terça-feira, 29 de junho de 2010

À memória da democracia

Honduras, 28/6/2009: golpe de Estado, orquestrado pelas classes dominantes do país e com o beneplácito do governo norte-americano, destituiu o presidente democraticamente eleito, Manuel Zelaya.
Apesar da vitória dos golpistas, um ano após ao golpe, a resistência a deposição permanece presente e mobilizando setores populares. A reivindicação maior é a convocação de uma Assembléia Constituinte. Outra é a volta de Zelaya, asilado na República Dominicana.

sexta-feira, 25 de junho de 2010

A condenação do Cristo marxista

Gilson Caroni Filho*

Que estranhos desígnios inspiraram o "L'Osservatore Romano" a atacar,em editorial, o escritor José Saramago, falecido recentemente na Espanha? Chamá-lo de populista extremista, que se referia “com comodidade a um Deus no qual jamais acreditou por considerar-se todo poderoso e onisciente”, não revela apenas uma atitude fria e inflexível com um humanista ateu. Vai além. Reforça apreensões em relação aos objetivos políticos do Vaticano e suas consequências éticas.

Se a eleição do cardeal Ratzinger como supremo pontífice da Igreja Católica constituiu um acontecimento cuja gravidade poucos subestimaram, a superação integrista das contradições do Concílio Vaticano II já se delineava claramente no pontificado de seu antecessor, João Paulo II, quando as bases sociais da Teologia da Libertação foram firmemente atacadas.

Em 1983, ao visitar a América Central, suas homilias mantiveram fina sintonia com o projeto do governo Reagan para a região. Em Manágua, o papa não apenas não correspondeu às expectativas do povo nicaraguense de condenação clara às agressões incentivadas pelo imperialismo estadunidense, como também deu ênfase ao que mais dividia o governo sandinista e a hierarquia eclesiástica, à época: o da fidelidade dos sacerdotes e religiosas à igreja e à exigência de não participarem na responsabilidade da gestão governamental. Uma declaração de guerra aos partidários de um cristianismo progressista. Reafirmação classista de uma instituição multissecular.

Na Guatemala, um dos países em que a repressão dos governos militares fez mais vítimas entre os religiosos, João Paulo II não só visitou o presidente Ríos Montt, conhecido por ordenar massacres contra a oposição, como permitiu que o general lhe pedisse o afastamento de sacerdotes da política. Nos discursos papais não houve qualquer protesto contra fuzilamentos sistemáticos; apenas menções genéricas a Direitos Humanos. O Cristo do Vaticano, ao contrário do de Saramago, não deu ouvido a comunidades indígenas e camponesas tratadas como estrangeiras em seus próprios países.

Embora saiba muito bem que estão implícitas, na violência que se expande, a questão do poder, dos interesses econômicos nacionais e internacionais, além das considerações geopolíticas, o Jesus do "L'Osservatore" ignora que a promessa anunciada só se efetivará provocando uma transformação radical da condição social do homem. No livro de Saramago, Jesus, filho de José e amante de Madalena, vive a Paixão dos novos sujeitos. Seu sacrifício é a labuta das populações negras, o sofrimento das índias e o sangue camponês que jorra nos latifúndios.

A coexistência de um papado ultra-reacionário com governos de extrema-direita, como foi o de Bush, implica uma luta mundial de idéias que, não duvidem, será muito intensa. A crítica a uma religião de mercado, que exige o sacrifício de vidas humanas e o aniquilamento de natureza é a batalha da esquerda de nosso tempo.

Nessa guerra, ao contrário do que afirma o Vaticano, o Cristo de Saramago é aliado fundamental. Nas páginas do “Evangelho segundo Jesus Cristo", a grande heresia não está no fato de o personagem pedir perdão pelos pecados de Deus. O que o Vaticano não pode perdoar é a denúncia corajosa a um cristianismo imperial e colonialista. Um sistema de crenças que, para validar a opressão, necessita de uma metafísica negativa sobre os homens e sua história.

Saramago provocou a ira da cúpula da Igreja Católica ao reafirmar a modernidade e os valores de igualdade e liberdade. Foi isso que seu Cristo Marxista proclamou. Não de maneira idílica, mas de forma dialética, como reafirmação de vidas que devem transcender a si mesmas, eliminando práticas e relações que geram opressão e miséria.

* Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, colunista da Carta Maior e colaborador do Jornal do Brasil.

FONTE: http://www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=46866

DEBATE SOBRE O PAPEL DA MÍDIA HOJE, CRIMINALIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA.

Lançamento da Rede de comunicadores e do Blog da Reforma Agrária no Rio de Janeiro: 30 de Junho às 18:30 na ABI, rua Araújo Porto Alegre 71, auditório do 7º andar.

Debatedores:

Paulo Henrique Amorim - Jornalista e blogueiro

João Paulo - Direção Nacional do MST


Está em curso uma ofensiva conservadora contra a reforma agrária, e contra qualquer movimento que combata a desigualdade e a concentração de terra e renda, como o MST.
Nesse sentido há uma ação orquestrada tendo a imprensa como um dos principais instrumentos desse movimento.
A necessidade tem sido urgente de seguirmos debatendo papel da mídia e as alternativas. A rede de comunicadores pela Reforma Agrária cumpre papel importante neste cenário, como proposta de uma articulação nacional de comunicadores em defesa da Reforma Agrária.

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Para a compreensão crítica da realidade brasileira

Dermeval Saviani: compreensão crítica da realidade brasileira exige referencial marxista

Por Ana Cristina
Nesta entrevista ao "Portal da Fundação Maurício Grabois" (http://fmauriciograbois.org.br/portal/), Dermeval Saviani comenta diferentes temas relacionados à educação. Professor emérito da Universidade de Campinas (UNICAMP), Saviani dedicou seus aproximadamente 40 anos de carreira à pesquisa educacional, com ênfase nos campos da filosofia e da história da educação brasileira. Suas pesquisas são referência na área, e já recebeu o reconhecimento da comunidade científica através de prêmios como Medalha do Mérito Educacional do Ministério da Educação; Prêmio Zeferino Vaz de produção científica e Prêmio Jabuti em Educação, no ano de 2008.

Quais as pesquisas que o senhor realizou até agora podem ser classificadas como as mais importantes?
R.: Ao longo de minha carreira concluí 20 projetos de pesquisa que podem ser classificados em três modalidades: Política da educação e legislação educacional; filosofia da educação no Brasil; e Teorias da educação e pedagogia.

Na primeira modalidade destacam-se “O conceito de sistema na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 4.024/61)”, que foi minha tese de doutorado, publicada com o título “Educação brasileira: estrutura e sistema”; “O congresso nacional e a educação brasileira”, minha tese de livre-docência, publicada com o título “Política e educação no Brasil”; e “A nova lei da educação (LDB): trajetória, limites e perspectivas”, que versou sobre a atual LDB.

Na segunda modalidade registro “Tendências e correntes da educação brasileira”, publicada no livro “Filosofia da educação brasileira”.

E na terceira modalidade sobressaem “Pedagogia histórico-crítica”; “História das idéias pedagógicas no Brasil; e “O espaço acadêmico da pedagogia no Brasil: perspectiva histórica e teórica”, que resultou no livro “A pedagogia no Brasil: história e teoria. Estes dois últimos projetos contaram com financiamento do CNPq na modalidade “Bolsa de produtividade em pesquisa”.


O senhor recebeu o prêmio Jabuti, em 2008, por um livro que é resultado de uma pesquisa. Pode nos dar mais detalhes sobre a pesquisa e sobre o livro?
R.: Nesse caso trata-se do projeto “História das idéias pedagógicas no Brasil”, cujos estudos preliminares se iniciaram em 1989. Sistematizada a proposta, o projeto foi encaminhado ao CNPq para apoio na modalidade da “Bolsa de Produtividade em Pesquisa” que, uma vez aprovada, entrou em vigência em agosto de 1996, estendendo-se até fevereiro de 2004. Após o término da bolsa organizei o material e publiquei o livro com o mesmo título “História das idéias pedagógicas no Brasil”, em 2007. É esse livro que foi agraciado, em 2008, com o prêmio Jabuti ao ser classificado como a melhor obra nas áreas de Educação, Psicologia e Psicanálise.

Nessa pesquisa analisei o desenvolvimento das idéias pedagógicas na história da educação brasileira a partir da identificação, classificação e periodização das principais concepções educacionais, desde suas origens no século XVI até os dias atuais. Começo abordando a educação indígena que precedeu a chegada dos portugueses e abordo as idéias pedagógicas distribuindo-as em quatro grandes períodos, a saber:

1º Período (1549-1759): Monopólio da vertente religiosa da pedagogia tradicional, subdividido nas seguintes fases:

1. Uma pedagogia brasílica ou, o período heróico (1549-1599);

2. A institucionalização da pedagogia jesuítica ou o ratio studiorum (1599-1759).

2º Período (1759-1932): Coexistência entre as vertentes religiosa e leiga da pedagogia tradicional, subdividido nas seguintes fases:

1. A pedagogia pombalina ou, as idéias pedagógicas do despotismo esclarecido (1759-1827);

2. Desenvolvimento da pedagogia leiga: ecletismo, liberalismo e positivismo (1827-1932);

3º Período (1932-1969): Predominância da pedagogia nova, subdividido nas seguintes fases:

1. Equilíbrio entre a pedagogia tradicional e a pedagogia nova (1932-1947);

2. Predomínio da influência da pedagogia nova (1947-1961);

3. Crise da pedagogia nova e articulação da pedagogia tecnicista (1961-1969).

4º Período (1969-2001): Confronto entre a concepção produtivista de educação e as pedagogias críticas, subdividido nas seguintes fases:

1. Predomínio da pedagogia tecnicista, manifestações da concepção analítica de filosofia da educação e concomitante desenvolvimento da visão crítico-reprodutivista (1969-1980);

2. Ensaios contra-hegemônicos: pedagogias da “educação popular”, pedagogias da prática, pedagogia crítico-social dos conteúdos e pedagogia histórico-crítica (1980-1991);

3. O neoprodutivismo e suas variantes: neo-escolanovismo, neoconstrutivismo e neotecnicismo (1991-2001).

Seu trabalho é pontuado pela orientação marxista num ambiente em que há, tradicionalmente, rejeição às ideias de Marx. Como se dá essa relação? Qual o segredo de tamanha aceitação pela comunidade científica?
R.: Desde que iniciei minha atividade docente, em 1967, simultaneamente na universidade e no ensino médio, considerei que o trabalho intelectual deveria se pautar pela busca da verdade sem quaisquer constrangimentos. Estávamos em plena ditadura militar e eu tinha a impressão de que, em boa parte, a autocensura parecia ainda mais forte do que a censura. Ou seja, eu observava que vários colegas tendiam a evitar tratar de temas que tivessem alguma implicação política, considerados perigosos na situação em que vivíamos.

De minha parte procurei afastar toda espécie de autocensura tratando dos problemas sociais e políticos com a mesma objetividade com que tratava das questões geográficas, físicas, biológicas. E fui me aprofundando na compreensão crítica da realidade brasileira, o que exigia um referencial também crítico que me foi fornecido pelo marxismo.

Meu trabalho com os alunos, primeiro na graduação e depois também na pós-graduação, deu-se nessa linha de aprofundamento articulando a teoria com a prática, o que implicou uma forte ligação entre as pesquisas que fui desenvolvendo, cujos resultados eram publicados na forma de livros e artigos e as atividades de ensino.

Rompi, assim, com uma divisão muito freqüente entre os intelectuais que tendem a considerar que a academia, a universidade, é o lugar da teoria, da discussão de idéias; e que a luta política se dá nos partidos, nos sindicatos, nas fábricas, no parlamento, nas instâncias governamentais. Diferentemente disso, sempre encarei meu trabalho na universidade como integrado à luta política mais ampla pela transformação da sociedade, pela defesa dos interesses dos trabalhadores a partir do entendimento científico do desenvolvimento do modo de produção da existência humana no processo histórico, entendimento esse que se explicita nas análises elaboradas por Marx que vêm tendo continuidade nas contribuições dos demais teóricos do marxismo.

Para desenvolver um trabalho com essas características na universidade avaliei que era necessário assegurar os espaços para a investigação séria e objetiva e para a discussão aberta dos resultados alcançados. Isso implicava assumir tarefas organizativas e administrativas, o que me levou à implantação de programas de pós-graduação e à sua coordenação, à organização de orientação coletiva de dissertações e teses, assim como à organização e direção de grupos de pesquisas, além de participar da fundação de sociedades científicas no campo da educação.

Nesse procedimento guiei-me sempre pelo critério de que as atividades administrativas e burocráticas são atividades-meios devendo, portanto, estar sempre subordinadas e a serviço das atividades-fins. Assim, elas devem ser realizadas com cuidado observando-se suas regras sem desperdício de energias, as quais devem ser dirigidas para as atividades-fins.

Esse entendimento é de grande importância para nós, que nos situamos à esquerda no espectro político, porque, em geral, as dificuldades ao nosso trabalho muito frequentemente provêm da cobrança de determinadas exigências formais que nós tendemos a descurar por considerá-las de menor importância.

Diversamente, procurei sempre considerar que, exatamente por serem secundárias, não vou me desgastar com as questões formais. Simplesmente procuro cumpri-las, sujeitando-as ao trabalho principal voltado para a pesquisa e o ensino. Com isso, creio ter conseguido aliar uma produção acadêmico-científica consistente e relevante a um comportamento de certo modo exemplar no que se refere à observância das regras de convivência acadêmica. Penso que é nesse quadro que se encontra a razão da aceitação e do prestígio angariados junto à comunidade científica.

Em sua opinião, quais são as perspectivas da Educação e da Pedagogia enquanto ciência?
R.: Digamos que educação é o fato, um fenômeno empiricamente verificável; um dado da realidade que se manifesta em todas as sociedades. Esse fato pode ser conhecido, analisado, produzindo-se a seu respeito ideias, representações, teorias. A pedagogia está visceralmente ligada à educação como conhecimento, como teoria que a ela se refere. No entanto, importa ter presente que, se toda pedagogia é teoria da educação, nem toda teoria da educação é pedagogia. Como assinalei em meu livro “A pedagogia no Brasil: história e teoria”, p. 80-81, o conceito de pedagogia se reporta a uma teoria que se estrutura a partir e em função da prática educativa. A pedagogia, como teoria da educação, busca equacionar, de alguma maneira, o problema da relação educador-educando, de modo geral, ou, no caso específico da escola, a relação professor-aluno, orientando o processo de ensino e aprendizagem. Assim, não se constituem como pedagogia aquelas teorias que analisam a educação pelo aspecto de sua relação com a sociedade não tendo como objetivo formular diretrizes que orientem a atividade educativa, como é o caso das teorias que chamei de “crítico-reprodutivistas”. Considerando que a ideia dominante de ciência traz a marca forte da concepção positivista, que a limita à emissão apenas de juízos fatuais, excluindo os juízos de valor, a relação da pedagogia com a ciência se revestiu de um caráter problemático. Embora no campo educacional tenha havido uma tendência a dotar a pedagogia de cientificidade, essa aspiração era sempre objeto de contestação. Hoje é comum falar-se em ciências da educação, no plural, incluindo-se nesse âmbito várias modalidades como a sociologia da educação, a psicologia da educação, a biologia educacional, a economia da educação, demografia educacional etc. Tais ciências, vê-se claramente, se constituem como teorias preocupadas apenas com o conhecimento do fenômeno educativo e não com a realização do ato educativo, como é o caso da pedagogia. Por vezes se considera a pedagogia como uma das ciências da educação; outras vezes nega-se à pedagogia o caráter de ciência tendo em vista seu direcionamento à prática e, em consequência, seu envolvimento com a questão dos valores. Entretanto, hoje em dia, tendo em vista a tendência em se superar a visão positivista de ciência, reconhece-se, sem maiores contestações, o caráter científico da pedagogia, entendida como ciência da e para a prática educativa.


O que significa receber o título de pesquisador emérito do CNPq?
R.: Sem dúvida, trata-se de algo bastante gratificante, por várias razões. Em primeiro lugar, porque se trata da mais importante agência de apoio à pesquisa científica e tecnológica do país. Em segundo lugar porque participo diretamente das atividades desse órgão desde 1981 estando, portanto, ligado ao CNPq por quase 30 anos, ou seja, metade de sua existência, já que foi criado em 1951. Com efeito, integrei o Comitê Científico do CNPq na área de Ciências Humanas como representante da educação por dois mandatos consecutivos, de 1981 a 1984, momento em que contribuí para a criação do Comitê Assessor de Educação que passou a contar com 5 membros, todos eles dedicados a tratar das demandas específicas da produção científica na área da educação. A partir daí atuei constantemente como assessor “ad hoc” e vim a participar novamente, em 1998 e 1999, do Comitê Assessor de Educação do qual fui coordenador. Daí decorre a terceira razão de minha satisfação com o título de pesquisador emérito, pois ele expressa uma valorização da área de educação no âmbito do CNPq, sendo esse o primeiro título desse tipo conferido por esse Conselho Nacional a um representante da área educativa. Gostaria, portanto, de dividi-lo com todos os colegas que integram a comunidade científica do campo educacional que, a meu ver, está sendo homenageada com esse reconhecimento oficial.

Em que o senhor está trabalhando agora? Quais são os seus projetos?
R.: Atualmente estou dando prosseguimento às atividades regulares como a coordenação geral do Grupo de Estudos e Pesquisas “História, Sociedade e Educação no Brasil” (HISTEDBR), orientação de dissertação de mestrado e teses de doutorado, supervisão de projetos de pós-doutorado, elaboração de textos sobre temas específicos decorrentes de convites para proferir conferências e participar de seminários e congressos, os quais normalmente se convertem em artigos publicados em revistas científicas. Além disso, estou, no momento, organizando o livro “Educação em diálogo” que espero publicar ainda neste ano. Em seguida pretendo me dedicar a um projeto de pesquisa sobre as máximas e provérbios na educação.

terça-feira, 22 de junho de 2010

A ESCOLA NACIONAL FLORESTAN FERNANDES PRECISA DE VOCÊ! *

Situada em Guararema (a 70 km de São Paulo), a Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF), inaugurada em evento internacional em 23 de janeiro de 2005, foi construída entre os anos de 2000 e 2005, graças ao trabalho voluntário de pelo menos mil trabalhadores sem terra e simpatizantes. Sua missão é a de atender às necessidades da formação de militantes que lutam por um mundo mais justo.

Os recursos para a sua construção foram obtidos com a venda de fotos de Sebastião Salgado e do livro Terra (fotos de Salgado, texto de José Saramago e música de Chico Buarque) e mediante a contribuição de entidades da classe trabalhadora do Brasil, da América Latina e de várias partes do mundo. Os recursos para a sua manutenção e funcionamento são obtidos por meio de financiamento de projetos nacionais e internacionais, por organizações institucionais e privadas, além da colaboração individual.

Atualmente, a ENFF encontra-se ameaçada pelo estrangulamento econômico, graças à ofensiva orquestrada pela direita contra os movimentos sociais, particularmente o MST. A escola também é alvo: o capital não aceita a ideia de que os trabalhadores tornem-se sujeitos conscientes de sua história. Sem recursos, a escola corre o risco de encerrar suas atividades.
Por isso, sua contribuição é mais do que nunca necessária.

O espaço físico da ENFF

A escola está erguida sobre um terreno de 120 mil m2, com instalações de alvenaria de tijolos fabricados pelos próprios trabalhadores. O projeto arquitetônico, oferecido voluntariamente, teve como princípio causar o menor dano ao meio ambiente e, ao mesmo tempo, propiciar o melhor resultado para o sujeito da escola: trabalhadores, alunos, assessores e visitantes.
O trabalho coletivo, voluntário, é uma característica da construção
da ENFF. Trabalhadores, vindos de todo o Brasil e organizados em brigadas,
construíram uma escola para os seus próprios compamheiros e para o
desenvolvimento da luta.

Ao todo, são três salas de aula, que comportam até 200 pessoas, auditório, dois anfiteatros, uma biblioteca com 40 mil livros (obtidos por meio de doação). Além disso, a escola conta com quatro blocos de alojamento, refeitórios, lavanderia, estação de tratamento de esgotos e casas destinadas aos assessores e às famílias de trabalhadores que residem na escola. Dispõe, ainda, de horta que produz para consumo local, e árvores frutíferas espalhadas. Para o lazer, oferece um campo de futebol e uma quadra multiuso coberta.


Bilbioteca da ENFF constituída de 40 mil livros doados, dentre eles os de Eduardo Galeano, que doou exemplares de todas as suas obras.

O seu pleno funcionamento demanda a dedicação integral de 35 trabalhadores militantes residentes no local, de todas as áreas (da administrativa ao setor pedagógico, passando pela infraestrutura elétrica e sanitária e outros). Além disso, todos os que frequentam os seus cursos se encarregam da limpeza, dos cuidados com a horta e outros trabalhos que a manutenção da escola exige. Para assegurar a possibilidade de participação das mulheres, foi construída a “Ciranda Infantil Saci Pererê”, onde as crianças permanecem em ambiente sadio e cuidadoso enquanto seus responsáveis, principalmente as mães, estudam e/ou trabalham.




O trabalho de formação da ENFF

Nos cinco primeiros anos de sua existência, passaram pela escola 16 mil militantes dos movimentos sociais do campo e da cidade, de todos os Estados do Brasil e de outros países da América Latina e da África.

A escola tem o apoio de mais de 500 professores voluntários – do Brasil, da América Latina e de outras regiões –, nas áreas de Filosofia Política, Teoria do Conhecimento, Sociologia Rural, Economia Política da Agricultura, História Social do Brasil, Conjuntura Internacional, Administração e Gestão Social, Educação do Campo e Estudos Latino-americanos. Além disso, oferece cursos superiores e de especialização, em convênio com mais de 35 universidades e mestrado sobre Questão Agrária, por meio de convênio com a UNESP e UNESCO.


A ENFF também mantém convênio com mais de 15 escolas de formação em outros países e com o Ministério da Educação de Cuba, com o objetivo de implementar no Brasil o método de educação e alfabetização lá desenvolvido e praticado.

PARTICIPE DA LUTA EM DEFESA DA ENFF

Em dezembro de 2009, um grupo de intelectuais, professores, militantes e colaboradores resolveu criar a “Associação dos Amigos da Escola Nacional Florestan Fernandes”, com os seguintes objetivos:

• Divulgar as atividades da escola • promover campanhas pela adesão de novos sócios e de solidariedade para angariar recursos, incluindo doações de livros, revistas, publicações e material audiovisual para a Biblioteca • apoiar e incentivar o desenvolvimento de projetos de educação e escolarização de crianças, jovens e adultos do campo, da cidade, das comunidades indígenas e quilombolas, bem como projetos contra as discriminações de raça, cor, gênero, sexo e religião • desenvolver parcerias com instituições que atuem na área da formação e educação • viabilizar projetos que estimulem estudos acerca da tradição do pensamento crítico • estimular intercâmbio de atividades internacionais de formação.

VEJA COMO VOCÊ PODE SE ASSOCIAR:

Para se tornar associado, é indispensável preencher a ficha de adesão com o compromisso de contribuir mensalmente com um valor mínimo de R$ 20,00, ou com contribuições solidárias de qualquer valor. Os fundos angariados serão diretamente destinados à escola e/ou usados para organizar atividades com o objetivo de levantar mais recursos.

***

Faça uma visita monitorada à ENFF, organizada periodicamente por nossa associação [Associação dos Amigos da Escola Nacional Florestan Fernandes]. Você sentirá orgulho de pertencer ao grupo de colaboradores que viabilizará o projeto ENFF.

Para obter mais informações sobre como contribuir, procure a secretaria executiva:
Rua da Abolição nº 167 – Bela Vista – São Paulo – SP - CEP 01319-030
Telefones: (11) 3105-0918; 9572-0185; 6517-4780
e-mail: associacao@amigosenff.org.br site:
www.amigosenff.org.br
Núcleo RJ - contato: amigosdaenff.rj@gmail.com

* Texto reproduzido do comunicado da Associação dos Amigos da Escola Nacional Florestan Fernandes

“Para nós o Poder Popular não é outro senão o Socialismo”

Entrevista com Aleka Papariga, Secretária Geral do KKE

Para os comunistas gregos a única opção [para a presente crise do
capitalismo] é a saída popular, que não pode ser outra senão o socialismo. Não
há saídas intermédias, tão pouco reformistas, num mundo, a seguir à derrota
soviética, em que sectores da pseudo-esquerda sentem pânico da luta pela
transformação revolucionária da sociedade.

Em exclusivo para VOZ, a principal dirigente do KKE (sigla, em grego), influente partido que tem estado na cabeça das mobilizações populares na Grécia, respondeu com gentileza às perguntas que lhe fizemos chegar, por correio electrónico.
Aleka Papariga é a Secretária-Geral do Partido Comunista da Grécia (KKE) desde a década de noventa, depois de se ter destacado como dirigente estudantil. É uma aguerrida parlamentar, cujo protagonismo é extraordinário na actual conjuntura, pois a sua voz levanta-se no Parlamento para se opor às soluções burguesas e, sem nenhum temor, chama as massas populares a rebelarem-se e a resistirem à ofensiva capitalista. A entrevista é um documento de singular valor, esclarece o fundo da situação da crise no velho continente e as causas da mesma.
A Aleka, miúda e de pequena estatura, sobra-lhe coragem. Diz que para os comunistas gregos a única opção é a saída popular, que não pode ser outra senão o socialismo. Não há saídas intermédias, tão pouco reformistas, num mundo, a seguir à derrota soviética, em que sectores da pseudo-esquerda sentem pânico da luta pela transformação revolucionária da sociedade. A postura desta mulher, que orgulha as mulheres e os comunistas, homens e mulheres de todas as latitudes, é medular, interpreta o mais alto da maré da luta de classes e a sua acção está na crista da onda, é um exemplo para o seu país e para o mundo.
Crise cíclica capitalista
Carlos Lozano A Lozano Guillén (CL): - Quais são as causas da actual situação na Grécia?
Aleka Papariga (AP): - A causa da profunda crise em que a Grécia se encontra é a mesma de todos os países capitalistas desenvolvidos. Trata-se de uma clássica crise cíclica da economia capitalista. De facto, é uma crise generalizada e profunda. Independentemente da forma em que se manifesta neste ou naquele país, é o resultado da sobre-acumulação de lucros e capitais e da dificuldade em encontrar novas saídas, sem obstáculos, de rentabilidade contínua, o que é impossível de ultrapassar sem uma depreciação do capital.
Isto é o que os governos, os organismos internacionais imperialistas e os vários
analistas, utilizando todos os meios, tratam de ocultar aos povos.
Na Grécia, a crise apresenta-se como um problema de grande dívida pública e de grande défice estatal. Vale a pena mencionar que no nosso país, nos últimos 15-20 anos, houve altas taxas de crescimento, com um aumento escandaloso dos lucros de todos os sectores da plutocracia. Este «milagre» grego foi levado a cabo por governos social-democratas e liberais, tendo como guia uma estratégia comum que foi apoiada pela União Europeia (UE): medidas contra os trabalhadores, reformas reaccionárias em todos os sectores, reformas laborais e na segurança social, privatizações, mercantilização da saúde e da educação, financiamento estatal e provocadoras medidas de isenção de impostos para o capital.
O objectivo foi o de fortalecimento dos monopólios, tanto gregos como europeus, nas suas actividades dentro e fora da UE.
Ao povo grego foi dito que esta é a via, que esta estratégia assegura o desenvolvimento contínuo e que o resultado final beneficiará também o povo. Os factos vieram dar razão ao Partido Comunista da Grécia [KKE, sigla em grego], que desde o princípio advertiu que esse caminho só ia trazer problemas ao povo e crise.
O povo a pagar a crise
Agora, a classe burguesa e os seus partidos políticos cooperam para que o povo pague a crise e os impasses do capitalismo. Querem descarregar nas costas dos trabalhadores e dos sectores pobres do povo os novos empréstimos públicos para financiar a concentração de capitais que se asfixiam e correm o risco de desaparecer. Ao mesmo tempo, utilizam a crise para aplicar medidas reaccionárias que queriam implementar há vários anos, a fim de embaratecer a força de trabalho e retirar da produção grandes sectores de trabalhadores autónomos e pequenos empresários.
A crise capitalista não é a doença, mas um sintoma da incurável doença do capitalismo, cujo desenvolvimento continua a ser anárquico e desigual, em todos os sectores da economia e na fase em que prevalecem os monopólios. As medidas anti-populares dos governos, na fase de desenvolvimento, bem como na própria crise, são uma demonstração evidente de que o capitalismo está obsoleto. Todas as suas contradições se agudizaram ao máximo e sobretudo a contradição fundamental entre o capital e o trabalho.
CL: - Como pretende resolver a crise o governo social-democrata?
AP: - Antes das eleições, em Outubro passado, advertimos o povo grego, da maneira mais explícita, para as duras medidas que estavam para vir depois das eleições.
Inclusivamente, indicámos a razão pela qual a plutocracia e os mecanismos do sistema escolheram e apoiaram o estabelecimento de um governo social-democrata.
Considerávamos que era mais capaz de impor as duras medidas anti-laborais do que o governo conservador, já que controlava a liderança do movimento sindical, dos pequenos comerciantes e dos trabalhadores autónomos. Assinale-se que, tanto no período pré-eleitoral como agora, o actual governo apresentou a crise, o aumento do défice e da dívida pública como resultado de uma má gestão, de falta de transparência e de corrupção dos governos anteriores.
O governo do PASOK (social-democracia) pretendeu e pretende desorientar e submeter o povo, utilizando truques e dilemas para o intimidar. Ainda que o seu programa contenha as medidas anti-laborais que actualmente implementa e que, inclusivamente, haviam sido votadas e apoiadas pela União Europeia, ao princípio parecia não querer implementá-las e que se viu a isso obrigado pelo curso dos acontecimentos, pelas pressões da UE e do FMI. Ambos os organismos apoiam e ajudam o Governo, propondo as mesmas bárbaras medidas contra os trabalhadores.
Para lançar uma guerra implacável contra o povo utilizou o dilema: ou grandes sacrifícios ou bancarrota. Desta maneira, tratou de apresentar estas medidas, que são necessárias para o capital, como necessárias também para o povo. Apresentou as agudas contradições do capital e dos governos, dentro e fora da UE, como uma guerra de especuladores, à custa do país. Igualmente pretendeu e pretende apresentar e utilizar o apoio de todos os sectores da plutocracia e dos meios de comunicação, como apoio de parte do povo.
Abrindo caminho ao protesto popular
CL
: - Qual é a reacção ou a resposta dos trabalhadores?
AP: - Lamentavelmente, a maioria da classe trabalhadora e dos sectores populares pobres não tiveram em conta, com a seriedade requerida, as advertências do KKE.
Imediatamente depois das eleições, como KKE e como PAME (Frente Militante de todos os Trabalhadores), tomámos iniciativas para desencadear e organizar a tempo a luta contra a ofensiva anti-operária que estava para vir. A primeira greve que o PAME convocou, a 17 de Dezembro, tinha a oposição, tanto do governo, dos grandes industriais e dos partidos burgueses, como dos líderes sindicais que expressam os interesses da aristocracia operária, e todos tiveram uma reacção raivosa.
Não obstante, essa greve e a luta pelo seu êxito marcaram o início do arranque do contra-ataque do movimento de classe organizado, da intervenção política do partido para se dar um golpe decisivo no fatalismo e na submissão, e abriu o caminho para a criação e expressão da disposição militante dos trabalhadores e das classes populares.
Hoje, podemos dizer com segurança, que a propaganda e os dilemas do governo e dos seus aliados não deram frutos. A maioria do povo condenou as medidas e uma grande parte dos trabalhadores e dos sectores populares, superando as várias formas de intimidação, participou nas greves e nas mobilizações, principalmente do PAME e nas manifestações do KKE.
O inconformismo popular
Neste período, constatámos que uma parte significativa dos trabalhadores e do povo sente ressentimento e descontentamento e que se desenvolvem processos significativos na sua consciência. O Governo e a totalidade dos mecanismos do sistema utilizam todas as armas de que dispõem para obstaculizar a sua radicalização. O que realmente os preocupa e querem anular, de qualquer maneira, é a emancipação das consciências populares da via de sentido único do capitalismo. Querem impedir a participação activa no movimento de classe organizado e a adopção das posições e da proposta política do KKE.
Para o conseguir, utilizam o flagrante anticomunismo, a calúnia, as mentiras, as ameaças. Inclusivamente, utilizam provocações organizadas, com mortos, tentando identificar a mobilização dos trabalhadores com a «violência cega» dos serviços secretos.
Nem sequer têm pejo em nos acusar como instigadores morais, por causa da nossa posição de desobediência popular perante as medidas antipopulares, exigindo submissão e renúncia às formas de luta escolhidas pelo movimento. Cada vez mais abertamente nos colocam o dilema «respeitam ou não respeitam a Constituição?», exigindo que deixemos de lutar pelo socialismo.
Que saibam que a nossa resposta é só uma; estão a bater à porta errada. O sistema não pode subjugar o KKE. Para nós, a lei é a razão do povo e não necessitamos de autorização de ninguém para lutar em conjunto com o povo contra a política antipopular, contra a plutocracia, para a sua derrota, e pelo socialismo.
A proposta dos comunistas
CL: - Que saída propõe o KKE?
AP: - Frente aos dilemas que os nossos adversários colocaram ao povo, em relação com a crise, a nossa resposta é que vai cair na bancarrota ou o povo ou a plutocracia. Não existe solução intermédia. Não existe saída da crise a favor do povo, sem que se toque drasticamente nos lucros, na força e, em consequência, no poder dos monopólios. Por isso, a única via que o povo tem para colocar obstáculos às duras medidas tomadas à sua custa é um contra-ataque de classe, político, decisivo.
A nossa proposta de saída da crise resume-se à consigna: «aliança popular de
trabalhadores, anti-monopolista, para o poder popular», que é necessária para conseguir mudanças radicais, primeiro, a nível da economia e, em geral, a nível do poder.
O caminho para satisfazer os direitos populares contemporâneos, para que o nosso país confronte as intervenções e os antagonismos dos organismos imperialistas internacionais, é que o povo esteja no poder, tendo nas suas mãos o controlo da economia e da produção.
Por isso, a proposta de alianças e poder para o povo têm os seguintes eixos básicos: que todas as grandes fábricas e empresas de energia e de matéria-prima, os transportes, as telecomunicações, as indústrias, o comércio e os bancos sejam propriedade social. Que se socializem os monopólios, de maneira que, com a planificação centralizada do poder popular, se utilizem todas as capacidades produtivas do país, tendo como único critério as necessidades do povo. Ao seu lado funcionarão, incluídas na planificação nacional, as cooperativas de produção dos pobres e médios camponeses e dos pequenos comerciantes. Que a terra deixe de ser uma mercadoria. Que não exista actividade empresarial nos sectores da educação, da saúde e do bem-estar social.
A base do poder popular serão as unidades de produção do sector socializado e das cooperativas, cujos representantes poderão ser substituídos e, em simultâneo, existirá o controlo operário popular, da base ao topo.
Esta Grécia do poder popular e da economia popular não cabe em nenhum tipo de organismo imperialista como são a UE, a NATO, etc. Renegociará a dívida pública e tratará de conseguir acordos internacionais e cooperações numa base completamente diferente e utilizará as contradições imperialistas na medida em que o puder fazer. Para nós, o poder popular não pode ser outro senão o socialismo.
O fracasso de Maastricht
CL: - Esta situação, em relação com as especificidades em Portugal e Espanha, demonstra o fracasso da UE e do Tratado de Maastricht?
AP: - O Tratado de Maastricht e a política dos monopólios europeus nele baseada, com o fim de serem mais competitivos e rentáveis que os seus antagonistas, trouxe resultados para o capital europeu. É claro que isto só poderia fazer-se à custa dos trabalhadores e dos povos dos países da UE, assim como dos países onde opera o capital europeu.
O fracasso da UE está subjacente no facto de que a crise demonstrou a bancarrota completa dos argumentos de todos os seus defensores, tanto liberais, como social-democratas e «esquerdas». A UE não é nem pode ser a favor dos povos. É uma construção dos monopólios europeus e, como tal, é reaccionária e perigosa para os povos. No interior da UE não foi enfrentada a desigualdade entre os países; ao contrário, agudizou-se. Não se converteu nem se converterá no contrapeso dos EUA ou de outros centros imperialistas. São aliados e atacam os povos unidos. Ao mesmo tempo, lutam ferozmente entre si, para ganhar no antagonismo, ter a maior parte dos mercados e ampliar a sua influência no mundo.
O caminho a favor do povo é só o socialismo e jogar-se-á primeiro a nível nacional. Na Europa, cada povo que escolha esta via de desenvolvimento e de organização da sociedade contra a exploração do capital e dos monopólios estará obrigatoriamente contra a UE.

* Carlos Lozano é director do semanário de Voz, jornal do Partido Comunista da Colômbia. Aleka Papariga é Secretária-Geral do Partido Comunista da Grécia (KKE)
Esta entrevista foi publicada em Voz nº 2.543, de 2 a 8 de Junho de 2010
Texto em português publicado em www.pelosocialismo.net

sábado, 19 de junho de 2010

Comunista e polemista, Saramago defendeu Cuba e a fusão de Portugal com Espanha

Morto nesta sexta-feira (18), o escritor José Saramago (1922-2010) era também um militante “hormonal” do comunismo e dedicado polemista. Entre seus argumentos, o prêmio Nobel de Literatura defendia que a ditadura dos irmãos Castro em Cuba é um dos mais solidários regimes do mundo e que Portugal deveria entregar-se à Espanha para fundar uma nova nação chamada Ibéria.

Saramago, que já foi filado ao Partido Comunista Português, se definia também como adepto da democracia. Para ele, a falta de debate sobre esse assunto transformava-a em “uma santa no altar, de quem não se espera milagres” e que existe nos tempos de globalização da economia “apenas como uma referência”.
“Não se repara que a democracia em que vivemos é sequestrada, condicionada, amputada”, disse ele durante um debate em Portugal.

“O poder de cada um de nós limita-se na esfera política a tirar um governo de que não gosta e colocar outro de que talvez venha a gostar. Mas as grandes decisões são tomadas em outra esfera. E todos sabemos qual é: as grandes relações financeiras internacionais.”
O escritor dizia-se obrigado a mudar um mundo injusto que encontrou. “O espaço ideológico e político onde eu podia esperar pelo menos alguma coisa que me confirmasse essa idéia era muito claro. Era a esquerda, a esquerda comunista. Aí estou”, resumiu durante sabatina do jornal Folha de S.Paulo, em 2008.

Fã de ironias, afirmou na ocasião que a pergunta sobre sua militância de esquerda apesar dos crimes cometidos na União Soviética é “inevitável em qualquer entrevista”. “Poderia perguntar à pessoa se ela era católica. Provavelmente me diria que sim. E eu teria que perguntar, para seguir na mesma linha: ‘Depois da inquisição, como é que você continua a acreditar?’”, afirmou.

“Sou aquilo que se podia chamar de um comunista hormonal. Da mesma maneira que tenho no corpo, não sei onde, um hormônio que me faz crescer a barba, há outro hormônio que me obriga, mesmo que eu não quisesse, por uma espécie de fatalidade biológica, a ser comunista. É muito simples”, disse.

Apesar de ser um histórico defensor do regime cubano, Saramago ensaiou um rompimento em 2003, quando 75 dissidentes foram presos e três pessoas foram executadas em um julgamento sumário.
Em uma carta, escreveu: "De agora em diante Cuba segue seu caminho, eu fico aqui. Cuba perdeu minha confiança e fraudou minhas ilusões".
Pouco depois, em entrevista a um jornal cubano, reatou: "Não rompi com Cuba. Continuo sendo um amigo de Cuba, mas me reservo o direito de dizer o que penso, e dizer quando entendo que devo dizê-lo".

AdversáriosO líder mundial que mereceu as palavras mais duras de Saramago foi o primeiro-ministro italiano, Silvio Berlusconi, a quem apelidou de “vômito”. “Berlusconi corrompe tudo que toca. Não consigo compreender um personagem tão vulgar, tão ridículo, tão patético”, disse o escritor em um debate na Itália.

“É ofensivo que uma prostituta vá à televisão oficial. Palavra de Berlusconi. Mas parece que não é ofensivo que uma ou mais prostitutas durmam no palácio do governo com o primeiro-ministro da Itália”, atacou.

Em 2005, no auge do escândalo do mensalão, Saramago criticou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva em entrevista à revista Época. “Depois de tantas esperanças, não imaginávamos que escândalos de corrupção tomassem o governo Lula, que representava uma luz nova a um mundo cada vez mais mergulhado em interesses mesquinhos. Ele não poderia ter admitido a corrupção e não consegue combatê-la.”
“Lula está de pés e mãos atados e parece que não vai mais conseguir fazer as grandes medidas que prometeu no plano social. Foi uma decepção para o mundo”, resumiu, para, em 2009, voltar atrás em uma entrevista ao jornal O Globo: “Acho que o presidente Lula tem feito um excelente trabalho neste segundo mandato se aceitarmos como inevitáveis certas ‘infidelidades’ ao seu programa inicial”.

Saramago também fez vários comentários sobre Israel que geraram críticas. Afirmou várias vezes que o tratamento de Israel aos palestinos se compara ao dado aos judeus no campo de concentração de Auschwitz, na Polônia, durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Mas sua declaração recente mais polêmica diz respeito a seu próprio país: sugeriu que Portugal se permita uma fusão com a Espanha.

“Já temos a Andaluzia, a Catalunha, o País Basco, a Galícia, Castilla la Mancha e tínhamos Portugal. Provavelmente [a Espanha] teria de mudar de nome e passar a chamar-se Ibéria. Se Espanha ofende os nossos brios, era uma questão a negociar”, afirmou o escritor em entrevista ao Diário de Notícias, em 2007.

“O Ceilão não se chama agora Sri Lanka, muitos países da Ásia mudaram de nome e a União Soviética não passou a Federação Russa?”, completou, em tom de ironia.

A maioria dos colegas escritores portugueses protestou. Os jornais locais ganharam páginas e páginas contra a sugestão de Saramago. Outros, notaram no comentário apenas mais uma provocação feita pelo literato. Provocação de um homem hormonal.

Obras publicadas
Poesias- Os poemas possíveis, 1966
- Provavelmente alegria, 1970
- O ano de 1993, 1975
Crônicas
- Deste mundo e do outro, 1971
- A bagagem do viajante, 1973
- As opiniões que o DL teve, 1974
- Os apontamentos, 1976
Viagens- Viagem a Portugal, 1981
Teatro- A noite, 1979
- Que farei com este livro?, 1980
- A segunda vida de Francisco de Assis, 1987
- In Nomine Dei, 1993
- Don Giovanni ou O dissoluto absolvido, 2005
Contos- Objecto quase, 1978
- Poética dos cinco sentidos - O ouvido, 1979
- O conto da ilha desconhecida, 1997
Romance- Terra do pecado, 1947
- Manual de pintura e caligrafia, 1977
- Levantado do chão, 1980
- Memorial do convento, 1982
- O ano da morte de Ricardo Reis, 1984
- A jangada de pedra, 1986
- História do cerco de Lisboa, 1989
- O Evangelho segundo Jesus Cristo, 1991
- Ensaio sobre a cegueira, 1995
- A bagagem do viajante, 1996
- Cadernos de Lanzarote, 1997
- Todos os nomes, 1997
- A caverna, 2001
- O homem duplicado, 2002
- Ensaio sobre a lucidez, 2004
- As intermitências da morte, 2005
- As pequenas memórias, 2006
- A Viagem do Elefante, 2008
- O Caderno, 2009
- Caim, 2009
Fonte: UOL Notícias

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Em 14 de junho de 1928, nasceu um grande revolucionário

Camarada Che Guevara, presente!!! Hoje e Sempre!!!


Abaixo, leia poema de Eduardo Galeano em homenagem a Che.

O NASCEDOR

Por que será que o Che
Tem este perigoso costume
De seguir sempre renascendo?
Quanto mais o insultam,
O manipulam
O atraiçoam
Mais ele renasce.
Ele é o mais renascedor de todos!
Não será por que Che
Dizia o que pensava e fazia o que dizia?
Não será por isso que segue sendo
tão extraordinário,
Num mundo onde palavras
e atos tão raramente se encontram?
E quando se encontram
raramente se saúdam
Por que não se reconhecem?

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Sai na Itália o Dicionário gramsciano



Marco Aurélio Nogueira - Junho 2010 - Especial para Gramsci e o Brasil

Coordenado por Guido Liguori e Pasquale Voza, professores e pesquisadores vinculados respectivamente às universidades da Calabria e de Bari, na Itália, o Dicionário gramsciano 1926-1937 apresenta, pela primeira vez, todo o léxico específico do marxismo de Gramsci, reconstruindo e detalhando o significado das palavras e dos conceitos presentes nos Cadernos do cárcere e nas Cartas do cárcere. A edição é de Carocci Editore, Roma.

Trata-se de um esforço coletivo, que mobilizou o trabalho de dezenas de colaboradores de vários países (Brasil incluído). São 600 verbetes, que conjugam rigor científico e clareza de texto, operações essenciais numa obra que pretende contribuir, ao mesmo tempo, para o estabelecimento de parâmetros teóricos mais consistentes e a divulgação do pensamento de Gramsci.

A linguagem de Gramsci é específica. Traduz as reflexões criativas feitas pelo dirigente comunista no cárcere, concentradas na reelaboração teórica do marxismo e particularmente de sua teoria política. Como explicam Liguori e Voza, o léxico gramsciano “inventa palavras novas e reinventa palavras velhas mediante a incorporação enriquecedora de significados distintos”. É uma linguagem que surpreende, instiga, força à reflexão e ao uso da imaginação. Multicolorida, nem sempre sistemática, aberta a múltiplas interpretações: quer dizer, sujeita a uma plasticidade que dificulta o estabelecimento preliminar de entendimentos categóricos. Um dicionário, portanto, torna-se parte estratégica de toda operação intelectual dedicada a emprestar rigor ao relacionamento crítico com a obra de Gramsci.

O Dicionário gramsciano irá se tornar obra de referência fundamental. Os que se remetem ao pensamento de Gramsci, e com ele dialogam de diferentes maneiras, só terão a ganhar com a difusão da iniciativa. No caso dos brasileiros, valem o empenho e a torcida para que o Dicionário seja rapidamente traduzido e publicado no Brasil.

Fonte: http://www.acessa.com/gramsci/?page=visualizar&id=1247

sábado, 5 de junho de 2010

MST conclama solidariedade internacional à Palestina

Da Página do MST

Leia abaixo nota da secretaria nacional do MST com recomendações ao governo brasileiro diante do ataque de Israel a frota humanitária que levava alimentos e remédios aos territórios palestinos.

"É preciso transformar essa indignação diante da violência de Israel num gigantesco movimento de massas de caráter internacional que faça recuar esse mostro nazi-sionista", conclama o MST.

Abaixo, leia a versão integral da nota.


Milhares de palestinos sairam as ruas nesta semana para manifestar seu repúdio a mais esse ato de agressão contra a humanidade praticado por Israel.

O mundo se une à dor e ao sofrimento dos familiares dos mortos, que estavam na frota de barcos que levaria comida e remédios para Gaza.

A heróica tentativa de romper o ilegal e ilegítimo bloqueio israelense só reforça a idéia de que a mais poderosa arma que os povos têm na sua luta por uma sociedade mais justa é a solidariedade internacional.

Mais uma vez fica confirmado que o exercito de Israel é uma organização marcada pela covardia e pela prática de genocídio e terrorismo contra o povo palestino e contra todos que se rebelam em defesa de um Estado Palestino Laico e Democratico.

Nas ruas de varias cidades, que foram ocupadas por israelenses em 1948, bandos de sionistas-fascitas gritam "morte aos árabes" e tentam impedir tambem com violência as manifestações populares a favor de Gaza.

O MST apóia a greve dos trabalhadores e comerciantes nos territórios palestinos, ocupados em 1948 e 1967, que aconteceu nesta terça-feira, e todas as manifestações de protesto que visam pressionar Israel para que cumpra as Resoluções das Nações Unidas sobre a Questao Palestina, respeite os princípios do direito internacional humanitário e para que não interfira nos comboios humanitários que rumam para Gaza.

É preciso transformar essa indignação diante da violência de Israel num gigantesco movimento de massas de caráter internacional que faça recuar esse mostro nazi-sionista.

O expansionismo e o militarismo israelense são parte da tentativa do imperialismo de sufocar as legítimas lutas de libertação nacional e por transformações sociais que se desenvolvem neste momento em todos os países do mundo.

A coragem, a sabedoria e a resistência do povo palestino são simbolos da resistência popular.

O grito de Pátria Livre se faz ouvir em todo o território palestino. Judeus, cristãos, muçulmanos e todas as forças democráticas, progressistas e antiimperialistas dentro e fora da Palestina se mobilizam em um movimento unificado contra o inimigo de toda a humanidade: o governo do Estado de Israel e seu aliado, o imperialismo dos Estados Unidos.

Um delegação do MST que visita a Palestina entrou em contato direto com o escritório da representação diplomática do Brasil em Ramallah-Palestina e recomendamos:

1. A condenação do ataque militar israelense à frota de barcos humanitária que tentava chegar em Gaza. Esse ataque que resultou em vários mortos e feridos, inclusive uma brasileira, Iara Lee, cujo paradeiro até o momento não temos conhecimento (saudamos o Ministério das Relações Exteriores, que divulgou ontem uma nota condenando o ataque, depois do nosso pedido).

2. As representações diplomáticas em Ramallah e Tel-Aviv devem se organizar para fazer uma visita por vilarejos palestinos e cidades, que foram destruídas, e onde o Estado de Israel ainda continua demolindo casas, desrespeitando os direitos humanos e os princípios do Direito Internacional Humanitário.

3. Organizar junto com o Comité Internacional da Cruz Vermelha em Jerusalem uma visita aos presos políticos palestinos, em especial às 34 mulheres e ao representante do Conselho Legislativo Palestino, Ahmad Sadat, que vive uma situação de isolamento absoluto, não podendo receber visitas nem mesmo de sua própria família.

4. O governo brasileiro deve voltar atrás na sua decisão de firmar, ratificar e regulamentar o Tratado de Livre Comercio Israel-Mercosul. Consideramos um grande erro manter relações comerciais desse nível com um Estado que desrespeita cotidianamente os direitos humanos e resoluções da ONU, em relação à Questão Palestina e aos princípios fundamentais do Direito Internacional Humanitário;

5. O governo brasileiro deve aproveitar o momento para refletir e amparar de maneira mais intensa e efetiva os refugiados palestinos que se encontram hoje no Brasil, principalmente os 150 palestinos que saíram do Iraque e ficaram em um Campo de Refugiados na Jordânia, e que se encontram no Estado de São Paulo;

6. O governo brasileiro deve exigir mais uma vez que Israel cumpra as resoluções da ONU sobre o estabelecimento de um Estado Palestino Livre e Soberano no território da Cisjordânia, Gaza e Jerusalém Oriental, conforme resoluções já aprovadas e reiteradas em Assembleia Geral;

7. O Brasil deve utilizar todos os mecanismos disponíveis na Carta das Nações Unidas e outras resoluções internacionais para exigir do governo de Israel que cumpra a decisão do Tribunal Internacional da ONU de derrubar o “muro da vergonha”, que tem cerca de 400 km de extensão e separa o povo palestino e israelense, configurando uma situação de apartheid que priva dos palestinos o direito de ir e vir. Sugerimos uma visita à entrada dos palestinos em Belém, cidade onde nasceu Jesus, que hoje se encontra cercada.

Sigam em frente irmãos e irmãs palestinos, com uma oliveira numa das mãos e uma pedra na outra, lembrando sempre de sua história, de sua origem e de sua tarefa: lutar permanentemente contra o sionismo e o governo de Israel, mesmo estando em condicões bastante desiguais frente ao inimigo-agressor.

Quem não cansa de lutar semeia a cada dia o caminho da vitória. A Palestina será livre, justa e soberana. Esse é o seu caminho e o destino de seu povo. Liberadade e terra para o povo palestino.


Secretaria Nacional do Movimentos dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Oliver Stone ataca a mídia e diz que "Ao Sul da Fronteira" dá voz aos pobres

ALESSANDRO GIANNINI
Editor de UOL Cinema

Apaixonado pela América Latina, Oliver Stone produziu e dirigiu seis documentários sobre a região, dos quais "Ao Sul da Fronteira" é o mais recente. Com data de estreia marcada para esta sexta (4), o filme fala sobre a mudança na geopolitica latino-americana a partir da ascensão ao poder do presidente venezuelano Hugo Chávez.

Personagem de maior destaque no documentário Chávez é colocado como o paradigma de liderança na América Latina. Depois dele, vários outros países elegeram líderes com a cara de seus países - Evo Morales na Bolívia, o casal Kirchner na Argentina, Fernando Lugo no Paraguai, Rafael Correa no Equador e Luiz Inácio Lula da Silva no Brasil. Todos são entrevistados por Stone, que como Michael Moore em seus filmes, também se faz presente.

Na entrevista a seguir, concedida ao UOL Cinema por telefone desde Buenos Aires, onde Stone foi lançar o filme, o cineasta responde a críticas e ataca pesadamente os meios de comunicação, que para ele são o principal instrumento de propaganda e dominação americana na região. "O filme é destinado aos 80% de pessoas que não são representados nesse tipo de filme, os 80% que foram beneficiados pelas políticas desses novos líderes", diz ele. A seguir, os principais trechos.

UOL Cinema - Por que decidiu fazer um filme sobre a geopolítica sul-americana? Quando teve essa ideia pela primeira vez?

Oliver Stone - Eu sempre me interessei pela América Latina. Fiz "Salvador" (1986), sobre a Guerra na América Central, em El Salvador. Visitei muitos países [da região] ao longo desses anos. Fiz "Comandante"(2003), sobre Fidel [Castro], com uma hora e meia, deu muito trabalho. Depois, eu fiz "Looking for Fidel" e, agora, "Ao Sul da Fronteira". É uma série de seis documentários nos quais estou trabalhando. Tenho mais dois: um terceiro filme sobre Castro, agora na velhice, e também um grande projeto chamado "Secret History of United States", com dez horas de duração, para a televisão americana, que sai no início do próximo ano. Estou preocupado com o mundo e com a busca da verdade. O documentário é apenas uma parte da minha carreira. E a ficção, o drama com atores, é outra. Tento dividí-las porque essa é uma grande história, "Ao Sul da Fronteira". É uma história imensa, que os americanos não conhecem. Eles não sabem nada sobre isso. Eles ouvem uma versão completamente falsa sobre [o presidente venezuelano Hugo] Chávez nos meios de comunicação americanos. Eles não sabem nada sobre a Argentina, não sabem sobre a disputa de Nestor Kirchner contra o Fundo Monetário Internacional na América do Sul - [os argentinos] promoveram grandes mudanças no modo como fazem negócios. Não sabem que a Bolívia quer seus próprios recursos, sobre o Equador. Não sabem nada a respeito disso. Só sabem sobre a Colômbia e o México como [focos da] guerra contra as drogas.É tudo o que sabem. E é muito triste para mim que tenham essa imagem da América do Sul.

UOL Cinema - Uma das principais críticas em torno do filme aqui no Brasil é de que "Ao Sul da Fronteira" traz uma visão pronta, quase uma tese.

Oliver Stone - É claro que vão dizer isso. O filme vai ser politicamente criticado. São meios de comunicação muito fortes e poderosos. Se ficar estabelecido que eles não gostam de Chávez ou de Lula, certamente perseguirão o filme, é inevitável. Não posso me importar com isso. O filme é destinado aos 80% de pessoas que não são representados nesse tipo de filme, os 80% que foram beneficiados pelas políticas desses novos líderes. E por falar nisso tivemos uma tremenda exibição do filme em Cochabamba, na Bolívia, com seis mil pessoas. Nunca na minha vida estive numa sala com seis mil pessoas vibrando e aplaudindo. E também na Venezuela, com três mil pessoas. É algo para ser visto. É preciso entender que os filmes existem para as pessoas. E elas meio que ficam enterradas, escondidas. Especialmente os pobres, que não são ouvidos. E esses líderes representam uma mudança.

UOL Cinema - Os críticos acusam o filme de não ouvir o outro lado. Mas existe também uma confusão em torno do que é documentário e o que é tele-jornalismo.

Oliver Stone - Tive esse problema durante anos. Fiz o retrato de [Fidel] Castro, que nunca niguém entrevistou do jeito que o entrevistei. Nunca ninguém viu o lado íntimo, o lado mais próximo, de Castro da maneira como mostramos. E fui criticado por não ter [produzido] um documentário político mostrando suas falhas. Eu nunca teria contado essa história se não tivesse chegado até lá e ganhado sua confiança. Você está certo, eles querem jornalismo, mas também acho o jornalismo falso, por que nos dá uma falsa dualidade. Por exemplo, a BBC vai até a Venezuela para fazer um documentário sobre Chávez. E só pergunta sobre coisas ruins, nunca nem uma vez nada positivo. [Risos]. A verdade é que a economia da Venezuela estourou depois da tomada da companhia de petróleo, até a recessão de 2009, subiu em níveis de mais de 60%. A mesma coisa com a Argentina, que fez tudo errado. Eles foram contra o Fundo Monetário Internacional e, ainda assim, a economia deles ficou louca. Foi muito bem. Essas coisas, muito americanos e, menos ainda, muitos sul-americanos não sabem, não reconhecem e não querem [reconhecer]. É muito rígido aqui, um sistema muito estranho. Porque os meios de comunicação na Venezuela são tão eloquentes e todos os veículos são privados. No Brasil, na Venezuela, na Argentina. Grandes cadeias, grandes famílias, eles são como os oligarcas. Eles são donos dos meios de comunicação, das emissoras de televisão. E eles os usam para interesse o próprio. E eles mentem. E o Departamento de Estado americano concorda com eles porque querem controlar a região e o fazem. Eles fazem isso há 150 anos. O Departamento de Estado fornece o material e os meios de comunicação americanos, as emissoras e as agências publicam as histórias sobre todas essas pessoas. Até mesmo Lula, que era [visto como] a "boa esquerda" sul-americana, agora é visto como a "má esquerda" por causa de sua posição a respeito do Irã, o que mostra quão louca é essa situação. Novamente, falando sobre sanções contra o Irã, o mundo nunca vai chegar a um estado de paz enquanto tivermos essas posturas ideológicas rígidas dos meios de comunicação. Eles estão matando a possibilidade de negociação e consenso.

UOL Cinema - Algo mudou em sua visão sobre esses líderes depois que os encontrou? Falo especificamente de Hugo Chávez e o presidente Lula.

Oliver Stone - Não. Não fiz isso baseado em ideias pré-concebidas. Não acredito mais nos meios comunicação americanos. Tive minhas próprias experiências com eles. E acho que eles foram tão negativos em relação a Chávez que nem mencionaram os outros países. Você vai e volta e quando fui a Venezuela vi um outro país. Aliás, além disso, o filme não é sobre Chávez. Falei de outros países até para ter outras pessoas falando. O filme tem que falar por si só. Fico impressionado com o fato de que as pessoas dizem que não há críticas no filme. Francamente, há um bocado de críticas a eles [os presidentes] no filme, se olhar mais atentamente. Mas essas pessoas nunca parecem satisfeitas. Há muita crítica ao governo de Chávez no filme, tanto por parte dos americanos quanto dos colaboradores dos americanos na Venezuela.

Fonte: http://www.cinema.uol.com.br/