segunda-feira, 31 de março de 2014

Anita Prestes envia carta à Escola Camponesa da Memória



Aos jovens do Movimento dos Pequenos Agricultores reunidos em Brasília na Escola Camponesa da Memória
Na impossibilidade de comparecer a esse significativo encontro de mais de 100 jovens de 14 estados do Brasil, mobilizados pelo MPA, envio-lhes calorosa saudação, formulando votos de que a participação nos estudos e debates da Escola da Memória contribua decisivamente para a formação de jovens lideres do movimento camponês em nosso país.
O resgate da memória dos “anos de chumbo”, inaugurados pelo golpe civil-militar de 1º de abril de 1964, é de grande importância para o conhecimento dos erros cometidos à época pelas forças de esquerda, condição essencial para que possamos hoje avançar na organização, na mobilização e na conscientização dos trabalhadores brasileiros no processo de formação das forças sociais e políticas capazes de conduzir a revolução brasileira rumo às transformações socialistas, necessárias para a conquista de justiça social e democracia para nosso povo.
         Saudações revolucionárias,
                                                        Anita Leocadia Prestes
                                               Rio de Janeiro, 30 de março de 2014
FONTE: MPA

Por que a data do golpe é 1º de abril de 1964, e não 31 de março

Por Mário Magalhães
Ninguém deveria perder fios de cabelos, colecionar mais rugas e encrencar por conta uma controvérsia que não altera o essencial: em 31 de março ou 1º de abril de 1964, o presidente constitucional João Belchior Marques Goulart foi deposto por um golpe de Estado que fuzilou a democracia e pariu uma ditadura.
A controvérsia não altera o essencial, mas existe.
Algumas versões difundidas recentemente, com o propósito ou não de referendar o dia 31 como “a data”, não encontram lastro nos fatos.
Um historiador afirma que as tropas golpistas do Exército começaram a descer de Minas rumo ao Rio ainda no dia 30 de março de 1964. Falso.
Um jornal sustenta que a queda de Jango ocorreu em 31 de março. Se a data do golpe permite legítimas interpretações, constitui equívoco grave estabelecer o dia 31 como o da saída do presidente.
Um líder estudantil daqueles tempos escreve que a polícia política atacou dirigentes sindicais, reunidos no Rio, na sede de uma entidade de estivadores, ainda em 30 de março. Errado: foi na tarde de 31.
Os três relatos mencionados conspiram para sacramentar 31 de março como o dia do golpe.
Como se sabe, os golpistas sempre defenderam essa, digamos, tese.
Os opositores da ditadura costumam (ou costumavam) preferir 1º de abril, o Dia da Mentira: os golpistas alegaram que apeavam Goulart do poder para salvar a democracia; acabaram por asfixiar as liberdades por 21 anos.
Ignoremos os interesses dos contendores e nos submetamos aos fatos.
As tropas começaram a se mover de Minas só com o dia claro, em 31 de março.
O general Olímpio Mourão Filho narrou que se recolheu aos seus aposentos, em Juiz de Fora, na noite de 30 de março, enquanto Jango discursava no Automóvel Club do Brasil, no Rio.
Comandante da 4ª Região Militar e da 4ª Divisão de Infantaria, Mourão desencadeou o movimento, junto com o general Carlos Luís Guedes. Seu plano era dar a largada na marcha entre 4h e 5h do dia 31.
De manhã, as tropas ainda estavam em Juiz de Fora. Lá, às 7h de 31 de março, o tenente Reynaldo de Biasi Silva Rocha ministrou instrução de combate à baioneta. “Quem quer passar fogo nos comunistas levante o fuzil!”, gritou.
Às 11h30, o chefe do Estado-Maior do Exército, Humberto de Alencar Castello Branco, disse por telefone ao general Guedes, que permanecia em Minas: “A solução é vocês voltarem, porque senão vão ser massacrados”. O general Castello em breve se tornaria marechal e presidente da República.
Ao meio-dia de 31 de março, Jango estava no Rio. No Palácio Laranjeiras, disse que havia “muito boato”, mas nada de concreto, sobre rebelião militar.
Só por volta das 16h15 doze carros do Departamento de Ordem Política e Social pararam em frente ao edifício da Federação Nacional dos Estivadores. Tentaram prender os dirigentes do Comando Geral dos Trabalhadores, mas estes foram socorridos por soldados da Aeronáutica fiéis a Jango.
Até pouco depois do meio-dia de 1º de abril, João Goulart não arredava pé do Palácio Laranjeiras, local dos despachos presidenciais no Rio (a capital já se transferira para Brasília). Como poderia ter sido derrubado na véspera, 31 de março? Por volta das 13h, na 3ª Zona Aérea, Jango embarcou para Brasília.
Só na madrugada de 1º de abril as tropas que decidiriam a parada, as do II Exército, de São Paulo, começaram a se preparar para marchar sobre o Rio. Mas ainda esperavam, como escreveu Elio Gaspari em “A ditadura envergonhada”: “Ao amanhecer do dia 1º de abril Kruel persistia na posição de emparedar Jango sem depô-lo”. O general Amaury Kruel comandava o II Exército.
Sem a adesão de Kruel a deposição do presidente não prosperaria.
Em 1º de abril, prosseguiam em seus postos no Rio oficiais legalistas, submetidos ao comandante-supremo das Forças Armadas, o presidente Jango. Era o caso do general Oromar Osório, comandante da 1ª Região Militar (logo ele voaria para Porto Alegre) e do brigadeiro Francisco Teixeira, comandante da 3ª Zona Aérea.
Só em 1º de abril o Forte de Copacabana passou às mãos dos golpistas. Ao seu lado, o QG da Artilharia de Costa foi tomado às 11h30.
Preocupados com o fato de que golpearam no 1º de abril, oficiais mentiram sobre a data da virada de mesa no Forte de Copacabana, datando 31 num relatório. Assinalou Gaspari: “Na realidade, os acontecimentos se passaram exatamente um dia depois, 27 horas depois de Mourão e sete depois de Kruel”.
Em Minas, muitos golpistas cascateavam ter marchado no dia 31, observou Gaspari: “Com o tempo tanto a adesão do coronel Raymundo [Ferreira de Souza] como a dos oficiais do 1º BC passaram a ser assinaladas como estandartes de uma marcha triunfal e a ser antecipada para a noite do dia 31 pela historiografia do êxito. Apesar das conversas na noite anterior, [o general Antonio Carlos] Muricy só recebeu os pelotões do 1º BC por volta de meia-noite, e a adesão do comandante do 1º RI só se consumou às sete horas da manhã seguinte [1º de abril]”.
Na Cinelândia, à qual uma multidão acorreu para protestar a favor de Jango e da Constituição, a batalha ocorreu na tarde de 1º de abril, e não na véspera. Do prédio do Clube Militar, golpistas abriram fogo, ferindo e matando manifestantes.
O marco da queda de João Goulart é sua partida de Brasília, na noite de 1º de abril de 1964. Ele aterrissou em Porto Alegre de madrugada do dia 2 e resolveu não resistir. Na mesma madrugada, era empossado presidente o deputado golpista Ranieri Mazzilli, que presidia a Câmara.
Fonte insuspeita, o velho general Cordeiro de Farias anotou: “A verdade _é triste dizer_ é que o Exército dormiu janguista no dia 31. E acordou revolucionário no dia 1º”.
Os movimentos em Minas iniciaram mesmo no dia 31 de março. E só. Como o Exército que dormira janguista poderia ter golpeado antes de o sono chegar?
No Rio, onde se concentravam os contingentes das três Forças Armadas, pode-se considerar que o golpe se consumou pelas 16h de 1º de abril. Mais ou menos naquele horário, os tanques do Exército que protegiam o Palácio Laranjeiras o abandonaram e estacionaram centenas de metros além. Passaram a defender o Palácio Guanabara, onde estava o governador golpista Carlos Lacerda.
A data do golpe é 1º de abril de 1964. Os fatos são claros.
Mas, reitero, não valem desinteligências acaloradas.
Na véspera ou no dia seguinte, aconteceu o que, para o bem do Brasil, seria melhor não ter acontecido.

domingo, 30 de março de 2014

50 anos do golpe – Os esqueletos no armário da imprensa grande

A apoteose do revisionismo histórico: sobre o editorial da Folha há meio século do golpe de 1964


Por Demian Melo
Hoje (30 de março de 2014) o jornal Folha de S. Paulo publicou editorial em que busca explicar seu apoio ao golpe de 1964 e à ditadura que se seguiu (disponível aqui). Como já é conhecido pelos pesquisadores, o apoio do Grupo Folha foi mais além de um noticiário favorável à ditadura, tendo chegado a se empenhar na ativa colaboração com a Operação Bandeirantes, cedendo suas caminhonetes para a captura de dissidentes políticos que seriam submetidos à tortura e ao assassinato (sobre isso ver o documentário Cidadão Boilesen,aqui).
Num tom muito mais cínico do que o famoso editorial de O Globo do ano passado, a Folha não se conteve em ensaiar uma suposta autocrítica, e buscou reafirmar as “realizações” da ditadura no campo econômico.

Com seus esqueletos guardados no armário, o passado colaboracionista da grande imprensa agora vem à tona na efeméride do cinquentenário do golpe de 1964. Do mesmo jeito que em O Globo, que em vez de autocrítica enunciou os motivos por ter apoiado o arbítrio, a Folha agora vem concluir seu revisionismo histórico tecendo elogios descarados ao regime ditatorial. Em um dos trechos mais inacreditáveis é possível ler:
“Em 20 anos, a economia cresceu três vezes e meia. O produto nacional per capita mais que dobrou. A infraestrutura de transportes e comunicações se ampliou e se modernizou. A inflação, na maior parte do tempo, manteve-se baixa.Todas as camadas sociais progrediram, embora de forma desigual, o que acentuou a iniquidade. Mesmo assim, um dado social revelador como a taxa de mortalidade infantil a cada mil nascimentos, que era 116 em 1965, caiu a 63 em 1985 (e melhorou cada vez mais até chegar a 15,3 em 2011).”

No meio desse festival de inverdades, o que deve ser importante é considerar que o sentido apologético de tal leitura do passado é hoje defendido por parte de uma historiografia que se pretende “inovadora”. Não estamos falando aqui de gente sem respaldo acadêmico, mas de pesquisadores profissionais com ampla influência acadêmica que vêm na última década produzindo uma leitura normalizada do passado ditatorial, atribuindo, por exemplo, ao período do chamado “milagre” uma “era de ouro para não poucos” (Mais nestes artigos:clique aqui e aqui). Em suma, existe uma historiografia revisionista que dá chancela acadêmica ao jornal da ditabranda…
Demian Melo é historiador.

Aprender Com os Erros do Passado Para Construir um Partido Novo, Efetivamente Revolucionário


Luiz Carlos Prestes

1981


Fonte: Prestes Hoje, Editora Codecri, 1983.
Transcrição e HTML: Fernando A. S. Araújo, dezembro 2006.
Direitos de Reprodução: Autorização. A cópia ou distribuição deste documento é livre e indefinidamente garantida nos termos da GNU Free Documentation License.


É com justo orgulho que os comunistas, seus amigos e simpatizantes comemoram mais um aniversário de fundação [25/3], em nossa terra, do Partido Comunista.

A criação do PC no Brasil — fundado à luz e sob a influência do grande acontecimento histórico que foi a realização da revolução pelo proletariado da Rússia, dirigido pelo Partido Bolchevique, que tinha à sua frente o gênio de Lênin — foi, no fundamental, a consequência necessária do amadurecimento da classe operária que já sentia a necessidade de uma organização política própria, capaz de dirigir as lutas por suas reivindicações de classe e de lutar consequentemeníe por um novo regime político, de realizar transformações sociais profundas que libertem os trabalhadores da exploração de que são vítimas.

Recordamos nesta data o pequeno grupo, constituído, na sua quase totalidade, por operários e dirigentes sindicais (de origem anarco-sindicalista), tendo à frente o intelectual de destaque que foi Astrogildo Pereira, grupo que soube vencer todas as dificuldades e enfrentar mil incompreensões para, voltado para o futuro, fundar em nosso País o primeiro partido político dos oprimidos. Apesar de todas as perseguições, das repetidas vezes que foi considerado totalmente aniquilado pelas forças reacionárias, este partido manteve-se vivo e atuante, sempre ressurgindo com novo e maior vigor, de forma a ser hoje a expressão inédita em nosso País do único partido político que já entra no sexagésimo ano de vida. E isto num país como o nosso, cujo atraso cultural e político está concretamente expresso na falta de organizações políticas estáveis, já que as classes dominantes, para enganar a população, diante de cada crise e da consequente desmoralização de seus partidos políticos, tratam de modificar, na defesa de seus interesses, o nome dos partidos políticos, de reduzi-los, por exemplo, a simples ajuntamentos políticos, como a ARENA e o MDB, para, em seguida, como aconteceu recentemente, em nome de uma chamada reestruturação partidária, dividir a "oposição" de maneira a poder manter, através do voto, o sistema de dominação dos monopólios nacionais e estrangeiros.

Nosso Partido não pode, na verdade, ser eliminado, nem desaparecer, porque é a expressão política da classe mais avançada da sociedade capitalista, aquela que, inexoravelmente, cresce com o próprio desenvolvimento do capitalismo.

Desde sua fundação, nas dezenas de anos decorridos, teve sempre o mérito de levantar e lutar com abnegação pelas principais causas justas dos trabalhadores e das demais camadas sociais oprimidas ou exploradas da população brasileira. Lutou sempre pela melhoria das condições de vida dos trabalhadores, pela limitação da jornada de trabalho, por uma legislação trabalhista mais justa, pela fixação pelo Estado de um salário mínimo, bem como pelo 13º salário e demais reivindicações dos trabalhadores. Foram os comunistas os primeiros a levantar o problema da reforma agrária, lutar pela eliminação do latifúndio, contra as formas pré-capitalistas de exploração dos trabalhadores do campo e pela entrega da terra aos que nela efetivamente trabalham. Coube, também, aos comunistas a iniciativa, em nossa terra, de desmascarar a opressão imperialista e dar passos importantes no caminho da luta contra a exploração do nosso povo pelo capital estrangeiro. Mesmo nas condições da mais brutal repressão policial, exerceram os comunistas papel de destaque na luta em defesa das riquezas naturais da Nação, na luta contra a entrega dos minérios e, em particular, do petróleo aos trustes imperialistas, participando ativamente da histórica campanha pelo monopólio estatal da exploração do petróleo. Nosso Partido, que mobilizou massas em defesa da União Soviética, traiçoeiramente atacada pelo banditismo hitleriano, sendo numerosos os seus membros que participaram do contingente militar que lutou na Itália, após o fim da Segunda Guerra Mundial exigiu que os soldados norte-americanos abandonassem o solo de nossa Pátria e fossem eliminadas as bases militares íanques que durante a guerra foram instaladas em nosso País. Participando sempre de todas as lutas pela redemocratização do País, além de utilizar o voto, tanto na legalidade como nos períodos de maior repressão, os comunistas se fizeram representar na Constituinte de 1946, na qual, apesar do número reduzido de representantes que constituíam a bancada comunista, tiveram papel destacado no esforço para que fossem registrados na Constituição de 1946 os principais direitos democráticos, inclusive o direito de greve para os operários, de tal forma que, apesar das características fundamentais reacionárias da referida Constituição, é ela, no terreno dos direitos civis, a mais democrática que já teve nosso povo. Quando pesou sobre nosso povo a terrível ameaça de fascistização do País, foram os comunistas que tiveram a iniciativa de formar a ampla Aliança Nacional Libertadora e de empunhar armas em defesa da democracia. Apesar dos erros que foram cometidos e que ainda não foram de maneira suficiente analisados, o movimento armado de 1935 representa na vida de nosso Partido o ponto mais elevado de sua atividade política — movimento "Por Pão, Terra e Liberdade" — movimento que por ser patriótico e honesto, não podia, como ensina Lênin, deixar de produzir frutos e de, apesar de derrotado, não ter permitido a implantação de um regime fascista em nosso País.

Com o golpe militar reacionário de 1964, mais uma vez, os comunistas, apesar dos erros cometidos e que contribuíram para a vitória fácil da contra-revolução, continuaram resistindo e lutando pelas liberdades democráticas e souberam travar uma justa luta contra as tendências equivocadas daqueles que se lançaram, inoportunamente, à luta armada. Tanto no período anterior ao golpe, como depois dele, foram numerosos os comunistas que sacrificaram suas vidas na luta pelos interesses da classe operária e do povo. Somente no governo do sr. Dutra, 55 companheiros tombaram sob as balas assassinas da reação e, após 1964, durante o governo do sr, Geisel, morre na tortura o heróico dirigente da Juventude Comunista — José Montenegro de Lima — e são sequestrados e continuam até hoje desaparecidos os membros do CC:

David Capistrano da Costa, Elson Costa, João Massena, Luís Maranhão Filho, Valter Ribeiro, Hiran Pereira, Itair Veloso, Jaime Miranda, Orlando Bonfim e Nestor Veras.

Citando estes nomes que refletem as qualidades máximas do verdadeiro comunista, a honra e a dignidade do soldado do proletariado, queremos aqui homenagear a todos os companheiros que nestes 59 anos de luta, sofreram nas prisões da reação e chegaram muitos deles até ao sacrifício da própria vida pelos interesses dos trabalhadores, por um futuro de felicidade para o povo, da liberdade, independência e progresso para a Pátria. Seu sacrifício não foi em vão e a memória deles estará sempre presente na luta dos comunistas pelo socialismo e pela instauração vitoriosa em nossa Terra da sociedade comunista.

Mas a maior homenagem que a todos podemos prestar consiste, agora, em sermos honestos conosco mesmos, em sermos capazes de reconhecer que não tivemos a capacidade de fazer do PCB um partido efetivamente revolucionário, de transformá-lo na vanguarda da classe operária, na organização política capaz de conduzir os trabalhadores à revolução socialista. No fundamental, o principal erro que cometemos consiste na incapacidade de nossa parte de articular corretamente todas as lutas a que anteriormente nos referimos com uma estratégia efetivamente revolucionária, com uma estratégia que, partindo de uma análise correta da realidade brasileira, apontasse o caminho para o socialismo nas condições de nosso País.

Na verdade, devemos reconhecer que não conhecíamos e fomos incapazes de pôr em prática a grande lição de Lênin:

"É necessário dizer as coisas como elas são: o Programa do Partido deve conter o que é absolutamente indiscutível, o que foi efetivamente comprovado e só então será um programa marxista."

Onde estão, porém, as raízes do erro cometido? Não podemos deixar de reconhecer que elas estão no nosso próprio atraso cultural, como parcela que padece do efetivo atraso cultural da sociedade brasileira, da consequente tendência a copiar ou transferir mecanicamente soluções adotadas para organizações revolucionárias de outros países para o nosso — dogmatismo, portanto —, além de nosso próprio desconhecimento da realidade brasileira, a par de insuficiente conhecimento da teoria marxista-leninista.

Olvidando que nosso país conquistara a independência política no princípio do século XIX e que no fim do século surgira a burguesia industrial, já na época do imperialismo e, por isso, já nascida como uma burguesia dependente e associada do imperialismo, negávamos já em pleno século XX que a formação econômico-social dominante no Brasil fosse a capitalista, embora desde o início marcada como dependente, mas de qualquer forma capitalista.

Víamos o Brasil como um país semicolonial e chegamos a afirmar que dependia da eliminação da dominação imperialista e da liquidação do latifúndio o desenvolvimento do capitalismo no Brasil. Esta falsa apreciação da realidade nos levou, ainda em 1945, a definir o caráter da revolução brasileira como democrático-burguesa, transpondo ao nosso Partido aquilo que Lênin, com acerto, afirmava para as condições da Rússia czarista em 1905.

Negando o caráter capitalista da economia brasileira, aplicávamos mecanicamente e esquematicamente em nosso País as Teses para os países coloniais e semicoloniais aprovadas pelo VI   Congresso da Internacional Comunista.  Isto está expresso com bastante clareza no Manifesto de 5 de julho de 1935, onde, estranhamente, a uma estratégia de direita, porque negava que já se realizara no País a revolução burguesa, adotávamos, simultaneamente, uma tática "esquerdista". Mas é nos documentos da  Conferência da Mantiqueira, de 1943, e nos elaborados a partir de 1945, que se torna mais claro ainda o caráter oportunista de direita da estratégia que adotávamos.

"Insistimos em negar o caráter capitalista da formação social econômica dominante no país. Negando-se à autocrítica dessa estratégia oportunista de direita... o Comitê Central revelou falta de honestidade e incapacidade moral para dirigir o Partido."

Desconhecendo que em qualquer circunstância, numa sociedade capitalista, a contradição fundamental é a existente entre o proletariado e a burguesia, a pretexto da luta contra o nazismo, defendíamos a unidade que "pode e deve ser alcançada em torno do governo constituído, o que aí temos", quer dizer, o Estado Novo getulista. Nos documentos da direção do Partido, já por mim assinados, após a libertação em 1945 dos presos políticos, toda a concepção da unidade nacional que pregávamos estava inteiramente ligada à visão estratégica da luta pelo desenvolvimento do capitalismo na democracia que seria conquistada e assegurada com a vitória mundial sobre o nazifascismo. Insistimos, portanto, em negar o caráter capitalista da formação econômico-social dominante em nosso País, para nós ainda considerado como semicolonial e semifeudal. Apresentávamos, por isso, como contradição fundamental na sociedade brasileira, a existente entre a Nação e o imperialismo. Erro de caráter oportunista, repetido até os documentos do VI Congresso de 1967.

Negando-se à autocrítica dessa estratégia oportunista de direita, o CC não quis compreender que estava superada a Resolução Política do VI Congresso. A proposta a este respeito, feita na reunião de maio de 1979, foi rejeitada com apenas dois votos a favor — o meu e o de outro camarada. Insistia o CC em que a contradição fundamental na sociedade brasileira fosse, ainda, a existente entre a Nação e o imperialismo. Não tomava, nem ao menos, conhecimento da vitória que tiveram as delegações dos Partidos Comunistas e Operários da América Latina, inclusive com a participação do nosso, com a aprovação daResolução dos Partidos Comunistas e Operários — na Conferência Internacional de 1969 — em que já então separamos a análise da situação concreta na maioria de nossos países daquela existente nos países coloniais e semicoloniais da Ásia e África. Reconhece-se naquela Resolução:

"Na América Latina a maioria dos países conquistou a independência estatal nos princípios do século passado; tiveram em conjunto um relativo desenvolvimento capitalista; formou-se, cresce e se forja na luta um numeroso proletariado, tanto na cidade como no campo..."

Negava-se também o CC a tomar conhecimento da Resolução da Conferência dos Partidos Comunistas da América Latina e do Caribe, realizada em 1975 em Havana, que já reconhecia que:

"...O Socialismo é o único sistema capaz de garantir o desenvolvimento verdadeiro da América Latina com o ritmo acelerado que exigem nossos povos..."

Insistindo na estratégia errada, oportunista de direita, que já nos levou, durante tantos anos, a erros na política cotidiana, assim como a profundas deformações na organização do Partido, o CC revelou sua falta de honestidade e sua incapacidade moral para dirigir o Partido.

Tanto mais que é impossível construir um partido efetivamente revolucionário, capaz de enraizar-se na classe operária, se se baseia numa falsa concepção da revolução. Não estará nessa orientação estratégica direítista o completo insucesso na realização do que chegamos a chamar de "Desafio Histórico" na Resolução do VI Congresso? E não revela toda a história do movimento comunista que a falta de combate, de esforços para combater essa estratégia de direita, leva inevitavelmente à traição à classe operária, aos entendimentos espúrios com a reação e seus governantes e também ao anti-sovietismo?

Enfim, as deformações em nosso Partido chegaram a tal ponto que me senti no dever de escrever a "Carta aos Comunistas". Nela chamo a atenção para que saibamos elaborar uma nova estratégia, efetivamente revolucionária, que aponte para a construção do bloco de forças antimonopolistas, capaz de conquistar, sob a direção da classe operária, o poder político — antimonopolista,antiimperialista e antilatifundiário — que abra caminho para o socialismo. Para alcançar essa meta revolucionária, necessitamos construir um novo Partido, efetivamente revolucionário, o que só se alcançará através do trabalho de massas e aplicando uma política correta de alianças, que, através da conquista do mais amplo democratismo, da conquista de uma democracia para as massas, que crie para a classe operária as condições concretas para organizar o bloco de forças antimonopolistas, indispensável para liquidar o poder dos monopólios e de, portanto, abrir caminho para o Socialismo.

Ao entrarmos no sexagésimo ano de nosso Partido, é esta a tarefa principal que enfrentamos, tarefa difícil, mas que será vitoriosa na medida em que os comunistas forem capazes de reconhecer as raízes dos erros que cometeram, que livres da cegueira oportunista dos que defendem postos e só sabem ser comunistas na qualidade de dirigentes, sejam capazes de realizar uma verdadeira autocrítica — única arma de que dispomos para transformar os erros cometidos e as sérias deformações de que padece nossa organização, nos ensinamentos que nos permitirão construir o Partido político de que necessita a classe operária e nosso povo para conquistar a nova sociedade, livre da exploração do homem pelo homem e chegarmos a construir em nosso País a Sociedade Comunista.



“Georg Lukács – La sociedad y el individuo”: Conversación con Leo Kofler (1966)



KOFLER: Señor Lukács, me impresionó ayer extraordinariamente su manera de partir de lo simple para derivar luego a problemas extraordinariamente complejos. Yo quisiera emplear hoy un método similar, comenzando asimismo por problemas un tanto sencillos…

LUKÁCS: Muy bien…

KOFLER: …para progresar hacia otros más complicados. Desde hace bastante tiempo me viene interesando y preocupando una cuestión muy concreta. Se ha convertido en hábito equiparar parcialmente a la ideología con la falsa conciencia y considerar a la conciencia de libres vuelos –es un decir– como idéntica a la no comprometida para extraer de ello determinadas conclusiones ideológicas con respecto a la ideología burguesa. Resulta, en consecuencia, el problema siguiente: a la clase trabajadora, que sigue constituyendo la mitad de la población, se le reprocha, con aire triunfal, que se ha aburguesado. Con ello se quiere indicar lo siguiente: el trabajador tenía antes una falsa conciencia de clase y ahora tiene otra que es correcta, en el sentido de que la adoptada es de signo burgués. Esto entraña una contradicción, en cuanto que se le atribuye en esta nueva situación a la clase trabajadora una conciencia de clase correcta, aliada; pero a la vez, de acuerdo con la definición, se considera que sólo es correcta la conciencia desligada. Tal cosa, tal cualidad contradictoria, ¿es necesaria para la ideología burguesa o es casual?

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Video: “Teoría Marxista de la Política”, por Atilio Borón







En general se han reconocido las contribuciones de Marx al estudio de la economía. Sin embargo, la teoría marxista de la política, inseparable de su análisis económico, también hizo época. En esta charla de la Videoteca Marxista, el politólogo argentino Atilio Boron habla de las contribuciones de Marx y de Engels a la filosofía y ciencia política.

Boron, tras argumentar la vigencia del marxismo, destaca algunos importantes aportes de éste a la teoría política. Entre ellos resalta la recuperación del concepto de la buena sociedad (el comunismo, una sociedad en permanente superación), la caracterización clasista del Estado, el desencuentro entre capitalismo y democracia, y la transitoriedad de todas las instituciones ("la permanente provisoriedad de lo existente").

Boron concluye la charla planteando que las contradicciones materiales en las sociedades latinoamericanas y europeas conducen a situaciones objetivamente revolucionarias. Sin embargo, es necesario un proceso de concientización -- "la batalla de ideas"-- para que el sujeto plural (incluyendo trabajadores, jóvenes, indígenas, campesinos, mujeres, minorías sexuales) se organice alrededor del imperativo de construir una sociedad postcapitalista.


Escolas de Nova York têm maior índice de segregação racial dos EUA

Estudo da UCLA revela modelo "apartheid" na educação: em 32 distritos escolares, pelos menos 19 não têm nem 10% de alunos brancos

Foto histórica dos anos 70 de DJ Afrika Bambaataa no Bronx: negros sofrem com educação precária em Nova York


"Alunos das escolas públicas da cidade estão cada vez mais isolados em grupos étnicos, econômicos e sociais, evidenciando a severa segregação racial de Nova York". Está é a conclusão do estudo divulgado nesta quinta-feira (27/03) pela UCLA (Universidade de Los Angeles, Califórnia) sobre a educação norte-americana. A pesquisa foi feita entre 1989 e 2010 e revela que os problemas educacionais da cidade estão intimamente ligados "à perpetuação da pobreza, à discriminação policial com negros e, principalmente, à separação entre negros e brancos nas escolas." Clique aqui e leia (em inglês) o relatório completo.

De acordo com os autores da pesquisa - Gary Orfield e John Kucsera-, nos 32 distritos escolares da cidade, 19 não tinham, em 2010, nem 10% de alunos brancos. "As pessoas visitam Manhattan e vêem pessoas de todas as raças, de todas as origens e nacionalidades, vão até a Times Square, etc.. Mas não enxergam o que acontece nas escolas", critica Gary Orfield na conclusão do relatório. "Nenhum dos estados do Sul dos Estados Unidos - historicamente considerados locais de alta segregação - chegam sequer perto do que acontece em Nova York", analisa.


O relatório critíca principalmente as "Charter Schools", instituições de ensino que são financiadas pelo governo e administradas por um grupo privado. Elas trabalham com um modelo de gerenciamento "que distancia negros e brancos, pobres e ricos", analisa o relatório. Chamadas de escolas do "apartheid", essas instituições - 183, no total - não tinham em 2010% nem 1% de alunos brancos.


A diferença é tamanha que as escolas com mais de 14,5% de alunos brancos são consideradas multirraciais. "O estado de Nova York reagrupa o maior número de escolas onde reina a segregação", afirmam Gary Orfield e John Kucsera. "A cidade de Nova York, que tem o maior sistema escolar público do país, é um buraco negro da segregação", criticam.



Além de segregação racial, o estudo também aponta a segregação social como grande responsável pelo mau desempenho das escolas públicas "As escolas com grande concentração de pobres e de minorias limitam as oportunidades educativas". "Existem muitos problemas adicionais nesta escolas, como, por exemplo, professores inexperientes, prédios mal conservados e material escolar inadequado.


Em entrevista ao Los Angeles Times, o diretor das "Charter Schools", James Merriman, considerou as conclusões do estudo dos investigadores da UCLA como "injustificadas" e criticou a utilização da palavra "apartheid, que disse ser "odiosa" e contrária à missão de insersão das escolas.



(*) Com informações do Los Angeles Times, UCLA, AFP e NY Times


FONTE: Opera Mundi

sábado, 29 de março de 2014

Arquivo da Revista do IHGB

O Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), a mais antiga e tradicional entidade de fomento da pesquisa e preservação histórico-geográfica, cultural e de ciências sociais do Brasil, fundado em 21 de outubro de 1838, digitalizou e disponibilizou todo o acervo de sua revista, de 1839 a 2012.



Arquivo da Revista do IHGB

LINKS PARA DOWNLOAD: 

Edições do Século XIXhttp://www.ihgb.org.br/rihgb.php?s=19


Edições do Século XXhttp://www.ihgb.org.br/rihgb.php?s=20


Edições do Século XXIhttp://www.ihgb.org.br/rihgb.php?s=21

L'ORDINE NUOVO completo para download

Em abril [de 1919], Gramsci, Tasca, Togliatti e Umberto Terracini decidem criar a revista L'Ordine Nuovo [A Nova Ordem], com o subtítulo "Resenha semanal de cultura socialista". Gramsci é o secretário de redação. Em 1º de maio, sai o primeiro número da revista, que, ao lado do título, traz a seguinte palavra de ordem: "Instruí-vos, porque precisamos da vossa inteligência. Agitai-vos, porque precisamos do vosso entusiasmo. Organizai-vos, porque carecemos de toda a vossa força". Embora seja difundida quase somente em Turim e no Piemonte, a revista passa, em um ano, de 3.000 leitores e 300 assinantes para, respectivamente, 5.000 e 1.100. (Da edição brasileira dos Cadernos)


Rassegna di politica e di cultura operaia.


LINK PARA DOWNLOAD:


Disponível para consulta 10.000 documentos do Departamento de Estado dos EUA sobre o Brasil produzidos entre 1963-73.

Opening the Archives Project é um esforço conjunto da Brown University e da Universidade Estadual de Maringá para digitalizar e indexar 10.000 documentos do Departamento de Estado dos EUA sobre o Brasil produzidos entre 1963-73 e torná-los disponíveis para o público em um site de acesso livre.

Acesse o Brown Digital Repository para efetuar sua pesquisa no acervo digital. Mais documentos estão atualmente sendo adicionados ao banco de dados.


Opening the Archives Project é uma iniciativa ambiciosa organizada pela Brown University e a Universidade Estadual de Maringá para sistematicamente digitalizar e indexar milhares de documentos desclassificados do Departamento de Estado dos Estados Unidos relativos ao Brasil produzidos entre 1960 e 1980. Os documentos podem ser consultados em sites espelho criados por ambas as universidades. Estes sites também apresentarão milhares de páginas de relatórios de inteligência da CIA até então disponíveis exclusivamente na sede do National Archives II, em College Park, Maryland.
Para realizar essa tarefa, o Opening the Archives Project colaborou com o National Archives and Records Administration (NARA), o Arquivo Nacional do Brasil, e com a National Security Archive na George Washington University para preservar documentação histórica essencial através da criação de cópias digitais acessíveis online.
Durante o inverno de 2013, uma equipe de alunos da Brown University e da Universidade Estadual de Maringá escanearam 9.872 documentos do Departamento de Estado sobre o Brasil produzidos entre 1963 e 1973, cerca de metade da documentação para o período sob consideração. O período de 1964 a 1969 foi especialmente turbulento e historicamente significativo para a história brasileira do século XX. Por essa razão, o Opening the Archives Project decidiu concentrar-se neste intervalo para a primeira fase de operações.
Este projeto, com o apoio fundamental da Brown University Libraries, facilita o acesso aberto a uma importante fonte de documentos primários, contribuindo para a reconstrução da história das relações Brasil–Estados Unidos de 1960 a 1980. O Opening the Archives Project reflete o profundo compromisso acadêmico que a Brown University tem com o Brasil e com a construção de colaborações duradouras com parceiros brasileiros, reforçando a meta da universidade de se tornar um dos principais centros para o estudo do Brasil nos Estados Unidos.

Veja como foi a abertura do Circuito 1964, com a palestra da Profª Drª Anita Leocádia Prestes:

Transmissão da palestra “Lutas sociais do povo brasileiro” com a presença de Anita Leocádia Prestes na Câmara Municipal de Juiz de Fora. O evento faz parte do Circuito“1964, Memória, História, Cultura e Resistência – 50 Anos do Golpe” que acontece na cidade de Juiz de Fora dos dias 28 de março a 4 de abril.






Palestra “Lutas sociais do povo brasileiro” com a presença de Anita Leocadia Prestes, na Câmara Municipal de Juiz de Fora. 28/3/2014.


Casa cheia, contando com uma grande participação de jovens e adultos.
Ao final da palestra,  Anita Prestes realiza uma sessão de autógrafos de seu livro "Luiz Carlos Prestes - o combate por um partido revolucionário (1958-1990)". 

sexta-feira, 28 de março de 2014

Otan na Ucrânia é o mesmo que mísseis em Cuba, diz Moniz Bandeira

Em entrevista à Carta Maior, o historiador Moniz Bandeira fala sobre a crise na Ucrânia, suas implicações geopolíticas e possibilidades de escalada.


"A crise na Ucrânia evidencia e confirma a análise da política internacional, consubstanciada em no meu livro A Segunda Guerra Fria - Geopolítica e dimensões estratégicas dos Estados Unidos (Das rebeliões na Eurásia às África do Norte e ao Oriente Médio). A Rússia não vai tolerar que a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) estenda sua máquina de guerra às fronteiras da Rússia, nem que posicione um escudo antimísseis nos territórios da Polônia e da República Tcheca". A avaliação é do cientista político e historiador Luiz Alberto Moniz Bandeira, em entrevista à Carta Maior. A presença da OTAN na Ucrânia, comparou o historiador, representa, para a Rússia, a mesma ameaça que os mísseis em Cuba representavam para os EUA em 1962.

Carta Maior: Qual a sua avaliação sobre os fatos que se sucederam ao plebiscito na Crimeia que decidiu pela anexação dessa região à Rússia?

 Moniz Bandeira: Não houve propriamente anexação, mas, de fato e de direito, uma reincorporação da República Autônoma da Crimeia à Rússia, aprovada por 96,77% dos 83,10% dos votantes, uma participação massiva, no referendum convocado pelo Parlamento regional. Essa península permaneceu virtualmente sob a soberania da Rússia, desde o Tratado de Küçük Kaynarca, firmado com o Império Otomano, em 1774, durante do reinado da imperatriz Catarina II, a Grande (1729 –1796). Como lembrou o presidente Vladimir Putin foram os bolcheviques que, após a revolução de 1917, cederam, sem consideração étnica, territórios russos que formam atualmente o sudeste da Ucrânia, para a qual, em 1954, Nikita Khrushiov, secretário-geral do Partido Comunista da URSS, transferiu, por iniciativa pessoal, a Crimeia, juntamente com Sevastópol. 

A iniciativa de reintegrar-se à Federação Russa constituiu uma reação ao golpe perpetrado pelas storm-troopers, grupos treinados, armados e organizados, militarmente, na Lituânia e na Polônia, com fardas da antiga divisão SS Galitzia (Waffen-Grenadier-Division der SS/galizische SS-Division Nr. 1), formada pelos ucranianos que se aliaram às forças da Alemanha nazista na Segunda Guerra Mundial. Foram essas milícias do Setor de Direita (Pravyi Sektor) e do Svoboda do (Partido Liberdade), que, em fevereiro, conquistaram o poder em Kiev.
 
O politólogo húngaro-americano, George Friedman, presidente da Stratfor, companhia especializada em global intelligence, embora escrevesse que “não sabe o que ocorreu em Kiev”, referindo-se hipocritamente ao putsch contra o presidente Viktor Yanukovych, reconheceu que “houve certamente muitas organizações financiadas com dinheiro americano e europeu que estavam comprometidas com a reforma do governo” (Geopolitical Weekly - March 18, 2014). 

Foram essas ONGs que promoveram as demonstrações - com dois senadores americanos à frente - John McCain (Partido Republicano) e Christopher Murphy (Partido Democrata) – e possibilitaram a captura do poder pelos neonazistas do Setor de Direita e do Svodoba,  discípulos ideológicos de Stepan Andrijowytsch Bandera (1909-1959), anti-semita e anti-russo, aliado de Hitler na Segunda Guerra Mundial. O banqueiro Arseniy “Yats” Yatsenyuk, candidato de Victória Nulands (famosa pela frase “Fuck the EU”), autoproclamou-se primeiro-ministro  e colocou os neonazistas em postos chaves do governo.
 
O almirante Ihor Yosypovych Tenyukh, ministro interino de Defesa da Ucrânia é alto dirigente do Svoboda; Dmytro Yarosh, fundador do Setor de Direito, outro partido neonazista, é o vice-presidente do Conselho de Defesa e Segurança Nacional. O poder em Kiev está, de fato, nas mãos de Oleh Yaroslavovych Tyahnybok, o líder neonazista do Svoboda, inimigo declarado do que chama de “máfia judaico-russa”. Com esse governo ilegal, sem legitimidade, oriundo de putsch, foi que a União Europeia firmou no dia 21 de março um tratado de livre comércio.

Carta Maior: Qual sua avaliação sobre o atual estágio da crise na Ucrânia?

 Moniz Bandeira: Um conhecido meu, que vive em Kiev, relatou, por e-mail, que esses grupos neonazistas, que deram o golpe de Estado, a pretexto de integração com a União Europeia, gritando “democracia” e “liberdade”, continuam a aterrorizar os russos e os e os ucranianos de língua materna russa, bem como os fiéis da Igreja Ortodoxa Russa. Se o governo de Viktor Yanukovych era ruim, corrupto – disse ele - os neonazistas que assumiram o poder são muito piores. São lumpens armados, bandidos, terroristas, e a situação em Kiev continua muito perigosa.
 
A cidade está fervilhando, com milhares da gangs nazistas, de diferentes movimentos locais, absolutamente ensandecidos e estúpidos. E o banditismo e o terror, que atormentam Kiev, atingem quase todas as regiões da Ucrânia. Nas cidades do leste, principalmente em Donetsk e Lugansk, onde predominam os russos e pró-Rússia, os conflitos com as gangs neonazistas não cessam porque a maior parte da população não aceita e não reconhece o governo instalado em Kiev. A Crimeia é a única região onde a situação é boa, calma, não há banditismo nem terrorismo, porque está sob o controle das tropas da Federação Russa.

Carta Maior: Quais as consequências para a Ucrânia e o Ocidente (Estados Unidos e União Europeia) da reincorporação da Crimeia pela Rússia?

Moniz Bandeira: As consequências são várias e complexas e daí a histeria dos Estados Unidos e da União Europeia. A Crimeia é uma das maiores regiões no Mar Negro para a exploração da gás e petróleo. A produção de gás aumentou, em 2013, cerca de 40%, com a abertura dos campos de Odessa e Stormovoe na Bacia do Mar Negro. A extração atingiu o nível de 1,5 bcm por ano. Um dos maiores depósitos de óleo e gás está na área do estreito de Kerch, que liga o Mar Negro ao Mar de Azov. O governo da Crimeia logo anunciou a nacionalização dos gasodutos e campos operados pelas companhias estatais da Ucrânia - ChornomorNaftogaz e Ukrtransgaz – incluindo o subsolo, no litoral do Mar Negro,  e as grandes companhias petrolíferas - Royal Dutch Shell Plc (RDSA), Exxon Mobil Corp. (XOM) Shell e Chevron Corp, Eni Span. (ENI) haviam firmado contratos com o governo de Kiev para a prospecção e exploração de petróleo e gás, nessa região. 

Ao reintegrar a Crimeia à Rússia, o presidente Vladimir Putin deu notável golpe nas pretensões dos Estados Unidos e da União Europeia. Bloqueou o acesso físico de Kiev às virtuais fontes de energia no Mar Negro e assustou as empresas petrolíferas que lá estavam dispostas a investir. Um consórcio, que incluía a Exxon e Royal Dutch Shell Plc (RDSA) planejava investir US$735 perfurar dois campos - Skifska e Foroska - a 80km no sudoeste do litoral da Crimeia. Mas sem a Crimeia, Kiev não mais tem jurisdição sobre seu litoral, e também sobre o Mar de Azov, e a Ucrânia perde importante área submarina, cuja produção de petróleo poderia alcançar o montante de 70 milhões de cru por ano, o que a tornaria menos dependente da Rússia em termos de energia.  

A Ucrânia consome anualmente cerca 55 bilhões de metros cúbicos (bcm) de gás, dos quais 50 por cento importa da Rússia. E a estimativa é a de que as reservas de gás, na bacia do Mar Negro, possam conter de 4 trilhões a 13 trilhões de metros cúbicos. Com um investimento de US$ 8 bilhões a US$9 bilhões, a produção poderia alcançar um nível de 9,7 milhões de metros cúbicos por ano por volta de 2030. O controle dessa riqueza, que os Estados Unidos pretendiam ganhar através da adesão da Ucrânia à União Europeia, passou, juntamente com a Crimeia, para a Rússia. 
 
As companhias petrolíferas terão certamente de fazer novas negociações e aí com as autoridades de Simferopol e de Moscou. A Gazprom já solicitou permissão às autoridades da Crimeia para explorar as reservas do litoral. E a Ucrânia, com uma economia improdutiva, terá outros grandes prejuízos. Necessita de US$ 25 bilhões, em 2014, para cobrir o enorme déficit da conta corrente e pagar aos credores estrangeira. Somente com Rússia, o débito é de US$16 bilhões, conforme informou ao presidente Putin, o primeiro-ministro Dmitry Medvedev, em reunião do Conselho de Segurança da Rússia.  E a dívida com a Gazprom pelo fornecimento de gás alcançou o valor de US$1,8 bilhão em fevereiro de 2014.
 
Porém, suas reservas monetárias somam apenas US$12 bilhões. A perspectiva é de instabilidade social e volatilidade política, sobretudo quando o governo de Kiev aplicar as medidas de austeridades impostas pelo FMI, Estados Unidos e União Europeia para conceder algum bailout.

Carta Maior: Quais foram os fatores determinantes para o golpe que derrubou o presidente Viktor Yanukovych? Qual foi o peso do recuo na assinatura do acordo de livre comércio com a União Europeia? 

Moniz Bandeira: Os fatores foram vários e as ONGs, financiadas por entidades dos Estados Unidos e da União Europeia, e os partidos neonazistas, aproveitaram as péssimas condições domésticas para fomentar as demonstrações na praça Maidan. Porém, um dos principais fatores, foi o fato de que, em 21 de abril de 2010, o presidente Viktor Yanukovych, após ser eleito presidente da Ucrânia contra Yulia Tymoshenko, anunciou um novo acordo, firmado, em Kharkov, com o então presidente da Rússia, Dmitry Medvedev, estendendo o arrendamento da base naval de Sevastópol, no Mar Negro. O acordo, que devia expirar em 2017, foi prorrogado por mais 25 anos, até 2042, com a possibilidade de ser estendido por mais cinco anos. 

Em compensação, a Rússia investiria no desenvolvimento econômico e social de Sevastópol, além de reduzir em 30%, abaixo da cotação do mercado, o preço do gás natural fornecido à Ucrânia, estimado em US$40 bilhões.  O acordo de Kharkov previa, como no tempo da União Soviética, a realização de projetos conjuntos, em setores estratégicos, tais como, inter alia, energia nuclear e aviação, e permitiria a Ucrânia retomar um ritmo sustentável de crescimento.  E, outrossim, o acordo evitava que a Ucrânia aderisse à OTAN, cuja carta impedia que qualquer dos seus membros instalasse bases no seu território, até o fim do arrendamento pela Rússia. A crise, desde então, estava a fermentar, até que a proposta do acordo para a associação da Ucrânia à União Europeia e tratado de livre comércio, por diversos motivos, voltou à agenda em 2013. Esta seria, provavelmente, uma forma de anular o acordo de Kharkov, firmado em 2010.

O presidente Vladimir Putin sempre se manifestou disposto a não tolerar que a OTAN estendesse sua máquina de guerra às fronteiras da Rússia, ameaçando-lhe a posição estratégica, nem o estacionamento do escudo antimísseis nos territórios da Polônia e da República Tcheca.


Ao perceber o objetivo dos Estados Unidos e das demais potências ocidentais, a ameaça implícita nas suas iniciativas militares, visando a assumir o controle do Mediterrâneo e eliminar a influência da Rússia e da China no Oriente Médio e no Magreb, bem como isolar politicamente o Irã, ele restaurou a frota russa, no Atlântico, e expandiu a frota no Mediterrâneo, que passou a contar, a partir de 2012, com onze vasos de guerra – Aleksandr Shabalin, Almirante Nevelskoy, Peresve, Novocherkassk, Minsk, Nikolay Fylchenkov, ademais de um grande  navio anti-submarino -  Almirante Panteleyev – um navio de escolta - Neustrashimy’ -  um navio de patrulha – Smetlivy – e um cruzador  anti mísseis – Moskva. 

A ampliação do porto de Tartus, na Síria, como base naval para sua frota no Mar Negro, já havia começado. E o que os Estados Unidos e os países da Europa certamente pretendiam era instalar em Damasco um governo que acabasse com essa base naval, interligada com a base naval de Sevastópol, no Mar Negro, impedindo o acesso da Rússia às águas quentes do Mediterrâneo. Daí que o presidente Vladimir Putin, com grande habilidade, conseguiu impedir que o presidente Barack Obama cometesse a insensata aventura de bombardear a Síria e forneceu ao governo de Bashar al-Assad os modernos e eficientes sistemas antimísseis - SS-N-26, para a defesa da costa, e o SA-21 (S-300 PMU2) para defesa aérea – a fim de enfrentar qualquer intervenção estrangeira. 

A crise, que voltou a eclodir na Ucrânia, está interligada, de um modo ou de outro, com a situação na Síria, onde o presidente Bashar al-Assad está retomando o controle de todo o país. Inserem-se no mesmo contexto da guerra fria, que recomeçou, após um interregno, uma vez que a política de Washington não se desviou, em nenhum momento, da diretriz traçada pelo general Colin Powell no sentido de impedir a União Europeia de tornar-se uma potência militar, fora da OTAN, e a remilitarização do Japão e da Rússia, e desencorajar qualquer desafio à sua preponderância ou tentativa de reverter a ordem econômica e política internacionalmente estabelecida. (The Military Strategy of the United States – 1991-1992).

Carta Maior: O que o Brasil tem a ver com essa crise? Qual deve ser, na sua opinião, a posição da política eterna brasileira neste caso?

Moniz Bandeira: O Brasil não deve envolver-se na crise da Ucrânia. Seus interesses nacionais e estratégicos não são os mesmos dos Estados Unidos nem da União Europeia. O Brasil tem negócios com a Ucrânia, o projeto da empresa binacional Alcântara Cyclone Space (ACS), firmado em 21 de outubro de 2003. Trata-se de um acordo de cooperação a longo prazo entre os dois países, para entrar no mercado internacional de lançamentos espaciais. O município de Alcântara, no Maranhão, apenas 2° ao sul da Linha do Equador – onde é maior a velocidade de rotação da Terra – permite um impulso natural para o voo do foguete e possibilita a realização de lançamentos para qualquer direção a partir de um único ponto. 

A Ucrânia iria fornecer a tecnologia e os equipamentos, que antes fabricava para a União Soviética, nas indústrias situadas no leste, particularmente em Donetsk e Lugansk. Esse projeto, embora sofresse atraso devido aos problemas financeiros da Ucrânia, que não pôde integralizar o capital, havida sido ultimamente retomado.
 
Os Estados Unidos, porém, sempre foram contra e, se controlam o governo de Kiev, podem inviabilizá-lo. Por outro, o Brasil não pode reconhecer uma governo ilegal, sem legitimidade, e manifestar-se contra a Rússia, que não cometeu nenhuma agressão contra a Ucrânia. A Criméia já era uma República Autônoma, dentro da Ucrânia, e seu Parlamento decidiu, legalmente, convocar um referendum e a maioria esmagadora votou pela reunificação com a Rússia, que não a invadiu. Suas tropas já estavam dentro em Sevastópol, na Crimeia, uma República Autônoma, de conformidade com o acordo de Kharkov.

Carta Maior: O presidente Putin ganhou mais uma disputa do presidente Obama, como ocorreu no caso da Síria? A política externa da Rússia está melhor preparada neste momento?

 Moniz Bandeira: Sim. O presidente Vladimir Putin é o maior estadista da atualidade. Ganhou mais um lance no xadrez da política internacional. A Rússia tem uma larga experiência e é mais pragmática. A diplomacia nos Estados Unidos é conduzida, porém, por amadores, embriagados pela ideologia do “excepcionalismo” da América, como “the indispensable nation”. E, embora haja nos Estados Unidos notável elite acadêmica e intelectual, com profundo e claro conhecimento dos outros países, a América profunda ignora o resto do mundo. E é essa América profunda, que elege a maioria do Congresso e, portanto, influi também na política exterior, mais e mais militarizada, com base na crença da invencibilidade do seu poderio militar, conquanto, como reconheceu o próprio ex-presidente Bill Clinton, os Estados Unidos não tenham vencido nenhuma guerra desde 1945. 

O fato de que o presidente Barack Obama se afoitou e logo reconheceu o governo instalado em Kiev pelos neonazistas e recebeu na Casa Branca o autoproclamado primeiro-ministro da Ucrânia, o banqueiro Arseniy “Yats” Yatsenyuk, evidenciou sua incapacidade como chefe de governo e de Estado. Esse governo não é legal, não tem legitimidade e, qualquer que seja a evolução da crise, o status quo na Ucrânia inevitavelmente se manterá. A situação na Ucrânia é extremamente volátil. E o que é doloroso é ver que a União Europeia se deixa subordinar pelos Estados Unidos, avassalada por meio da OTAN, convertida em gendarme global, cujos comandantes dão opiniões, fazem ameaças e ditam diretrizes políticas, como se fossem chefes de Estados. As sanções contra a Rússia são inócuas. Não reverterão à Crimeia à Ucrânia. Trata-se de um fato consumado.  E, se as sanções forem realmente efetivadas, afetarão, sobretudo, as economias da França e da Alemanha, onde se prevê que a suspensão das encomendas militares da Rússia levará mais de 350.000 trabalhadores ao desemprego. 

Carta Maior: Parece haver um lobby se constituinte na imprensa brasileira e ocidental contra a posição da Rússia. Como o senhor vê o comportamento da mídia neste caso?

Moniz Bandeira: Um grande amigo meu escreveu-me que “é muito preocupante notar que a imprensa e TV ocidentais escamoteiam completamente a situação na Ucrânia, que já me fora relatada por outros residentes em Kiev. Esses meios de comunicação, que temos parecem os da Alemanha nazista ou a dos países comunistas! Vivemos como no filme "Farenheit 452"...” Esse filme, dirigido e lançado em 1966, por François Truffaut, constituiu uma adaptação da novela de Ray Bradbury, mostrando o futuro da sociedade americana, onde os livros seriam proibidos e destruídos por autocombustão do papel. 

No governo do presidente George W. Bush (2001-2009), Donald Rumsfeld, como secretário de Defesa, criou sigilosamente dentro do Pentágono, o Office of Strategic Influence (OSI), com a tarefa de consistiu em manipular a opinião pública, com falsas informações, e promoverpsychological operations (PSYOP), o mesmo objetivo do Ministério da Informação Popular e Propaganda do Reich nazista, dirigido por Joseph Goebbels, autor da lição de que “uma mentira deve ser somente muitas vezes repetida e então ela se torna crível” (Eine Lüge muss nur oft genug wiederholt werden. Dann wird sie geglaubt). O MI6 — Secret Intelligence Service (SIS) — do Reino Unido possui igualmente uma para Information Operations (I/Ops) encarregada de planejar as operações de guerra psicológica, como antes faziam a Special Political Action (SPA) e o Information Research Department (IRD). Esses órgão têm como função, inter alia, plantar, na imprensa, falsas estórias, rumores e desinformação, por meio deoff-the-record briefing e double-sourcing, i.e., confirmadas por outro agente contratado para essa função. A remuneração era paga a editores, via um offshore bank em acessível paraíso fiscal. Todo esse processo eu demonstro, documentadamente, em meu livro A Segunda Guerra Fria - Geopolítica e Dimensão Estratégica dos Estados Unidos (Das rebeliões na Eurásia à África do Norte e ao Oriente Médio).

Carta Maior: Na sua avaliação, há o risco de uma escalada militar nesta crise?

Moniz Bandeira: Em uma confrontação militar entre a Rússia e os Estados Unidos há sempre o risco de uma escalação da guerra convencional para o uso de armas nucleares.  Daí que um confronto militar entre os Estados e a Rússia afigura-me absolutamente impossível, ademais de que, ao que tudo indica, o eleitorado americano não esteja a favor de qualquer envolvimento na Ucrânia. O povo alemão também. De qualquer forma, a instalação de base militar da OTAN na Ucrânia a Rússia não aceitará. A ameaça à segurança da Rússia equivale, na percepção do presidente Vladimir Putin, à mesma que o estabelecimento de plataformas de mísseis em Cuba representava para os Estados Unidos, em 1962.  

 A Rússia não é nenhuma potência emergente. É uma antiga potência, que derrotou as forças de Napoleão e de Hitler. Herdou, como sucessora jurídica, vasto arsenal estratégico e não-estratégico (tático) de armas nucleares da extinta União Soviética, mais ou menos cerca de 1.800 ogivas nucleares estratégicas operacionais, reservas de 2.700, contra 1.950 operacionais e 2.500 de reserva dos Estados Unidos. Possui atualmente 558 plataformas estratégicas, com capacidade para carregar 2.500 ogivas nucleares, e disparar novos mísseis balísticos intercontinentais (ICBMs) – seis variantes, entre os quais R-36M2, UR-100NUTTH, Topol-M e Yars. Também dispõe de novos submarinos nucleares estratégicos, com mísseis balísticos (SSBN), o projeto 667BDR Kalmar, baseados na frota do Pacífico, em Rybachiy, e seis projetos 667BDRM Delfin, integrando a frota do Nordeste na baía de Yagelnaya. 

O poderio nuclear da Rússia é mais ou menos igual ao dos Estados Unidos. A União Soviética não foi militarmente derrotada. O que esbarrondou foi um regime socialista estatal, autárquico, dentro de uma economia mundial de mercado. E não creio na possibilidade de showdown militar da OTAN com a Rússia, nem mesmo com forças convencionais. Cerca de 60% do abastecimento de gás da União Europeia passa pela Ucrânia e seria, necessariamente, destruído. É provável, entretanto, que ocorram conflitos militares locais. 

As províncias do leste da Ucrânias, sobretudo, Donetsk e Lugansk tendem fortemente a realizar plebiscito para reintegrar-se à Rússia com a qual tem estreitos laços não apenas étnicos, mas econômicos. E Moscou pode intervir se o governo de Kiev, que não conta com o apoio de toda a população, e seus partidários intensificarem a repressão contra a os que se manifestam pró-Rússia no leste ou em outras regiões da Ucrânia. De modo geral, a perspectiva não é tranquila em toda a região. É imprevisível.


FONTE: Carta Maior