. Dentro do islã, não está claro se tendências como o movimento militante atual pela restauração do califado representam mais que uma minoria ativista. Contudo, me parece que o islã possui grandes trunfos que favorecem sua expansão contínua –em grande medida, porque confere às pessoas pobres o sentimento de que valem tanto quanto todas as outras e que todos os muçulmanos são iguais.

Pergunta – Não se poderia dizer o mesmo do cristianismo?

Hobsbawm
– Mas um cristão não crê que vale tanto quanto qualquer outro cristão. Duvido que os cristãos negros acreditem que valham tanto quanto os colonizadores cristãos, enquanto alguns muçulmanos negros acreditam nisso, sim. A estrutura do islã é mais igualitária, e o elemento militante é mais forte no islã.

Recordo-me de ter lido que os mercadores de escravos no Brasil deixaram de importar escravos muçulmanos porque eles insistiam em rebelar-se sempre. Onde estamos, esse apelo encerra perigos consideráveis –em certa medida, o islã deixa os pobres menos receptivos a outros apelos por igualdade.

Os progressistas no mundo muçulmano sabiam desde o início que não haveria maneira de afastar as massas do islã; mesmo na Turquia, tiveram que encontrar alguma forma de convivência –aliás, esse foi provavelmente o único lugar onde isso foi feito com êxito.

Pergunta – A ciência foi uma parte central da cultura da esquerda antes da Segunda Guerra, mas, ao longo das duas gerações seguintes, virtualmente desapareceu como elemento central do pensamento marxista ou socialista. O sr. acha que o destaque crescente das questões ambientais deverá reaproximar a ciência da política radical?

Hobsbawm
– Tenho certeza de que os movimentos radicais vão se interessar pela ciência. O ambiente e outras preocupações geram razões fundamentadas para combater a fuga da ciência e da abordagem racional aos problemas, fuga que se tornou bastante ampla a partir dos anos 1970 e 80. Mas, com relação aos próprios cientistas, não creio que isso vá acontecer.

Diferentemente dos cientistas sociais, não há nada que leve os cientistas naturais a se aproximarem da política. Historicamente falando, eles, na maioria dos casos, têm sido apolíticos ou seguiram a política padrão de sua classe.

Existem exceções –entre os jovem na França do início do século 19, digamos, e, muito notavelmente, nas décadas de 1930 e 1940. Mas esses são casos especiais, que se devem ao reconhecimento por parte dos próprios cientistas de que seu trabalho estava se tornando cada vez mais essencial para a sociedade, mas que a sociedade não se dava conta disso.

O trabalho crucial sobre isso é “The Social Function of Science” [A Função Social da Ciência, MIT Press], de [J.D.] Bernal, que exerceu efeito enorme sobre outros cientistas. É claro que o ataque deliberado de Hitler contra tudo o que a ciência representava ajudou.

No século 20, as ciências físicas estiveram no centro do desenvolvimento, enquanto no século 21 está claro que são as ciências biológicas que estão. Pelo fato de estarem mais próximas da vida humana, pode haver um elemento de politização maior. Mas há um fato contrário, com certeza: cada vez mais, os cientistas têm sido integrados ao sistema do capitalismo, tanto como indivíduos quanto no interior de organizações científicas.

Quarenta anos atrás, teria sido impensável alguém falar em patentear um gene. Hoje, patenteia-se um gene na esperança de virar milionário, e esse fato afastou um grupo bastante grande de cientistas da política da esquerda. A única coisa que ainda poderá politizá-los é a luta contra governos ditatoriais ou autoritários que interferem em seu trabalho.

Um dos fenômenos mais interessantes na União Soviética foi que os cientistas lá foram forçados a se politizar, porque receberam o privilégio de um certo grau de direitos e liberdades –de tal maneira que pessoas que, de outro modo, não teriam passado de leais fabricantes de bombas de hidrogênio se tornaram líderes dissidentes.

Não é impossível que isso venha a ocorrer em outros países, embora não existam muitos no momento. É claro que o ambiente é uma questão que pode manter muitos cientistas mobilizados. Se houver um desenvolvimento maciço de campanhas em torno das mudanças climáticas, então é evidente que os especialistas se verão engajados, em grande medida combatendo os reacionários e os que nada sabem. Logo, nem tudo está perdido.

Pergunta – O que o atraiu originalmente para o tema das formas arcaicas de movimento social, em “Rebeldes Primitivos”, e até que ponto o sr. planejou isso de antemão?

Hobsbawm
– Isso surgiu a partir de duas coisas. Quando percorri a Itália na década de 1950, eu não parava de topar com fenômenos aberrantes –representações partidárias no sul do país elegendo testemunhas de Jeová como secretários, e assim por diante; pessoas que refletiam sobre problemas modernos, mas não nos termos aos quais estávamos acostumados.

Em segundo lugar, especialmente após 1956, isso expressava uma insatisfação geral com a versão simplificada que tínhamos do desenvolvimento de movimentos populares da classe trabalhadora.

Em “Rebeldes Primitivos”, eu estava muito longe de ser crítico da leitura padrão– pelo contrário, eu observava que esses outros movimentos não chegariam a nenhum lugar a não ser que, mais cedo ou mais tarde, adotassem o vocabulário e as instituições modernas.

A despeito disso, ficou claro para mim que não bastava simplesmente ignorar esses outros fenômenos, dizer que sabíamos como todas essas coisas operam. Eu produzi uma série de ilustrações desse tipo, estudos de caso, e disse: “Estes não se encaixam”.

Isso me levou a pensar que, antes mesmo da invenção do vocabulário, dos métodos e das instituições políticas modernas, existiam maneiras como as pessoas praticavam política que englobavam ideias básicas sobre as relações sociais –entre elas, em grau não menor, as relações entre poderosos e fracos, governantes e governados– que possuíam uma certa lógica e se encaixavam.

Mas eu realmente não tive oportunidade de levar esse estudo adiante.

Pergunta – Em “Tempos Interessantes” [publicado em 2002], o sr. expressou reservas consideráveis em relação ao que eram na época modismos históricos recentes. O sr. acha que o cenário historiográfico continua relativamente inalterado?

Hobsbawm
– Estou cada vez mais impressionado com a escala do desvio intelectual verificado na história e nas ciências sociais desde os anos 1970. Minha geração de historiadores, que de modo geral transformou o ensino da história, além de muitas outras coisas, procurou essencialmente estabelecer um vínculo permanente, uma fertilização mútua, entre a história e as ciências sociais; era um esforço que datava dos anos 1890.

A disciplina econômica seguiu uma trajetória diferente. Dávamos como certo que estávamos falando de algo real: de realidades objetivas, embora, desde Marx e a sociologia do conhecimento, soubéssemos que as pessoas não registram a verdade simplesmente como ela é.

Mas o que era realmente interessante eram as transformações sociais. A Grande Depressão foi instrumental nesse aspecto, porque reapresentou o papel exercido por grandes crises nas transformações históricas –a crise do século 14, a transição ao capitalismo. Não foram, na realidade, os marxistas que introduziram isso –foi Wilhelm Abel, na Alemanha, o primeiro a fazer a releitura dos fatos da Idade Média à luz da Grande Depressão dos anos 1930. Éramos um grupo que procurava resolver problemas, que se preocupava com as grandes questões. Havia outras coisas cuja importância diminuíamos: éramos tão contrários à história tradicionalista, à história dos governantes e figuras importantes, ou mesmo à história das ideias, que rejeitávamos isso tudo.

Em algum momento da década de 1970, ocorreu uma mudança acentuada. Em 1979-80 a [revista de história] “Past & Present” publicou uma troca de ideias entre Lawrence Stone e mim sobre o “revival da narrativa” –”o que está acontecendo com as grandes perguntas ‘por quê’?”. De lá para cá, as grandes perguntas transformativas vêm sendo esquecidas pelos historiadores, de maneira geral.

Ao mesmo tempo, ocorreu uma expansão enorme do âmbito da história –passou a ser possível escrever sobre qualquer coisa que se quisesse: objetos, sentimentos, práticas. Parte disso era interessante, mas também se viu um aumento enorme do que se poderia chamar de história de fanzine, na qual grupos escrevem com o objetivo de se sentirem mais positivos a seu próprio respeito.

O exemplo clássico disso é o dos indígenas americanos que se recusaram a acreditar que seus ancestrais tivessem migrado da Ásia, afirmando “sempre estivemos aqui”.

Boa parte desse desvio foi político, em algum sentido. Os historiadores oriundos de 1968 não se interessavam mais pelas grandes perguntas –pensavam que todas já tinham sido respondidas. Estavam muito mais interessados nos aspectos voluntários ou pessoais. O [periódico] “History Workshop” foi um desenvolvimento tardio desse tipo.

Não acho que os novos tipos de história tenham produzido quaisquer mudanças dramáticas. Na França, por exemplo, a história pós-Braudel não se compara à que foi feita pela geração dos anos 1950 e 1960. Pode haver trabalhos ocasionais muito bons, mas não é a mesma coisa. E estou inclinado a pensar que o mesmo pode ser dito do Reino Unido. Houve um elemento de antirracionalismo e de relativismo nessa reação dos anos 1970, que, ao todo, constatei ser hostil à história.

Por outro lado, houve alguns avanços positivos. O mais positivo destes foi a história cultural, que todos nós, inegavelmente, tínhamos deixado de lado. Não prestamos atenção suficiente à história do modo como ela de fato se apresenta a seus atores.

O livro “A Europa e os Povos Sem História” [Edusp], de Eric Wolf, é um exemplo de uma mudança positiva nesse respeito.

Também ocorreu uma ascensão enorme da história global. Entre não historiadores tem havido muito interesse pela história geral –ou seja, em como a raça humana começou. Graças a pesquisas de DNA, hoje sabemos muita coisa sobre a expansão de humanos através do planeta. Em outras palavras, dispomos de uma base genuína para uma história mundial.

Outro avanço positivo, em grande medida por parte dos americanos e em parte, também, dos historiadores pós-coloniais, tem sido a reabertura da questão da especificidade da civilização europeia ou atlântica e da ascensão do capitalismo — “The Great Divergence” [Princeton University Press], de [Kenneth] Pomeranz, e assim por diante. Isso me parece muito positivo, embora seja inegável que o capitalismo moderno surgiu em partes da Europa, e não na Índia ou China.

Pergunta – Se o sr. tivesse que escolher tópicos ou campos ainda inexplorados e que representam desafios importantes para historiadores futuros, quais seriam?

Hobsbawm
– O grande problema é um problema muito geral. Segundo padrões paleontológicos, a espécie humana transformou sua existência com velocidade espantosa, mas o ritmo das transformações tem variado tremendamente. Isso claramente indica um controle crescente sobre a natureza, mas não devemos imaginar que sabemos para onde isso nos está conduzindo.

Os marxistas focaram, com razão, as transformações no modo de produção e em suas relações sociais como sendo geradoras de transformações históricas.

Contudo, se pensarmos em termos de como “os homens fazem sua própria história”, a grande questão é a seguinte: historicamente, comunidades e sistemas sociais buscaram a estabilização e a reprodução, criando mecanismos para prevenir-se contra saltos perturbadores no desconhecido. A resistência à imposição de transformações de fora para dentro ainda é um fator preponderante na política mundial, hoje. Como, então, humanos e sociedades estruturados para resistir a transformações dinâmicas se adaptam a um modo de produção cuja essência é o desenvolvimento dinâmico interminável e imprevisível?

Os historiadores marxistas poderiam beneficiar-se da pesquisa das operações dessa contradição fundamental entre os mecanismos que promovem transformações e aqueles que são voltados a opor resistência a elas.

Esta entrevista foi publicada originalmente na edição de janeiro/fevereiro da revista britânica “New Left Review”.

Tradução de Clara Allain.
Fonte: Folha de São Paulo, 18/04/2010

Gregório Bezerra - 110 anos


No próximo dia 29 de abril , a partir das 10:00 horas, no Salão Nobre do IFCS, acontecerá mesa redonda com os debatedores: Anita Prestes (PPGHC), Beatriz Heredia (PPGSA) e Jaime Amorim (MST), sendo a mesa coordenada pela prof. Elina Pessanha (PPGSA). Após o debate será exibido filme sobre a vida de Gregório Bezerra (aprox. 30 min) e durante o evento estarão expostas diversas fotografias que registram variados momentos na vida deste importante militante comunista.
Realização: AMORJ, ILCP, PPGHC e PPGSA.

Local: Instituto de Filosofia e Ciências Sociais. Lgo. de São Francisco de Paula, s/nº, Salão Nobre

Encontro: Mariátegui e a Educação

Data: 4 e 5 de Maio de 2010
Local: Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ - Rua São
Francisco Xavier, 524, Maracanã – Rio de Janeiro / RJ
60 Anos da Faculdade de Educação

Realização: Faculdade de Educação / UERJ
Colaboração:
CLACSO – Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais;
FLACSO – Faculdade Latino Americana de Ciências Sociais;
ProPEd – Programa de Pós-Graduação em Educação (UERJ)
PPFH – Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas e Formação Humana
(UERJ);
NUCLEAS – Núcleo de Estudos das Américas (UERJ);
PPGH - Programa de Pós-Graduação em História (UERJ);

Inscrições para certificado - Por email: eventomariategui@gmail.com
Por telefone: 2ª e 3ª feira, 13:00 – 17:00 horas / (21) 2234-0231
Obs: Não é necessária a inscrição para participação do evento.


PROGRAMAÇÃO:

4 de Maio (3ª Feira) - Local: Auditório 111

9:00h - Mesa de Abertura: Mariátegui e a Educação.
Sara Beatriz Guardia (USMP/CEMHAL - Centro de Estudios La Mujer en la
Historia de America Latina).
Comentador: Cunca Bocayúva (PUC–Rio/UFRJ)
Debatedor: Pablo Gentili (CLACSO / UERJ)

15:30h - Painel: 80 Anos dos 7 Ensaios da Realidade Peruana
Palestrantes: Philomena Gebran (Professora Visitante - UERJ / Dpto de
História);
Héctor Alimonda (UFRRJ/CLACSO)
Mediadora: Edna Santos (PPGH/UERJ)

17:30h - Coffee Break

18:30h - Painel: Mariátegui e a Educação na Cena Contemporânea.
Palestrantes: Ricardo Marinho (UNIGRANRIO/Anuário Mariateguiano);
Renata Bastos (UERJ/USP).
Mediadora: Maria Teresa Toribio (PPGH / NUCLEAS / UERJ).


5 de Maio (4ª Feira)

Grupos de Trabalho: A Educação nas obras de Mariátegui

1º Grupo: A Universidade Popular Gonzales Prada.
Coordenador: Ricardo Marinho (UNIGRANRIO/Anuário Mariateguiano).
Local: RAV 122 (12º Andar)
Horário: 9:20h às 12:20h

2º Grupo: A Educação nos 7 ensaios.
Coordenadora: Giovana Cardoso (CEDERJ – Volta Redonda / UAB).
Local: Auditório do Proped (12º Andar)
Horário: 14h às 17h

3º Grupo: Temas de Educação e Gênero.
Coordenadores: Renata Bastos (UERJ/USP) e
Tiago Martins Simões (UERJ).
Local: Sala 12105 (12º Andar)
Horário: 19:30h às 21:30h

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Lutar não é crime

Jornada Nacional de Lutas por Reforma Agrária 2010



A Jornada Nacional de Lutas por Reforma Agrária é realizada em memória dos 19 companheiros assassinados no Massacre de Eldorado de Carajás, durante operação da Polícia Militar, no município de Eldorado dos Carajás, no Pará, em 1996. O dia 17 de abril, data do massacre que teve repercussão internacional, tornou-se o Dia Nacional de Luta pela Reforma Agrária.

Depois de 14 anos, o país ainda não resolveu os problemas dos pobres do campo, que continuam sendo alvo da violência dos fazendeiros e da impunidade da justiça. Segundo dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT), foram assassinados 1.546 trabalhadores rurais entre 1985 e 2009. Em 2009, foram 25 mortos pelo latifúndio. Do total de conflitos, só 85 foram julgadas até hoje, tendo sido condenados 71 executores dos crimes e absolvidos 49 e condenados somente 19 mandantes, dos quais nenhum se encontra preso.
Leia sobre a Jornada Nacional de Lutas por Reforma Agrária 2010 no link abaixo:

O corvo da rua Chile

Emir Sader foi muito feliz ao criar o prêmio "O Corvo do Ano 2010", numa homenagem ao jornalista Carlos Lacerda, extremado líder golpista dos anos cinquenta e parte dos sessenta. Lacerda soube usar como ninguém a mídia da época, aliando-se aos militares para derrubar governos democráticos. É preciso destacar que nenhum dos jornalistas dos tempos modernos chega aos pés de Carlos Lacerda, um traidor convicto mas dotado de rara capacidade de polemizar. O artigo é de Eliakim Araújo.
Eliakim Araújo

Artigo publicado originalmente em Direto da Redação (http://www.diretodaredacao.com/)

Emir Sader, colunista da Carta Maior, foi muito feliz ao criar o prêmio “O Corvo do Ano 2010”, numa homenagem ao jornalista Carlos Lacerda, extremado lider golpista dos anos cinquenta - e parte dos sessenta - que soube usar como ninguém a mídia da época e aliou-se aos militares para derrubar governos democráticos. Sader lembra que nos tempos modernos há jornalistas e colunistas que seguem a cartilha lacerdista e promovem abertamente o golpe de estado contra as instituições democráticas em frontal desrespeito à vontade popular, usando o espaço que lhes é concedido por empresas midiáticas que comungam os mesmos pontos de vista.

Sader deu o pontapé inicial e arriscou o nome de Otavio Frias Filho, “pela “ditabranda”, pelas acusações falsas, pelo silêncio sobre o que não lhe agrada”. E deixou a critério dos leitores a indicações de nomes dentre os quais o mais votado fará jus ao prêmio.

Neste domingo eram 216 mensagens de leitores indicando nomes para a premiação. Tantos que a gente até pode pensar que eles são maioria. Numa rápida passada de olhos, observei que os nomes que mais aparecem são os de Jabor, Boris e Mainardi. Nomes que dispensam apresentação. Com certeza, qualquer um deles presidiria “maxima cum laude” o Partido da Imprensa Golpista (PIG), a criação do Paulo Henrique Amorim que é um verdadeiro achado, sobretudo depois que a presidente da Associação Nacional de Jornais, Judith Brito, confirmou recentemente em alto e bom som que “na situação atual, em que os partidos de oposição estão muito fracos, cabe a nós dos jornais exercer o papel dos partidos, por isso estamos fazendo”.

Mas voltando ao prêmio “Corvo do Ano” é preciso destacar que nenhum dos jornalistas dos tempos modernos chega aos pés de Carlos Lacerda, um traidor convicto mas dotado de rara capacidade de polemizar. Ganhou a eleição para governador do recém criado Estado da Guanabara, em 1959, numa disputa acirrada com Sergio Magalhães e Tenorio Cavalcanti. Naquele ano, eu tive o privilégio de, quase aluno da Faculdade Nacional de Direito, estar presente no dia em que Lacerda debateria com os estudantes do CACO (Centro Acadêmico Cândido de Oliveira).

Aqui é bom explicar que o prédio da FND, no Campo de Santana, no Rio, tem história. Ali funcionou a primeira sede do Senado da República (1826 a 1924) e, talvez por esse motivo, havia regras específicas para o uso salão nobre, que só era aberto para ministros de Estado ou para o presidente da república. Palestras ou debates com outras personalidades eram realizados em um anfiteatro no terceiro andar. Assim foi com Tenório e Sergio.

Com Lacerda, entretanto, não foi assim. Lacerda era tipicamente aquela figura contraditória, amada ou odiada. Naquele ano, a direita, através da Aliança Libertadora Acadêmica, embora estivesse no poder no CACO, estava enfraquecida e sua derrota na próxima eleição era previsível. A maioria dos alunos votaria com o Movimento de Reforma, como de fato aconteceu em outubro do ano seguinte. Portanto, naquele ano eleitoral os progressistas, que repudiavam o golpismo representado por Larcerda, eram maioria. E aí deu-se uma passagem histórica que eu tive o privilégio de testemunhar.

Uma hora antes da chegada do Corvo, o apelido de Lacerda, líderes do Movimento de Reforma se reuniram numa sala fechada para examinar duas propostas: se impediam a entrada de Lacerda no chamado “território livre da FND”, o que certamente redundaria em pancadaria, pois Lacerda andava cercado por uma tropa de choque composta por lutadores, ou se permitiam sua entrada para o debate com estudantes. Não estou certo quanto ao número de presentes nessa reunião, mas sei que por um voto de diferença venceu a proposta de que ele deveria entrar e enfrentar o debate.

Ocorre que o anfiteatro ficou pequeno para receber a multidão que queria aplaudir ou vaiar Lacerda. A diretoria viu-se então obrigada a transferir o debate para o salão nobre, onde Lacerda não conseguiu falar, porque quando lá chegou o auditório já estava tomado pelos alunos que portavem cartazes e gritavam em coro “ladrão da rua Chile”, numa referência à Avenida Chile que seria aberta no centro do Rio e para a qual seria transferido o jornal de Lacerda, Tribuna da Imprensa, o que lhe renderia uma compensação financeira milionária que a Prefeitura lhe pagaria.

O resto é fácil de deduzir. O pau quebrou entre alunos e a tropa de choque lacerdista em pleno salão nobre do que foi outrora o primeiro Senado brasileiro onde Rui Barbosa brilhou. Lacerda ganhou a eleição e tornou-se o primeiro governador do Estado da Guanabara, que durou apenas 16 anos, de 1960 a 1975, quando foi incorporado ao Estado do Rio de Janeiro.

Bem, depois dessa divagação histórica, é hora de voltar ao blog do Emir Sader e indicar o seu candidato ao prêmio “Corvo do Ano 2010”. Copie o link abaixo em sua URL e participe.

http://www.cartamaior.com.br/templates/postMostrar.cfm?blog_id=1&post_id=443