sexta-feira, 30 de setembro de 2011

A quem serve o propalado "profissionalismo imparcial" dos grandes meios de comunicação???

Fidel rebate as declarações de Barack Obama, que afirmou esta semana não ver "genuíno espírito de transformação" em Cuba

O ex-presidente cubano Fidel Castro rebateu as declarações do presidente noret-americano, Barack Obama, de que os EUA ainda não viram "um genuíno espírito de transformação dentro de Cuba".

"Muitas coisas mudarão em Cuba, mas por nosso esforço, e apesar dos EUA. Talvez o império seja derrubado antes", disse Fidel no seu mais recente artigo, "La vergüenza supervisada de Obama", no qual chamou o presidente norte-americano de "tonto".

 
Clique no título abaixo para ler o texto de Fidel Castro:
 
 

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

“O rei está nu!”


Por Rodrigo Dantas*

“Nas últimas semanas, ruas e praças foram tomadas por milhares de pessoas que protestam contra o governo”. Uma notícia como esta poderia se referir hoje a dezenas de países: Azerbaijão, Chile, China, Espanha, EUA, Filipinas, Grécia, Indonésia, Israel, Itália, Portugal, Reino Unido, Rússia, Tailândia, Bahrein, Egito, Jordânia, Marrocos, Líbia, Síria, Palestina, Tunísia, Iêmen etc. O ano de 2011 ainda não chegou ao fim, mas será lembrado pela derrubada dos governos da Tunísia e do Egito e o início da Revolução Árabe. Este ano de 2011 será lembrado ainda por marcar o início das ocupações de praças e dos grandes protestos na Europa, na esteira da maior crise do capitalismo mundial no pós-guerra, em que o “Pacto do Euro” pretende rebaixar salários e aposentadorias, cortar gastos e serviços públicos, privatizar o que resta para ser privatizado e liquidar o que sobrou do Estado Social para alimentar o sistema rentista e parasitário da divída estatal.



A se julgar pelo que nos educou nas últimas décadas, algo está “fora da ordem” que nos ensinaram a imaginar como a única possível. Durante décadas, ouvimos da mídia e da maioria dos ideólogos e intelectuais que estaríamos destinados a uma longa era de prosperidade econômica e estabilidade política global. Durante décadas, aprendemos que a sociedade de mercado seria a forma natural da sociabilidade humana; sua globalização, na esteira da restauração do capitalismo na URSS, no Leste Europeu e na China, estaria destinada a desenvolver as forças produtivas, incorporar bilhões de pessoas ao consumo de massas e inaugurar uma era em que os progressos que haviam sido feitos na Europa, nos EUA e no Japão seriam estendidos a todo o mundo na “sociedade do conhecimento”. Durante décadas, foi este o discurso dos intelectuais, dos políticos, dos governos, da universidade e dos meios de comunicação. Durante décadas, ouvimos o eco deste discurso na voz de figuras como Michel Foucault, Jürgen Habermas e todos que alardearam a necessidade da criação de uma nova esquerda. Durante décadas, ouvimos o eco deste discurso na voz de muitos daqueles que foram os partidos, intelectuais e dirigentes da revolução. Se suas previsões tivessem se confirmado, as pessoas não teriam motivo para ir às ruas, e não estaríamos em meio àquela que está caminhando para se tornar a maior crise da história do capitalismo mundial.



O mito do fim da história não passou de uma racionalização ideológica que acobertou a instauração da ditadura global dos “mercados”. O que estamos vivendo decididamente não é um processo pelo qual o mundo se torna cada vez mais próspero e estável. Em meio a uma crise ambiental que coloca em xeque a existência da humanidade, a maior crise da história do capitalismo no pós-guerra começou nos EUA e na Europa, enredou a economia global numa montanha de créditos e divídas impagáveis, e ameaça levar de roldão as conquistas duramente arrancadas pelos trabalhadores nesse período. Europa, EUA e Japão passam por uma queda cada vez mais acentuada dos padrões de vida de suas populações, sem que isso signifique um enriquecimento geral dos países onde habitam mais de 80% da população mundial. Ali onde o desenvolvimento das forças produtivas permitiria que vivêssemos todos em paz, com conforto e liberdade, as leis do mercado se encarregam de empobrecer as pessoas, empilhar armamentos de destruição em massa e devastar o planeta para sustentar um processo de concentração de riqueza e poder, como jamais existiu na história.



Neste quadro, o que importa considerar não é que as pessoas saem às ruas por diversos motivos. Não é o fato de que no mundo árabe se trata da luta pelas liberdades democráticas, no Chile, da luta contra a privatização da educação, na Europa, da luta pela preservação dos salários, direitos, empregos e serviços públicos. O que nos importa considerar é que, para além destes diferentes motivos, há sempre a mesma luta para salvaguardar as condições de existência das pessoas diante da destrutividade (econômica, social, ecológica, etc.) inerente ao capitalismo. O que nos importa considerar é que, para além das diversas circunstâncias que produzem estes processos de luta, encontramos o mesmo abismo entre governantes e governados, a mesma falência dos governos, regimes e suas instituições, a mesma falência das antigas organizações da juventude e dos trabalhadores, em sua grande maioria perfeitamente integradas à sociedade e ao Estado burguês. Para nós, o que importa considerar é que, por detrás das diferentes situações vividas por cada um destes países, encontramos a mesma realidade de um Estado que se tornou refém dos “mercados”, de uma economia e uma sociedade que se tornaram reféns da lógica cada vez mais auto-destrutiva da reprodução ampliada do capital. Para nós, o que importa considerar é que, por trás das diversas razões, anseios e reivindicações que possam ser invocados por estes processos de luta, o que une todos eles é a precisão de encontrar uma saída, a necessidade comum de lutar pela própria vida, a necessidade histórica de lutar por direitos e necessidades que os “mercados” não poderão jamais atender.



Temos assim um novo ponto de partida para o pensamento e a ação num mundo que desmente categoricamente tudo o que nos ensinaram sobre uma longa era de prosperidade global. Vivemos num mundo que se torna cada vez mais consciente de que produzimos, cotidiana e compulsoriamente, em escala planetária, as condições concretas de nossa própria auto-destruição. Vivemos num mundo em que a vida da maioria das pessoas, a consciência da maioria das pessoas, os direitos e necessidades da maioria das pessoas estão em contradição cada vez mais explosiva com os governos, com os regimes políticos e com o próprio sistema global do capital. Vivemos num mundo em que se torna cada vez mais evidente que “o rei está nu”. Neste mundo, uma antiga pergunta volta a nos interpelar nas ruas e nas praças: como reinventar o mundo para que nele possamos caber todos?



*Professor de ética e filosofia política da UnB


FONTEJornal da Adufrj - 721 - 20/09/2011

terça-feira, 27 de setembro de 2011

Fidel volta a publicar reflexões e critica discurso de Obama na ONU

O ex-presidente cubano Fidel Castro afirmou em um artigo publicado ontem que o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, fez um discurso "confuso" na semana passada, na Assembleia-Geral da ONU, ocasião em que a Palestina pleiteou seu ingresso como Estado-membro da instituição.

Desde julho, Fidel, 85, não escrevia, o que alimentou rumores de que sua saúde estaria deteriorada. No texto publicado na página http://www.cubadebate.cu/ ele diz que fez uma pausa "as atividades que nesses dias ocupavam a "totalidade" de seu tempo para dedicar umas palavras à "singular oportunidade que oferece à ciência política" a reunião das Nações Unidas.

Fidel se referiu a Obama ironicamente como "ilustre Prêmio Nobel da Paz", por suas palavras sobre o Oriente Médio. "Apesar dos métodos fascistas dos EUA para enganar a opinião mundial, a resistência dos povos cresce", afirmou. A intervenção da Otan na Líbia foi classificada por ele como "genocídio" realizado pelos EUA e seus aliados.

O cubano ainda elogiou os discursos dos presidentes venezuelano, Hugo Chávez, e boliviano, Evo Morales.

Clique nos títulos abaixo para ler os recentes artigos de Fidel Castro:




Teológico-político

POR VLADIMIR SAFATLE



"Pense globalmente, aja localmente." Este era um dos slogans mais repetidos por qualquer manual de administração de empresas nos anos 90. O filósofo Slavoj Zizek demonstrou como a política externa dos EUA na primeira década do século 21 seguiu um imperativo inverso: "Pense localmente, aja globalmente".


De fato, boa parte das intervenções norte-americanas na política mundial parece ser orientada por problemas domésticos. Um exemplo trágico é o conflito Israel-Palestina.


Desde que assumiu o poder, Obama reiterou sua disposição em lutar por um Estado palestino. Logo nos primeiros meses de seu governo, ouvimos suas exigências claras sobre o congelamento da política de construção de assentamentos na Cisjordânia. Meses atrás, ele afirmou que a negociação sobre tal Estado deveria partir das fronteiras definidas pela ONU em 1967.


Tudo isso não passou de palavras vazias. Agora, Obama vetará pateticamente uma proposta de reconhecimento do Estado palestino que ele mesmo havia enunciado, na ONU, como objetivo a ser alcançado neste ano. O argumento é que as condições ainda não estariam dadas, já que, para Obama, um Estado não pode ser reconhecido se não for fruto de negociação com a potência que ocupa seu território.


Seguindo tal argumento inacreditável, o Kosovo nunca seria reconhecido como país. Mas os EUA foram um dos primeiros a reconhecê-lo.


O governo Netanyahu disse claramente que um Estado palestino nas fronteiras de 1967 é inaceitável. Ele não afirmou algo como: só aceitamos se houver garantias substantivas de completo desarmamento do Hamas, se pudermos operar conjuntamente a segurança de zonas sensíveis do novo Estado etc. A posição foi simplesmente: não há negociação sobre este ponto. Depois disso, há de se perguntar o que resta a negociar.


A posição dos EUA nessa questão, na contramão de praticamente todo o resto do mundo, só é explicável pelas idiossincrasias de sua política interna. Se Obama é incapaz de pressionar seu aliado a encarar o caráter insustentável da situação, isto não se deve só à influência dos grupos norte-americanos de pressão ligados à comunidade judaica.


O problema é mais espinhoso. Sua raiz deve ser procurada no terreno teológico e na aliança entre os messianismos evangélicos e judaicos. Faz parte da mentalidade evangélica hegemônica no chamado "Bible Belt" a crença em uma certa "comunidade de destino" entre os representantes do Velho e do Novo Testamento.


Algo que o Partido Republicano sabe muito bem e não tem medo de instrumentalizar. Triste é pensar que tópicos sensíveis da política internacional estejam à mercê de influências dessa natureza.

 
FONTE: Folha de São Paulo, 27 de setembro de 2011.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Dois lados de uma mesma história

Será a Comissão da Verdade mais um passo para tudo ficar como está ou será, de fato, o primeiro passo da construção de um espaço de busca da verdade sobre o que ocorreu durante a ditadura militar?

O que substituirá a social-democracia?

Immanuel Wallerstein afirma: ilusão num capitalismo “humanizado” persiste; converteu-se em crença nos BRICs; perdurará até surgimento de novo projeto transformador.


Por Immanuel Wallerstein



A social-democracia teve seu apogeu no período entre 1945 e o final dos anos 1960. Naquele momento, representou uma ideologia e um movimento que lutaram pelo uso dos recursos do Estado para assegurar alguma distribuição em favor das maiorias, de distintas formas concretas. Expansão dos sistemas de Saúde e Educação. Garantia de níveis de renda ao longo da vida, por meio de programas que atenderam às necessidades dos sem-emprego, particularmente as crianças e idosos. Programas para reduzir o desemprego. A social-democracia prometeu um futuro sempre melhor para as gerações seguintes, algo como a elevação permanente da renda nacional e das famílias. Chamou-se isso de “estado do bem-estar social”. Era uma ideologia que refletia o ponto de vista segundo o qual o capitalismo poderia ser “reformado” e assumir uma face mais humana.



Os social-democratas foram particularmente poderosos na Europa Ocidental, Grã-Bretanha, Austrália e Nova Zelândia, Canadá e Estados Unidos (onde eram chamados Democratas do New Deal). Em outras palavras, nos países ricos do sistema-mundo, aqueles que poderiam ser chamados de integrantes do mundo pan-europeu. Seu sucesso foi tão vasto que seus oponentes à direita também adotaram o conceito de estado do bem-estar social, limitando-se a reduzir sua abrangência e seus custos. No resto do mundo, os estados tentaram pular no bonde por meio de projetos de “desenvolvimento nacional”.



A social-democracia foi um projeto muito bem-sucedido durante este período. Tornou-se viável graças a duas realidades daquele tempo: a incrível expansão da economia-mundo criou os recursos que fizeram a redistribuição possível; e a hegemonia dos Estados Unidos no sistema-mundo assegurou relativa estabilidade e, em especial, a ausência de violência grave no interior desta zona rica.



O quadro cor-de-rosa não durou. Ambas as realidades se esgotaram. A economia-mundo deixou de se expandir e entrou em longa estagnação, na qual ainda vivemos; e os Estados Unidos iniciaram seu longo, ainda que lento, declínio enquanto potência hegemônica. Ambas realidades aceleraram-se consideravelmente no século 21.



A nova era iniciada nos anos 1970 viu o fim do consenso centrista em torno das virtudes do estado de bem-estar social e do “desenvolvimento” estimulado pelo Estado. Tal consenso foi substituído por um nova ideologia mais à direita — chamada de neoliberalismo, ou Consenso de Washington — que sustentava os méritos da gestão da sociedade pelos mercados, mais que pelos governos. Afirmou-se que este programa baseava-se na realidade, supostamente nova, da “globalização”, diante da qual “não havia alternativa”.



A implementação dos programas neoliberais parecia favorecer altos níveis de “crescimento” nos mercados de ações, mas ao mesmo tempo levou, em todo o mundo, a níveis crescentes de endividamento e desemprego – e a níveis mais baixos de renda para a vasta maioria das populações do planeta. Ainda assim, os partidos que haviam sido os pilares os programas social-democratas, à esquerda, moveram-se para a direita, retirando ou reduzindo o apoio ao estado do bem-estar social e aceitando que o papel dos governos reformistas deveria ser reduzido consideravelmente.



Embora os efeitos negativos sobre a maioria das populações fossem sentidos mesmo no interior do mundo pan-europeu rico, eles afetaram de modo mais agudo o resto do mundo. Que seus governos fizeram? Começaram a tirar partido do declínio relativo econômico e geopolítico dos Estados Unidos (e, mais amplamente, do mundo pan-europeu). Focaram em seu próprio “desenvolvimento nacional”. Usaram o poder de seus aparatos de estado e seus custos de produção mais baixos para se converter em nações “emergentes”. Quanto mais à esquerda estivessem sua retórica, e mesmo seu compromisso político, mais eles mostraram-se determinados a “desenvolver”.



Esta atitude poderá ajudá-los, como fez em realação aos países do mundo pan-europeu no período pós-1945? Não é nem um pouco certo que sim, apesar das impressionantes taxas de “crescimento” de algumas destas nações – particularmente os tão-falados BRICs (Brasil, Rússia, Índia, China) – nos últimos cinco ou dez anos. Porque há sérias diferenças entre o atual estado do sistema-mundo e o vivido no imediato pós-1945.



Primeiro, os custos de produção são hoje, apesar dos esforços dos neoliberais, consideravelmente maiores que os do período pós-1945, o que ameça as possibilidades reais de acumulação de capital. Isso torna o capitalismo um sistema menos atraente para os capitalistas. Os mais sagazes, dentre estes, estão procurando meios alternativos de assegurar seus privilégios.



Segundo, a capacidade das nações emergentes para ampliar, a curto prazo, sua riqueza exerce grande pressão sobre os recursos necessários para atender suas necessidades. Surgiu, em consequência, uma corrida sempre crescente por terras, água, alimentos e recursos energéticos. Ela está levando a lutas ferozes e, ao mesmo tempo, reduzindo a capacidade global dos capitalistas em acumular capital.



Terceiro, a enorme expansão da produção capitalista criou sérias pressões sobre a natureza em todo o mundo, a ponto de provocar uma crise climática, cujas consequências ameaçam a qualidade de vida em todo o mundo. Este processo desencadeou um movimento que busca questionar as virtudes do “crescimento” e do “desenvolvimento”, enquanto objetivos econômicos. A exigência crescente de uma perspectiva “civilizacional” diferente é o que está sendo chamado, em países da América Latina, de movimento pelo “bien vivir”.



Quarto, as demandas de grupos subalternos por participação real nos processos de tomada de decisões dirigem-se não apenas aos “capitalistas”, mas também aos governos de “esquerda” que estão promovendo o “desenvolvimento” nacional.



Quinto, a combinação de todos estes fatores, mais o declínio visível do antigo poder hegemônico gerou um clima de flutuações constantes e radicais, tanto na economia-mundo quando na situação geopolítica. O resultado foi a paralisia tanto dos empreendedores quanto dos governos do mundo. O grau de incerteza – no longo e no curto prazo – elevou-se acentuadamente, e com ele o nivel real de violência.



A solução social-democrata tornou-se uma ilusão. A questão é: que irá tomar o seu lugar, para a vasta maioria das populações do planeta?



As ideias estéticas de Marx



Autor: Adolfo Sánchez Vázquez



Número de páginas: 272


ISBN: 978-85-7743-178-6


Editora: Expressão Popular


Categoria: Pensamento estético

 
 
 
Responsável pela organização de duas antologias que se tornaram referência para os pesquisadores da área – Estética e marxismo (a ser publicado futuramente por esta editora), 1970, e Textos de estética e teoria da arte, 1972 –, Sánchez Vázquez elaborou materiais que lhe conferiram uma destacada posição neste domínio. Mas a primeira sistematização das suas concepções estéticas – fundamento de toda a sua reflexão posterior – veio à luz ainda em 1965: As ideias estéticas de Marx. E é precisamente este texto que a Editora Expressão Popular põe novamente à disposição do leitor brasileiro, inserindo-o na sua coleção “Arte e sociedade”.




O exame deste livro, publicado originalmente numa quadra histórica em que o marxismo se renovava ao se desembaraçar das contrafações próprias do período stalinista, revela a fecundidade do legado marxiano no trato do objeto estético. A partir de uma criativa (e, por isto mesmo, polêmica) interpretação de Marx, Sánchez Vázquez recupera o potencial crítico e heurístico de suas ideias, expondo a sua riqueza e a sua atualidade para uma análise da arte que articule a sua contextualização sócio-histórica com a abordagem da sua especificidade estética. A relação arte/sociedade capitalista ancora o conjunto das reflexões de Sánchez Vázquez, oferecendo-lhe a base para a tematizar algumas das questões essenciais nela implicadas.

(...)
 
José Paulo Netto
 
 

domingo, 25 de setembro de 2011

A íntegra do discurso de Mahmoud Abbas na ONU

Texto integral oficial do discurso do presidente Mahmoud Abbas na ONU em 23/9/2011



Sr. Presidente da Assembleia Geral das Nações Unidas,
Sr. Secretário-Geral das Nações Unidas,
Excelências, senhoras e senhores,

 
Antes de mais nada, eu gostaria de dar meus parabéns para o Sr. Nassir Abdulaziz Al-Nasser por ter aceitado a presidência da Assembleia para esta sessão, e lhe desejo todo sucesso.

 
Reafirmo hoje meus sinceros parabéns, em nome da Organização para a Libertação da Palestina e do povo palestino, para o governo e o povo do Sudão do Sul por sua merecida admissão como membro pleno das Nações Unidas, desejando-lhes progresso e prosperidade.

 
Felicito também o Secretário-Geral, Sr. Ban Ki-moon, por sua eleição para um novo mandato à frente da Organização das Nações Unidas. Essa renovação da confiança reflete o reconhecimento do mundo por seus esforços, o que fortaleceu o papel das Nações Unidas.



Excelências, senhoras e senhores,

A Questão Palestina está intrinsecamente relacionada com as Nações Unidas, por meio das resoluções aprovadas por seus diversos órgãos e agências e pelo papel essencial e elogiável da United Nations Relief and Works Agency for Palestine Refugees in the Near East [Agência das Nações Unidas de Ajuda Humanitária e Emprego para os Refugiados Palestinos no Oriente Médio] - UNRWA - que representa a responsabilidade internacional em relação à situação dos refugiados palestinos, vítimas da Al-Nakba (catástrofe) de 1948. Aspiramos e buscamos um papel maior e mais eficaz para as Nações Unidas no que diz respeito ao trabalho para alcançar uma paz justa e abrangente em nossa região, que assegure os inalienáveis, legítimos direitos nacionais do povo palestino, tal como definido pelas resoluções de legislação internacional das Nações Unidas.

 
Excelências, senhoras e senhores,

 
Um ano atrás, nesta mesma época, líderes eminentes, neste salão, dirigiram os esforços de paz, estagnados em nossa região. Todos tinham grandes esperanças para uma nova rodada de negociações sobre o estatuto final, que começara no início de setembro em Washington, sob os auspícios diretos do presidente Barack Obama e com a participação do Quarteto, e com a participação do Egito e da Jordânia, para chegar a um acordo de paz em um ano. Entramos nessas negociações com corações abertos, ouvidos atentos e intenções sinceras, e estávamos prontos, com nossos documentos, artigos e propostas. Mas as negociações fracassaram apenas algumas semanas após seu lançamento.

 
Depois disso, não desistimos e mantivemos nossos esforços em relação a iniciativas e contatos. Ao longo do ano passado deixamos não deixamos de bater em nenhuma porta, tentamos todos os canais, tomamos todos os caminhos e abordamos todos os aspectos formais ou informais de influência e estatura. Consideramos, positivamente, as várias idéias e propostas e iniciativas apresentadas por muitos países e partidos. Mas todos esses esforços sinceros empreendidos pelas partes internacionais foram repetidamente destruídos pelas posições do governo israelense, que rapidamente acabou com as esperanças suscitadas pelo lançamento das negociações em setembro passado.

 
A questão central aqui é a recusa do governo israelense em comprometer-se com os termos de referência para as negociações, que se baseiam no direito internacional e nas resoluções das Nações Unidas, [governo] que freneticamente continua a intensificar a construção de colônias no território do Estado da Palestina.

 
As atividades relacionadas às colônias representam o núcleo da política de ocupação militar colonial das terras do povo palestino e toda a brutalidade da agressão e da discriminação racial contra o nosso povo que essa política acarreta. Essa política, que constitui uma violação do direito humanitário internacional e das resoluções das Nações Unidas, é a principal causa para o fracasso do processo de paz, o colapso de dezenas de oportunidades, e o enterro das grandes esperanças que surgiram quando da assinatura da Declaração de Princípios, em 1993, entre a Organização para a Libertação da Palestina e Israel, no sentido de alcançar uma paz justa que daria início a uma nova era em nossa região.

 
Os relatórios das missões das Nações Unidas, bem como de várias instituições israelenses e das sociedades civis, transmitem uma imagem terrível sobre o tamanho da campanha de colonização, da qual o governo israelense não hesita em se gabar e que continua a executar por meio do confisco sistemático de terras palestinas e da construção de milhares de unidades de novas colônias em diversas áreas da Cisjordânia, especialmente em Jerusalém oriental, e da construção acelerada do Muro de anexação, que consome grandes extensões da nossa terra, dividindo-a em ilhas separadas e isoladas e cantões, destruindo a vida familiar, as comunidades e os meios de subsistência de dezenas de milhares de famílias. A potência ocupante também continua a recusar licenças para nosso povo construir na Jerusalém oriental ocupada, ao mesmo tempo que intensifica sua campanha de décadas de demolição e confisco de casas, desalojando os proprietários e residentes palestinos no âmbito de uma política multifacetada de limpeza étnica destinada a empurrá-los para longe de sua pátria ancestral. Além disso, foram emitidas ordens para a expulsão de representantes eleitos da cidade de Jerusalém. A potência ocupante também continua a realizar escavações que ameaçam nossos lugares santos, e seus postos de controle militar [checkpoints, no original] impedem nossos cidadãos de ter acesso a suas mesquitas e igrejas, e continua a cercar a Cidade Santa com um círculo de colônias destinadas a separar a Cidade Santa do resto das cidades palestinas.

 
A ocupação corre contra o tempo para redesenhar as fronteiras de nossa terra, de acordo com o que quer, e para impor um fato consumado que muda a realidade e que está minando a possibilidade real da existência do Estado da Palestina.

 
Ao mesmo tempo, a potência ocupante continua a impor o seu bloqueio à Faixa de Gaza e a atingir alvo civis palestinos em assassinatos, ataques aéreos e bombardeios de artilharia, persistindo com a sua guerra de agressão de três anos atrás, em Gaza, que resultou na destruição maciça de casas, escolas, hospitais e mesquitas, e em milhares de mártires e feridos.

 
A potência ocupante também continua suas incursões em áreas da Autoridade Nacional Palestina por meio de ataques, prisões e assassinatos nos checkpoints. Nos últimos anos, as ações criminosas das milícias de colonos armados, que gozam da proteção especial do exército de ocupação, intensificou-se com a perpetração de ataques freqüentes contra nosso povo, tendo como alvo casas, escolas, universidades, mesquitas, campos, plantações e árvores. Apesar de nossas repetidas advertências, a potência ocupante não agiu para conter esses ataques, e nós a consideramos totalmente responsável pelos crimes dos colonos.

 
Estes são apenas alguns exemplos da política de ocupação colonial israelense, e essa política é responsável pelo fracasso continuado das sucessivas tentativas internacionais para salvar o processo de paz.

 
Essa política destruirá as chances de alcançar a solução de dois Estados, sobre a qual há consenso internacional, e aqui eu faço uma advertência em voz alta: a política de colonização ameaça também minar a estrutura da Autoridade Nacional Palestina e até mesmo acabar com sua existência.

 
Além disso, enfrentamos atualmente a imposição de novas condições, não apresentadas previamente, condições que vão transformar o conflito que grassa na nossa inflamada região num conflito religioso e numa ameaça para o futuro de um milhão e meio de palestinos cristãos e muçulmanos, cidadãos de Israel, tópico que rejeitamos; é-nos impossível aceitar ser arrastados [para esse conflito].

 
Todas essas ações, tomadas por Israel em nosso país, são unilaterais e não têm base em nenhum dos acordos anteriores. Na verdade, o que testemunhamos é uma aplicação seletiva dos acordos, destinada a perpetuar a ocupação. Israel reocupou as cidades da Cisjordânia por meio de uma ação unilateral, e restabeleceu a ocupação civil e militar por meio de uma ação unilateral, e é Israel que determina se um cidadão palestino tem ou não o direito de residir em qualquer parte do território palestino. E está confiscando nossa terra e nossa água e obstruindo nosso movimento, bem como a circulação de mercadorias. E é Israel que obstrui nosso destino. Tudo isso é unilateral.

 
Excelências, senhoras e senhores,

 
Em 1974, nosso falecido líder Yasser Arafat veio a esta sala e garantiu aos membros da Assembleia Geral a nossa busca afirmativa pela paz, pedindo que as Nações Unidas reconhecessem os direitos nacionais inalienáveis do povo palestino, afirmando: "Não deixe o ramo de oliveira cair de minha mão ".

 
Em 1988, o presidente Arafat novamente se dirigiu à Assembléia Geral, reunida em Genebra para ouvi-lo, e apresentou o programa de paz aprovado pelo Conselho Nacional Palestino na sessão realizada naquele ano na Argélia.

 
Quando adotamos esse programa, estávamos dando um passo doloroso e muito difícil para todos nós, especialmente para aqueles que, como eu, foram forçados a deixar suas casas e suas cidades e aldeias, levando apenas alguns dos nossos pertences, nossa dor, nossas lembranças e as chaves de nossas casas para os campos de exílio e para a diáspora da Nakba de 1948, uma das piores operações de desenraizamento, de destruição e de remoção de uma sociedade vibrante e coesa, que vinha contribuindo de modo pioneiro e protagonista no renascimento cultural, educacional e econômico do Oriente Médio árabe.

 
No entanto, porque acreditamos na paz e por causa de nossa convicção na legislação internacional, e porque tivemos a coragem de tomar decisões difíceis para o nosso povo, e na ausência absoluta de justiça, decidimos adotar o caminho da justiça relativa - justiça que é possível e que poderia corrigir parte da grave injustiça histórica cometida contra nosso povo. Assim, concordamos em estabelecer o Estado da Palestina em apenas 22% do território da Palestina histórica - em todo o território palestino ocupado por Israel em 1967.

 
Ao dar esse passo histórico, bem acolhido pelos Estados do mundo, fizemos uma enorme concessão a fim de alcançar um compromisso histórico que permitisse que a paz fosse feita na terra da paz.

 
Nos anos que se seguiram – a partir da Conferência de Madri e nas negociações de Washington que levaram ao acordo de Oslo, assinado há 18 anos no jardim da Casa Branca e relacionado com as cartas de reconhecimento mútuo entre a OLP e Israel –, perseveramos e tratamos de maneira positiva e responsável todos os esforços para a realização de um acordo de paz duradouro. No entanto, como dissemos antes, todas as iniciativas e conferências, cada nova rodada de negociações e cada movimento, foram destruídos na rocha do projeto israelense de expansão da colonização.

 
Excelências, senhoras e senhores,

 
Confirmo, em nome da Organização para a Libertação da Palestina, o único representante legítimo do povo palestino, que permanecerão assim até o fim do conflito, em todos os seus aspectos e até a resolução de todas as questões do estatuto final, os pontos seguintes:

 
1. O objetivo do povo palestino é o reconhecimento de seus ​​direitos nacionais inalienáveis em seu Estado independente da Palestina, com Jerusalém oriental como capital, em todas as terras da Cisjordânia, incluindo Jerusalém oriental e Faixa de Gaza – que Israel ocupou na guerra de junho de 1967 –, em conformidade com as resoluções de legislação internacional e com o reconhecimento de uma solução justa e acordada para a questão dos refugiados da Palestina, em conformidade com a Resolução 194, de acordo com o estipulado na Iniciativa Árabe de Paz, que apresentou a solução do consenso árabe para resolver o núcleo do conflito árabe-israelense e alcançar uma paz justa e abrangente. A isso aderimos e é isso que trabalhamos para alcançar. Alcançar a paz desejada também exige a libertação de prisioneiros políticos e detidos em prisões israelenses sem demora.

 
2. A OLP e o povo palestino aderiram à renúncia da violência e rejeitam e condenam o terrorismo em todas suas formas, especialmente o terrorismo de Estado, e aderiram a todos os acordos assinados entre a Organização de Libertação da Palestina e Israel.

 
3. Aderimos à opção de negociar uma solução duradoura para o conflito, de acordo com as resoluções da legislação internacional. Aqui, eu declaro que a Organização para a Libertação da Palestina está pronta para retornar imediatamente à mesa de negociações, baseada nos termos de referência adotados com base na legislação internacional e da cessação completa das atividades de colonização.

 
4. Nosso povo continuará sua resistência popular pacífica à ocupação israelense, bem como à colonização, às políticas de apartheid e à construção do muro de anexação racista, e recebem apoio por sua resistência, o que é compatível com o direito humanitário internacional e com as convenções internacionais, e contam com a ajuda de pacifistas de Israel e de todo o mundo, refletindo um exemplo impressionante, inspirador e corajoso da força desse povo indefeso, armado apenas com seus sonhos, coragem, esperança e palavras de ordem diante de balas, tanques, gás lacrimogêneo e buldôzeres.

 
5. Ao trazer nossa situação e nosso caso a este pódio internacional, confirmamos a nossa confiança na opção política e diplomática, confirmamos que não tomaremos medidas unilaterais.Nossos esforços não são destinados a isolar ou deslegitimar Israel; queremos ganhar legitimidade para a causa do povo da Palestina. Apenas visamos deslegitimar as atividades da colonização, da ocupação, do apartheid e a lógica da força implacável, e acreditamos que todos os países do mundo estão conosco a esse respeito.

 
Estou aqui para dizer, em nome do povo palestino e da Organização para a Libertação da Palestina: estendemos nossas mãos ao governo e ao povo israelense para construir a paz. Digo-lhes: vamos com urgência construir juntos um futuro para nossas crianças, em que elas possam desfrutar de liberdade, segurança e prosperidade. Vamos construir as pontes do diálogo em vez de checkpoints e muros de separação, e construir relações de cooperação com base na paridade e na equidade entre dois Estados vizinhos – Palestina e Israel – em vez de políticas de ocupação, colônias, guerra e eliminação do outro.

 
Excelências, senhoras e senhores,

 
Apesar do direito inquestionável de nosso povo à autodeterminação e à independência de nosso Estado, conforme estipulado nas resoluções internacionais, aceitamos, nos últimos anos, o engajamento no que parecia ser um teste da nossa dignidade, direito e elegibilidade. Nos dois últimos anos, nossa autoridade nacional implementou um programa de construção das instituições de nosso Estado. Apesar da situação extraordinária e dos obstáculos impostos pelos israelenses, lançamos um projeto sério e extenso, que incluiu a implementação de planos para aprimorar e fazer avançar o judiciário e o aparato para a manutenção da ordem e da segurança, para desenvolver os sistemas administrativo, financeiro e de supervisão, para atualizar o desempenho das instituições e aumentar a autossuficiência, para reduzir a necessidade de ajuda externa. Com o grato apoio dos países árabes e as doações de países amigos, uma série de grandes projetos de infraestrutura têm sido executados, com foco em vários aspectos do serviço, e com especial atenção às zonas rurais e marginalizadas.


Em meio a esse grande projeto nacional, temos reforçado o que, buscamos, sejam as características do nosso Estado: a preservação da segurança do cidadão e da ordem pública, para a promoção da autoridade judicial e do estado de direito; o fortalecimento do papel das mulheres por intermédio de legislação, leis e participação; a garantia à proteção das liberdades públicas e o fortalecimento do papel das instituições da sociedade civil; a institucionalização de regras e regulamentos para assegurar a responsabilidade e a transparência no trabalho de nossos ministérios e departamentos; o enraizamento dos pilares da democracia como base para a vida política palestina.

 
Quando a divisão atingiu a unidade, as pessoas e as instituições de nossa pátria, estávamos determinados a adotar o diálogo para a restauração da nossa unidade. Conseguimos, meses atrás, alcançar a reconciliação nacional e esperamos acelerar sua implementação nas próximas semanas. O pilar central dessa reconciliação foi que ela voltasse para o povo por intermédio de eleições legislativas e presidenciais em um ano, porque o Estado que queremos será um Estado caracterizado pelo império da lei, pelo exercício democrático e a proteção das liberdades e da igualdade de todos os cidadãos, sem discriminação, e a transferência de poder por meio das urnas.

 
Os relatórios emitidos recentemente pela Organização das Nações Unidas, pelo Banco Mundial, pelo Ad Hoc Liaison Committee (AHLC) e pelo Fundo Monetário Internacional confirmam e elogiam o que foi realizado, considerando-o um modelo notável e sem precedentes. A conclusão de consenso da AHLC, há poucos dias, descreveu o que foi realizado como uma "notável história de sucesso internacional" e confirmou a disposição do povo palestino e suas instituições para a independência imediata do Estado da Palestina.

 
Excelências, senhoras e senhores,

 
Não é mais possível corrigir o problema do bloqueio do horizonte das negociações de paz com os mesmos meios e métodos de insucesso repetidamente testados e comprovados nos últimos anos. A crise é muito profunda para ser negligenciada, e o mais perigoso são as tentativas de simplesmente contorná-la ou adiar sua explosão.

 
Não é nem possível, nem prático, nem aceitável retornar à negociação, como de costume, como se tudo estivesse bem. É inútil entrar em negociações sem parâmetros claros e na ausência de credibilidade e de um calendário específico. As negociações serão insignificantes enquanto o exército de ocupação continuar a consolidar a ocupação em vez de encerrá-la, e continuar a mudar a demografia de nosso país a fim de criar uma nova base sobre a qual alterar as fronteiras.

 
Excelências, senhoras e senhores,

 
Este é o momento da verdade e meu povo está esperando para ouvir a resposta do mundo. Ele permitirá que Israel continue com a ocupação, a única ocupação do planeta? Permitirá a Israel manter-se como um Estado acima da lei e da responsabilidade? Permitirá a Israel continuar rejeitando as resoluções do Conselho de Segurança, da Assembléia Geral das Nações Unidas, da Corte Internacional de Justiça e as posições da esmagadora maioria dos países do mundo?

 
Excelências, senhoras e senhores,

 
Estou diante de vocês hoje, [vindo] da Terra Santa, a terra da Palestina, a terra de mensagens divinas, da ascensão do Profeta Muhammad (que a paz esteja com Ele), o local de nascimento de Jesus Cristo (a paz esteja com Ele), para falar em nome do povo palestino, em sua pátria e na diáspora, para dizer, depois de 63 anos de sofrimento da Nakba em curso: basta. É tempo de o povo palestino ganhar sua liberdade e independência.

 
Chegou a hora de acabar com o sofrimento e a situação difícil de milhões de refugiados palestinos na pátria e na diáspora, alguns deles forçados a refugiar-se mais de uma vez em diferentes lugares do mundo, de acabar com seu deslocamento e de reconhecer os seus direitos.

 
Num tempo em que os povos árabes afirmam sua busca pela democracia – a Primavera Árabe –, a hora é agora para a Primavera Palestina, o tempo da independência.

 
Chegou a hora de nossos homens, de nossas mulheres e crianças terem uma vida normal, para que sejam capazes de dormir sem esperar pelo pior que o dia seguinte trará; para que as mães tenham certeza de que seus filhos voltarão para casa, sem medo de sofrer prisão, morte ou humilhação; para que os estudantes sejam capazes de ir para suas escolas e universidades sem checkpoints. Chegou o momento de as pessoas doentes serem capazes de chegar aos hospitais normalmente, e de nossos agricultores serem capazes de cuidar de sua boa terra sem medo de que a ocupação confisque seu terreno e sua água, aos quais o muro impede o acesso, ou o medo dos colonos, para os quais as colônias vêm sendo construídas em nosso território, e que arrancam e queimam oliveiras centenárias. O tempo chegou para os milhares de prisioneiros serem libertados das prisões, a fim de voltar a suas famílias e a seus filhos, para tomar parte na construção de sua pátria e da liberdade que sacrificaram.

 
Meu povo deseja exercer seu direito de desfrutar de uma vida normal, como o resto da humanidade. Eles acreditam naquilo que o grande poeta Mahmoud Darwish disse: Estar aqui, ficar aqui, permanente aqui, eterno aqui, e temos um objetivo, um, um: ser.

 
Excelências, senhoras e senhores,

 
Nós apreciamos e valorizamos profundamente as posições de todos os Estados que apoiaram a nossa luta e nossos direitos, e que reconheceram o Estado da Palestina na sequência da Declaração de Independência, em 1988, bem como os países que recentemente reconheceram o Estado da Palestina e aqueles que elevaram o nível de representação da Palestina nas suas capitais. Também saúdo o Secretário-Geral, que disse há poucos dias que o Estado palestino deveria ter sido estabelecido anos atrás.

 
Tenham a certeza de que esse apoio, para nosso povo, é mais valioso do que vocês possam imaginar, pois isso os faz sentir que alguém ouve suas narrativas e que sua tragédia, os horrores da Nakba e da ocupação, pelas quais tem sofrido tanto, não estão sendo ignorados. Isso reforça sua esperança, que deriva da crença de que a justiça é possível neste mundo.A perda de esperança é o inimigo mais feroz da paz e o desespero é o mais forte aliado do extremismo.

 
Digo: o tempo chegou para o meu povo corajoso e orgulhoso, depois de décadas de deslocamento, de ocupação colonial e de sofrimento incessante, viver como outros povos da terra, livre em uma pátria soberana e independente.

 
Excelências, senhoras e senhores,

 
Gostaria de informar que, antes de entregar esta declaração, submeti, na qualidade de Presidente do Estado da Palestina e Presidente do Comitê Executivo da Organização para a Libertação da Palestina, para o Sr. Ban Ki-moon, Secretário-Geral das Nações Unidas, o pedido de admissão da Palestina, com base nas fronteiras de 4 de junho de 1967, com Al-Quds Al-Sharif [Jerusalém oriental] como sua capital, como membro pleno das Nações Unidas.

 
Peço ao Sr. Secretário-Geral para agilizar a transmissão de nosso pedido ao Conselho de Segurança, e apelo aos ilustres membros do Conselho de Segurança a votar a favor da nossa adesão plena. Apelo também aos Estados que ainda não reconheceram o Estado da Palestina a fazê-lo.

 
Excelências, senhoras e senhores,

 
O apoio dos países do mundo a nosso esforço é uma vitória da verdade, da liberdade, da justiça, da lei e da legislação internacional, oferece um grande apoio para a opção de paz e aumenta as chances de sucesso das negociações.

 
Excelências, senhoras e senhores,

 
Seu apoio para o estabelecimento do Estado da Palestina e para sua admissão nas Nações Unidas como membro pleno é a maior contribuição para a paz na Terra Santa.

 
Agradeço a todos.

 
Tradução: Baby Siqueira Abrão

sábado, 24 de setembro de 2011

Para enterrar o pinochetismo de vez


Movimento por educação pública no Chile acumula forças e almeja a uma constituinte para superar a estrutura construída na ditadura

Fábio Nassif
de Santiago (Chile)

Este foi um 11 de setembro diferente para o Chile. O roteiro se repetiu, mas agora em um clima político que colocou com mais força as ideias daquele governo interrompido em 1973. A marcha organizada por entidades de direitos humanos reuniu cerca de 5 mil pessoas, que caminharam até o cemitério onde se localiza o monumento de executados e desaparecidos políticos. O colorido das organizações políticas passou aos poucos diante do imenso mural de nomes a serem homenageados. No túmulo do ex-presidente Salvador Allende, as flores foram deixadas, músicas cantadas e sua presença lembrada. O mesmo para o cantor Victor Jara.



Em determinado momento do ato, a polícia iniciou a repressão diante da juventude que montava barricadas na avenida do cemitério. E, como forma de intimidação física e moral, invadiu o cemitério com caminhões de água, cavalos, camionetes e todas as suas armas. Mais de 20 carros desfilavam em meio às homenagens.


O movimento que permanece mobilizado, descartou o calendário de negociação proposto pelo governo. A Confederação de Estudantes do Chile insiste que o tema do fim do lucro na educação deve estar sobre a mesa. O Brasil de Fato entrevistou o professor do departamento de Ciências Históricas da Universidade do Chile, Gabriel Salazar. O reconhecido historiador apresentou um panorama dos elementos econômicos que sustentam o modelo chileno e justificam as mobilizações, além de contextualizar a ampliação do movimento para outros setores da sociedade. Acompanhe a seguir:



Brasil de Fato - Quais são as razões econômicas destes protestos estudantis?



Gabriel Salazar – Tem a ver com o fato de que basicamente, neste país tem que se pagar um preço muito alto pela educação, em todos os níveis: básica, média e superior. Nos patamares mais altos do mundo depois dos Estados Unidos. E isso acabou sendo uma carga muito pesada para o conjunto das famílias chilenas. Porque, por exemplo, a mensalidade de uma universidade é aproximadamente 200 mil pesos. E o salário mínimo, que é a média do que recebem das famílias mais pobres é ao redor de 200 mil. Ou seja, poderiam entregar a totalidade do seu ganho para pagar uma única mensalidade. E os colégios secundaristas pagos também se paga quantia parecida. Existe uma educação básica e média gratuita que é a educação municipal, mas o governo entrega muito pouco recurso e ela não tem a infraestrutura adequada, os professores não tem condições adequadas, não há instâncias de formação. Ou seja, o Estado diminui cada vez mais o apoio à educação pública. É quase irrisório. Então, ela deve se auto-financiar como se fosse uma universidade privada. Está incluído também o caso de um aluno que consegue crédito público – com aval do Estado mas se paga aos bancos – para financiar seu estudo superior. Ao terminar seu estudo está com uma dívida, que equivale mais ou menos – por conta das taxas de juros – a cinco ou seis vezes a quantia real que deveria ter pago. É absurdo que o estudante termine com uma dívida acumulada de 20, 30 e até 40 milhões de pesos. É impossível pagar isso com o salário daqui. As razões econômicas deste movimento são muito potentes. Isso significa que o objetivo da mobilização é desmercantilizar a educação e evitar o lucro.



Considerando que esta dívida passa pelos familiares e são de muito longo prazo, são elementos que podem significar uma ampliação dos setores envolvidos nas mobilizações? Qual a capacidade do governo em fazer remendos econômicos para segurar isso?



O problema é que o preço da educação afeta a todas as classes sociais, inclusive as com maiores condições que devem pagar todos os anos de 3 a 4 milhões de pesos para a educação de um filho, sendo que ele tem quatro ou cinco filhos.



Se este governo aplicar uma política de desmercantilização e eliminação do lucro da educação, ele teria também que aplicá-la na saúde – onde acontece a mesma coisa -, e nos espaços de trabalho – que também estão regidos por um critério de mercado. Se este governo tentasse seriamente resolver o problema da educação só sobre o aspecto econômico e financeiro seria um suicídio dele mesmo. Então ele teria que mudar todo o modelo, e não pode porque o é mercantil financeiro, está baseado na inflação da taxa de juros através dos créditos. Esse é o modelo chileno, não é a indústria. Por isso que a máxima oferta do governo foi abaixar um pouquinho a taxa de juros. É a típica mentalidade de um comerciante: abaixo um pouco a taxa, mas sigo lucrando. E por isso que tenta negociar, fala em diálogo, sentar para conversar. Estamos a mais de três meses conversando e zero solução.



Como vê o diálogo do movimento estudantil com outros setores da classe trabalhadora e qual o papel que este tem cumprido até agora?



Tem sido muito importante em toda a história do Chile que a pressão para mudar um sistema injusto tem vindo sempre da juventude. Em particular da juventude estudantil, tanto secundária como universitária. Isso se deve porque a sociabilidade juvenil não pode ser regulada por nenhuma lei ou código. Os jovens sempre encontram uma forma para organizar-se, dentro ou fora da universidade, que podem gerar movimentos como este. Não acontece o mesmo com os trabalhadores no Chile. Eles têm em cima o que se chama Plano de Trabalho, um código de trabalho estabelecido na época de Pinochet na ditadura que está absolutamente pensado primeiro para privilegiar sempre a empresa acima dos direitos dos trabalhadores. Se a empresa diz “bom, preciso despedir estes trabalhadores” nada os impede. Podem expulsar os trabalhadores que não lhes convêm.



Por outro lado, o próprio funcionamento da economia aponta que as empresas tendem a se subdividir e fragmentar em pequenas empresas. Cada empresa pequena pode contratar muito poucos trabalhadores, e por lei, para que haja um sindicato, tem que ter um número determinado de trabalhadores. Ou seja, as empresas se desintegram para quebrar por baixo isto e impedir a possibilidade de sindicalização. E é por isso que a CUT não tem realmente peso específico nem em respeito à construção na base dos trabalhadores e menos ainda com projeto político. Vimos a paralisação de dois dias convocada pela CUT e praticamente o país seguiu funcionando. O que parou foram os estudantes, o serviço público que está mais avançado, mas os trabalhadores e operários foram muito pouco, quase nada. O problema é que a ditadura se encarregou de destruir a Central Unificada dos Trabalhadores. Por isso que a CUT tem sido muito debilitada, somado ao fato de que a direção dos trabalhadores se assimilou muito ao governo da Concertación, que é neoliberal.



Por isso que esta mobilização é iniciada pelos estudantes e tem tido um apoio sobretudo espontâneo, sindicatos independentes – não os da CUT -, população, professores, profissionais. Ou seja, um apoio transversal. Claro, a CUT, tendo em vista a massividade do movimento devido à expansão que o movimento estudantil fez à cidadania, a CUT chama uma paralisação nacional. Mas está claro que o peso foi dos estudantes. Então, há um aspecto débil da mobilização cidadã é que os trabalhadores estão manejados pelo Plano de Trabalho, pela gerência deixada por Pinochet nas organizações das empresas e a destruição dos sindicatos. Esta é uma tarefa pendente. Mas, se por aí está difícil de organizar, a cidadania está por si só se organizando em assembleias territoriais, de bairro, de regiões, deliberando autonomamente. Aí o movimento estudantil tem um sócio muito importante.



Acredita que esta é uma forma mais avançada de organização?



Está se desenvolvendo pouco a pouco. Acredito que neste momento o movimento está criando raízes nestas assembleias locais, de bairros ou regionais que estão se multiplicando por todas as partes. Isso é uma forma organizativa inédita na história contemporânea do Chile. Alguma vez existiu no passado, mas na história contemporânea é nova. São realmente cidadãs, e tendem a excluir os partidos políticos e aos próprios políticos. Então, isso significa uma espécie de descarte, desqualificação e deslegitimação da classe política civil.


Estão descartando as representações políticas tanto do governo como da Concertación. Isso é um fenômeno novo, muito importante porque se sustenta em uma cultura cidadã que vem se criando e fortalecendo desde Pinochet para cá. São quarenta anos de aprendizagem e auto-organização. Mas, ao mesmo tempo, como é um movimento novo, tem muito o que aprender. Tem muito o que fortalecer para poder abrir um caminho novo que leve ao que eles querem, que é uma nova constituição política. Querem eliminar a Constituição de Pinochet que é a que nos rege.



Acredita que este movimento tem potencialidade para avançar e construir um projeto político de esquerda distinto dos projetos dos partidos políticos institucionais que estão sendo rechaçados?



Este movimento traz uma cultura social própria que vem se desenvolvendo desde a época de Pinochet, precisamente porque os cidadãos, sobretudo os setores populares e a juventude popular, tiveram que organizar-se por si mesmos para resistir à ditadura, para resolver os problemas gerados pelo mercado ou a ausência de um Estado social protetor. Então vem se desenvolvendo uma cultura de sobrevivência que se expressa musicalmente, nos teatros populares, auto-educação, escolas próprias. Inclusive está aparecendo também propostas de criar entidades produtivas, empresas populares. Por exemplo tem aparecido já umas empresas que são construtoras de moradia administradas pela própria população. Então tem uma aprendizagem de autonomia, de desenvolvimento de um poder próprio, que não é só de resistência mas também cultural, de mercadorias e também agora produtivo. Traz assim muitos sinais de soberania. É nesse sentido que está crescendo.



Isto está se desenvolvendo e pouco a pouco vai se construindo um projeto político, um projeto de Estado diferente, que obviamente não está finalizado pois estamos em uma etapa muito inicial.



Acredita que tem um aspecto anticapitalista ou antineoliberal explícito?



É mais do que tudo antineoliberal. E anticapitalista no aspecto do capital comercial, financeiro que tem mercantilizado toda a educação, saúde, etc, e trabalha em taxas de juros altíssimas – no Chile é na ordem dos 35% a 55% anual. A maior crítica chega ao capitalismo deste tipo. No Chile, sempre houve uma certa simpatia popular pelo capitalismo produtivo, desenvolvimento industrial e tudo que seja trabalho produtivo porque isso dá emprego.



Acredita que, depois de Allende, ditadura e 20 anos de Concertación, podemos dizer que este é um novo período histórico?



Eu acredito que sim. Porque o neoliberalismo se instalou no Chile com a ditadura de fato por volta dos anos de 1975 com os chamados Chicago Boys – os economistas que estudaram na Universidade de Chicago e foram totalmente influenciados pelo pensamento neoliberal. O modelo de neoliberalismo chileno é mais extremo do que o norte-americano. Então temos 35 anos de trajeto deste modelo que a esta altura já estão muito expostas suas insuficiências e contradições sobretudo no plano social.



O modelo neoliberal no Chile este vivendo um período de agonia, pelo lado humano, porque pelo lado econômico vai se estender mais. Mas o que antecede é a cidadania. E isso a cidadania está colocando limites, está querendo trocá-lo, e por isso que todo falam em eliminar esta constituição política. Em Ponta Negra por exemplo, todas as marchas terminaram na praça central para queimar a Constituição política. É um sinal de que querem mudanças. Então se termina um período histórico e se inicia outro. Qual? Esse é o problema.



Palestina: o direito de ser


"Temos um objetivo: ser. E seremos"
(Mahmoud Abbas, Presidente da Autoridade Nacional Palestina; na ONU)
 

O anticomunismo, arma estratégica da ideologia burguesa*

Por Manuel Gusmão


A ideologia burguesa é a ideologia da burguesia. Dizer isto parece ser uma banalidade sem consequências ou uma mera tautologia. Mas talvez não o seja. É que uma das características básicas da ideologia burguesa consiste em recusar que seja uma ideologia e que seja referida a um sujeito social preciso, a burguesia.


Assim, a maior parte das vezes, a ideologia burguesa tenta fazer-se passar por uma espécie de senso comum, ou por uma difusa doxa, uma espécie de «opinião pública» que atravessasse as fronteiras entre as diferentes classes. Todas essas formas de se considerar a si mesma, comportam gestos que visam recusar e dificultar a sua percepção como ideologia, ou seja, um conjunto de representações, imagens do mundo e valores que exprimem os interesses e as necessidades de reprodução das condições de existência de uma determinada classe social.


A ideologia burguesa funciona, assim, como um conjunto de «evidências» destinadas a promoverem uma (falsa) consciência de si no mundo e na sociedade, por parte de indivíduos vivendo numa sociedade de classes antagônicas.


Uma outra das suas características básicas que visa também dificultar a sua percepção como ideologia, que representa os interesses, os desejos e os fantasmas de uma classe social, manifesta-se no seu caráter intensamente contraditório, flexível, destinado a adaptar-se a um número extensível de conjunturas e a diferentes funções - sujeito.


Sendo social e coletivamente produzida, a ideologia burguesa funciona como uma banca onde se vão buscar estruturas pré-fabricadas de sentidos que asseguram aos indivíduos uma estruturação e uma afirmação de si próprio como sujeito. Podemos dizer que o indivíduo abstrato burguês é um produto das relações de produção capitalistas e da ideologia burguesa que se apresenta como um pensamento que seria uma função de tal sujeito. Ou seja, a ideologia burguesa constitui um sujeito ilusoriamente criador de um pensamento, que é de fato fabricado algures.


O anticomunismo é uma das formações da ideologia burguesa de conteúdo mais virulento e agressivo. O que aqui pretendemos não é identificar todas as variantes do anticomunismo, mas apenas algumas, que estão mais ativas no nosso país [Portugal] e em circunstâncias eleitorais.


1) Sobre o tema do Trabalho

 
A – Os comunistas são apontados como os principais responsáveis pelo caráter atrasado da nossa economia, porque "não querem e não deixam os outros trabalhar", "só fazem greves e não querem que se aumente a competitividade das empresas".


B – Os comunistas são «produtivistas»: privilegiam a quantidade da produção, em vez da qualidade da produção. Porque privilegiam a quantidade da produção, logo que se apanhem no poder aumentarão o horário e os ritmos de trabalho que agora contestam.


Interessante é verificar como a ideologia burguesa manifesta um grande pudor linguístico e uma suscetibilidade semântica que a leva a procurar impor designações que recobrem as realidades chocantes da exploração capitalista com eufemismos ou fórmulas que escondam por exemplo a conflitualidade de classe e a oposição entre o trabalho e o capital. Assim, o capital esconde-se por trás de uma cortina de «empregadores» ( sem os quais, como se deduz do próprio corpo da palavra, não haveria emprego), de «empreendedores» (de onde se gera um nome que gostariam que substituísse o de capitalismo o de «empreendorismo») e os seus trabalhadores assalariados são «promovidos» a «colaboradores». A «flexibilidade», a «flexibilização», a «flexissegurança» e outras invenções terminológicas buscam esconder e retirar da discussão aquilo que está efetivamente em causa, a desregulamentação das relações de trabalho, a precarização do trabalho, o ataque desenfreado aos direitos do trabalho e ao trabalho com direitos.


Aliás, a «criatividade semântica» é de tal modo um vício que até as designações oficiais, «técnicas», revelam esse tipo de pudor. É por isso que os trabalhadores assalariados são designados trabalhadores por conta de outrem – assim, procura retirar-se da exposição explícita e do exame crítico o salário e o salariato.



2) Sobre o tema da Organização



A primeira manifestação da intervenção ideológica burguesa está aqui na própria escolha da palavra: a organização, aquilo a que chamamos com orgulho «o coletivo partidário» é pela burguesia designado como máquina.


A – Há usos da palavra que são tidos como positivos, significando por exemplo que alguém ou uma instituição é dotado de um elevado grau de eficácia ou eficiência no desempenho de uma dada tarefa ou função: «Fulano é uma máquina»; «O PCP é aquela máquina».


B – Entretanto, a expressão quando utilizada numa conversa com alguma extensão presta-se a um uso pejorativo e a uma significação negativa. É fácil encontrarmos contextos do uso da palavra, em que ela pretende representar o funcionamento mecânico, ou sem alma; os militantes organizados são apresentados como peças de uma máquina, treinados, como os elementos de um exército, a responderem, ou seja a obedecerem cegamente. Em outras ocasiões ainda, a palavra máquina pode significar organização e funcionamento burocráticos. O PCP é reduzido a ser um «aparelho», ou é um conjunto de pessoas, amalgamadas e dominadas por um «aparelho».


O princípio de que ninguém deve ser beneficiado nem prejudicado pelo exercício de cargos públicos para os quais se foi eleito em representação do PCP, é apresentado como um traço de igualitarismo que penaliza o legítimo desejo individual de ascensão ou promoção social por mérito, e deixa esses representantes eleitos sujeitos à vontade do Partido, mais do que a representarem aqueles que os elegeram.



3) «Os partidos são todos iguais»

Pode dizer-se que esta «fórmula» embora parecendo corresponder à experiência real que os eleitores têm dos partidos burgueses e da mistificação que é a representação formal na democracia burguesa, é desviada desse terreno e é posta a funcionar fundamentalmente contra o PCP. Porque o PCP é o partido mais diferente, pela sua natureza de classe, pela teoria que o guia, pelos objetivos imediatos e finais que prossegue, pelas regras explícitas do seu funcionamento, o PCP deveria ser a opção eleitoral de inúmeros eleitores fartos de serem enganados pelos partidos em que têm votado. Entretanto a fórmula «são todos iguais» é usada particularmente por aqueles que, desesperados com o sistemático logro em que são levados a cair, não são ainda capazes de alterarem a sua opção de voto e votarem no PCP. A fórmula «são todos iguais» é assim uma espécie de seguro de vida para os partidos da política de direita que assim conseguem que os seus eleitores rigorosamente não vejam a diferença dos comunistas.


O silenciamento, o discurso da exclusão e a invisibilidade dos comunistas


O anticomunismo, enquanto arma fundamental da ideologia burguesa, indica a direção e a orientação fundamental da sua estratégia de mistificação. Os seus diferentes temas visam assegurar a «invisibilidade» dos comunistas. Por isso, um dos eixos fundamentais do seu comportamento é o sistemático, prolongado e implacável silenciamento da sua voz, das suas propostas, da sua história, indiscernível da história do povo português no último século e da sua presença quotidiana na sociedade portuguesa.


O silenciamento do PCP é assumido por um discurso que atribui ao excluído a responsabilidade por aquilo que é assim apresentado como a sua auto-exlusão. É o que o próprio PCP é, aquilo porque tem combatido e combate, que é a razão da sua (auto)-exclusão.


A exclusão do PCP é, por outro lado, «justificada» porque o PCP «está fechado à realidade». A credibilização desta ideia passa por uma manipulação completa da realidade. Assim, o PCP não aparece na realidade portuguesa porque dela foi previamente retirado. A televisão não concede a palavra ao PCP, ignora ações, grandes reuniões, debates de propostas para os problemas do País, lutas um pouco por todo o país e em variadíssimos setores da vida nacional, e depois conclui que o PCP está calado, não tem opinião, não é visível. Nos debates sobre os grandes temas econômicos, políticos e sociais, frequentemente não há um comunista. O argumento, que podem explicitar, ou deixar que as pessoas o infiram: é o de que não há comunistas que sejam especialistas dessa matéria, ou que tenham ideias interessantes sobre aquela matéria. Isto torna-se mais escandaloso quando o tema parece trazer consigo os comunistas, os trabalhadores, a sua luta. Suponhamos uma luta de empresa ou a luta num setor profissional. Se é demasiado escandaloso não convidar nenhum representante dos trabalhadores, da CGTP ou dos comunistas, a dificuldade pode ser contornada convidando a participar um elemento da UGT, mesmo que nada efetivamente represente nessa luta ou nesse setor de atividade, ou um especialista universitário de «sociologia do trabalho» que represente os interesses patronais.


 
A manipulação da realidade, a fabricação do consenso e a imposição da obediência


 
A televisão e a mídia em geral apresentam as medidas que o Governo (seja ele um governo do PS, seja ele do PSD e do CDS) vem tomando como inevitáveis. Esta é uma das características que identificam a política de direita: a inevitabilidade é uma espécie de deus ex maquina que governa a situação política, social e econômica portuguesa. A tentativa de convencer dessa inevitabilidade representa uma activa imposição da obediência, baseada na generalização de um falso consenso, que é sobretudo a obtenção, pela violência psicossocial e pela aculturação, de uma disposição para o consentimento. Esse consenso manipulado que se visa impor é também a partilha de uma outra ideia que não precisa de ser explicitada para ficar a pairar suspensa, ao nível sub-consciente dos espectadores, mas sempre que necessário pronta a ser reativada, segundo a qual o capitalismo é a realidade, a ordem natural das coisas; e a realidade é um dado intransponível, imóvel e intransformável, contra o qual nada se pode fazer. O PCP ao não aceitar esta realidade, que representaria o final da evolução histórica, mostra assim estar fora da realidade.


A «realidade» é configurada pelos grandes meios audio-visuais de forma intensamente mistificadora. Desde os programas de informação ao conjunto da programação; tudo trabalha para impor uma noção de realidade.


 
A realidade é algo de inteiramente visível: é algo que se vê completamente, no ecrã de televisão, que mostra o que se passa (presente), ou o que se passou, (passado) e se pode passar (futuro).


 
Telenovelas, noticiários, diversos tipos de talk-shows, concursos, documentários, séries, filmes, tudo se homogeneíza num discurso uniforme e absolutamente dominante, que absorve qualquer reparo crítico, que tende a impor modelos de reconhecimento da realidade e padrões de comportamentos aceitáveis.


 
Toda a descrição da realidade é, neste quadro, subordinada à definição de objetivos a alcançar, num determinado momento. Os reality-shows, por exemplo, não se limitam a pôr ou a «dar» em espetáculo aquilo que é a realidade, mas constroem modelos de comportamento suscetíveis de serem reconhecidos e adotados. As sondagens mais do que diagnósticos de um estado da opinião são construções tendentes a induzir determinados resultados. Os programas de entretenimento potenciam o que já é conhecido quanto aos valores e desejos majoritários e tendem a torná-los ainda mais majoritários.


 
É conhecido o fenômeno da espetacularização do político e da aplicação da lógica da publicidade comercial à propaganda política. São os efeitos de expansão de dois dos grandes valores da ideologia burguesa, que refletem duas tendências do desenvolvimento do capitalismo contemporâneo: a mercadoria – a tendência para a mercantilização de todas as relações sociais e humanas; e o espetáculo – a tendência para a espetacularização de todas as esferas da vida humana.


 
Estes dois valores e tendências exprimem a imposição de dois modelos da organização burguesa do viver social: o mercado substitui o diálogo e o confronto no espaço público, o espetáculo impõe a distância e promove uma satisfação ilusória dos desejos dos cidadãos reduzidos de participantes a espectadores.


 
A ideologia burguesa, jogando com estes dois valores, acaba por confundir o funcionamento do mercado capitalista com o funcionamento da democracia e este com o da representação.


 
São várias as formulações produzidas sobretudo na área das relações internacionais onde os representantes do imperialismo e das potências capitalistas identificam, numa confusão deliberada, as sociedades democráticas como «sociedades de livre mercado». Essa confusão é tal que para a ideologia burguesa dizer que as sociedades democráticas são sociedades de mercado e estas são necessariamente sociedades democráticas é rigorosamente equivalente, embora essa equivalência possa ser empiricamente refutada.


 
Por outro lado, pode dizer-se que a ideologia burguesa é uma idolatria da representação. A sua concepção da democracia tende a esgotar-se no mecanismo de representação, que introduz ou supõe uma separação inultrapasssável entre representantes e representados. Essa separação traduz-se numa forte desigualdade na participação e exercício do poder. A maioria da população só pode ser representada, a sua participação no poder limita-se à escolha de quem serão os seus representantes. A pressão das divisões de classe numa dada sociedade e os mecanismos de controle da opinião procedem a uma evidente (e, contudo, silenciosa) seleção social dos representantes. Assim, os trabalhadores tendem a ser representados por indivíduos com outras origens e situações de classe.


 
É claro que as sociedades baseadas na exploração do trabalho e na opressão dos trabalhadores tudo fazem para autonomizarem a representação, da função pela qual ela é representação de outros. Assistimos então a uma manipulação da representação de tal forma empreendida que os representantes em vez de cuidarem da fidelidade àqueles que os escolheram para os representarem, constroem a representação como modelação retroativa dos representados.


A representação pode então tornar-se um colossal embuste: os representantes escolhem e fabricam os conteúdos da representação; modelam e remodelam a vontade daqueles mesmos que os «escolheram» como seus representantes e que, nesse preciso momento, ficam sem efetiva representação.



*Este artigo foi publicado em “O Militante” nº 314, Set/Out 2011