Louis Althusser (1918-1990) e Pierre Vilar (1906-2003) |
Traduzido por Danilo Enrico Martuscelli [1]
Em Ler O Capital, Althusser preparou o cenário para uma ampla discussão sobre o tempo histórico. Em um artigo de 1973 publicado nos Annales, o grande historiador comunista da Catalunha moderna, Pierre Vilar, respondeu brilhantemente as exigências althusserianas: como pensar a pluralidade dos tempos históricos e sua articulação? Como combinar a análise empírica com o conceito de modo de produção? Por vezes, afiada, a intervenção de Vilar defende, com benevolência, a prática do historiador como prática teórica. Nunca antes publicado, a tentativa de Althusser de responder é parte de sua trajetória autocrítica: a filosofia não é mais a fiadora da Ciência marxista, mas luta de classes na teoria.
Manuscrito de uma resposta a Pierre Vilar – Louis Althusser (sem data, em torno de 1973)
Obviamente, eu corri grandes riscos ao me aventurar no domínio da história, não da categoria filosófica de história, mas da história dos praticantes, dos historiadores. E Vilar fez muito bem ao salientar a precipitação de alguns dos meus julgamentos. Mas eu não penso, ao ler as críticas que ele dedicou a mim, que ele tenha rejeitado o princípio.
Com efeito, penso que a pretensão da filosofia marxista de dizer uma palavra sobre o trabalho dos historiadores é, em princípio, fundamentada. Por uma primeira razão muito simples: existe na história, como em qualquer ciência, uma ideologia dos praticantes, que denominei, seguindo Lênin, de sua filosofia espontânea. E essa filosofia espontânea, que à primeira vista parece estar limitada ao círculo restrito da relação entre o praticante e sua prática, sempre se refere, de fato, a temas filosóficos desenvolvidos, para além dessa prática, pelas grandes filosofias antagônicas, digamos, pelas filosofias dominantes e por aquelas que contestam essa dominação. Se no detalhe a demonstração requeria pesquisas precisas, é claro, para tomar apenas este grande exemplo, que a Escola dos Annales na França nasceu de uma reação política e ideológica contra a história universitária reacionária dominante e que, por trás dessa reação, havia a realidade das grandes lutas políticas francesas, que deveriam levar à Frente Popular. Mas há uma outra razão, que se inscreve sob a primeira, não mais do que qualquer outra ciência, a ciência histórica não pode se privar de filosofia, espontânea, ou refletida. Em princípio, portanto, a filosofia pode ter algo a dizer sobre o trabalho dos historiadores. E quando esta filosofia se baseia na teoria marxista da história, ela tem um duplo significado: filosófico e teórico.
Penso que é necessário, desde o início, dissipar um mal-entendido sobre o historicismo. Quando dizemos, como eu, que o marxismo não é um historicismo, corremos o risco de sermos incompreendidos pelos historiadores, que, não só por razões de palavras, mas também por razões teóricas, acreditam que a história está sendo questionada, senão acusada.
Para resumir, podemos ter a tendência de considerar que se o marxismo é um anti-historicismo, ele só pode afastar-se da história, ou pode tratar a história apenas reduzindo-a às estruturas abstratas, incapazes de explicar o devir histórico, as lutas históricas, etc. Mas é exatamente o contrário que é verdade, mas com uma condição, que a tese do anti-historicismo do marxismo seja destinada a colocar em evidência. Qual é essa condição? A distinção entre história vivida e conhecimento da história, a distinção entre as representações ideológicas da história e as categorias e análises científicas que levam ao conhecimento da história. Esta distinção, Marx expressou repetidamente com sagacidade: se a essência (ou o conhecimento) fosse reduzida ao fenômeno (ao dado imediato), não precisaríamos de ciência (ironia engraçada, que provavelmente retoma a famosa anedota britânica: se minha tia tivesse duas rodas…). Esta distinção, Marx também a expressou dizendo que não é pela junção de sucessões que conseguimos explicar o funcionamento do todo social, ou insistindo ainda no fato de que não havia identidade entre ordem de sucessão de categorias na teoria e sua ordem de sucessão na história, etc. O anti-humanismo teórico significa, portanto, que os conceitos que permitem o conhecimento da história não existem no estado imediato na história visível e, em termos mais gerais, o conhecimento da história, ao mesmo tempo que é também um evento da história, não é histórico no sentido vulgar do termo, isto é, não é subjetivo ou relativo.
Falei de um mal-entendido: mas devo acrescentar, com base em suas críticas, que nunca houve o menor mal-entendido entre mim e Pierre Vilar. As críticas e as reservas de Vilar são frutíferas, porque dizem respeito a quaisquer questões internas à compreensão da lógica dos conceitos da ciência marxista da história.
[1] Texto publicado pela primeira vez na Revue Période em agosto de 2016: http://revueperiode.net/inedit-althusser-et-lhistoire-essai-de-dialogue-avec-pierre-vilar/ Esta publicação vinha acompanhada do texto “História marxista, história em construção: ensaio de diálogo com Althusser”, elaborado em 1973 por Pierre Vilar. Este texto pode ser encontrado em português no seguinte livro: VILAR, Pierre. “História Marxista, história em construção” In: LE. GOFF, Jacques; NORA, Pierre (Org.). História: novos problemas. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1979.
FONTE: LavraPalavra
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