quarta-feira, 30 de novembro de 2022

"Deixar um erro sem refutação é estimular a imoralidade intelectual" (Karl Marx)

Indicação de leitura: 

Centenário do PCB: os comunistas e o “queremismo”

Texto da historiadora Anita Prestes publicado no Blog da Boitempo, em 23/11/2022. No artigo, a autora faz um consistente balanço bibliográfico de como textos historiográficos, memorialísticos, biográficos, sociológicos e de ciência política abordam a posição dos comunistas frente ao queremismo. A autora mostra como se tornou lugar comum, sem sustentação empírica nos documentos da época, a afirmação de que em 1945 Luiz Carlos Prestes e os comunistas teriam aderido ao movimento consagrado com o nome de “queremismo”, criado em junho daquele ano. As evidências apresentadas pela autora são reveladoras da função exercida pela História Oficial na consagração de falsificações históricas de acordo com os interesses dos setores dominantes numa sociedade dividida em classes antagônicas. A historiadora Anita Prestes procura nos mostrar como as versões historiográficas consagradas pela História Oficial, elaborada pelos “intelectuais orgânicos” (segundo Gramsci) a serviço dos interesses dominantes, adquiriram foros de verdade e passaram a ser transmitidas de geração em geração, exercendo influência inclusive em intelectuais progressistas e/ou de esquerda e na própria militância de partidos de esquerda. E conclui chamando a atenção que revelar as falsificações difundidas pela História Oficial é parte constitutiva da luta ideológica permanente que devemos conduzir contra a dominação burguesa nas sociedades capitalistas. 

O texto nos alerta para o necessário reconhecimento da diferença entre as consignas dos queremistas e dos comunistas, pois um exame sério nas fontes históricas da época, em especial na imprensa e relatórios comunistas, analisando o discurso dos comunistas e não somente o discurso produzido sobre os comunistas na época, pode esclarecer de que "Queremos uma Assembleia Constituinte com Getúlio" jamais foi um slogan oficial do Partido Comunista em 1945. Considerando seus acertos e erros, é necessário entender do que se tratava a chamada política de "União Nacional" defendida pelos comunistas e no que era distinta das propostas da campanha queremista.

Ao final da leitura do texto da professora Anita Prestes, grande estudiosa do movimento comunista brasileiro, nos remete a pertinência de uma célebre frase de Karl Marx, usada como epígrafe do livro A miséria da teoria, do historiador E. P.Thompson: "Deixar um erro sem refutação é estimular a imoralidade intelectual"

LEIA O TEXTO COMPLETO CLICANDO NO LINK ABAIXO:

https://blogdaboitempo.com.br/2022/11/23/centenario-do-pcb-os-comunistas-e-o-queremismo/



segunda-feira, 14 de novembro de 2022

ENTREVISTA DE ANITA PRESTES A ISKRA - ASSOCIAÇÃO DE ESTUDOS MARXISTAS-LENINISTAS DE PORTUGAL

 A seguir, vai o link para a entrevista da historiadora Anita Prestes, realizada no último dia 11 de novembro de 2022 e promovida pela Iskra (Associação de Estudos Marxistas-leninistas), em que ela fala sobre a Coluna Prestes,  a Insurreição antifascista de 1935, o PCB na Constituinte de 1946 e no golpe de 1964, as razões do rompimento de Prestes com o Comitê Central do PCB em 1980 e ainda sobre os desdobramentos das recentes eleições no Brasil.




terça-feira, 8 de novembro de 2022

Resenha do livro "Olga Benario Prestes. Eine biografische Annäherung" pelo estudioso literário Robert Cohen

A resenha do livro escrito pela historiadora Anita Prestes foi publicado hoje, 8/11/22, no jornal alemão junge Welt, disponível em: https://www.jungewelt.de/artikel/438328.antifaschismus-die-solidarit%C3%A4t-der-opfer.html

Leia a seguir a resenha traduzida para o português.

ANTIFASCISMO

A solidariedade das vítimas

A historiadora Anita Prestes escreve sobre a vida e morte da sua famosa mãe, a comunista judia Olga Benario.

Por Robert Cohen* 


Olga Benario, cuja memória foi honrada muitas vezes na RDA [República Democrática Alemã], é agora também uma das bem conhecidas vítimas do Holocausto na República Federal da Alemanha. "Conhecido" não significa apenas uma forma de celebridade - que é questionável no contexto do Holocausto de qualquer modo - mas também nos lembra que a maioria das vítimas permaneceu desconhecida. Isto dá origem à obrigação para aqueles que vêm mais tarde de comemorar sempre na vítima individual também a totalidade das vítimas. Se falta esta solidariedade, ela leva a reações mal orientadas, como a que foi relatada por Theodor Adorno sobre um espectador de teatro que, após uma representação de O Diário de Anne Frank, se diz ter dito em choque: "sim, mas pelo menos a rapariga deveria ter sido autorizada a viver. "Olga Benario insistiu nesta solidariedade, mesmo no seu mais profundo sofrimento. Em 12 de Fevereiro de 1938, escreveu ao seu parceiro Carlos Prestes, que estava preso no Brasil, da prisão da Gestapo em Berlim, que ainda era capaz de distinguir "entre a insignificância das questões da sua pequena pessoa e os acontecimentos históricos mundiais gerais do nosso tempo".

A comunista de ascendência judaica de Munique inscreveu o seu nome nestes eventos: Para além de uma monografia, um romance e um filme documentário, a sua correspondência sobre a prisão e os campos de concentração e o seu arquivo da Gestapo foram publicados nos últimos anos, tendo sido lançado um livro áudio assombroso em 2020. 

Com o livro fino de Anita Prestes "Olga Benario Prestes. Uma Abordagem Biográfica", complementa estas apresentações de uma forma significativa. Baseia-se na avaliação do extenso dossiê da Gestapo sobre Olga Benario, que está acessível nos arquivos da Federação Russa desde Abril de 2015. O livro contém fotografias, várias cartas e uma entrevista com o autora destinada aos leitores alemães.

Uma breve descrição da juventude de Olga Benario e do compromisso comunista inicial é seguida na seção principal por uma montagem opressiva de cartas seleccionadas e documentos da Gestapo com comentários complementares de Anita Prestes. Isto mina o cliché de que o Holocausto deve permanecer incompreensível. A burocracia passo a passo que conduz à aniquilação de um ser humano é tornada acessível à mente analítica. Os acontecimentos da curta vida de Olga Benario - ela tinha trinta e quatro anos quando foi morta - são, por vezes, pouco credíveis. Daí as numerosas notas de rodapé e a bibliografia na edição original brasileira de 2017 (estão em falta na edição alemã).

Um aspecto notável do livro está enraizado na pessoa da autora: Anita Prestes é uma historiadora, mas é também filha de Olga Benario. Isto leva, inevitavelmente, a uma visão estereofónica. Por exemplo, no capítulo sobre o resgate de Anita, de 14 meses, da custódia da Gestapo para sua sogra brasileira. O que poderiam estas passagens ter exigido da autora, agora com 85 anos de idade? Anita Prestes encontrou uma solução para manter a sua própria consternação à distância: Ela fala do seu antigo eu na terceira pessoa: "a criança"; numa nota ela chama a atenção para isto. Esta nota sensibiliza o leitor para o difícil equilíbrio da autora entre historiografia e autobiografia.

O subtítulo foi também alterado para a edição alemã. No original lê-se: "Uma comunista nos arquivos da Gestapo". Anita Prestes, ela própria comunista e, segundo as suas memórias Viver é tomar partido (2019), por vezes ativa numa posição de liderança no PCB, insiste no compromisso político dos seus pais em tudo o que diz. Mesmo na sua ampla monografia sobre o seu pai, isto é assinalado no subtítulo sucinto: "Um comunista brasileiro". Mas mesmo sem a menção no título, a centralidade do empenho comunista de Olga Benario nas suas ações e destino torna-se clara; é um mérito da Verbrecher Verlag ter trazido à luz este livro.

A manipulação de Anita Prestes das origens judaicas da sua mãe é mais difícil. Ela não faz segredo desta origem, mas minimiza o seu significado. Olga Benario já tinha deixado a comunidade judaica aos dezessete anos de idade, como se pode ver num arquivo da Gestapo citado por Anita Prestes. A correspondência prisional de Olga Benario quase não menciona as suas origens judaicas. De acordo com Anita Prestes na entrevista, a comunidade judaica brasileira tinha-se apropriado de Olga Benario enquanto ignorava o seu comunismo. A autora tem razão em defender-se contra isto. Talvez a melhor maneira de fazer justiça à relação de Olga Benario com o judaísmo seja referir-se ao famoso ensaio de 1958 "The Non-Jewish Jew" do historiador comunista polaco-britânico Isaac Deutscher. Deutscher expõe uma linhagem judaica de "grandes revolucionários do pensamento moderno", entre os quais Marx, Rosa Luxemburgo e Trotsky. Tinham-se separado das suas origens judaicas; mas sem estas origens, o seu desenvolvimento não poderia ser compreendido. Neste sentido, Olga Benario poderia ser entendida como uma judia não judia.

Anita Prestes enfatiza repetidamente a firmeza da sua mãe. Apesar de todas as torturas mentais e físicas durante os anos na prisão e nos campos de concentração, ela não revelou nada, como é provado por citações do dossiê da Gestapo. Esta firmeza foi tão importante para Anita Prestes que ela colocou uma declaração da sua mãe como epígrafe do texto (falta-o na edição alemã). Para Anita Prestes, o conceito de solidariedade está inseparavelmente ligado à firmeza. Uma e outra vez ela sublinha a atitude de solidariedade da sua mãe para com todas as outras vítimas do fascismo. A solidariedade forma uma espécie de leitmotiv do livro, como já é assinalado na dedicatória: "Em memória de Olga Benario Prestes, da minha mãe e de todos aqueles que morreram na luta contra o fascismo". Com esta formulação, Anita Prestes, por seu lado, cumpre a obrigação de recordar sempre solidariamente a totalidade das vítimas na vítima individual.


Robert Cohen é o autor do épico romance Exil der frechen Frauen (2009), Olga Benario é uma das três personagens principais.

Anita Prestes: Olga Benario Prestes. Eine biografische Annäherung. Aus dem Portugiesischen vom Coletivo Tropeção. Verbrecher-Verlag, Berlin 2022, 114 Seiten, 16 Euro.



Discurso de Saudação à Professora Anita Leocadia Prestes, por ocasião da entrega da Medalha Minerva do Mérito Acadêmico

(Sessão Solene do Conselho Universitário Entrega da Medalha Minerva do Mérito Acadêmico à Professora Anita Leocadia Prestes, realizada no Salão Nobre do Instituto de História da UFRJ, no dia 07 de novembro de 2022.)

 

Por Marcos Cesar de Oliveira Pinheiro

Professor de História da Educação da UERJ

 

Senhoras e senhores, boa tarde!

Sinto-me, extremamente, honrado de estar nesta mesa, composta pela Magnífica Reitora da UFRJ, Prof.ª Denise Pires de Carvalho, pelo Vice-Reitor, Prof. Carlos Frederico Leão Rocha, pelo Vice Decano do Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Prof. Paulo Castro, pelo Diretor do Instituto de História, Prof. Antonio Carlos Jucá, e pela homenageada desta Sessão Solene, Professora Anita Leocadia Prestes.

Gostaria de agradecer o honroso convite para ser orador nesta sessão solene de entrega da Medalha Minerva do Mérito Acadêmico à Professora Anita Prestes, de quem fui seu aluno e orientando durante minha trajetória discente nesta Universidade, tanto no Curso do Bacharelado em História, do antigo Departamento de História, hoje Instituto de História da UFRJ, quanto nos cursos de mestrado e doutorado do Programa de Pós-Graduação em História Comparada. Assim como eu, muitos de seus ex-alunos reconhecem que suas ideias e atitudes, reveladas durante o exercício de sua docência aqui na UFRJ, contribuíram para que seus alunos trilharem o difícil caminho de adquirir a profissão de pesquisador(a) ou professor(a) de História.

Portanto, o que falar da Professora Anita Prestes? No que se refere ao ensino, à pesquisa e à extensão, o trabalho educativo desenvolvido por ela, isto é, o “ato de produzir, direta e intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens”[1],  tem uma expressão pedagógica explícita: é diretamente voltado para a formação de lutadores e construtores, para contribuir na construção de “alternativas a uma ordem social que precisa ser transformada radicalmente em toda sua maneira de ser”. [2]

Sua postura como historiadora e professora de História é de sempre se posicionar ideológica e politicamente diante da chamada História Oficial – aquela elaboração histórica que convém aos grupos dominantes na sociedade. Como uma historiadora e uma professora, comprometida com as lutas populares, com os interesses dos explorados e dos oprimidos, a sua meta, na sala de aula, no trabalho de pesquisa histórica e na participação de eventos diversos para além dos muros da universidade, é formar jovens questionadores, cidadãos que não aceitem o consenso dominante e contribuir para a elaboração de uma outra história, comprometida não só com a evidência dos fatos, mas também com o imperativo de construir um futuro de justiça social e liberdade para o povo.

Por se posicionar publicamente contra o status quo, negando-se a uma neutralidade aparente, a professora Anita Prestes é uma personalidade incômoda aos chamados donos do poder e seus intelectuais orgânicos, uma vez que não capitulou diante do inimigo de classe, não se vendeu em troca de cargos políticos, não se utiliza dos nomes de seus pais para ser favorecida diante de interesses menores ou de caráter pessoal. Discordar de Anita Prestes por suas profundas convicções comunistas, de defesa de uma sociedade justa e igualitária, é um direito facultado aos seus adversários políticos, porém o que ninguém pode fazer, honradamente, é negar grandeza ao seu trabalho de combate à História Oficial, que esquece, silencia, deturpa e ataca “os ideais e as lutas dos setores, que não obtiveram êxito em seus propósitos revolucionários e transformadores e, muitas vezes, sofreram duras derrotas”.[3] A produção historiográfica da professora Anita é feita com rigor científico, com absoluta precisão teórico-metodológica, com análise em farta documentação, contribuindo imensamente para esclarecer períodos obscuros da história brasileira.

E por falar em história, a professora Anita é também uma personagem histórica. Sua trajetória pessoal entrecruza-se, em muitos pontos, com os acontecimentos históricos internacionais e os nacionais de alguns países, como Brasil, México e União Soviética, desde o seu nascimento em uma prisão em Berlim da Alemanha nazista, passando pelos dramas familiares e pelas vicissitudes de sua militância comunista no contexto da Guerra Fria e da Ditadura Militar no Brasil, até a carreira acadêmica como estudiosa da história política do Brasil contemporâneo e do movimento comunista internacional, em particular, a história do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e a trajetória política de seu pai, Luiz Carlos Prestes, principal liderança comunista brasileira no século XX.

Aliás, desde o nascimento, o modo como a professora Anita vai se inscrevendo no mundo é marcado por dois aspectos ao longo de sua vida: a solidariedade, um princípio entre os comunistas que lhe foi fundamental, e o anticomunismo, impondo-lhe condições que nunca foram favoráveis desde a mais tenra infância. As vivências de sua infância e adolescência são elementos da formação de um sujeito histórico, de uma pessoa, que se engajará na luta por um mundo melhor para todos, não obstante os sacrifícios pessoais, entendendo, por exemplo, que o martírio de sua mãe, assassinada na câmara de gás do campo de concentração de Bernburg (em abril de 1942), uma vítima do fascismo entre milhares de outras, “deve servir de exemplo para que não permitamos que tais horrores se repitam”. [4]  Para além da condição de filha de dois expoentes do movimento comunista internacional, a professora Anita, desde cedo, procura trilhar caminho próprio como militante, ciente de que não pertence a ela o prestígio de ser filha de quem é. Em vez de desfrutar do prestígio advindo dos pais, busca sempre ser digna da história de vida de ambos, isto é, ser uma comunista revolucionária.

A partir dos anos 1990, atuando profissionalmente na universidade, a militância comunista assume “a forma de luta ideológica contra a falsificação (promovida pela história oficial a serviço dos donos do poder) da trajetória revolucionária de Luiz Carlos Prestes e dos comunistas brasileiros, e contra as tendências de caráter reformista burguês presentes em grande parte das políticas adotadas pelas forças ditas de esquerda no Brasil”.[5] Anita Prestes é uma intelectual militante, comprometida com os “de baixo”, em defesa de uma educação pública, laica, gratuita, democrática e de qualidade, e que luta por transformações radicais da sociedade expressando os interesses de setores sociais revolucionários ou potencialmente revolucionários.

“Viver é tomar partido”, título do seu livro de memórias, resume bem uma vida de militância política e de carreira acadêmica, que nunca ficou indiferente e sempre se posicionou frente aos acontecimentos. Anita Prestes não é somente o “bebê famoso”, filha de Olga e Prestes, nem unicamente uma historiadora e professora universitária, mas uma pessoa com uma vida intensa, cheia de aventuras, marcada pelas perseguições movidas contra os comunistas e, em particular, contra seu pai e sua família. Mas, também, uma vida marcada pela solidariedade humana e cercada de amor.

Para concluir, gostaria de finalizar dizendo o seguinte à nossa homenageada: Professora Anita, pela sua integridade, pela sua firmeza de caráter, pela sua militância comunista, pelo seu profissionalismo e pela sua coerência de na vida sempre tomar partido, serei sempre seu aprendiz.

Muito obrigado.



[1] Dermeval Saviani, D. Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações (8ª ed., Campinas, Autores Associados, 2003, p. 13).

[2] Roseli Salete Caldart, Pedagogia do Movimento: processo histórico e chave metodológica (março de 2021, p. 1). Disponível em: https://mst.org.br/download/pedagogia-do-movimento-processo-historico-e-chave-metodologica/. Acesso em: 06/11/2022.

[3] Anita Leocadia Prestes, O historiador perante a história oficial, in Germinal: marxismo e educação em debate, v. 2, n. 1, 2010, p. 94. Disponível em: https://periodicos.ufba.br/index.php/revistagerminal/article/view/9607/7031. Acesso em: 06/11/2022.

[5] Anita Leocadia Prestes, Viver é tomar partido: memorias (São Paulo: Boitempo, 2019, p. 268-269).