quinta-feira, 29 de novembro de 2012

ONU reconhece Palestina como Estado observador não membro



Por maioria, a Assembleia-Geral da ONU reconheceu nesta quinta-feira a chamada Palestina como um Estado observador não membro. A decisão eleva o status do Estado palestino perante a organização e significa uma importante vitória política para os palestinos.

A resolução foi aprovada com 138 votos dos 193 da Assembleia-Geral. Houve nove votos contrários e 41 abstenções.

O status de Estado observador, semelhante ao do Vaticano, não garante direito a voto e fica aquém do reconhecimento pleno, que transformaria a Palestina no 194º membro da organização. Desde a entrada na ONU, em 1974, os palestinos eram representados pela OLP (Organização para Libertação da Palestina), que tinha o status de entidade observadora.

Pelo direito internacional, o reconhecimento de Estados não se dá na ONU (Organização das Nações Unidas), mas por outros países.

Perante as delegações, o presidente da ANP (Autoridade Nacional Palestina), Mahmoud Abbas, afirmou que "a janela de oportunidade" para a paz "está se fechando".

Ele afirmou que a mudança solicitada pelos palestinos nesta quinta é a "única chance de salvar a solução dos dois Estados". Para Abbas, a operação realizada pelo Exército de Israel contra a faixa de Gaza, há duas semanas, que matou quase 170 palestinos, é um "doloroso lembrete" de que a solução de dois Estados é "uma escolha muito difícil, se não impossível".
Muito aplaudido, ele disse ainda que não aceitará "nada além de uma Palestina independente", que viva ao lado de um Estado judeu. "Não acho que isso seja terrorismo."

O pedido não acontece nesta quinta por acaso. Ele marca o aniversário de 65 anos da resolução que estabeleceu a divisão da Palestina em um estado árabe e outro judeu. Os líderes judeus aceitaram e fundaram Israel. Mas a liderança árabe rejeitou o plano e declarou guerra, reivindicando toda a Palestina.

Logo após Abbas, o representante de Israel tomou o palco e afirmou que a paz só pode ser alcançada por meio de negociações de paz, e não por meio de uma resolução na ONU. Ele ainda criticou Abbas por reivindicar liderança sobre um território que não controla --a faixa de Gaza, dominada pelo movimento radical islâmico Hamas. "Os que apoiarem a resolução hoje estão minando a paz, e não dando o seu apoio."

Prosor afirmou que "os Palestinos estão virando as costas para a paz" e que a entidade "não pode quebrar a relação de 4.000 anos de ligação entre o povo de Israel e a Terra de Israel".

Ele acusou os palestinos de não aceitarem a "mão estendida" de Israel para negociar um acordo de paz. "Essa resolução não serve para as negociações de paz com Israel, não diz nada sobre a segurança de Israel e não pede o fim do conflito". "A verdadeira negociação não é em Nova York, mas sim em Jerusalém e em Ramallah."

PAZ

Mais cedo, o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, pediu formalmente que dirigentes israelenses e palestinos "retomem o processo de paz", paralisado há dois anos. "O necessário, agora, é vontade política e é coragem", disse Ban durante discurso no Comitê sobre os Direitos Inalienáveis do Povo Palestino.

Recomeçar as negociações "é a única maneira de resolver os temas que permanecem suspensos" entre a ANP e Israel e conseguir um acordo de paz, disse.

Ban reiterou sua condenação aos ataques feitos a partir da faixa de Gaza contra o território israelense, bem como a colonização da Cisjordânia por Israel. "O prolongamento da política de assentamentos na Cisjordânia, incluindo Jerusalém Oriental, constitui uma violação do direito internacional e essas ações devem acabar."




quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Luiz Carlos Prestes está vivo e mora no Butantã


Por Rodolfo Lucena


Não, este não é um blog de política, ainda que sejam políticos todos os atos da vida. Também não é um espaço mediúnico nem vinculado a qualquer outra crença que não a fé inabalável na capacidade humana. Apesar disso, no meu treino de hoje vi vivo alguém que está morto.

Luiz Carlos Prestes, o Cavaleiro da Esperança, está lépido e fagueiro no Butantã, um bairro da zona oeste de São Paulo que pouco visito, por onde hoje gastei a sola do tênis em um treininho de hora e meia cheio de surpresas gostosas.

A maior e mais importante é o tema desta mensagem. Prestes, é claro, não revive como figura humana, de carne e osso, mas dá o ar de sua graça na forma de um pequeno parque nomeado em sua homenagem –uma das tantas que esse grande brasileiro merece.


Só quando vi, enquanto corria pelas alamedas butantanescas, a placa anunciando o parque, é que tomei conhecimento de sua existência. Primeiro, fiquei feliz ao ver a celebração desse sujeito que, com Getúlio Vargas, forma talvez a dupla de mais importantes figuras da história brasileira e latino-americana. Depois ficou claro para mim que não poderia terminar minha peregrinação sem conhecer o tal parque.

Atravessei uma avenida e mais outra, entrei por uma ruela e lá cheguei.

De cara, o parque me lembrou Prestes, um gaúcho de quatro costados, porto-alegrense nascido em 1898, resistente para mais de metro, capaz de dirigir a maior peregrinação jamais feita na história do Brasil –a Coluna Prestes–, de enfrentar a tortura e a cadeia, de passar frio e abandono e voltar à luta política para só morrer aos 92 anos.

Na última vez em que conversei com ele –na verdade, foi a única, mas comecei a frase assim para dar a falsa impressão de que eu tinha, em algum momento, privado da intimidade do Cavaleiro da Esperança, como o denominou Jorge Amado na emocionada biografia que escreveu–, o que vi foi um velhinho atarracado, troncudo, lúcido, rápido no gatilho, mas ponderado nas respostas, que falava com voz calma, enrouquecida pelo tempo.

Não lembro bem a data. Foi no final de 1979 ou início de 1980, Prestes tinha voltado ao Brasil pouco depois de proclamada a Anistia, e ficou por uns dias em Porto Alegre. Na época, eu era chefe da sucursal gaúcha do jornal oposicionista “Hora do Povo” e recebi a gostosa incumbência de entrevistar Prestes. Fomos encontrá-lo, eu e mais dois colegas do jornal, em um casarão na zona sul da cidade, onde estava hospedado.

Levamos flores –rosas vermelhas– para dona Maria, companheira de Prestes, com quem vivia desde 1950.

Conversamos por meia hora, uma hora, já não sei, os registros estão no jornal. Sei que Prestes mandou sua mensagem de chamado à luta contra a ditadura, um apelo que estava empolgando uma parcela da juventude.
Isso foi naquela época. 

Pois o Luiz Carlos Prestes de hoje, o parque, lembra muito o Prestes homem, dizia eu. Tal como ele, fui descobrindo enquanto trotava devagar pela única alameda do platô de entrada, é pequeno. Aliás, pequeno demais para servir como homenagem a Prestes, pensei enquanto circulava por ali. 
Mas a aparência miúda se agiganta quando o parque mostra sua alma.


Escondida pelos verdes, há uma escadaria de madeira, degraus feitos de troncos, madeira de demolição encravados na terra para uma escalada rústica a um outro platô; depois, mais outra ainda. O parque é feito em pequenos andares de mata, pequeno e atarracada como o ser que homenageia.

Tem de um tudo: parquinho para a gurizada, área para descanso, para fazer um piquenique, uma estufa para plantas em que são preparadas mudas de árvores, duas quadras de futebol de salão (onde um pequeno grupo de garotos fazia quase um gol a gol, pois jogavam três contra três naquela pequena cancha que, por causa do número de jogadores, devia parecer enorme a eles.


Em um dos cantos do terceiro platô, há uma área com equipamentos para o pessoal da terceira idade fazer exercícios –eu já estou quase lá.

As alamedas para caminhada e eventual corrida são pequeninas. Mesmo assim, vi uma senhora dedicadíssima, que ia e voltava de um lado a outro do segundo platô. Eu também fiz isso como reconhecimento: o trajeto era de apenas 120 metros, menos até que um corredor que venho frequentando ultimamente e que me permite dar 166 passos de ponta a ponta, no que estimo seja um trajeto de uns 150 metros, já que meus passos são modestos…

No terceiro platô, a alameda é um pouco mais alentada, chega aos 200 metros e, como no anterior, o chão de terra batida é coberto com pedriscos (vários deles entraram no meu pé, e lembrei que Prestes foi uma pedra no sapato dos ditadores).

Apesar das alamedas curtas, se você juntar tudo dá um bom treino, rodando de um lado a outro subindo e descendo escadas e aproveitando o verde encravado numa região bem feiosa da cidade, entre uma avenidona e uma rodovia, como você pode ver no mapa abaixo.



O parque funciona de segunda a domingo, das 7h às 18h, e fica na Rua João Della Manna, 665 – Jardim Rolinópolis/ Butantã. Para saber mais, clique AQUI. E para conhecer mais sobre a vida e obra do homenageado, clique AQUI.


PS.: Pelas imagens, nota-se que a Prefeitura escreveu Luiz com s; eu preferi seguir a grafia do site oficial, que é dirigido pela filha do Cavaleiro da Esperança, Anita Leocádia.



terça-feira, 27 de novembro de 2012

"Pão, Terra e Liberdade": 77 anos dos Levantes Antifascistas de 1935


Republicamos o texto de Anita Prestes, escrito na ocasião dos 75 anos dos levantes antifascistas e publicado no jornal Brasil de Fato


A ANL desempenhou um papel relevante na mobilização de amplos segmentos da sociedade e da opinião pública brasileira em defesa das liberdades públicas


Por Anita Leocadia Prestes


Num período de intensa polarização política no cenário mundial, diante do avanço do fascismo em nível internacional e do integralismo no âmbito nacional, a Aliança Nacional Libertadora (ANL), criada em março de 1935, desempenhou um papel relevante na mobilização de amplos segmentos da sociedade e da opinião pública brasileira em defesa das liberdades públicas, gravemente ameaçadas pelos adeptos da Ação Integralista Brasileira (AIB), liderados por Plínio Salgado.

Nesse processo, a influência dos comunistas mostrou-se decisiva não só na formação da ANL e em sua atividade legal, durante os meses de março a julho de 1935, como, principalmente, na preparação dos levantes armados de novembro daquele ano, realizados sob as bandeiras da ANL. O grande prestígio de Luiz Carlos Prestes – o Cavaleiro de uma Esperança que renascera com o desgaste de Vargas após a “Revolução de 30” – foi um fator fundamental para a difusão e a penetração, junto a amplos setores da sociedade brasileira, do programa anti-imperialista, antilatifundista e democrático levantado pelo Partido Comunista do Brasil (PCB) e adotado pela ANL.

A justeza desse programa se evidencia pela aceitação e a repercussão que obteve junto à opinião pública democrática nacional. Como consequência, a ANL veio a transformar-se, em pouco tempo, na maior frente única popular jamais constituída no Brasil. Seu lema: “Pão, Terra e Liberdade”, inicialmente lançado pelo PCB, empolgou centenas de milhares de brasileiros.

Os comunistas, entretanto, cometeram um grave erro de avaliação ao caracterizarem a situação do país, em 1935, como “revolucionária”, considerando que o desgaste do Governo Vargas seria tal que as suas condições de governabilidade estariam esgotadas. Confundindo os desejos com a realidade, os comunistas e muitos dos seus aliados superestimaram as possibilidades reais de organização e mobilização das massas populares. Consideraram que havia chegado a hora de levantar a questão do poder, lançando a consigna de um Governo Popular Nacional Revolucionário, formado pela ANL, através de uma insurreição popular. A proposta dos comunistas, assumida pela ANL, mostrou-se fantasiosa e, portanto, inexequível, resultando na derrota do movimento.

A inviabilidade de promover uma insurreição das massas trabalhadoras no Brasil, em 1935, aliada à conjuntura de intensa agitação e efervescência política então presente nas Forças Armadas, induziu os comunistas e seus aliados da ANL a sucumbirem à influência das concepções golpistas dos militares, fortemente arraigadas no imaginário nacional. Tal fenômeno sobreveio, apesar dos esforços desenvolvidos para organizar e mobilizar as massas, assim como das repetidas e insistentes declarações do PCB, de Prestes e da ANL condenando o golpismo.

As Forças Armadas e, principalmente, o Exército passaram a ser vistos pelos comunistas e aliancistas como o instrumento privilegiado para desencadear a almejada insurreição popular, na medida em que a mobilização dos setores civis mostrava-se mais demorada e difícil. O renascimento das concepções golpistas explica o caminho trilhado pela ANL: da amplitude inicial, quando a entidade se manteve dentro da legalidade, ao radicalismo revelado com a eclosão dos levantes armados de novembro de 35.

A persistência de tais concepções pode parecer fruto das influências tenentistas, supostamente trazidas, tanto para o PCB quanto para a ANL, por L. C. Prestes e muitos dos elementos provenientes do tenentismo. Sem negar tais influências, é necessário considerar que o próprio tenentismo foi um movimento marcado pelo vigor das tendências golpistas, resultantes das características do processo de formação da sociedade brasileira. Uma sociedade, na qual as classes dominantes sempre tiveram força para impor aos setores populares um estado de desorganização e desestruturação social, que viria a tornar-se um dos seus traços marcantes; uma sociedade excludente, na qual não haveria canais para que as massas populares pudessem fazer valer seus direitos e reivindicações. A expectativa de um golpe “salvador” seria a consequência natural de tal estado de coisas.

Se, em 1935, o golpismo dos comunistas e de muitos dos seus aliados se revelou no fato de haverem delegado aos militares o papel de detonadores da “insurreição das massas trabalhadoras”, deve-se considerar que o conteúdo do programa então defendido - antiimperialista, antilatifundista e democrático - era distinto das propostas tenentistas. Sejam as propostas liberais dos “tenentes” dos anos 20, sejam as propostas autoritárias do tenentismo do início dos anos 30. Em 1935, os militares, que iriam desencadear a insurreição projetada, não eram mais tenentistas, mas seguidores de Prestes, que, desde seu Manifesto de Maio de 30, deixara de ser “tenente” para aderir às teses levantadas pelos comunistas - as mesmas que seriam encampadas pela ANL.

Mas o revés do movimento antifascista no Brasil, em 1935, não se explica apenas pela influência das concepções golpistas. O Governo Vargas pôde tirar partido de uma conjuntura internacional favorável ao fascismo e aos regimes autoritários para, com o apoio da direita e brandindo as bandeiras do anticomunismo, impor uma grave derrota às forças democráticas e progressistas do país.


Anita Leocadia Prestes é professora do Programa de Pós-graduação em História Comparada de UFRJ e presidente do Instituto Luiz Carlos Prestes.

FONTE : Brasil de Fato, edição 402, p. 7.

Evento comemorativo do 90º aniversário do 1º levante tenentista




Dia 4 de dezembro, 10 horas.
Local:  Salão nobre do IFCS - Largo S. Francisco, nº1, 2° andar
            Centro, Rio de Janeiro 
Com: Anita Leocádia Prestes
         Lincoln A. Penna
         Marcelo Badaró

GRANDES ATRIZES: UM BRINDE AO TEATRO!!!

Assista as entrevistas de renomadas atrizes do teatro brasileiro (Programa STARTE, da Globo News)


Bibi Ferreira
A artista de quase 90 anos exibe memória inabalável e um senso de humor afiado. Em entrevista, a atriz, diretora e produtora teatral fala de sua paixão pelos palcos e pela música.

Fernanda Montenegro
A atriz não gosta de ser chamada de grande dama do teatro e não concorda com a maioria dos adjetivos que recebeu. Para ela, a idade avançada permite uma visão mais clara de si mesma.

Beatriz Segall
A atriz fala dos desafios da carreira durante a ditadura e sobre a importância do teatro para a cultura de um país. Ela relembra os fatos e personagens que marcaram o Brasil e sua história pessoal.


Nathalia Timberg
Disciplina, estudo e muito trabalho são as marcas de uma geração do teatro brasileiro, vivida por Nathalia Timberg. Seja no famoso TBC, Teatro Brasileiro de Comédia, ou na televisão.



segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Recordações Pessoais Sobre Karl Marx


Por Paul Lafargue (setembro de 1890)



He was a man, take him for all is all,
I shall not look upon his like again.
(Shakespeare – Hamlet, Ato I, Cena 2)

I

Vi Marx, pela primeira vezem fevereiro de 1865. A Internacional havia sido fundada em 28 de setembro de 1864, no comício do St. Martin’s Hall, em Londres. Eu vinha de Paris para tomar conhecimento dos progressos da nossa jovem organização. M. Toloin, hoje Senador da República burguesa e um de seus delegados na Conferência de Berlim, havia me dado uma carta de apresentação.
Eu tinha, então, 24 anos. Jamais esquecerei a impressão que me causou este primeiro encontro. Nessa época, achava-se Marx debilitado fisicamente. Trabalhava no primeiro volume de O Capital, que só veio a ser publicado dois anos depois, em 1867. Ele temia não poder terminar a obra e procurava receber cordialmente os jovens, a quem dizia:

“Eu preciso preparar os homens que, depois de mim, continuarão a propaganda comunista”.

Marx é um desses raros seres que ocupam, ao mesmo tempo, o primeiro plano na ciência e na vida pública. De tal maneira ele exercia essas duas atividades, que era difícil saber o que se projetava em primeiro lugar: se o homem de ciência ou o lutador socialista. Considerando que toda a ciência deve ser cultivada por si mesma e que nas investigações científicas jamais se deve temer as conclusões a que se pode chegar, ele era da opinião de que, se o homem de ciência não quiser ocupar um plano secundário, deve participar incessante e ativamente da vida pública, sem fazer do seu gabinete de trabalho ou do seu laboratório um esconderijo, antes se atirando às lutas sociais e políticas de sua época.

“A ciência não deve significar apenas um prazer egoístico”, dizia Marx. “Os que têm a oportunidade de se consagrar aos estudos científicos deverão ser os primeiros a pôr seus conhecimentos a serviço da humanidade.” Uma de suas frases favoritas era: “Trabalhar pela humanidade”.

Ainda que se comovesse profundamente com os sofrimentos das classes trabalhadoras, não foram considerações de ordem sentimental que o levaram ao comunismo. Impelira-o até aí as conclusões de seus estudos de história e economia política. Entendia que todo espírito imparcial, não influenciado pelo interesse privado ou pelos preconceitos de classe, deveria chegar a essas mesmas conclusões.
Se não levava idéias preconcebidas para o estudo da evolução econômica e política das sociedades humanas, ao escrever assumia, entretanto, a firme intenção de difundir o resultado de suas investigações como base científica do movimento socialista que, até essa época, se perdia entre as nuvens da utopia. Só se apresentava em público em busca da vitória do proletariado, que tem por missão histórica instaurar o comunismo logo que possa tomar em suas mãos a direção política e econômica da sociedade...
A atividade de Marx não dizia respeito apenas ao seu país de origem:

“Sou cidadão do mundo, dizia, “e trabalho onde me encontro”.

Com efeito, para onde quer que fosse conduzido pelos acontecimentos e pelas perseguições políticas, na França, na Bélgica e na Inglaterra, ele participava ativamente dos movimentos revolucionários que se desenvolviam.
Contudo, menos que o agitador incansável e incomparável, era, de início, o homem de ciência que eu via nele, aquele que pude observar trabalhando num quarto do Maitland Park Road, local para onde constantemente afluíam camaradas de todos os cantos do mundo civilizado, que vinham se esclarecer com o mestre do pensamento socialista. O aposento de Marx possui seu sentido histórico. É preciso conhecê-lo para penetrar na intimidade da vida intelectual de Marx.
Estava situado no primeiro pavimento e o largo balcão, por onde penetrava abundante luz, dava para o parque. De um e de outro lado da lareira e de frente para a janela, estavam as estantes repletas de livros, pacotes de jornais e manuscritos. Diante da lareira, de um dos lados da janela, viam-se duas mesas cobertas de papéis, livros e jornais. No centro da sala, na parte mais clara, havia uma mesa singela, de 1 metro de comprimento por 17 centímetros de largura, e uma poltrona de madeira. Entre ela e as estantes, diante da janela, via-se um divã de couro que Marx utilizava para descansar, de vez em quando. Sobre a lareira, havia também livros misturados com cigarros e maços de tabaco, retratos de suas filhas, de sua companheira, de Wilhelm Wolff e de Friedrich Engels.
Marx era fumante inveterado. “O Capitaldizia-me, “jamais me dará o que já gastei em fumo enquanto o escrevia”. Gastava muitos fósforos. Distraído, com tanta freqüência deixava o cachimbo ou o cigarro se apagar que, para reacendê-los, desperdiçava incrível quantidade de fósforos.
Não permitia que ninguém lhe arrumasse – ou, melhor, lhe desarrumasse – os papéis. Na realidade, essa desordem era apenas aparente. Tudo estava no seu devido lugar. Encontrava sempre sem esforço o livro ou o papel que necessitasse. No decurso de uma conversa, interrompia-se com freqüência para mostrar num livro uma passagem ou cifra que queria citar. Estava tão identificado com o ambiente de seu aposento que os livros lhe obedeciam como partes do próprio corpo.
Na maneira de dispor seus livros, ele não dava importância à simetria formal. Volumes de todo tamanho, misturados a folhetos, confundiam-se pitorescamente. Não os arrumava de acordo com as dimensões, mas levando em conta o assunto. Para Marx, os livros representavam instrumentos de trabalho e não objetos de luxo. Afirmava:

“Os livros são meus escravos e hão de servir-me de acordo com meus desejos e com toda a pontualidade”.

Sem levar em conta o formato ou a beleza gráfica, maltratava os livros, dobrava-os em ângulo, borrava-os e sublinhava tal ou qual trecho. Não fazia anotações nos livros, mas marcava-os com um ponto de exclamação ou interrogação quando o autor passava das medidas. Seu sistema de sublinhar permitia-lhe ir ao assunto sempre que julgasse oportuno. Tinha o costume de reler seus cadernos de anotações e as passagens sublinhadas nos livros, guardando os assuntos fielmente na memória, que era de uma extraordinária precisão. Exercitou-a desde a adolescência. Seguindo os conselhos de Hegel, decorava versos escritos em línguas desconhecidas para ele.
Sabia de cor as obras de Heine e Goethe e citava, de memória, trechos desses autores. Lia poetas de todas as literaturas européias. Anualmente, relia Ésquilo no texto grego original. Considerava Ésquilo e Shakespeare os dois maiores gênios dramáticos de todos os tempos. Dedicou-se a estudar profundamente a obra de Shakespeare, por quem sentia admiração sem limites. Conhecia o caráter de todas as personagens criadas pelo dramaturgo inglês. Da sua devoção ao poeta de Hamlet compartilhava toda a família, tanto que suas filhas conheciam de cor os trabalhos de Shakespeare.
Depois de 1848, querendo se aperfeiçoar no conhecimento da língua inglesa, pesquisou e classificou as expressões de Shakespeare. Fez o mesmo com parte da obra do polemista inglês William Cobbert, a quem grandemente se afeiçoara. Entre seus poetas favoritos, contavam-se Dante e Robert Burns. Tinha verdadeiro prazer em ouvir as filhas recitarem-lhe fragmentos de sátiras ou madrigais do poeta escocês.
Cuvier, esse infatigável trabalhador a serviço da ciência, instalara, no Museu de Paris, que dirigia, vários laboratórios para seu uso pessoal. Cada laboratório destinava-se a um fim especial e continha livros, instrumentos e material anatômico adequados. Quando Cuvier se sentia fatigado com determinada pesquisa, passava a outro laboratório, aí continuando outro tipo de estudo. Essa simples troca de atividade representava para ele saudável repouso.
Marx, trabalhador tão incansável quanto Cuvier, não dispunha de meios para instalar tantos laboratórios. Sua forma de descansar era passear pelo quarto. Seus passos como que estavam impressos no tapete, já desgastado, desde a porta até a janela.
De quando em quando, estirava-se no divã e lia um romance. Às vezes, lia dois ou três de uma vez, andando de um lado para outro. Como Darwin, era grande leitor de romances. Tinha preferência pelos do século XVIII, interessando-se, em particular, por Tom Jones, de Fielding. Os autores contemporâneos seus de que mais gostava eram Paul de Kock, Charles Lever, Alexandre Dumas, pai, e Walter Scott, cuja obra Old Mortalítisconsiderava magistralAdmirava as narrações alegres e de aventuras. Cervantes e Balzac eram também autores de sua predileção. Em Dom Quixote via os derradeiros dias da cavalaria andante, que teve seus méritos transformados em objeto de chacota e escárnio, por parte do nascente mundo burguês. Sentia tal interesse por Balzac que se propunha escrever uma obra crítica sobre A Comédia Humana “logo que terminasse seus trabalhos sobre economia”.
Balzac não foi só o historiador da sociedade de seu tempo, mas também o criador de tipos proféticos que, na época de Luís Felipe, existiam apenas em estado embrionário, só se desenvolvendo completamente ao tempo de Napoleão III.
Marx lia com perfeição todas as línguas europeias e escrevia em três: alemão, francês e inglês, causando admiração aos nativos dessas línguas. “Um idioma estrangeiro é uma arma nas lutas da vida”, dizia muitas vezes. Tinha muita facilidade em adquirir conhecimentos de qualquer idioma. Aos 50 anos, começou a estudar o russo e, ainda que esta língua nada tivesse em comum com a etimologia das línguas que conhecia, em seis meses já lia trechos de escritores e poetas russos, como Gogol, Puchkin e Chtcherín. O que o levou a aprender o russo foi o desejo de ler diretamente os documentos de comissões de inquérito oficiais cuja divulgação era proibida pelo Governo do Tzar em virtude das terríveis revelações que continham. Amigos devotados enviavam essa documentação a Marx, que, seguramente, foi o único economista da Europa Ocidental que pode conhecê-la.
Além dos poetas e romancistas, Marx tinha um modo original de se distrair a matemática. A álgebra era para ele como um conforto moral e lhe serviu de refúgio nos momentos mais difíceis e dolorosos de sua agitada existência. Durante a última enfermidade de sua mulher, foi-lhe impossível ocupar-se de seus trabalhos científicos. E o único meio que encontrou para subtrair-se à dor que lhe causava a doença da companheira foi refugiar-se no árido campo da matemática.
Foi durante esse período de sofrimentos morais que ele escreveu um trabalho sobre cálculo infinitesimal, obra de grande valor, segundo os matemáticos que a conheceram. No campo das matemáticas superiores, Marx recuperava o movimento dialético em sua forma mais lógica e mais simples. Era de opinião de que uma ciência não podia verdadeiramente desenvolver-se senão quando pudesse utilizar a matemática.
A biblioteca de Marx, que se compunha de mais de mil volumes, reunidos cuidadosamente durante uma longa vida consagrada às investigações científicas, não lhe bastava. Durante anos, foi frequentador assíduo da biblioteca do British Museum, em Londres, cujo extenso catálogo apreciava.
Seus próprios adversários eram obrigados a reconhecer a extensão e a profundidade de seus conhecimentos, não só na sua especialidade característica, a economia política, mas também no que se refere à história, à filosofia e à literatura universal.
Ainda que se deitasse tarde da noite, levantava-se entre oito e nove da manhã, tomava café, lia os jornais e permanecia no seu gabinete de trabalho até a madrugada. Seu labor não era interrompido senão para comer e passear, de tarde, em Hampstead Heath, quando o tempo o permitia. De dia, repousava no sofá durante uma ou duas horas. Na sua juventude, passava noites inteiras entregue ao trabalho.
Para ele, o trabalho se tornou uma verdadeira paixão, a ponto de fazê-lo esquecer as refeições. Era preciso insistir para que se alimentasse. Logo que acabava de comer, atirava-se novamente ao trabalho. Comia pouco e, como tivesse pouco apetite, estimulava-o com pratos condimentados de vários modos: presunto, pescado, caviar, pepinos. A pouca atividade do estômago contrastava com a da cabeça.
Pelo cérebro, sacrificava todo o corpo. Pensar era sua maior alegria. Ouvi-o, muitas vezes, repetir as palavras de Hegel, seu mestre de filosofia dos tempos da juventude:

“Até o pensamento criminoso de um bandido é maior e mais nobre do que todas as maravilhas do céu”.

Tão contínuo e extenuante era seu trabalho intelectual e esse modo de vida tão incomum que, para suportá-lo, precisava de uma constituição física privilegiada. E, de fato, Marx era solidamente construído. Estatura além da mediana, ombros largos, peito bem desenvolvido e corpo proporcional, com exceção do tronco, um pouco longo em relação às pernas, o que é muito freqüente entre os judeus. Se, na juventude, houvesse feito exercícios físicos, teria sido extraordinariamente forte. O único exercício que praticava regularmente era andar a pé. Podia ficar andando ou escalando colinas por horas inteiras, tagarelando e fumando, sem demonstrar a menor fadiga. Mesmo enquanto trabalhava, ficava andando no gabinete. Sentava por curtos momentos para anotar alguma coisa que lhe ditava o cérebro, sempre em perpétua atividade. Gostava de falar enquanto andava, parando, uma vez ou outra, ao surgir um tema interessante.
Acompanhei-o durante anos em seus passeios por Hampstead Heath. Foi percorrendo os prados que adquiri meus conhecimentos de economia. Talvez sem se dar conta disso, Marx desenvolvia perante mim o conteúdo de seu primeiro volume de O Capital na mesma ordem em que o escrevia.
Assim que voltávamos dos passeios, eu sempre fazia meu melhor esforço para anotar o que ele havia dito. No começo, eu tinha muita dificuldade em acompanhar o fio de seu pensamento, tão profundo e complexo. Infelizmente, perdi essas preciosas anotações. Depois da Comuna, a polícia apoderou-se dos papéis que eu tinha em Paris e Bordeaux.
A perda que mais lastimo é das anotações que fiz uma tarde, após ouvir, de Marx, com a riqueza de demonstrações e seu brilho peculiar, a genial teoria do desenvolvimento da sociedade humana. Como se um véu se rasgasse ante meus olhos, compreendi, pela primeira vez em minha vida, a lógica da história e as causas materiais das manifestações, aparentemente tão contraditórias, do desenvolvimento da sociedade e do pensamento humanos. Fiquei como atordoado e, durante anos, guardei a mais forte das impressões.
O mesmo efeito causei aos socialistas de Madrid, quando reconstitui, ante eles, com meus parcos recursos, essa teoria, a mais genial das teorias de Marx, uma das mais geniais, sem dúvida, que já brotou de um cérebro humano.
Marx recordava-se de uma inesgotável multiplicidade de fatos históricos e das ciências naturais, assim como de teorias filosóficas, de conhecimentos e observações amealhadas no curso de um longo trabalho intelectual e dos quais ele se servia admiravelmente. A qualquer momento, podia-se perguntar a Marx as coisas mais variadas, na certeza de que se obteriam respostas sempre oportunas. Seu cérebro era como um navio de guerra ainda no porto, mas com a caldeira em ebulição, sempre pronto a partir não importava em qual direção do oceano do pensamento.
O Capital revela, por certo, uma inteligência de vigor e riqueza extraordinários, mas para mim, como para todos os que conheceram Marx de perto, nem O Capital, nem outra de suas obras, refletia a envergadura de seu gênio e de seu saber, que, de fato, estava muito acima do que escreveu.
Trabalhei com ele. Apesar de não passar de um secretário a quem ele ditava os textos, pude observar sua maneira de pensar e escrever. O trabalho, para ele, era, ao mesmo tempo, fácil e difícil: fácil, porque os fatos e as idéias referentes aos temas se atropelavam em seu espírito; difícil, precisamente em razão dessa abundância de referências que embaraçava e tornava mais longa a exposição completa de suas idéias.
Dizia Vico:

“As coisas só são corpos para Deus, que tudo sabe; para os homens, que só vêm o exterior, não passam de superfícies”.

Marx captava os fenômenos à maneira da divindade, à maneira de Vico. Não via apenas a dimensão superficial das coisas. Penetrava nelas, estudava todos os elementos, as ações e reações recíprocas, isolava um por um desses elementos e pesquisava-lhes a evolução e o desenvolvimento. Em seguida, passava ao estudo do meio ambiente e observava efeitos e reciprocidades. Ele remontava à origem do objeto de estudo, às transformações, evoluções e revoluções que eles haviam sofrido para alcançar, enfim, seus efeitos mais longínquos. Não se detinha no fenômeno isolado, mas relacionava-o com o ambiente. Via a complexidade do mundo em perpétua atividade.
Queria expressar toda a vitalidade desse mundo em suas ações e reações, tão variadas e em contínua transformação. Escritores da escola de Flaubert e dos Goncourt queixam-se das dificuldades que a realidade apresenta para ser refletida com exatidão. E, no entanto, o que eles pretendem fixar é apenas a dimensão superficial de que nos fala Vico, a impressão produzida pelas coisas. A atividade literária de Flaubert e dos Goncourt é simples jogo infantil comparada ao trabalho de Marx. Era preciso extraordinária potência intelectual para apreender a realidade e capacidade artística não menos extraordinária para descrevê-la.
Marx nunca estava satisfeito com o que produzia. Vivia constantemente fazendo mudanças e sempre achava que a expressão era inferior à concepção.
Ele reunia as duas qualidades do pensador genial. Sabia como ninguém dissecar os diversos elementos componentes de um objeto e, descobrindo sua íntima harmonia, reconstruí-lo, depois, magistralmente, em todos o seus detalhes e formas diferentes de desenvolvimento. Suas demonstrações não se apoiavam em abstrações como o acusam os economistas incapazes de pensar. Marx não empregava o método dos geômetras que, depois de ter tirado suas definições do meio ambiente, abstraem completamente a realidade quando se trata de deduzir conseqüências. Não se encontra em O Capital uma definição única, uma fórmula única, mas sim uma série de análises extremamente criteriosas, revelando as nuanças mais sutis e até as menores diferenças.
Marx começa comprovando o fato evidente de a riqueza das sociedades em que predomina o modo de produção capitalista aparecer como uma imensa acumulação de mercadorias. A mercadoria – fato concreto e não abstração matemática – é, pois, o elemento, a célula da riqueza capitalista. Marx vira e revira a mercadoria, examina-a em todos os sentidos, penetra-lhe o interior, e, afinal, um atrás do outro, desdobra-lhe todos os segredos, dos quais os economistas oficiais não tinham a menor ideia, ainda que tais segredos sejam mais numerosos e mais profundos que os mistérios da religião católica. Depois de examinar a mercadoria em todos os seus aspectos, ele descobre a relação que se estabelece entre elas com a troca. Chega logo à produção e suas condições históricas. Estudando as diferentes formas da mercadoria, mostra como ela passa de uma a outra e como uma determina necessariamente a outra. O desenvolvimento lógico dos fenômenos está apresentado com arte tão perfeita que quase se poderia crer que Marx o inventou. E, no entanto, ele tudo deduziu e outra coisa não fez senão expressar o movimento dialético da mercadoria.
Marx sempre foi extremamente consciencioso em seus trabalhos. Não se utilizava jamais de um fato, uma cifra ou de uma data sem que se apoiasse nas fontes mais autorizadas. Não se satisfazia com informações de segunda mão, mas procurava sempre as fontes, qualquer que fosse o esforço que isso lhe custasse.
Era capaz de ir à biblioteca do British Museum para comprovar o mais insignificante fato. Seus críticos nunca puderam acusá-lo da menor inexatidão ou provar que, em alguma de suas demonstrações, se apoiasse em fatos que não resistissem ao mais rigoroso exame.
O hábito de ir às origens, levou-o a ler autores muito pouco conhecidos e por ninguém citados, a não ser por ele. O Capital contém tal quantidade dessas citações que não é de admirar ver-se alguém tentado a crer que o autor assim o fez por prazer ou vaidade de fazer brilhar seus conhecimentos. No entanto, nada mais injusto:

“Exerço a justiça histórica”, e, dizia Marx “e dou a cada qual o que lhe pertence”.

Considerou, com efeito, que era seu dever indicar o autor, por mais desconhecido ou pouco importante que fosse, que fora o primeiro a expressar uma ideia ou a fazê-lo da melhor maneira.
Sua consciência literária era tão severa quanto sua consciência científica. Não só jamais se basearia em fato de que não tivesse plena certeza, como não se permitiria abordar pontos que não tivesse estudado a fundo. Só publicava alguma coisa após refazê-la tantas vezes quantas julgasse necessário, até atingir a forma adequada. Não podia suportar a idéia de oferecer ao público um estudo insuficientemente trabalhado. Para ele, era verdadeiro martírio ser obrigado a mostrar seus manuscritos antes do último toque. Tão forte era esse sentimento, que, um dia, me disse que preferiria queimar seus manuscritos a deixá-los incompletos.
Seus métodos de trabalho impunham-lhe tarefas das quais seus leitores não poderão ter a menor ideia. Assim se explica que, para escrever aquelas vinte páginas de O Capital sobre a legislação trabalhista inglesa relativa à proteção do trabalho, se obrigasse a estudar toda uma biblioteca de “livros azuis”que continham os relatórios das comissões de inquérito e dos inspetores de fábricas da Inglaterra e da Escócia. Leu todos esses livros, do princípio ao fim, segundo se pode atestar pelos numerosos sinais a lápis que neles fez. Achava que tais informes perfilavam entre os documentos mais importantes que existiam para o estudo do regime de produção capitalista e, a propósito, tinha opinião tão elevada dos homens que os elaboraram que duvidava que se pudesse encontrar em qualquer outro país da Europa “homens tão capazes e tão imparciais quanto os inspetores de fábrica da Inglaterra”. Não lhes regateou sua estima no prefácio de O Capital.
Foi considerável o material encontrado por Marx naqueles livros azuis. Muitos dos membros da Câmara dos Comuns, como da Câmara dos Lordes, para os quais eram distribuídos, não utilizavam esses livros a não ser, por assim dizer, como alvos, sobre os quais atiravam, para medir, conforme o número de páginas que a bala atravessasse, a força de percussão da arma. Houve quem vendesse tais livros a peso. Foi o melhor que fizeram, pois permitiram a Marx, pelo menos, comprá-los a baixo preço na casa de um comerciante de Long Acre, onde costumava ir de tempos em tempos para passar em revista livros e papeladas. Dizia o professor Beesly que Marx era o homem que mais utilizara os inquéritos oficiais da Inglaterra, oferecendo-os ao conhecimento do mundo. Beesly dizia isso porque, sem dúvida, não sabia que, antes de 1845, Engels extraíra numerosos documentos dos livros azuis, com que enriqueceu sua obra sobre a situação da classe operária na Inglaterra.

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AfroCine apresenta "É DREDA SER ANGOLANO" com debate do Prof. Dr. Silvio de Almeida Carvalho Filho/UFRJ


LeÁfrica/UFRJ convida para mais uma sessão do Afrocine, com o documentário “É DREDA SER ANGOLANO”

Data: 29 de novembro de 2012, quinta-feira - 18h
Local: Instituto de História da UFRJ
Largo de São Francisco nº1 – Centro
Rio de Janeiro, RJ, sala 106. Térreo

SINOPSE DO FILME: O documentário foi produzido pelo coletivo Fazuma e ilustra um dia na Angola pós-guerra civil. Esta imersão é feita através do kuduro, do hip hop, das viagens nos kandongueiros e nos diversos personagens que buscam inspiração nas adversidades do dia a dia em busca de uma nova identidade e uma vida melhor.




domingo, 25 de novembro de 2012

Noam Chomsky: Como é tentar sobreviver na maior prisão a céu aberto do mundo

Noam Chomsky visitou a Faixa de Gaza  de 25 a 30 de outubro


Impressões de uma visita a Gaza


Na Faixa de Gaza, a área de maior densidade populacional do planeta, um milhão e meio de pessoas estão constantemente sujeitas a eventuais e amiúde ferozes e arbitrárias punições, cujo propósito não é senão humilhar e rebaixar a população palestina e ulteriormente garantir tanto o esmagamento das esperanças de um futuro decente quanto a nulidade do vasto apoio internacional para um acordo diplomático que sancione o direito a essas esperanças. 




Uma noite encarcerado é o bastante para que se conheça o sabor de estar sob total controle de uma força externa. E dificilmente demora mais de um dia em Gaza para que se comece a perceber como é tentar sobreviver na maior prisão a céu aberto do mundo. Na Faixa de Gaza, a área de maior densidade populacional do planeta, um milhão e meio de pessoas estão constantemente sujeitas a eventuais e amiúde ferozes e arbitrárias punições, cujo propósito não é senão humilhar e rebaixar a população palestina e ulteriormente garantir tanto o esmagamento das esperanças de um futuro decente quanto a nulidade do vasto apoio internacional para um acordo diplomático que sancione o direito a essas esperanças.


O comprometimento a isso por parte das lideranças políticas israelenses foi ilustrado expressivamente nos últimos dias, quando eles advertiram que ‘enlouqueceriam’ se os direitos palestinos fossem reconhecidos, mesmo que limitadamente, pela ONU. Essa postura não é nova. A ameaça de ‘enlouquecer’ (‘nishtagea’) tem raízes profundas, lá nos governos trabalhistas dos anos 1950 e em seus respectivos “complexos de Sansão”: “se nos contrariarem, implodimos as paredes do Templo à nossa volta”. À época, essa ameaça era inútil; hoje não é mais.



A humilhação deliberada também não é nova, apesar de adquirir novas formas constantemente. Há trinta anos, líderes políticos, inclusive alguns dos mais notórios ‘falcões’ (sionistas mais conservadores), apresentaram ao primeiro-ministro um relato detalhado de como colonos regularmente violavam palestinos da forma mais vil e com total impunidade. A proeminente analista Yoram Peri notou com repugnância que a tarefa do exército não é a de defender o Estado, mas de “acabar com os direitos de pessoas inocentes somente porque são araboushim (uma ofensa racial) vivendo numa terra que Deus nos prometeu”.



O povo de Gaza foi selecionado para punições particularmente cruéis. É quase miraculoso que eles suportem tal existência. Raja Shehadeh descreveu como eles o fazem num eloquente livro de memórias, A Terceira Via, escrito há 30 anos. O texto relata seu trabalho como advogado empenhado na tarefa de tentar proteger direitos elementares num sistema legal feito para ser insuficiente, além de sua experiência como um resistente que vê sua casa tornar-se uma prisão por ocupantes violentos e nada pode fazer além de “aguentar”.



A situação piorou muito desde o texto de Shehadeh. Os acordos de Oslo, celebrados com muita cerimônia em 1993, determinaram que Gaza e a Cisjordânia eram uma só entidade territorial. Os EUA e Israel puseram sua estratégia de separá-los para funcionar já naquela época, de forma a barrar um acordo diplomático e punir os araboushim em ambos os territórios.



A punição aos moradores de Gaza tornou-se ainda mais severa em janeiro de 2006, quando eles cometeram um crime hediondo: votaram no “lado errado” na primeira eleição do mundo árabe, elegendo o Hamas. Demonstrando seu amor pela democracia, os EUA e Israel, apoiados pela tímida União Europeia, impuseram um sítio brutal e ataques militares ostensivos logo de cara. Os norte-americanos também imediatamente recorreram ao procedimento operacional padrão para momentos em que populações desobedientes elegem o governo errado: prepararam um golpe militar para restabelecer a ordem.



O povo de Gaza cometeu um crime ainda pior um ano depois. Barraram a tentativa de golpe, levando a uma forte escalada do sítio e das ofensivas militares. Isso culminou, no inverno de 2008-9, na Operação Chumbo Fundido, um dos mais covardes e perversos exercícios de poder militar na memória recente, na qual uma população civil sem defesa e enclausurada ficou sujeita à implacável ofensiva de um dos mais avançados sistemas militares do mundo, que conta com o apoio das armas e da diplomacia estadunidense. Um testemunho inesquecível do morticínio – infanticídio, nas palavras deles – é o livro Eyes in Gaza, de dois corajosos doutores noruegueses, Mads Gilbert e Erik Fosse, que à época trabalhavam no principal hospital de Gaza.



O Presidente Obama não foi capaz de dizer uma palavra além de reiterar sua sincera simpatia pelas crianças sob ataque – na cidade israelense de Sderot. A investida minuciosamente planejada foi levada a cabo justamente antes do empossamento de Barack, assim ele pôde dizer que era hora de vislumbrar o futuro, não o passado.



Obviamente, havia pretextos – sempre há. O de costume, apresentado assim que necessário, é a “segurança”: neste caso, os foguetes caseiros de Gaza. Como de costume, também, o pretexto carecia de credibilidade. Em 2008, estabeleceu-se uma trégua entre Israel e o Hamas. E o governo israelense reconheceu formalmente que o Hamas cumpriu a trégua. Nenhuma bomba do Hamas foi disparada até que Israel rompeu a trégua encoberto pelas eleições presidenciais norte-americanas de 4 de novembro de 2008, invadindo Gaza por motivos ridículos e matando meia-dúzia de membros do Hamas. O governo de Israel foi aconselhado por suas mais altas autoridades de inteligência de que a trégua poderia ser retomada por suavizar o bloqueio criminoso e acabar com as ofensivas militares. Mas o governo de Ehud Olmert, por reputação um “pombo” (termo para os sionistas “moderados”), preferiu rejeitar estas opções e lançar mão de sua enorme vantagem no quesito violência: a Operação Chumbo Fundido.



O modelo de bombardeio da Operação Chumbo Fundido foi analisado cuidadosamente pelo respeitado defensor dos direitos humanos Raji Sourani, natural de Gaza. Ele aponta que o bombardeio concentrou-se ao norte, mirando civis indefesos nas áreas de maior densidade populacional, sem qualquer desculpa do ponto de vista militar. O objetivo, ele sugere, talvez tenha sido mover a população intimidada para o sul, próximo à fronteira com o Egito. Mas, apesar da avalanche terrorista, os resistentes não se moveram.



Outro objetivo provavelmente era movê-los para lá da fronteira. Desde o início da colonização sionista dizia-se que os árabes não tinham motivo para estar na Palestina. Eles podiam continuar felizes noutro lugar e deveriam ser “transferidos” de maneira educada, sugeriam os pombos. Esta, que claramente não é uma preocupação menor do governo egípcio, talvez seja a razão pela qual o Egito não abre sua fronteira seja para civis, seja para os suprimentos dos quais o país necessita desesperadamente.



Sourani e outras fontes dignas de reconhecimento notam que a disciplina dos resistentes oculta um barril de pólvora que pode explodir inesperadamente, como aconteceu na primeira Intifada em Gaza em 1989, após anos de repressão indigna de qualquer interesse ou nota.



Só para mencionar um dos inumeráveis casos, pouco antes da eclosão da Intifada, uma menina palestina, Intissar al-Atar, foi assassinada no pátio da escola pelo morador de um assentamento judeu próximo. Ele era um dos milhares de colonos israelenses trazidos para Gaza, o que violava leis internacionais, sob proteção da enorme presença de um exército que assumiu o controle das terras e da escassa água da Faixa. O assassino da estudante, Shimon Yifrah, foi preso. No entanto, foi solto rapidamente quando o tribunal determinou que “o delito não foi severo o suficiente” para justificar a detenção. O juiz comentou que Yifrah só pretendia assustar a garota por atirar na direção dela, não matá-la, assim, “o caso não é o de um criminoso que deve ser punido com um aprisionamento”. Yifrah recebeu uma pena suspensa de 7 meses, o que levou os outros colonos presentes à sala de tribunal a dançar e cantar. E o silêncio, pra variar, reinou. Afinal, a rotina é essa.



Assim que Yifrah foi libertado, a imprensa israelense reportou que uma patrulha armada atirou no pátio de um colégio para meninos de 6 a 12 anos num campo de refugiados da Cisjordânia, ferindo cinco crianças. O ataque só pretendia “assustá-los”. Não houve punições e o evento, para variar, não atraiu atenção. Era só mais um episódio do programa de “analfabetismo como punição”, disse a imprensa israelense, programa que incluía o fechamento de escolas, uso de bombas de gás, espancamento de estudantes a coronhadas, bloqueio de auxílio médico para vítimas; e para além das escolas predominou a mesma brutalidade, que até asseverou-se durante a Intifada, sob ordens do Ministro da Defesa Yitzhak Rabin, outro bem conceituado “pombo”.



Minha impressão inicial, depois de uma visita de alguns dias, foi de admiração ao povo palestino. Não só pela habilidade de levar a vida, mas também pela vitalidade da juventude, particularmente a universitária, com a qual eu passei um bom tempo numa conferência internacional. Mas também fui capaz de perceber que a pressão pode tornar-se grande demais. Relatos apontam que entre a população masculina jovem há uma frustração crescente e o reconhecimento de que, sob comando dos EUA e de Israel, o futuro não é promissor.



A Faixa de Gaza parece uma típica sociedade de terceiro mundo, com bolsões de riqueza rodeados por uma pobreza medonha. Não é, entretanto, um lugar “subdesenvolvido”. Na verdade, é “des-desenvolvido”, e de maneira muito sistemática, pegando emprestado um termo de Sara Ray, a maior especialista acadêmica em Gaza. Gaza poderia ter se tornado uma região mediterrânea próspera, com rica agricultura, uma promissora indústria pesqueira, praias maravilhosas e, como descobriu-se há dez anos, a perspectiva de uma extensa reserva de gás natural dentro dos limites de suas águas. Coincidentemente ou não, foi há uma década que Israel intensificou seu bloqueio naval, levando navios pesqueiros em direção à costa.



As perspectivas favoráveis foram frustradas em 1948, quando a Faixa tornou-se abrigo da enxurrada de refugiados palestinos que fugiram ou foram expulsos à força do que hoje é Israel.



Na verdade, eles continuaram sendo expulsos quatro anos depois, como informou no periódico Ha’aretz (25.12.2008) o estudioso Beni Tziper. Ele afirma que, já em 1953, “avaliava-se necessário varrer os árabes da região”.



Isso foi em 1953, quando a necessidade de militarização ainda não se insinuava. As conquistas israelenses de 1967 ajudaram a administrar os golpes posteriores. Vieram então os terríveis crimes já mencionados, que continuam até hoje.



É fácil notar os sinais de tais crimes, mesmo numa visita breve. Num hotel perto da costa pode-se ouvir as metralhadoras israelenses empurrando pescadores para fora das águas de Gaza, em direção à própria costa. Assim, eles são levados a pescar em águas que estão poluidíssimas porque norte-americanos e israelenses não permitem a reconstrução dos sistemas de esgoto e energia que eles próprios destruíram.



Os Acordos de Oslo planejavam duas usinas de dessalinização, imprescindíveis em função da aridez da região. Uma, instalação muito avançada, foi construída – em Israel. A segunda é em Khan Yunis, sul da Faixa de Gaza. O engenheiro encarregado de tentar obter água potável para a população explicou que essa usina foi projetada de forma tal que é incapaz de usar água do mar, ela depende de reservas subterrâneas, um sistema mais barato que, no entanto, degrada o aquífero já deficiente. Mesmo assim, a água é limitadíssima. A Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina (UNRWA), que cuida dos refugiados (mas não dos outros moradores de Gaza), recentemente lançou um relatório advertindo que os danos ao aquífero podem em breve tornar-se “irreversíveis”, e que, sem ações reparadoras, Gaza talvez deixe de ser um “local habitável” em 2020.



Israel permite a entrada de concreto para projetos da UNRWA, mas não para os palestinos comprometidos com as enormes necessidades de reconstrução. O equipamento pesado permanece ocioso a maior parte do tempo, já que Israel não permite materiais para reparo. Tudo isso é parte do programa descrito por Dov Weisglass, conselheiro do primeiro-ministro Ehud Olmert, depois de os palestinos terem deixado de seguir certas ordens na eleição de 2006: “a ideia”, disse ele, “é aplicar uma dieta aos palestinos, mas não deixá-los morrer de fome”. Não seria de bom tom.



O plano está sendo seguido conscienciosamente. Sara Roy nos dá vasta evidência disso em seus estudos. Recentemente, após anos de esforços, a Gisha, organização israelense pelos direitos humanos, conseguiu obter uma ordem judicial exigindo que o governo divulgue os planos da “dieta”. Jonathan Cook, jornalista em Israel, assim os resume: “oficiais de saúde forneceram cálculos do número mínimo de calorias que Gaza precisa para que os 1.5 milhão de habitantes não fiquem desnutridos. Esse número traduziu-se no número de caminhões de comida que Israel supostamente permite a cada dia, uma média de apenas 67 caminhões – bem menos do que a metade do requerido. E que se compare com isso os 400 caminhões diários de antes do bloqueio”. Segundo relatórios da ONU, mesmo essas estimativas são bastante generosas.



O resultado da imposição da dieta, observa o especialista em Oriente Médio Juan Cole, é que “cerca de 10% das crianças palestinas com menos de cinco anos tiveram seu crescimento atrofiado pela desnutrição. Além disso, a anemia hoje afeta dois terços das crianças mais jovens, 58,6% das crianças em idade escolar e mais de um terço das grávidas”. Os EUA e Israel querem ter certeza de que nada além da mera sobrevivência seja possível.



“O que devemos ter em mente”, diz Raji Sourani, “é que a ocupação e o encerramento absoluto é um ataque em andamento contra a dignidade humana do povo de Gaza em particular, e contra os palestinos em geral. É degradação, humilhação, isolamento e fragmentação sistemática do povo palestino”. Essa conclusão é confirmada por muitas outras fontes. Em um dos mais importantes periódicos médicos do mundo, The Lancet, um físico de Stanford, horrorizado com o que viu, descreveu a Faixa de Gaza como um tipo de “laboratório de observação da completa ausência de dignidade”, condição que tem efeitos “devastadores” sobre o bem-estar físico, mental e social da população. “A constante vigilância vinda do céu, punições coletivas por bloqueios e isolamentos, invasão de lares e de sistemas de comunicação, além de restrições aos que tentam viajar, casar ou trabalhar, tornam difícil viver de maneira digna em Gaza”.



Havia esperanças de que o novo governo egípcio de Mohammed Mursi, menos servil à Israel do que a ditadura de Mubarak, pudesse abrir a Travessia de Rafah, única saída de Gaza que não está sujeita a controle israelense direto. Até houve uma pequena abertura. A jornalista Leila el-Haddad escreve que a reabertura sob Mursi “é simplesmente um retorno ao status quo de anos anteriores: somente os palestinos portadores de identidades de Gaza aprovadas por Israel podem usar a Travessia”, o que exclui inclusive a família da jornalista.



Ademais, continua Leila, “Rafah não leva à Cisjordânia e não permite o transporte de bens, restrito às travessias controladas por Israel e sujeito às proibições a materiais de construção e exportação”. A restrição à Travessia de Rafah não muda o fato, também, de que “Gaza permanece sob apertado sítio marítimo e aéreo e fechada para qualquer capital cultural, econômico ou acadêmico que venha do resto dos territórios palestinos, o que viola as obrigações dos EUA e de Israel segundo o Acordo de Oslo.



Os efeitos disso são dolorosamente evidentes. No hospital de Khan Yunis, o diretor, que também é cirurgião-chefe, descreve enfurecido tanto a falta de remédios para aliviar o sofrimento dos pacientes quanto a dos equipamentos cirúrgicos mais simples.



Relatos pessoais dão vivacidade à corrente aversão à obscenidade da ocupação. Um exemplo é o testemunho de uma jovem que desesperou-se quando seu pai, que se orgulharia ao saber que sua filha foi a primeira mulher do campo de refugiados a receber um diploma avançado, “faleceu após seis meses de luta contra o câncer, aos 60 anos. A ocupação israelense negou que ele fosse aos hospitais de Israel para tratar-se. Eu tive de suspender meus estudos, meu trabalho e minha vida para ficar ao lado de sua cama. Todos nós, incluindo meu irmão e minha irmã, sentamo-nos ao lado de meu pai, assistindo seu sofrimento impotentes e sem esperança. Ele morreu durante o desumano bloqueio a Gaza no verão de 2006, com pouquíssimo acesso a serviços de saúde. Sentir-se impotente e sem esperança é o sentimento mais terrível que alguém pode ter. É um sentimento que mata o espírito e quebra o coração. Podemos lutar contra a ocupação, mas não podemos lutar contra o sentimento de impotência. Não se pode nem dissolver esse sentimento”.



Aversão à obscenidade combinada com culpa: nós podemos acabar com esse sofrimento e permitir aos resistentes a vida de paz e dignidade que eles merecem.



(*) Noam Chomsky visitou a Faixa de Gaza nos dias 25 a 30 de outubro.



Tradução de André Cristi.


FONTE: Carta Maior