segunda-feira, 31 de dezembro de 2018

“Odeio o Ano Novo”, de Antônio Gramsci

Por Ideias de Esquerda
30 de dezembro de 2018


No dia 1º de janeiro de 1916, Antônio Gramsci escrevia no jornal socialista Avanti! o artigo “Odio il Capodanno”. Nesta obra rara o comunista italiano expressa seu ódio ao imobilismo e ao conformismo pequeno-burgueses. Antes que termine o ano de 2018 compartilhamos com todos inconformados leitores de nosso diário esta tradução ao português baseada em artigo publicado em espanhol na rede internacional de diários Esquerda Diário. 
O texto foi publicado originalmente no dia 1º de janeiro de 2016 [1916] em Turim, no jornal Avanti!, onde Gramsci escrevia a coluna “Sotto la Mole”, dedicada a comentar sobre a vida turinesa sob a sombra da Mole Antonelliana , principal símbolo arquitetônico da cidade.
O “Capodanno” (Ano Novo) de 1916 esteve marcado pela recente entrada da Itália na Primeira Guerra Mundial, uma carnificina entre as nações imperialista pela dominação mundial como nunca antes a humanidade tinha visto. Este fato gerou um profundo debate na sociedade italiana, entre a classe trabalhadora e dentro do próprio Partido Socialista Italino que se debatia entre posições “social-patriotas” a favor da intervenção militar e posições de “neutralidade”.
Esse debate atravessou o socialismo europeu, e os principais partidos apoiaram a guerra e suas próprias burguesias em “defesa da pátria”, levando a bancarrota da Segunda Internacional. Entre os que se opuseram a esse caminho reformista da Segunda Internacional e dos Partidos Socialistas estavam aqueles que fizeram isto a partir de uma posição revolucionária (encabeçados por Lênin, Trotsky, Liebknecht e Rosa Luxemburgo) e também o próprio Antônio Gramsci. Posteriormente, junto a Amadeo Bordiga, serão alguns dos principais fundadores do Partido Comunista Italiano.
Neste contexto o “Odeio o Ano Novo” é uma diatribe contra essa festa, mas sobretudo, é uma manifestação do ódio de Gramsci ao conformismo das ideias e da vida regulamentada pelo capitalismo e sua ideologia, que nos leva a celebrar, porque sempre se celebrou, uma ocasião especial.
Algo que nos impulsiona a mudar ou a preparar novos planos para alguma mudança mas que logo seremos enfrentados por um pântano de imobilismo até uma nova ocorrência. Contra esta inércia escreve Gramsci:
“Quero que cada manhã seja um ano novo para mim. A cada dia quero ajustar as contas comigo mesmo e renovar--me.”

Odio il Capodanno de Gramsci nos aproxima de seus conhecidos artigos “Ódio aos indiferentes” publicados no mesmo Avanti! um ano depois em 11 de fevereiro de 1917. A luta de Gramsci contra o imobilismo e o conformismo das ideias, próprias de sua personalidade curiosa, inconformista, anticlerical e sobretudo, comunista.

Odio il Capodanno

Toda manhã, ao acordar mais uma vez sob o manto do céu, sinto que para mim é o primeiro dia do ano.
Por isso odeio estes anos novos a prazo fixo, que transformam a vida e o espírito humano em uma empresa comercial, com sua prestação de contas, seu balanço e suas previsões para a nova gestão. Eles fazem com que se perca o sentido de continuidade da vida e do espírito. Termina-se por acreditar a sério que entre um ano e outro exista uma solução de continuidade e comece uma nova história; fazem-se promessas e projetos, as pessoas se arrependem dos erros cometidos, etc. É um equívoco geral que afeta todas as datas.
Dizem que a cronologia é a ossatura da história. Pode-se admitir que sim. Mas também é preciso admitir que há quatro ou cinco datas fundamentais, que toda pessoa conserva gravadas no cérebro, datas que tiveram efeito devastador na história. Também elas são primeiros dias de ano. O Ano Novo da história romana, ou da Idade Média, ou da era moderna. Elas se tornaram tão presentes que nos surpreendemos a pensar algumas vezes que a vida na Itália começou em 752, e que 1490 ou 1492. São como montanhas que a humanidade ultrapassou de um só golpe para entrar em um novo mundo e em uma nova vida.
Com isso, a data converte-se em um fardo, um parapeito que impede que se veja que a história continua a se desenvolver de acordo com uma mesma linha fundamental, sem interrupções bruscas, como quando o filme se rompe no cinema e se abre um intervalo de luz ofuscante.
Por isso odeio o ano novo ano. Quero que cada manhã seja um ano novo para mim. A cada dia quero ajustar as contas comigo mesmo e renovar-me. Nenhum dia previamente estabelecido para o descanso. As pausas eu escolho sozinho, quando me sinto embriagado de vida intensa e desejo mergulhar na animalidade para extrair um novo vigor.
Nenhum disfarce espiritual. Cada hora da minha vida eu gostaria que fosse nova, ainda que vinculada às horas já passadas. Nenhum dia de júbilo coletivo obrigatório, a ser compartilhado com estranhos que não me interessam. Só porque festejaram os avós dos nossos avós, etc., teremos também nós de sentir a necessidade de festejar? Tudo isso dá náuseas.
Espero o socialismo também por esta razão. Porque mandará para o lixo todas estas datas que já não têm nenhuma ressonância em nosso espírito. E se o socialismo vier a criar novas datas, ao menos serão as nossas e não aquelas que temos de aceitar sem benefício de inventário dos nossos ignorantes antepassados.
Antonio Gramsci, Turín, 1º de janeiro de 1916.
* Tradução ao português tomando por base o texto em Espanhol Tomado do Livro “Bajo la Mole – Fragmentos de Civilización”, de Antonio Gramsci. Editorial Sequitur, Págs. 9-10.
Tradução: Leandro Lanfredi


Josep Fontana, pensar históricamente

INTRODUCTOR EN ESPAÑA DE UNA GRAN PARTE DE LA HISTORIOGRAFÍA MARXISTA EUROPEA Y EXTRAEUROPEA

POR FRANCISCO ERICE. 
Sección de Historia de la Fundación de Investigaciones Marxistas (FIM)
20/11/2018

El historiador Josep Fontana falleció en Barcelona el 28 de agosto de 2018.


Con la modestia y la discreción que le caracterizaban, Fontana solía decir que “los historiadores tenemos bibliografía, no biografía”. Pero en los libros del gran historiador marxista se reflejan claramente su personalidad, sus preocupaciones, fragmentos de su trayectoria vital y, muy especialmente, su compromiso político e intelectual. Fontana formó parte de la estructura clandestina del PSUC, dentro del sector de intelectuales, hasta la llegada de la democracia; fue un militante al que los informes internos y testimonios califican de serio y entregado. Luego prolongó su compromiso como historiador, siempre preocupado por los problemas de su tiempo, atento a no bajar la guardia y mantener vivos los viejos ideales emancipadores; lo que no excluía su permanente disponibilidad para apoyar con el prestigio de su nombre las causas en las que siempre creyó.

No es fácil resumir en unas pocas páginas la obra amplia y original de quien fue una de las grandes figuras de la historiografía española, y menos aún seleccionar algunos títulos de lectura especialmente recomendable para quienes aún no conozcan su obra. Me limitaré a tres de sus líneas fundamentales de trabajo, que no agotan ni de lejos su ingente producción, pero sí resumen bien la relevancia de sus contribuciones.

La primera etapa de su trayectoria como historiador se centra en la crisis del Antiguo Régimen, la implantación del sistema liberal y la transición al capitalismo. Fontana, formado por maestros como Carande, Soldevilla, Vicens Vives o Pierre Vilar, desarrolló una interpretación rica y matizada del proceso, partiendo de un análisis económico (crisis de la Hacienda, caída del comercio colonial) que inmediatamente desembocaba en el campo de la política y los conflictos sociales. La imposibilidad de reforma desde dentro, la inviabilidad del sistema fiscal y las resistencias campesinas conducen, en su esquema, a una “transición pactada” entre la vieja aristocracia y la nueva burguesía, en la línea de lo que se ha denominado la “vía prusiana” (no revolucionaria) al capitalismo.

Aquellos viejos debates, en los que Fontana participó de manera destacada, contribuyeron a renovar de manera sustancial la historiografía española y a recuperar parte del atraso inducido por el aislamiento y los efectos destructivos del primer franquismo en nuestra universidad. No cabe ignorar que las polémicas sobre el pasado tenían como trasfondo el “atraso” de nuestro capitalismo, las “anomalías” políticas que el franquismo emblematizaba y las dificultades de formación de un Estado y una identidad nacional propias. La reflexión histórica devenía un arma política. Quienes quieran leer alguno de aquellos trabajos que aún conservan su frescura, aunque el desarrollo de las investigaciones haya ido matizando o modificando sus conclusiones, pueden empezar por el primer volumen de su trilogía sobre la Hacienda y la crisis, concretamente el titulado La quiebra de la monarquía absoluta (1814-1820) (1971). Si el lector requiere textos más asequibles o menos propios “de especialistas”, se le pueden recomendar la recopilación de trabajos breves Cambio económico y actitudes políticas en la España del siglo XIX (1973) o La crisis del Antiguo Régimen (1808-1833) (1979).

Aunque más tarde volvería a tratar este período, la segunda etapa de la trayectoria de Fontana incorpora sobre todo una amplia reflexión acerca de la Historia y la práctica de los historiadores. Fruto de esa inquietud fue su polémico y rompedor libro Historia: análisis del pasado y proyecto social (1982), excelente crítica política de la historiografía no siempre bien comprendida por quienes veían en ella un enfoque “reduccionista”, tentación al parecer siempre agazapada y presta a manifestarse en cualquier pensador marxista. Le siguió su ensayo más breve La historia después del fin de la historia (1992), escrito bajo la conmoción de la caída del “socialismo real” y las famosas tesis de Fukuyama sobre el “fin de la historia”. Y, años más tarde, La historia de los hombres (2000), obra más madura y completa, muestra de una erudición y una cultura histórica verdaderamente notables y que todavía nuevas generaciones de estudiantes pueden y deben leer con especial provecho. La denuncia de un marxismo catequético y mistificado, el cuestionamiento de la idea de progreso como una coartada legitimadora del capitalismo, la crítica del eurocentrismo y la necesidad de recuperar el viejo proyecto marxista de una historia total pero absolutamente renovado, incorporando a nuevos actores y nuevos problemas, pueden resumir esta reflexión, que Fontana ha continuado posteriormente en otros trabajos más circunstanciales.

La lectura de La historia de los hombres puede ser completada por esa pequeña perla (algo menos de 200 sugerentes páginas) que es su ensayo Europa ante el espejo (1994), con sus críticas a la visión unilineal de la historia y a las mistificaciones del carácter plural y mestizo de Europa provocadas por los espejos deformantes de “los otros” (el bárbaro, el salvaje, el colonizado, el rústico…).

Aunque hay también otros Fontanas -por ejemplo, el particularmente interesado por la historia y la identidad catalana-, me gustaría destacar una tercera orientación de su obra, especialmente en su última etapa, que refleja sus preocupaciones por la crisis de nuestro tiempo. En ella nos encontramos con un historiador ya de edad avanzada, pero en plena madurez intelectual, capaz de legarnos obras monumentales como Por el bien del imperio. Una historia del mundo desde 1945 (2011) o El siglo de la revolución. Una historia del mundo desde 1914 (2017). El primero desarrolla, en más de 1.200 densas páginas, los trazos fundamentales de un mundo regido por la lógica de la guerra fría y los intereses del imperio, incapaz de cumplir las “promesas” de libertad e igualdad generadas con la derrota de los fascismos. El libro se completa en cierto modo con otro mucho más breve, El futuro es un país extraño. Una reflexión sobre la crisis social de comienzos del siglo XXI (2013), documentado y vigoroso alegato contra el neoliberalismo y sus consecuencias en términos de pobreza, desigualdad y ataques a las libertades; el texto concluye con un esperanzado llamamiento a la acción: “la tarea más necesaria a que debemos enfrentarnos es la de inventar un mundo nuevo que pueda ir reemplazando al actual, que tiene sus horas contadas”.

En 2017, con sus fuerzas mermadas por los años, Fontana volvía a sorprendernos con su último libro, El siglo de la revolución, una historia del siglo XX cuyo hilo conductor es el miedo que provoca el ciclo abierto en Octubre de 1917 en las clases dominantes, que conduce, según momentos y condiciones, a los fascismos, el “reformismo preventivo” del Estado del bienestar o la actual reacción neoliberal. La Historia vuelve a ser de nuevo reflexión sobre el presente y herramienta de futuro.

Pero la contribución de Fontana no se agota en las miles de páginas escritas, en las que demostraba su capacidad para –como decía su maestro Pierre Vilar- “pensarlo todo históricamente”. También se preocupó en especial de la enseñanza de la Historia en sus diversos niveles. Y fue, asimismo, principal introductor en España de una gran parte de la historiografía marxista europea y extraeuropea, gracias a su impagable asesoramiento en la Editorial Crítica.

En la Sección de Historia de la FIM conocemos bien su generosidad ilimitada, ya que, pese a su delicada salud, colaboró en nuestras actividades y en la revista Nuestra Historia cuantas veces se lo pedimos, que fueron muchas; el nº 3 de la publicación contiene una larga entrevista con él -que recomiendo especialmente-, ilustrativa de su bibliografía y también de su biografía. El recientemente aparecido nº5 incluye su contribución al dossier dedicado al bicentenario de Marx, un texto que concluía recordándonos que “la formación de un historiador marxista debe mantenerse siempre activa”. 

Una anécdota final refleja bien el perfil humano de Fontana. Cuando desde la Sección de Historia de la Fundación de Investigaciones Marxistas le propusimos dedicar unas jornadas al análisis y la discusión de su obra, se negó tajantemente. Tal vez pensaba –y no estaba del todo errado- que nuestra intención era rendirle un homenaje, y eso le disgustaba. Pero lo que pretendíamos sobre todo era discutir críticamente su obra, algo que seguro que le hubiera complacido más. Fontana no necesitaba ni nuestra adulación ni nuestra condescendencia. No queríamos beatificarle, aunque sí mostrar admiración y cariño por un maestro de historiadores, un intelectual comprometido y un hombre bueno. Y pretendíamos hacerlo como corresponde a los marxistas: aprendiendo de sus trabajos, pero también discutiendo, criticando, corrigiendo, avanzando de manera colectiva. Conscientes de que Fontana era un historiador de talla internacional y orgullosos a la vez de que fuera, hasta el final, uno de los nuestros.

Publicado en el Nº 319 de la edición impresa de Mundo Obrero septiembre 2018.


sábado, 29 de dezembro de 2018

Althusser e história: ensaio de diálogo com Pierre Vilar

Louis Althusser (1918-1990) e Pierre Vilar (1906-2003)


Traduzido por Danilo Enrico Martuscelli [1]

Em Ler O Capital, Althusser preparou o cenário para uma ampla discussão sobre o tempo histórico. Em um artigo de 1973 publicado nos Annales, o grande historiador comunista da Catalunha moderna, Pierre Vilar, respondeu brilhantemente as exigências althusserianas: como pensar a pluralidade dos tempos históricos e sua articulação? Como combinar a análise empírica com o conceito de modo de produção? Por vezes, afiada, a intervenção de Vilar defende, com benevolência, a prática do historiador como prática teórica. Nunca antes publicado, a tentativa de Althusser de responder é parte de sua trajetória autocrítica: a filosofia não é mais a fiadora da Ciência marxista, mas luta de classes na teoria. 



Manuscrito de uma resposta a Pierre Vilar – Louis Althusser (sem data, em torno de 1973)

Obviamente, eu corri grandes riscos ao me aventurar no domínio da história, não da categoria filosófica de história, mas da história dos praticantes, dos historiadores. E Vilar fez muito bem ao salientar a precipitação de alguns dos meus julgamentos. Mas eu não penso, ao ler as críticas que ele dedicou a mim, que ele tenha rejeitado o princípio.

Com efeito, penso que a pretensão da filosofia marxista de dizer uma palavra sobre o trabalho dos historiadores é, em princípio, fundamentada. Por uma primeira razão muito simples: existe na história, como em qualquer ciência, uma ideologia dos praticantes, que denominei, seguindo Lênin, de sua filosofia espontânea. E essa filosofia espontânea, que à primeira vista parece estar limitada ao círculo restrito da relação entre o praticante e sua prática, sempre se refere, de fato, a temas filosóficos desenvolvidos, para além dessa prática, pelas grandes filosofias antagônicas, digamos, pelas filosofias dominantes e por aquelas que contestam essa dominação. Se no detalhe a demonstração requeria pesquisas precisas, é claro, para tomar apenas este grande exemplo, que a Escola dos Annales na França nasceu de uma reação política e ideológica contra a história universitária reacionária dominante e que, por trás dessa reação, havia a realidade das grandes lutas políticas francesas, que deveriam levar à Frente Popular. Mas há uma outra razão, que se inscreve sob a primeira, não mais do que qualquer outra ciência, a ciência histórica não pode se privar de filosofia, espontânea, ou refletida. Em princípio, portanto, a filosofia pode ter algo a dizer sobre o trabalho dos historiadores. E quando esta filosofia se baseia na teoria marxista da história, ela tem um duplo significado: filosófico e teórico.

Penso que é necessário, desde o início, dissipar um mal-entendido sobre o historicismo. Quando dizemos, como eu, que o marxismo não é um historicismo, corremos o risco de sermos incompreendidos pelos historiadores, que, não só por razões de palavras, mas também por razões teóricas, acreditam que a história está sendo questionada, senão acusada.

Para resumir, podemos ter a tendência de considerar que se o marxismo é um anti-historicismo, ele só pode afastar-se da história, ou pode tratar a história apenas reduzindo-a às estruturas abstratas, incapazes de explicar o devir histórico, as lutas históricas, etc. Mas é exatamente o contrário que é verdade, mas com uma condição, que a tese do anti-historicismo do marxismo seja destinada a colocar em evidência. Qual é essa condição? A distinção entre história vivida e conhecimento da história, a distinção entre as representações ideológicas da história e as categorias e análises científicas que levam ao conhecimento da história. Esta distinção, Marx expressou repetidamente com sagacidade: se a essência (ou o conhecimento) fosse reduzida ao fenômeno (ao dado imediato), não precisaríamos de ciência (ironia engraçada, que provavelmente retoma a famosa anedota britânica: se minha tia tivesse duas rodas…). Esta distinção, Marx também a expressou dizendo que não é pela junção de sucessões que conseguimos explicar o funcionamento do todo social, ou insistindo ainda no fato de que não havia identidade entre ordem de sucessão de categorias na teoria e sua ordem de sucessão na história, etc. O anti-humanismo teórico significa, portanto, que os conceitos que permitem o conhecimento da história não existem no estado imediato na história visível e, em termos mais gerais, o conhecimento da história, ao mesmo tempo que é também um evento da história, não é histórico no sentido vulgar do termo, isto é, não é subjetivo ou relativo.

Falei de um mal-entendido: mas devo acrescentar, com base em suas críticas, que nunca houve o menor mal-entendido entre mim e Pierre Vilar. As críticas e as reservas de Vilar são frutíferas, porque dizem respeito a quaisquer questões internas à compreensão da lógica dos conceitos da ciência marxista da história.

[1]     Texto publicado pela primeira vez na Revue Période em agosto de 2016: http://revueperiode.net/inedit-althusser-et-lhistoire-essai-de-dialogue-avec-pierre-vilar/ Esta publicação vinha acompanhada do texto “História marxista, história em construção: ensaio de diálogo com Althusser”, elaborado em 1973 por Pierre Vilar. Este texto pode ser encontrado em português no seguinte livro: VILAR, Pierre. “História Marxista, história em construção” In: LE. GOFF, Jacques; NORA, Pierre (Org.). História: novos problemas. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1979.


quarta-feira, 26 de dezembro de 2018

Para download: "EL TERRORISMO DE ESTADO EN LA ARGENTINA"

BAYER, OSVALDO Y OTROS. EL TERRORISMO DE ESTADO EN LA ARGENTINA.
Buenos Aires: Espacio Memoria, 2011. Incluye trabajos de Bayer, Borón, Gambina, Barillaro, La Greca

Descargar Libro: 

ÍNDICE

Prólogo. 
Ana María Carega. Director Ejecutiva del instituto Espacio para la Memoria.

Apuntes sobre su historia y sus consecuencias. 
Osvaldo Bayer, Atilio A. Boron, Julio C.Gambina.

Introducción.
I.Procesos que conforman la organización política de la Argentina 1880-1930.
II. Ante la inestabilidad institucional: la salida represiva. 1930-1976.
III.Fundamentos económicos del Golpe de Estado de 1976.
Conclusiones
Bibliografía.

El otro en el discurso político argentino. Selección documental. 
Elvira Barillaro y Francisca La Greca.

Prólogo.
Liliana Barela. Directora del Instituto Histórico de la Ciudad de Buenos Aires.
Introducción.
Selección documental.


Para download: "Yo soy Fidel - Pensamiento y legado de una inmensidad histórica"

Volumen coordinado por John Saxe-Fernández y prologado por Roberto Fernández Retamar, Presidente de Casa de las Américas. Editado por CLACSO (Octubre de 2018).

Descargar .pdf



Yo soy Fidel
Pensamiento y legado de una inmensidad histórica
John Saxe-Fernández. [Coordinador]

John Saxe-Fernández. Estela Calloni. Katiuska Blanco Castiñeiro. Pedro Pablo Rodríguez. Fernando Martínez Heredia. Pablo González Casanova. Atilio A. Boron. Carlos Fazio. Orlando Borrego Díaz. Germán Sánchez Otero. Darío Salinas Figueredo. Eduardo Contreras Mella. Nils Castro. Elier Ramírez Cañedo. Luis Suárez Salazar. Frei Betto. Hernando Calvo Ospina. Ignacio Ramonet. [Autores de Capítulo]

ISBN 978-987-722-374-3  
CLACSO.
Buenos Aires.
Octubre de 2018  


Hay momentos en que la palabra no alcanza, no contiene, no hace falta, porque el silencio grita, aúlla, acompaña y entibia. Momentos en que los sentires se hacen música y poesía y canto, en que la austeridad ante el dolor, no es menos dolor, sino la respuesta digna ante quien te enseñó que la vida solo es viva en dignidad. Ha transcurrido casi un mes, que puede ser un día o un siglo, y aún sigue ante mis ojos la visión de un pueblo, una multitud, un océano de voces, que te nombran. "Fidel", dicen, y el eco va y viene en oleadas. Imposible describir el apretado aliento de esa multitud, la humedad salada de esas miles de voces, que nos están diciendo que te has multiplicado como los panes, que te has repartido entre los otros, lo que solo puede suceder cuando el amor es tan intenso que yéndote, regresas y de repente has dejado de ser ese hombre tan alto y tan fuerte para ser esos millones a los que te has entregado en cada acto de tu vida. “Yo soy Fidel” grita la multitud y el viento lleva las voces y las siembra y siguen naciendo Fideles por todas partes, y como nunca ahora, inalcanzable para el enemigo que acecha y cuyas garras no pudieron alcanzarte nunca, te conviertes en su pesadilla, algo que ni la más avanzada tecnología puede curar. Ya eres su sombra, pero además los has condenado a verte en cada uno de aquellos en que te has repartido, en cada mujer, hombre o niño, que salga de las oscuridades de la sumisión para alzarse como lo hacías tú ante cada injusticia en el mundo.
Del capítulo "Yo soy Fidel", de Stella Calloni
 
   

terça-feira, 25 de dezembro de 2018

Prólogo a ANTIPOLÍTICAS

Por Atilio B. Boron

Comparto este breve prólogo que escribiera para este interesantísimo libro sobre la “antipolítica”, el posibilismo, el realismo en la política de izquierda y el papel (y los límites) del autonomismo en América Latina. O sea, un libro para despertar polémicas y combatir el sopor vacacional.



P r ó l o g o

         Es para mí motivo de honda satisfacción el haber sido invitado para escribir unas pocas líneas a modo de prólogo de un texto como éste, que aborda algunos de los principales desafíos que atribulan a la izquierda latinoamericana -y en cierta medida también la europea- en el momento actual.[1] En efecto, enfrentamos una feroz arremetida del imperio que procura desandar en Latinoamérica el camino iniciado, en su fase más reciente, con el triunfo de Hugo Chávez Frías en las elecciones presidenciales venezolanas de 1998. El objetivo de máxima, sin embargo, va más lejos: arrasar también con todo el acumulado histórico, con el aprendizaje de los pueblos y las enseñanzas de las luchas populares desatadas en todo el continente a partir del triunfo de la Revolución Cubana acaecido casi cuarenta años antes. El ataque del imperialismo, orquestado conjuntamente con los secuaces locales que medran por toda la región, obtuvo algunos éxitos pero también sufrió algunas derrotas. Entre los primeros, una evidente ralentización de la dinámica transformadora que supieron tener las experiencias progresistas sobre todo en Venezuela, Bolivia y Ecuador, potenciada sin duda por al boom en los precios de las commoditieslatinoamericanas. En el caso del Ecuador la desaceleración se convirtió de súbito en retroceso cuando el sucesor de Rafael Correa, Lenín Moreno, consumó una infame traición vendiendo la Revolución Ciudadana y sus conquistas al mejor postor y sin ningún tipo de escrúpulos. En Venezuela, el ataque del imperio en sórdida complicidad con sucesivos gobiernos colombianos ha traspasado también todo límite moral. Violentas insurrecciones, asesinatos a mansalva, destrucción de propiedades públicas y privadas, incendio de personas por el sólo delito de “portación de cara” chavista son algunos de los jalones de esta brutal contraofensiva que se combinan con una implacable guerra económica destinada a instigar, como consecuencia de las privaciones que ocasionan, el desencanto y la furia de las masas populares contra el gobierno abriendo el camino para que la burguesía imperial norteamericana se apodere, de una vez y para siempre, del petróleo y las riquezas mineras de Venezuela. Sin embargo, pese a ello, el gobierno bolivariano se ha mantenido firme en el poder rechazando a pie firme todos esos embates. En Bolivia la campaña de desprestigio y demonización de Evo Morales no ha hecho sino aumentar con el paso del tiempo y nada autoriza a pensar que la situación podría revertirse en vísperas de las cruciales elecciones presidenciales del 2019. Mientras, Cuba resiste una renovada agresión norteamericana lanzada por Donald Trump que puso fin a la relativa normalización de relaciones inaugurada por Barack Obama en 2015.

Los gobiernos que constituían la versión más moderada de este ciclo progresista y de izquierda: Argentina, Brasil, Paraguay y Uruguay no escaparon a las iras del imperio. Las heridas causadas por la derrota del ALCA en Mar del Plata en el 2005 aún no cicatrizan, y los gobiernos progresistas de Argentina y Brasil desempeñaron, según la Casa Blanca, un papel decisivo para la victoria estratégica concebida por Fidel y Chávez. Y eso el imperio no lo olvida ni mucho menos perdona, como lo prueban la destitución de Dilma Rousseff, la cárcel de Luis Inacio “Lula” da Silva y el acoso de Cristina Fernández. En Paraguay Fernando Lugo fue destituido en una escandalosa farsa legislativa y judicial –un juicio político “express”- que se consumó en menos de veinticuatro horas. En Brasil el proceso fue más largo, pero terminó con la ilegal, anticonstitucional e ilegítima remoción del gobierno de Dilma. En ambos casos, la embajada de Estados Unidos estaba bajo el mando de un mismo personaje: Liliana Ayalde, lo que no deja de ser  una curiosa coincidencia, máxime si se toma nota de que en la actualidad dicha funcionaria es nada menos que la jefa civil del Comando Sur. Los casos de Paraguay y Brasil muestran la eficacia del “lawfare” administrado tras bambalinas por “la embajada” (como lo prueban ad nauseam las filtraciones publicada por el Wikileaks) e inaugurado algunos años antes, en el 2009, en Honduras, y que tuviera como resultado el derrocamiento del presidente José Manuel “Mel” Zelaya. En la Argentina la inesperada victoria de Mauricio Macri allanó el camino para la recolonización norteamericana del país y la profundización de su dependencia. Todo, por supuesto, con la bendición de la Casa Blanca que ha apoyado sin retaceos el co-gobierno entre el FMI y Cambiemos, con las nefastas consecuencias de sobras conocidas. Sólo Uruguay permanece fiel al impulso inicial, si bien apelando a una cautelosa moderación en casi todas sus políticas.
Pero, como decíamos más arriba, no todo fue retroceso y derrota. Los designios del imperialismo tropezaron con escollos inesperados: trataron durante sesenta años de derrocar a la Revolución Cubana y no pudieron. Creían que Venezuela volvería a ser una colonia yankee y el chavismo resiste y resiste. Confiaban en que se habían anexado México luego de 36 años ininterrumpidos de co-gobierno entre el FMI, el PRI y el PAN y en las recientes elecciones presidenciales triunfó quien no debía triunfar, el hombre al cual le habían arrojado infinidad de dardos envenenados               –populista y “castro-chavista” lo vituperaba la pandilla de embaucadores profesionales dirigida por Mario Vargas Llosa desde el “house organ” de la derecha en España-  que se reproducían en infinidad de medios de comunicación latinoamericanos.  Sus monigotes en Brasil no tienen condiciones de competir con Lula, y en el Perú su lacayo Pedro Pablo Kuczynski tuvo que renunciar acusado de corrupción. Y en Colombia la izquierda entró por primera vez en su historia a la segunda vuelta de la elección presidencial y obtuvo casi ocho millones y medio de votos, cuando apenas cuatro años atrás alcanzaba a duras penas el millón y medio. Derrotas, sí, pero también algunos triunfos resonantes.

         En este delicado contexto regional no podría ser más urgente  plantearse el tema que Romano y Díaz Parra encaran en su escrito: ¿Qué hacer? se preguntan, retomando la clásica interrogante de V. I. Lenin. Al igual que éste lo hiciera en su libro, la indagación de nuestros autores transita por dos vías: una, por la cuestión ideológica; otra, por la crucial problemática de la organización. En línea con lo que tantas veces observara el revolucionario ruso la única arma de que disponen las masas plebeyas es su organización. Pero vivimos en una época en donde la ideología dominante predica, para los dominados (no así para los opresores) las virtudes de la antipolítica, lo novedoso, la no-organización y del impulso espontáneo de los sujetos políticos, modo subrepticio de rendir culto a un componente central del neoliberalismo: el individualismo, el “sálvese quien pueda” y al margen de cualquier estrategia de acción colectiva. En un pasaje de su libro nuestros autores observan con justeza que “el partido político acaba asimilado a una coalición electoral y el sindicato a una asociación profesional … (al paso que) el vacío dejado por las organizaciones revolucionarias va siendo cubierto en unas ocasiones por las Organizaciones No Gubernamentales (ONG) y en otras por las iglesias evangelistas, mientras que incluso las protestas y las manifestaciones adquieren un carácter cada vez más apolítico … con su hartazgo de la política”, todo lo cual remata en la imposibilidad de cualquier transformación sea en la política como en la economía. La política aparece como insanablemente corrupta y perversa, y el capitalismo como un baluarte inexpugnable e invencible. El sueño de Francis Fukuyama, o sea nuestra pesadilla, hechos realidad. Ante ello, lo único sensato que puede hacer la ciudadanía es volverle la espalda a la vida pública, privatizarse, ensimismarse en la satisfacción de sus necesidades y tramitar su vida cotidiana a través del mercado. Olvidarse de partidos, sindicatos y movimiento obrero es la voz de orden. La ideología es un anacronismo, y el ideal comunista es reemplazado por el ideal consumista. La degradación del ciudadano lo convierte en consumidor, las más de las veces de bienes que jamás estarán a su alcance. Escapar de este callejón sin salida exige romper con la cultura dominante y visualizar los contornos de una alternativa post o anticapitalista -que, las grandes usinas ideológicas del neoliberalismo bien se cuidan de ocultar, o descartar como mortíferas “utopías”- y concebir las formas organizativas apropiadas para el logro de ese objetivo.
La izquierda latinoamericana lleva décadas empeñada en una laboriosa reconstrucción para salir de este atolladero. Hasta ahora los esfuerzos, aseguran Romano y Díaz Parra, no han dado buenos frutos y la razón es clara y distinta: la perniciosa influencia del posmodernismo como cultura dominante del tardocapitalismo que se expresa a través de dos variantes: el autonomismo y el posibilismo, o falso realismo de izquierda.[2] Los autores aseguran con razón que ambos terminaron siendo colonizados por el sesgo antipolítico y el fatalismo capitalista de la ideología dominante. El autonomismo, porque su ciega fe en la eficacia del espontaneísmo y de un “basismo” que desprecia la organización (no sólo el modelo de partido leninista de1902 sino de cualquier forma de organización) ante un enemigo de clase que planifica y se organiza de manera extraordinaria esteriliza todos sus esfuerzos y lo condena a una parroquial irrelevancia, una fuga hacia una catarsis privada de toda potencialidad transformadora. Otro tanto ocurre con el posibilismo o falso realismo de izquierda porque al postergar sine die la lucha contra el capitalismo y el imperialismo queda atrapado en las redes del sistema, asfixiado por sus múltiples dispositivos y sin ninguna potencialidad estructuralmente transformadora.
          ¿Dónde encontrar la salida? Con muy buen tino nuestros autores se abstienen de dar una receta. Ninguna revolución y ningún gran movimiento social se constituyó a partir de un libreto previamente escrito. Si algo distingue a los procesos revolucionarios es su irreductible originalidad. Obvio que siempre habrá algunos elementos comunes en todas aquellas fuerzas que se proponen abolir al capitalismo y combatir al imperialismo. Pero lo que las distingue siempre es su originalidad: la Revolución Rusa lo fue, como también lo fue la Revolución China, la Vietnamita, la Cubana, la Bolivariana y todas las demás. La revolución no puede ser calco y copia, decía con razón Mariátegui, anticipando lo que sobrevendría hacia el final del siglo veinte.
Las formas organizativas que impulsarán la revolución anticapitalista que necesita la humanidad para, según insistiera Fidel, salvarse del seguro apocalipsis al que la condena el capitalismo serán producto de la praxis histórica de los pueblos, de su rebeldía, de sus tradiciones de lucha, del valor y la clarividencia de sus líderes. Pero algunos componentes tendrán que estar presentes, pues de lo contrario jamás se podrá llegar a tomar el cielo por asalto. Eso no se logrará sin una aceitada y democrática organización del campo popular; sin una adecuada estrategia general de lucha y de largo aliento; sin tácticas correctas y eficaces para acumular fuerzas en cada coyuntura; sin apelar a todas las formas de lucha, como hace la burguesía; sin una preparación ideológica de las masas, librando esa batalla de ideas que, una vez más, requería Fidel tras los pasos de Martí y Gramsci; sin abandonar definitivamente los cantos de sirena que aseguran que se puede cambiar el mundo sin tomar el poder; sin dejar de pensar por un minuto que la conquista del poder del estado (¡y no sólo del gobierno!) es el problema principal de la revolución; sin tener en claro que en las degradadas periferias del capitalismo mundializado el antiimperialismo es el corazón de cualquier tentativa emancipadora; y sin olvidar que la derecha, que se opondrá con todas sus fuerzas al proceso revolucionario, estará permanentemente al acecho y que en caso de que logre prevalecer no dudará un minuto en pasar por las armas a los revolucionarios. Para quienes piensen que estoy exagerando los invito a recordar lo que fue la dictadura cívico-militar argentina entre 1976 y 1983; o la Operación Cóndor en la América Latina de los setentas; o las continuas matanzas de luchadores sociales en países como México, Brasil o Colombia, entre los más virulentos; o lo que fueron las invasiones en Irak y Libia, o lo que está ocurriendo hoy mismo en Siria o, para quienes desconocen esa experiencia, lo ocurrido con el Plan Jakarta puesto en marcha por el gobierno de Estados Unidos en 1965  en Indonesia, con los militares que exterminaron, uno a uno, a por lo menos 500.000 miembros del Partido Comunista o acusados de serlo y partidarios además del gobierno nacionalista de izquierda de Sukarno.[3] Quienes realmente estén dispuestos a librar una lucha contra el capitalismo y el imperialismo deberían tener siempre presente contra qué clase de enemigo están luchando y lo que es capaz de hacer. Y reflexionar sobre los temas que con tanta lucidez y espíritu anticapitalista exponen Romano y Díaz Parra en su libro.

Buenos Aires, 31 de Agosto de 2018
          
[1] Al hablar de la “izquierda latinoamericana” los autores son conscientes de que se trata de un conglomerado muy heterogéneo y que ciertas interpretaciones que se hacen en este libro -y con las cuales estamos de acuerdo-  no necesariamente se aplican por igual a todos los casos. Son válidas para la mayoría pero, por suerte, aún sobreviven organizaciones políticas de izquierda que se resisten a arriar las banderas del anticapitalismo y el antiimperialismo. Además, habría que hilar fino para diferenciar entre gobiernos de izquierda y fuerzas políticas y movimientos sociales de izquierda. Pero el argumento que se desarrolla en estas páginas conserva toda su validez en su planteamiento más general.
[2] A estos podríamos agregar una tercera variante: el infantilismo izquierdista, expresado principal si bien no exclusivamente, por distintas ramas del trotskismo que deslumbradas ante la belleza de la inminente revolución pierden por completo de vista al actor principal del drama latinoamericano: el imperialismo, y se refugian en su gueto político a la espera de la hora final cuando irrumpirá la revolución “químicamente pura.” De ahí su generalizada repulsa a los gobiernos y fuerzas políticas que en los últimos años libraron batalla contra aquél, fulminados todos por igual con el mote de “reformistas”. 
[3] Como consta en los documentos de la Embajada de Estados Unidos en Jakarta y que fueron desclasificados en el 2017. Algunas otras fuentes elevan considerablemente el número de esa matanza hasta unos tres millones. Ver estos y otros datos oficiales del gobierno de Estados Unidos en https://nsarchive.gwu.edu/briefing-book/indonesia/2017-10-17/indonesia-mass-murder-1965-us-embassy-files



Antipolíticas. Neoliberalismo, realismo de izquierda y autonomismo en América latina
Silvina María Romano e Ibán Diaz Parra
Buenos Aires, diciembre de 2018
EDICIONES LUXEMBURG
Coedición con IEALC
110 páginas. 23 x 16 cm
ISBN 978-987-1709-53-3 (libro papel)
ISBN 978-987-1709-56-4 (libro digital)

A constituinte, as igrejas e a questão LGBTI em Cuba

Por Cristina Silva
21 de dezembro de 2018



Antes de uma breve explicação do funcionamento da Constituinte, é necessário trazer à luz a participação da militância LGBTI durante o processo da constituinte e para além da constituinte. Infelizmente, de maneira oportunista, a presença dos movimentos LGBTI em Cuba ainda é falsamente compreendida como grupos isolados e anticomunistas, que fazem oposição “ao regime Castro”. O mesmo é feito em relação à impressão que temos sobre as discussões sobre sexualidade em Cuba, algo que remete a estagnação e a conservadorismo que é taxado como “moral revolucionária” por muitos estudiosos neoliberais. Porém, a prática cotidiana da presença da luta LGBTI em Cuba é completamente distinta do descrito.

As fake news aceitáveis de sempre.

Não é a primeira vez que os feitos do povo cubano viram motivos de discussões intermináveis sobre seu comprometimento com a defesa da revolução socialista. Nos últimos anos, principalmente após a morte do camarada Fidel Castro, os mais diversos setores anticomunistas, à direita e à esquerda, aproveitaram o momento de comoção nacional para fragilizar o sentido cotidiano da manutenção da revolução.

Os processos de renovação dos personagens políticos cubanos, sejam do Partido Comunista ou do Estado, também são instrumentalizados nesse sentido. Os meios de comunicação, principalmente aqueles ligados às empresas que lucram com o embargo contra Cuba, mantém a formula de atacar o socialismo cubano desmoralizando sua reputação e relativizando os princípios políticos que constroem suas ações cotidianas.

A bola da vez é o processo de constituinte que está acontecendo em Cuba e, em específico, o matrimonio igualitário. Será desenvolvido mais à frente como funciona o caminho de renovação da constituição cubana e, agora, nos ateremos a analisar como a polêmica surgiu em torno desse tema especifico. Afinal, o processo de atualizar uma carta magna exige que lidemos com uma infinidade de questões, mas existem motivos concretos para que nem todas sejam merecedoras de tamanha atenção por parte da indústria das fake news.

No Brasil, a fake news chegou por meio de uma matéria online postada no Portal G1, da Rede Globo, que já deixava nítido em seu título que houve desistência no avanço do reconhecimento do matrimonio igualitário, o que compreenderia o reconhecimento legal da união entre pessoas LGBTI’s (1). A matéria afirma que após discussões em “assembleias populares”, a decisão foi tomada pela constatação de que maioria da população seria contrária à proposta. Há também outros portais, principalmente espanhóis, que afirmam que a decisão foi tomada por conta da interferência das igrejas católicas e protestantes no processo.

Para compreender as defesas que alertam sobre a falsidade dessas matérias, é necessário compreender quais seus instrumentos de falsificações e imprecisões propositais. Por isso, o objetivo desse texto nada mais é que contextualizar como essa fake news em específico foi criada e fazer algumas considerações necessárias sobre a história e a atualidade do movimento LGBTI em Cuba.

A ORIGEM DA PROPAGANDA DE DESRESPEITOS AOS DIREITOS LGBTIs COMO CARACTERÍSTICA IMUTÁVEL DA REVOLUÇÃO CUBANA: OS ERROS DA REVOLUÇÃO E APAGAMENTO DO PROCESSO DE AUTOCRÍTICA.

Antes de uma breve explicação do funcionamento da Constituinte, é necessário trazer à luz a participação da militância LGBTI durante o processo da constituinte e para além dela. Infelizmente, de maneira oportunista, a presença dos movimentos LGBTI em Cuba ainda é falsamente compreendida como grupos isolados e anticomunistas, que fazem oposição “ao regime Castro”. O mesmo é feito em relação à impressão que temos sobre as discussões sobre sexualidade em Cuba, algo que remete a estagnação e a conservadorismo que é taxado como “moral revolucionária” por muitos estudiosos neoliberais. Porém, a prática cotidiana da presença da luta LGBTI em Cuba é completamente distinta do descrito.

Primeiro, as críticas anticomunistas que são oportunistas devem ser denunciadas como tal, porém antes é necessário descobrir quais são suas bases históricas. No caso das denúncias cotidianas sobre o desrespeito aos direitos LGBTI’s, elas se assentam em erros reais e concretos que aconteceram em Cuba nas décadas de 1960-1970. É preciso conhece-los para que possamos atuar de maneira justa e precisa contra as fake news sem negar a verdade histórica. Entre as falsificações que lançaram verdadeiras guerras em nome do comando da narrativa histórica dos acontecimentos, os fatos explorados são a formação das Unidades Militares de Ajuda à Produção (UMAP) (1965-1968) e o Quinquênio Cinza (1971-1976).

Desenvolveremos agora como aconteceu o processo de autocrítica da revolução cubana pelo seu consentimento com a homofobia (e recentemente reconhecido e combatido, a transfobia), inclusive até dentro das fileiras do Partido Comunista, ao contrário do que era feito na luta contra o machismo e racismo – que já contavam com avanços concretos. Esse processo é constante a partir do momento que militantes comunistas e da comunidade LGBTI denunciaram e conseguiram o reconhecimento das consequências de suas denúncias sobre o que acontecia na ilha.

As UMAP’s foram respostas do povo cubano, principalmente do governo revolucionário que tinha alcançado triunfo em 1959, às continuas agressões terroristas promovidas pelos Estados Unidos por meio de ações da CIA. Em uma entrevista sobre a questão LGBTI em Cuba, a diretora do Centro Nacional de Educação Sexual e militante pelos direitos das pessoas LGBTI’s em Cuba, Mariela Castro, respondeu sobre a origem das UMAP’s:

“Nosso país se encontrava constantemente sob a agressão dos Estados Unidos: a Baía dos Porcos em abril de 1961, a Crise dos Mísseis em 1962, e os grupos da CIA compostos por exilados cubanos, que multiplicavam os atentados terroristas. As bombas explodiam todos os dias em Cuba, queimavam canaviais, sabotavam as ferrovias, atacavam teatros com bazuca. Não se pode esquecer essa realidade, vivíamos em estado de sítio. Grupos paramilitares agiam nas montanhas do Escambray e assassinavam trabalhadores rurais favoráveis à Revolução, torturavam e executavam jovens professores que tinham se integrado à campanha de alfabetização. No total, 3.478 cubanos perderam a vida por conta do terrorismo naquela época. Foi um período muito difícil, nós nos encontrávamos permanentemente agredidos e a luta de classes estava em seu auge. Os latifundiários tinham reagido com muita violência à reforma agrária e não estavam dispostos a perder sua posição de poder na sociedade. Então havia uma mobilização geral para a defesa da nação, e neste contexto nasceram as Umap.” (2)

Além do seu papel de interiorizar a firmeza da revolução contra os ataques terroristas dos Estados Unidos, as UMAP’s também possuíram o papel de integrar aos processos de produção grupos considerados contrários à revolução. Todos os homens com idade de entrar no serviço militar foram levados a servir nas UMAP’s, apenas abrindo exceção para aqueles que já possuíam trabalho fixo.

Foi grande a adesão da população às unidades e também à cobrança pela integração desses grupos considerados marginais. Mariela descreve que essa classificação de “grupos marginais”, além de incluir homens de famílias burguesas, também atingiu grupos hippies e pessoas homossexuais, que na época eram consideradas exemplos ruins para sociedade cubana.

O episódio das UMAP’s é responsável pela origem de falsas denúncias sobre a existência de campos de concentração para “gays” cubanos, pois seu funcionamento se dava nas mais diversas regiões interioranas de Cuba. Não há registros de UMAP’s criadas exclusivamente para pessoas “gays” como muitos estudos e denúncias afirmam, porém é fato que pessoas “gays” foram integradas e sofreram violências por conta de sua orientação sexual.

Com o fim das UMAP’s, nós tivemos de fato o pior momento para pessoas LGBTI’s – nesse tempo, ainda somente entendidas como “gays” – que foi o Quinquênio Cinza de 1971 a 1976. Mariela Castro segue desenvolvendo suas considerações também sobre esse período:

“O ostracismo do qual foram vítimas os homossexuais neste período foi muito pior que o sofrido nas Umap e teve um impacto terrível na vida pessoal e profissional dos homossexuais. No Congresso Nacional de “Educação e Cultura”, em 1971, foram estabelecidos parâmetros exclusivos contra pessoas com orientação sexual distinta do que se considerava a regra. Os homossexuais não podiam trabalhar com educação ou cultura porque consideravam, de forma arbitrária, que seriam maus exemplos para crianças e alunos e que era necessário afastá-los da juventude. Apesar de poderem encontrar emprego em outros setores, não podiam integrar esses dois campos e, por conseguinte, eram discriminados. Foi uma experiência muito dura para eles. Imagine o caso de uma pessoa que desejava ser professor, por vocação, mas seu acesso a esse mundo era proibido por conta do sectarismo, da intolerância de alguns dirigentes e burocratas. Proibir um estudante de ser médico ou outra coisa em razão de sua orientação sexual é inaceitável para quem acredita nos valores de liberdade e justiça. Isso durou muitos anos. Eles eram lembrados sistematicamente de sua condição de minoria sexual. Alguns vivenciaram essa situação melhor que outros, mas muitos sofreram ostracismo e discriminação. ” (3)

É somente com a luta de militantes da comunidade “gay” e comunistas, de dentro e fora do Partido, que o processo de autocrítica de cuba se inicia em 1976 também com uma constituinte. Após extensos debates, encabeçados principalmente pela Federação de Mulheres Cubanas, as discriminações por orientação sexual foram derrubadas e consideradas inconstitucionais. Mariela, porém, defende que isso não foi suficiente para minimizar a homofobia da sociedade cubana e do próprio governo revolucionário, por isso foi necessário seguir incansavelmente o caminho da autocrítica da revolução em relação aos debates sobre sexualidade, ainda considerados de menor importância.

Mariela descreve que era comum “zombar das pessoas homossexuais” e considera-las inferiores por causa da homofobia arraigada tanto na sociedade cubana quanto ao redor do mundo. Castro explica:

“Era difícil abordar a homossexualidade naquela época. Tratava-se da problemática em alguns cursos, pois a Associação Americana de Psiquiatria, muito adiantada em relação ao seu tempo, deixou de considerar a homossexualidade uma doença em 1974. Convém lembrar que a OMC (Organização Mundial da Saúde) só deixou de considerar a homossexualidade um transtorno mental em 1990! ” (4)

Somente graças a militância da FMC, principalmente a partir da coordenação de Vilma Espín – mãe de Mariela Castro -, é que o socialismo cubano passa a entender como fundamental que a luta socialista seja também uma luta contra a homofobia, assim como já existia em relação ao racismo e ao machismo, sobre os quais Cuba já era referência internacional na equidade de direitos. Os grupos de trabalho iniciados para “avaliar as dificuldades e a mensurar as discriminações das quais homossexuais e lésbicas eram vítimas” foram desenvolvendo ações até formarem, em 1988, o Centro Nacional de Educação Sexual (CENESEX).

Muitas vezes em oposição ao próprio PC, que relutou em reconhecer a própria população, a FMC deu espaço a vozes muitas vezes silenciadas e minimizadas por “outras prioridades revolucionárias”. Por isso, é necessário conhecer e saudar camaradas como Vilma Espín, Célia Sanchez, Haydée Santamaría, Melba Hernández e tantas outras que contribuíram, dentro de suas limitações enquanto mulheres do seu tempo, para o avanço das questões sexuais em Cuba.

Por isso, é verdade que há grupos LGBTI’s cubanos anticomunistas e que fazem oposição ao socialismo, como o Projeto Sociocultural Babel e a La Fundación Cubana por los Derechos – ambos com sede em Miami -, porém não estão nem perto de resumirem os movimentos LGBTI’s atuais. A partir daqui é preciso destacar o trabalho do Centro Nacional de Educação Sexual (CENESEX) como aglutinador de inúmeros movimentos LGBTI’s à esquerda e revolucionários, além de vários outros grupos e debates dentro da sexualidade. Sobre a origem do CENESEX, vejamos suas raízes:

“En 1962 la Federación de Mujeres Cubanas convoca a algunos especialistas de salud pública e inicia los programas de educación sexual, planificación familiar y salud reproductiva, que incluyó además acciones en la comunidad a fin de eliminar estereotipos y tabúes así como incrementar la información y orientación sobre salud con un enfoque científico integral. Desde los inicios se previó un programa cubano de educación sexual que debía ser aplicado no sólo por la Federación de Mujeres Cubanas y el Ministerio de Salud Pública, sino también por el Ministerio de Educación y otras organizaciones juveniles.” (5)

Após a convocação descrita acima, em 1972, nasce o Grupo de Trabalho Nacional de Educação Sexual (GNTES), com a missão de criar um Programa Nacional de Educação Sexual. Construído por profissionais da saúde e educação, além de militantes das FMC e de pessoas LGBTI’s que foram atingidas pelas políticas do Quinquênio Cinza, o grupo foi responsável pela criação do CENESEX em 1988 como produto de suas ações.

Hoje, o CENESEX é um espaço de acolhimento, militância e estudo sobre as questões sexuais em Cuba e no mundo. Para além disso, o centro também vem avançando em introduzir políticas públicas de planejamento familiar revolucionário que combatam o sexismo e a divisão do trabalho por gênero, que resulta no seio família burguês nas triplas jornadas de trabalho para mulheres da classe trabalhadora.

Somente em 2018, para termos uma noção da atuação cotidiana do CENESEX, nós tivemos a Jornada Pelo Não à Violência contra a Mulher (6), o lançamento do livro “La integración social de las personas transexuales en Cuba” da camarada Mariela Castro – que é diretora do CENESEX –(7), a realização do Primeiro Encontro Sobre Comunicação Gênero e Equidade: é necessário falar sobre a violência contra mulheres e crianças (8) e, sendo evento anual principal, a 11° Jornada em Cuba Contra Homofobia e Transfobia, que iremos desenvolver mais à frente. Também tivemos a Jornada em Cuba de Maternidade e Paternidade – que produziu o primeiro Manual de Paternidade Responsável! – (9), o Congresso Cubano de Educação, Orientação e Terapia Sexual (10) e a contribuição de Cuba para o debate sobre Educação Sexual na Finlândia (11). Todos esses eventos foram sediados em províncias diferentes e foram integradas as agendas dos sindicatos, escolas, assembleias e produziram espaços públicos para livre circulação e participação.

Sobre a Jornada em Cuba Contra Homofobia e Transfobia, sendo realizada há onze anos, nós estamos falando de um mês de eventos que mobilizam toda ilha e também é integrada aos calendários dos mais diversos espaços, além das assembleias. Seu objetivo é promover espaços de combate à homofobia e, há dois anos, devido ao avanço dos debates sexuais, à transfobia. Os temas são anuais e podem se repetir caso os organizadores reconheçam que ainda há mais o que se fazer. É o que acontece há dois anos com o tema “Eu me incluo”. Em 2017, nós tivemos a temática “Eu me incluo: por espaços de trabalho sem homofobia e transfobia! ” (12).

Esse ano, de 2018, a temática principal foi o combate da homofobia e transfobia nas escolas (13) (14) (15) (16) (17) (18) (19) (20) (21). Todo final de Jornada é finalizado com a Conga, um desfile público que lembra a proposta das Paradas de Orgulho LGBT brasileiras – porém, que mantém a tradição da festa da diversidade em conjunto com os debates políticos prioritários! – (23), e a Gala, apresentações artísticas da comunidade LGBTI (24).

Em ambos os eventos, nós temos reunidos uma tremenda participação cidadã, as mais diversas autoridades, militâncias, convidados de outros países e o respeito pelo protagonismo e inclusão da população LGBTI por suas próprias mãos. Esse ano, durante a Conga, a camarada Marielle Franco foi homenageada e o povo cubano foi informado sobre o crime feito contra sua vida e a luta do povo negro e favelado no Brasil (25).

Todos os espaços citados acima formaram a população cubana para debater os temas ligados à sexualidade que estariam presentes tanto na atual reforma constitucional quanto na futura reforma do código familiar. É verdade que todos os anos de atuação do governo cubano e da militância LGBTI contra a homofobia, transfobia e machismo ainda não foram suficientes para exterminar essas opressões da revolução, porém passos fundamentais estão sendo construídos há décadas e que buscam superar até mesmo a necessidade de autocritica do povo cubano para consolidar avanços que nenhum outro país no mundo teve coragem de enfrentar.

O que é a constituinte e como funcionam essas “assembleias populares”?

Antes de compreendermos por si só o processo de constituinte, é necessário que atentarmos para o organização do sistema do Poder Popular, que organiza o povo cubano. Em artigo publicado pelo Brasil de Fato, Anita Prestes explica:

“O sistema do Poder Popular se apresenta atualmente em Cuba da seguinte maneira: no nível nacional, a Assembléia Nacional do Poder Popular; em cada uma das 14 províncias, as Assembleias Provinciais do Poder Popular e nos 169 municípios, as Assembleias Municipais; no nível de comunidade, os Conselhos Populares (1540); cada Conselho agrupa várias circunscrições eleitorais e é integrado pelos seus delegados, dirigentes de organizações de massas e representantes de entidades administrativas. No nível de base, ainda que sem formar parte de maneira orgânica da estrutura do sistema do Poder Popular, nem do Estado, tem-se a circunscrição eleitoral. ”(26)

Conhecer essa estrutura básica é fundamental para que possamos entender como o projeto de constituição que está sendo discutido conseguiu mobilizar tanto a população cubana, afinal ele não somente foi até às ruas para ser visto como foi analisado e debatido nelas. Porém, antes do anteprojeto ser levado às ruas para discussões nas províncias e bairros, uma comissão formada pela Assembleia Nacional do Poder Popular foi montada com 33 deputados que ficaram responsáveis de elaborar o anteprojeto, após passarem quase cinco anos num grupo de trabalho que se dedicou a estudar os projetos constitucionais por todo mundo e, principalmente, experiências de poder popular na América Latina (27).

Após o anteprojeto ser aprovado pela Assembleia Nacional, ele foi enviado para todas as províncias, seus respectivos bairros e os delegados ficaram responsáveis de mobilizar espaços públicos, em todas as circunscrições eleitorais, que buscassem debater os pontos levantados no anteprojeto com todos os cidadãos de sua área. O texto se compõe do preâmbulo, 224 artigos (87 a mais do que a atual Constituição), divididos em 11 títulos, 24 capítulos e 16 seções. Da atual Constituição da República se mantêm 11 artigos, modificam-se 113 e 13 são eliminados (28).

Quando lemos a matéria do G1, nós somos levados a entender que houve um sonoro “não” em relação a nova proposta para definição do matrimonio presente no anteprojeto. Porém, as discussões do documento não foram feitas a partir do “não” ou do “sim”, mas por debates intensos nos mais diversos espaços citados acima que deliberavam, de acordo com os presentes, a manutenção ou alterações como acréscimos, supressões totais ou parciais, etc. Em pouco mais de três meses de discussões, nós temos registrado a realização de cerca de 90 mil assembleias e 192 mil opiniões produzidas somente sobre esse ponto em especifico. O que foi produzido nesses espaços foi levado de volta à comissão parlamentar e sistematizado para produção do projeto de constituição, que novamente será discutido pelos delegados na Assembleia Nacional, para somente depois ser aprovado por meio de referendo popular mediante ao voto secreto e direto de cada cidadão.

Ou seja, é um complexo sistema de espaços deliberativos que se organizam de maneira conectada ao ponto que a Assembleia Nacional não pode funcionar sem que haja discussões realizadas nas assembleias de bairros, que por sua vez são mobilizadas em conjunto com as circunscrições eleitorais. Antes de seguirmos para o próximo ponto, a leitura completa do artigo “O sistema político em Cuba: uma democracia autêntica”, de Anita Leocádia Prestes, é uma leitura obrigatória para todos aqueles que buscam entender o sistema político cubano para além da breve e frágil explicação descrita acima.

A polêmica das igrejas.

Em conexão à repercussão do título da matéria mencionada acima, nós também vemos circulando acusações que o “governo cubano” estaria cedendo às pressões de lideranças fundamentalistas religiosas ligadas ao cristianismo. Ao buscar a origem dessas informações, é possível notar que ela vem de sites anticomunistas e que fazem oposição ao socialismo cubano a partir de instrumentalizações de pautas dos direitos humanos. O Diario de Cuba (29) e o IPS Cuba (30) são os principais cubanos a reportarem essas interpretações que logo são reproduzidas pelos mais diversos portais, de diferentes cantos do mundo, que também são oposições autonomeadas liberais e/ou conservadoras ao “regime cubano”. Vejamos a seguir o que vem, de fato, acontecendo em relação as mobilizações das igrejas católicas e neopentecostais.

Primeiro, é fato que ambas as igrejas sejam contrárias ao reconhecimento legal do matrimonio de pessoas LGBTI’s, porém não é verdade que haja uma aliança geral das igrejas católicas e evangélicas por uma militância contra a aprovação dos avanços em relação à sexualidade. Ou seja, não são todas as igrejas neopentecostais e católicas que estão engajadas nessa temática, nem há, de acordo com a apuração dos fatos, uma união entre a igreja católica e as neopentecostais para intervir na constituinte como se está dando a entender. É claro que ambas as igrejas possuem seus interesses concretos na constituinte, porém a organização afirmada não foi constatada.

Sobre a Igreja Católica, a conferência dos bispos católicos de Cuba lançou uma Mensagem Pastoral sobre seus posicionamentos sobre a constituinte (31). Não há muitas novidades em relação aos posicionamentos pelo mundo do atual Vaticano: o respeito aos direitos humanos, o presar pela manutenção tradicional da família na educação e criação das crianças, e a soberania da dignidade dos homens e mulheres. A mensagem também reconhece e reafirma a imersão e mobilização do povo cubano no processo de constituinte.

Certa agressividade, de fato, contra a aprovação do reconhecimento do matrimônio igualitário vem de algumas igrejas neopentecostais. É preciso destacar que, em Cuba, estão inscritas 52 denominações protestantes; 25 são pentecostais e 27 neopentecostais. 57,4% dessas denominações estão concentradas em Havana, capital de Cuba (32). As denominações à frente das mobilizações contrárias ao matrimônio são a Assembleia de Deus e a Igreja Metodista, que afirmam serem as maiores representantes em números de fieis protestantes na ilha e mobilizam cerca de 100.000 a 300.000 pessoas (33).

Movimentos LGBTI’s que fazem oposição ao socialismo denunciam que o governo estaria dando espaço de autoridade para esses setores (34), que chegaram a realizar um protesto nas ruas e produzir uma campanha audiovisual contra a aprovação do matrimônio – o que não é ilegal. Apesar de não citarem o falso conceito de “ideologia de gênero”, ambas as denominações evangelicas trabalham na mesma linha.

O que não é citado nessas denúncias nem nos portais é a atuação do próprio CENESEX, da FMC, da Juventud Rebeld, militantes do PC e estadistas cubanos, incluindo o presidente Miguel Díaz-Canel, que já se declararam a favor do reconhecimento do matrimonio igualitário e defenderam o avanço constitucional. Porém, os próprios meios de comunicação e movimentos cubanos que denunciam que Cuba é uma ditadura autoritária estão agora criticando o respeito ao devido processo legal revolucionário pelo espaço dado, também, aos cidadãos contrários à aprovação do matrimonio nos espaços de discussões.

É verdade que existe um risco dessa oposição ao reconhecimento do matrimonio dificulte sua aprovação constitucional e mudanças no Código Familiar, que virão nos próximos anos, porém isso não quer dizer somente que existe um setor conservador na ilha. Essa mobilização contrária a aprovação do matrimonio, apesar de outras conquistas terem sido concretizadas – o que vamos falar em outro momento-, vem sendo assumida pelos militantes cubanos LGBTI’s e pelos espaços institucionais como uma prova que é necessário avançar nas mobilizações construídas até hoje.

O camarada Francisco Rodríguez Cruz, grande militante LGBTI do Partido Comunista e um dos responsáveis pelos avanços que Cuba conquistou, escreveu um texto de leitura fundamental intitulado “¿Qué pasó con el matrimonio en el proyecto de Constitución?”, que faz uma análise breve e direta sobre a questão do matrimonio (35).

O que temos até agora?

Bom, para finalmente concluir, é necessário que elenquemos o que foi feito em relação ao tema até agora. Após a viralização de notícias falsas sobre o retrocesso da questão do matrimonio, vários militantes cubanos a favor do avanço estão se manifestando para esclarecer o que houve de fato. Primeiro, todos apontam a necessidade de esclarecer o que há na atual constituição, que está passando pelo processo de constituinte. De acordo com a atual constituição cubana, no capítulo três, o casamento é definido da seguinte forma (36):

“Artículo 36. El matrimonio es la unión voluntariamente concertada de un hombre y una mujer con aptitud legal para ello, a fin de hacer vida en común. Descansa en la igualdad absoluta de derechos y deberes de los cónyuges, los que deben atender al mantenimiento del hogar y a la formación integral de los hijos mediante el esfuerzo común, de modo que éste resulte compatible con el desarrollo de las actividades sociales de ambos.”

No projeto de constituição que foi enviado ao debate nas ruas, a proposta de substituição foi a seguinte (37):

“Artigo 68. O matrimônio é uma união voluntariamente aceita entre pessoas com aptidão legal para isso, a fim de construir uma vida em comum. Descansa em igualdade absoluta de direitos e deveres dos conjugues, que estão obrigados a manutenção da casa e da formação integral dos filhos mediante a esforço comum, de modo que isso resulte compartilhado com o desenvolvimento de suas atividades sociais.”

Além disso, a décima primeira disposição transitória vem trazendo em conjunto a necessidade de retorno e aprofundamento do artigo nas discussões sobre o Código Familiar e suas disposições sobre matrimonio. Essa é a proposta discutida e que estão lutando para aprovar agora. A polêmica mora exatamente na alteração feita entre aquilo que foi enviado às ruas e o que é discutido na assembleia. O que foi fruto dos debates nas ruas está sendo creditado à pressão das igrejas por parte dos sujeitos já mencionados. Contra esse processo de difamação e fake News, nós temos as seguintes declarações de militantes LBGTI’s em Cuba(38):

“Ativistas e amigxs!! Nos últimos minutos circularam informações acerca da nova formulação sobre o matrimonio contida no projeto de constituição que acaba de se apresentar na Assembléia Nacional do Poder Popular. Desafortunadamente, a mensagem tuitada por nosso órgão legislativo mutilou a nova proposta e com um enfoque não apropriado divulgou o que muitas pessoas estão interpretando como um retrocesso. Com toda responsabilidade devo esclarecer: a nova proposta mantem a essencia do artigo anterior proposto, pois apaga o binarismo de gênero e a heteronamatividade com ao qual estava definido o matrimonio na Constituição de 1976. A variação da nova proposta reside na substituição de “pessoas” por “cônjuges”, questão que mantém a possibilidade de que todas as pessoas possam acessar a instituição do casamento. Além disso, coloca como elemento novo as uniões de fato, sem vinculá-los a nenhum gênero; esta configuração, a longo prazo e segundo as estatísticas, é a mais utilizada na nossa sociedade. Não há retrocesso, a essência do artigo 68 se mantém. A luta continua. Agora vamos dar o SIM à Constituição e depois fechar fileiras para alcançar um Código de Família tão avançado quanto o novo texto constitucional. Cuba é nossa, Cuba pertence a todos. Não cedemos à chantagem fundamentalista e retrógrada que se opõe politicamente ao projeto emancipatório da Revolução Cubana.” Mariela Castro, diretora do Centro Nacional de Educação Sexual (CENESEX).
“La próxima Constitución definitivamente no dirá de modo taxativo y discriminatorio que el matrimonio es la unión entre un hombre y una mujer como la vigente carta magna, y esto ya de por sí es un enorme paso de avance. Un triunfo que nadie nos puede escamotear ni disminuir, con una gran significación simbólica y práctica. Una puerta abierta hacia ese futuro matrimonio igualitario que queremos conseguir. Pero tampoco nuestra Ley de leyes definirá al matrimonio como la unión entre dos personas, como recogía la versión que discutimos en la consulta popular y que resultaba um concepto muy revolucionario. En relación con esa primera intención, retrocedimos. No logramos el consenso para mantener ese planteo. En palabras del secretario del Consejo de Estado ante diputadas y diputados, la decisión fue diferir el concepto de matrimonio de la Constitución. O sea, la Constitución no va a definir qué sujetos integran el matrimonio, y la ley definirá posteriormente cómo se constituirá el matrimonio. Tratemos de evaluar con imparcialidad los hechos. El artículo 68 del proyecto constitucional que discutimos fue el que más polémica generó de todo el texto, con 192 mil 408 planteamientos, el 24.57% del total, y el único que alcanzo una cantidad de seis dígitos. El matrimonio fue objeto de debate en 88 mil 066 asambleas, el 66% de las que acontecieron.” Francisco Rodríguez Cruz, jornalista e militante LGBTI.
“Me parece valida la aclaración que hace la compañera Mariela Castro y de ser así es una fórmula positiva. Reconozco que para muchos lo que ha sucedido es doloroso porque ya las fuerzas retrógradas dan vivas y hacen fiestas por lo alcanzado y eso a mi juicio es preocupante porque de ser así sería una derrota social y legal“. Gabriel Coderch, diretor do Centro Oscar Arnulfo Romero.
“Apoyo la nueva propuesta constitucional en relación al matrimonio. En primer lugar se expande la protección legal a las uniones consensuales y abre la posibilidad de reconocer otras formas de unión sin especificar género ni número de integrantes. Desde mi defensa del poliamor y la necesidad de despojar al matrimonio de carácter sacro, clasista y patriarcal, me parece una buena movida. La letra y espíritu de la versión actual no contradice al antiguo artículo 68 sino que lo trasciende positivamente en alcance.” Alberto Roque Guerra, militante LGBTI.

Podemos ver que, de fato, o debate não se encerrou nem tem o tom dado pelos meios de comunicação e movimentos contrários ao socialismo na ilha. Ao contrário, os nervos se mantém altos e muita água rolará pelos caminhos dessa discussão. Por fim, é necessário observar quanto é importante o cuidado na checagem das informações que carregamos e o quanto não estamos blindados contra as fake news entre os próprios setores da esquerda. O movimento LGBTI em Cuba é hoje fruto de um processo histórico complexo, cheio de contradições e que hoje caminha para além da autocritica de seus erros do passado. O que estamos presenciando diante de nossos próprios olhos, apesar das mentiras que nos cegam, é exatamente o povo cubano – todo ele, e não somente intelectuais ou militantes – encarando sua própria ferida da LGBTIfobia.

Cristina Silva, estudante da licenciatura em História pela UFPE e comunista.

FONTES E REFERÊNCIAS:

1 – Cuba desiste de mudança na Constituição que abriria caminho para casamento gay

2 e 3 – Sobre homofobia: Fidel Sempre assumiu a responsabilidade, diz Mariela Castro https://operamundi.uol.com.br/politica-e-economia/26925/sobre-homofobia-fidel-sempre-assumiu-responsabilidades-diz-mariela-castro

4 e 5 – “PC era reflexo da sociedade cubana: machista e homofóbico”, diz filha de Raúl https://operamundi.uol.com.br/entrevista/26926/pc-era-reflexo-da-sociedade-cubana-machista-e-homofobico-diz-filha-de-raul

6 – Jornada Pelo Não à Violência contra a Mulher


7 – Lançamento do livro “La integración social de las personas transexuales en Cuba”

8 – Primeiro Encontro Sobre Comunicação Gênero e Equidade: é necessário falar sobre a violência contra mulheres e crianças: http://www.cubadebate.cu/noticias/2018/04/27/primer-taller-de-comunicacion-genero-y-equidad-hay-que-hablar-de-violencia-contra-mujeres-y-ninas/#.XBuxKVVKiM8


10 – Congresso Cubano de Educação, Orientação e Terapia Sexual

11 – contribuição de Cuba para o debate sobre Educação Sexual na Finlândia

12 – #MeIncluyo: Apuesta sin prejuicios a la diversidad sexual (+ Video)



15 – Escuelas si homofobia ni transfobia



18 – Vídeo: programacion de la XI Jornada em Cuba contra la homofobia e transfobia – https://www.facebook.com/cenesex/videos/1794112113986191/



21 – Programa televisivo sobre a necessidade das escolas combaterem a homofobia e transfobia: https://www.facebook.com/mesaredondacuba/videos/vb.97697217521/10155336061242522/?type=2&theater&hc_location=ufi




25 – FOTOS: Conga XI Jornada http://www.cubadebate.cu/noticias/2018/05/13/celebran-conga-cubana-contra-la-homofobia-y-la-transfobia-en-la-habana-fotos/


27 – Reforma Constitucional en Cuba: Diez preguntas claves (+ Fotos e Infografía)

Igrejas

29 – DIARIO DE CUBA | Denominaciones cristianas en Cuba se pronuncian contra el matrimonio homosexual



32- Iglesias protestantes y evangélicas en Cuba
https://www.ecured.cu/Iglesias_protestantes_y_evang%C3%A9licas_en_Cuba –

33 – Denominaciones cristianas: ‘Hay aspectos de la Constitución que contradicen el desarrollo de la Iglesia: http://www.diariodecuba.com/cuba/1537478587_41967.html

34 – Libertad de opinión sobre el matrimonio gay: para las iglesias sí, para la sociedad civil no: http://www.diariodecuba.com/cuba/1539967357_42496.html




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