terça-feira, 31 de outubro de 2017

Com reforma trabalhista, empresas oferecem salário de R$ 4,45 por hora trabalhada

Legalização do trabalho intermitente representa "insegurança absoluta" para trabalhador, diz especialista

A nova legislação trabalhista representa o aumento da exploração e a retirada de direitos. Os trabalhadores devem se unir e lutar contra os ataques. Nenhum direito a menos!

Júlia Dolce
Brasil de Fato | São Paulo (SP)

Um anúncio de vagas da empresa Sá Cavalcante, que opera franquias das redes Bob's, Spoleto e Choe's Oriental Gourmet, chamou a atenção nas redes sociais nos últimos dias. Isso porque a oferta de emprego destaca um salário de R$4,45 por hora trabalhada, em uma jornada de cinco horas nos finais de semana.

Trata-se do chamado trabalho intermitente, possível no país com a aprovação da Reforma Trabalhista, que entrará em vigor no dia 11 de novembro.

Para a vice-presidenta da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho, Ana Claudia Bandeira Monteiro, o contato intermitente dificulta a garantia dos direitos dos trabalhadores:

"Eu considero essa questão do trabalho intermitente como uma das mais graves e mais lesivas ao trabalhador, porque o trabalho intermitente em si já traz uma série de retirada de direitos. Então, a partir dessa mudança, o trabalhador intermitente viverá sempre a incerteza de ter trabalho ou não, e de quanto ele ganhará em razão disso. E aí fica difícil de consolidar uma demanda em torno de direitos mínimos. Da forma como está colocado, é a insegurança absoluta", afirmou.

Nesse sentido, Adriana Marcolino, pesquisadora da subseção do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) na Central Única dos Trabalhadores (CUT), ressalta que essa forma de trabalho também prejudica a organização sindical:

"Ele não vai ter uma relação mais fixa e concreta com seu local de trabalho. É difícil formar vínculos de trabalho considerando esse tipo de contrato. Então, para o movimento sindical conseguir organizar esse tipo de trabalhador vai ser muito mais difícil".

Marcolino aponta que uma das maiores responsáveis pela aprovação da medida dentro da Reforma Trabalhista é, justamente, a indústria de Fast food, que já vem anunciando vagas intermitentes, como o caso do grupo Sá Cavalcante.

"Já está pipocando anúncios desse tipo. E é para o setor de Fast food, que mais jogou peso na aprovação do trabalho intermitente. Até chamavam a proposta de "proposta Mcdonald's", porque essa empresa sofreu processos por funcionários que trabalhavam nesse regime", afirmou.

O contrato intermitente não define uma carga horária mínima de trabalho. A lei determina que a empresa deve avisar os trabalhadores com pelo menos três dias de antecedência, por "qualquer meio de comunicação eficaz".

O trabalhador terá o prazo de um dia útil para responder ao chamado, se não, fica presumida a recusa da oferta. Caso o trabalhador não compareça ao trabalho, deverá pagar ao empregador uma multa de 50% da remuneração.

Procurada pela reportagem, a empresa Sá Cavalcante não retornou contato.

Edição: Vanessa Martina Silva


Memórias de Anita Prestes (+ vídeo)

Filha de Olga Benario lança livro sobre a mãe baseado em arquivo secreto da Gestapo

por  Liana Melo

#Colabora entrevista Anita Prestes, assista o vídeo clicando AQUI.


Anita posa ao lado do porta-retrato de Prestes e, ao fundo, quadro de Olga pintado por Portinari, feito com base em fotos publicadas em jornais. Foto de Yuri Fernandes.

A historiadora Anita Leocadia Prestes está escrevendo suas memórias. Aos 81 anos, ela cedeu à pressão dos companheiros mais próximos que insistiam no projeto. Antes que alguém pergunte, ela avisa que não será uma biografia política, como foi “Luiz Carlos Prestes – Um Comunista Brasileiro”, que lançou em 2015 e onde narrou os momentos-chaves da atuação política de seu pai. “Nas minhas memórias, vou falar sobre a minha família, minha avó, meus pais e minha chegada ao comunismo”.

Com a vida corrida, se equilibrando entre as aulas de História no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS/ UFRJ) e as palestras sobre seu mais recente livro, “Olga Benario Prestes – Uma Comunista nos Arquivos da Gestapo”, a filha de Prestes e Olga colocou no papel, até agora, seus primeiros 32 anos de vida. “Cheguei até 1968, mas ainda tem muito chão pela frente”.

Anita foi um “bebê famoso”, como costuma referir-se a si própria. Mas só  recentemente ficou sabendo de detalhes sobre seu nascimento, ocorrido na prisão feminina de Barnimstrasse, na Alemanha nazista, para onde sua mãe foi extraditada pelo governo de Getúlio Vargas, em 1936. O casal Olga e Prestes foi preso no Rio de Janeiro, então capital da República, e separado para nunca mais se encontrar.

A carta escrita por Olga, em 17 de dezembro daquele ano – vinte dias após o nascimento de Anita, em 27 de novembro –, anunciando ao marido a chegada da filha, só veio a ser lida, pela própria historiadora, dois anos atrás. É que a correspondência nunca chegou ao destinatário, porque foi censurada por ter sido redigida em francês – após escrevê-la, Olga foi informada de que todas as cartas precisavam ser escritas em alemão, assim como as que chegavam do exterior.

Anita teve conhecimento da carta em 2015, quando os arquivos da Gestapo, a polícia secreta do Terceiro Reich alemão, foram abertos para consulta pública. “A descoberta de novos documentos é sempre um acontecimento feliz para o historiador, pois lhe permite completar, aprofundar e corrigir os conhecimentos sobre o tema por ele pesquisado”, escreveu Anita em seu livro. Ela contratou uma equipe de sete professores para traduzir a documentação, a maioria em alemão.

Passado revisitado

São 2,5 milhões de folhas que integram 28 mil dossiês, divididos em 50 catálogos. Todo esse material foi apreendido pelo Exército Vermelho após a derrota da Alemanha, em 1945. Sua liberação foi possível após a parceria entre o Instituto Histórico Alemão em Moscou e a Fundação Max Weber. A digitalização completa de todo o acerto, conhecido como “documentos-troféus”, está prevista para ser concluída em 2018. “É um material precioso”, atesta Anita.

O acervo dos nazistas sobre Olga, intitulado “Processo Benario”, trata-se do mais extenso rol de documentos sobre uma única pessoa: oito dossiês contendo cerca de 2 mil documentos. “São 16 cartas inéditas”, conta, comentando que encontrou correspondência de Olga para Prestes, do seu pai, enviada do cárcere no Brasil, para sua mãe, no presídio alemão, além de outras redigidas para Leocadia e Lygia, sogra e cunhada respectivamente.

Ler as cartas trocadas entre Olga e Prestes dá uma dimensão humana ao relacionamento do casal revolucionário. A prisão não diminuiu a paixão entre os dois, que conviveram um ano, três meses e 22 dias, antes de serem presos. Um dos pesquisadores contratos por Anita, Robert Cohen, editor na Alemanha da correspondência de Olga, escreveu a propósito do pouco tempo de convivência do casal: “Pouco tempo, se diria. Mas qual seria o tempo ideal para o amor? A importância de uma relação não se mede por sua duração. Se quisermos saber alguma coisa sobre o amor entre duas pessoas, não devemos indagar o que as pessoas fazem do amor, mas sim o que o amor faz das pessoas. O que o amor fez de Olga Benario e Carlos Prestes descobrimos em suas cartas“.

A correspondência evidencia as diversas formas de censura impostas a sua mãe, antes dela ser assassinada numa câmara de gás no campo de concentração de Bernburg, em 1942 – a última carta escrita por Olga foi em 1941. Foi uma relação marcada por contradições. Se por um lado, Leocadia, a mãe de Prestes, e sua filha mais nova, Lygia, nunca puderam visitar Olga no cárcere, apesar de terem ido três vezes à Alemanha; por outro, permitiam a entrada de 20 quilos contendo alimentos e outros artigos, a cada duas semanas.

“Outras crianças que nasceram na prisão,não tiveram as regalias que eu tive. Fui privilegiada, graças a campanha”, lembra Anita, referindo-se a Campanha Prestes, liderada pela avó e a tia, que, após a prisão do filho e da nora, trocaram Moscou, onde viviam desde o começo dos anos 1930, por Paris, onde passou a funcionar o Comitê Prestes. “A pressão internacional para liberar Olga e Anita incomodava muito. Era a imagem do império alemão sendo denegrida pela imprensa marron”, comenta, referindo-se a sí própria na terceira pessoa. Por conta da pressão internacional, os nazistas tinham a preocupação em manter Anita bem alimentada e saudável durante o tempo em que ficou com a mãe no presídio.

A Gestapo justificava o extremo rigor dispensado a presa não tanto por ela ser judia, mas, sobretudo, por ser considerada uma “comunista perigosa”. Os algozes de Olga queriam saber sobre a Internacional Comunista (Cominterm) e o Partido Comunista Alemão. Queriam nomes. Seu obstinado silêncio era atacado com penosos castigos físicos e privações, que vieram à tona com a liberação dos documentos: “Ademais, solicito que lhe seja atribuída uma árdua carga de trabalho adicional“.  Inabalável em suas convicções, respondia que “se os outros se tornaram traidores, eu jamais o serei” – Anita usou a frase da mãe como epígrafe do seu livro.

Vamos falar sobre fascismo

A casa de Anita é recheada de memórias e registros históricos da trajetória de Prestes e de Olga: fotografias, bustos, quadros… É na sala do apartamento onde mora em Botafogo, que a historiadora tem o raro prazer de conviver simultaneamente com o pai, no porta-retrato sobre o móvel, e a mãe, eternizada no quadro por Portinari.

Entre as lembranças do passado e o envolvimento com a divulgação do livro sobre os arquivos da Gestapo, Anita ressalta que o exemplo de resistência de sua mãe não foi isolado. “Mesmo no campo de concentração nazista é possível resistir. Precisamos levar essa mensagem para os jovens. Modestamente, no que me cabe, eu procuro fazer isso. E tem havido muito interesse, especialmente dos universitários. Eles estão interessados na história da Olga e o que fazer hoje. Estamos praticamente num regime de exceção”.

Ela conta que sempre ouviu do “velho”, como se refere algumas vezes a Prestes, que Olga era uma “pessoa muito humana e solidária”. Soube através de pessoas que conheceram sua mãe, na prisão, durante sua primeira viagem a Alemanha, em 1961, que ela costumava organizar “círculos de leitura clandestinos”, quando lia Tolstói. Bastava a Gestapo descobrir para reprimir. Olga também chegou a confeccionar um “atlas para discutir o panorama da guerra” com outras presas. “Meu pai e eu sempre entendemos que Olga fora uma entre milhares de outras vítimas do fascismo e que seu martírio deveria servir de exemplo para que não se permita que tais horrores venham a se repetir”, escreveu Anita ao final do livro.

Filha de pais ricos, Olga era uma mulher culta. Conhecia profundamente as poesias de Schiller e de Goethe. Seu pai, Leo Benario, um advogado social democrata, era dono de uma biblioteca abastada. Era um homem progressista, ainda que nunca tenha sonhado em ver a filha abraçar o comunismo. Já a mãe, Eugenie Benario, de uma família de banqueiros, renegou a filha e nunca aceitou a opção política de Olga. Chegou a chamá-la de “fanática“, durante um interrogatório a que foi submetida pela polícia de Munique, onde morava.

Eugenie chegou mesmo a informar às autoridades policiais que não se dispunha a ajudar a filha e se recusou a assumir a guarda de Anita. Finalmente, no dia 21 de janeiro de 1938, com 14 meses de idade, o “bebê famoso” foi entregue pela Gestapo à avó paterna. Em poucos dias, Olga foi transferida para o campo de concentração. Chegava ao fim o período de regalias. Ela ainda pode pedir alguns livros e revistas para a sogra e a cunhada. Estava preocupada em manter seu conhecimento de português. Entre outros livros e revistas, chegaram à sede da Gestapo o romance Iracema, de José de Alencar, e a revista francesa L`Illustration. Ambos foram censurados:

“O romance Iracema – Lenda do Ceará, escrito em língua portuguesa, assim como a revista francesa L`Illustration, não devem de maneira alguma ser entregues à prisioneira Olga Benario. O livro português (sic) descreve a vida de luta de um combatente brasileiro pela liberdade e difama em grande medida a forma de governo ordeira. A revista L`Illustration traz um artigo muito hostil a respeito da anexação da Áustria pela Alemanha”.

A Gestapo vetou todas as possibilidade de Olga sair da Alemanha – o que foi permitido a outras presas – , apesar da oferta de asilo concedida pela Inglaterra, pelo México e por Moscou. Quando morreu, a mãe foi imediatamente informada. Afinal, até então era bem-vista. “Acredito ter a impressão de que a mãe de Benario se comportou sempre de modo adequado. Não tenho, por conta disso, qualquer objeção em informá-la da morte de sua filha“, dizia trecho de um dos documentos. A família Prestes foi solenemente ignorada e só soube do assassinato de Olga após o fim da guerra.

A mãe de Olga nunca imaginou que, após renegar a filha por ser comunista, teria o mesmo triste fim. Esqueceu que ser judia na Alemanha nazista era um pecado capital. Eugenia teve seus bens confiscados e foi enviada para o campo de concentração de Theresienstadt. O mesmo destino teve o filho mais velho dos Benario, Otto. Ambos morreram em 1943. Bertold Brecht traduziu com maestria as consequência trágicas que a falta de empatia pode gerar num regime de exceção:  “Primeiro levaram os negros/ Mas não me importei com isso/ Eu não era negro/ Em seguida levaram alguns operários/ Mas não me importei com isso/ Eu também não era operário/ Depois prenderam os miseráveis/ Mas não me importei com isso/ Porque eu não sou miserável/ Depois agarraram uns desempregados/ Mas como tenho meu emprego/ Também não me importei/ Agora estão me levando/ Mas já é tarde/ Como eu não me importei com ninguém/ Ninguém se importa comigo”.



Documentos JFK: CIA consideró explotar bombas en Miami para culpar a Cuba

Por Tim Elfrink
 Miami New Times
OCTOBER 27, 2017


La promesa de Donald Trump a principios de semana de finalmente develar el misterio del asesinato de John F. Kennedy desclasificando una serie de documentos secretos ha resultado en una gigantesca tomadura de pelo. Los National Archives finalmente hicieron público sólo una fracción de los documentosJFK.

Aún así, los 2800 documentos incluidos en la nueva publicación confirma algunos escandalosos detalles de los intentos estadounidenses por décadas para matar o deponer a Fidel Castro -incluyendo un chocante plan de la CIA para sembrar el terror en Miami.

Después de que la revolución de Fidel Castro triunfara y miles de cubanos salieron hacia al Sur de la Florida, la agencia estuvo considerando asesinar a un bote lleno de refugiados, asesinar líderes del “exilio” y plantar bombas en Miami; todo para poder culpar a Fidel Castro del caos.

La idea básica era volver a la opinión pública contra Castro, culpándolo de las atrocidades, y justificar una invasión militar estadounidense. Los detalles del siniestro complot están incluídos en un sumario sobre la Operación Mangosta, una operación encubierta desarrollada por la CIA desde 1960, bajo la presidencia de Dwight Eisenhower, con el objetivo de derrocar a la Cuba comunista.

La campaña fue incluída en un informe sobre “pretextos” que los Estados Unidos pudiera utilizar para justificar una intervención militar en Cuba. El reporte fue enviado el 12 de abril de 1962 por el General Edward Landsdale, un alto oficial de la Guerra Fría quien trabajaba con la CIA en la realización de la Operación Mangosta; él envió el informe, que incluía otros nueve “pretextos”, al General Maxwell Taylor, quien pronto devendría en el Jefe del Estado Mayor Conjunto. Este es el reporte describiendo el plan:




Justo para reiterar cuan alocada es la idea: La CIA pensó sobre bombazos en la Florida y el asesinato de inocentes refugiados simplemente para hacer lucir mal a Fidel Castro.

Afortunadamente, el complot no fue nunca ejecutado. El documento de la operación Mangosta incluye otros aterradores planes, incluyendo la idea de usar armas biológicas para arruinar los cultivos en Cuba, llevando probablemente a la hambruna en Cuba y en una rebelión contra Castro.



Aquel plan fue también abortado aparentemente.

La Operación Mangosta ha sido mantenida reciamente como un secreto. El proyecto encubierto, que tuvo por un tiempo su sede en una base secreta en Opa-Locka, ha sido estudiada por investigadores de la Guerra Fría y de la conspiración para asesinar a JFK. NO está aun claro si los detalles sobre el plan de sembrar el terror en Miami son nuevos, a pesar de que una rápida búsqueda en la web no arroja resultados sobre esta particular idea. (Actualización: Como algunos astutos lectores han hecho notar, muchos de los nuevos detalles revelados sobre la Operación Mangosta por el National Archive ya fueron revelados como parte de un complot nombrado Operación Northwoods, que el presidente Kennedy revisó pero rechazó)

Otros documentos confirman algunas de las decerebradas piezas del complot, incluyendo los infames planes de la CIA de usar absurdos dispositivos, como explotar un tabaco para matar a Castro. Los papeles revelados ahora incluyen informes detallando planes de usar un traje envenenado o un explosivo para asesinarlo y describen a la CIA como presta a colaborar con la mafia para sacar al líder comunista.

Ninguno de esos detalles son particularmente nuevos -esas ideas fueron develadas en 1979 en el libro sobre la CIA del ganador del Premio PulitzerThomas Powers.

Los estadounidense tendrá que esperar otros seis meses para saber si los miles de documentos que la CIA se rehusó a incluir en los revelados recientemente, incluyendo los profundos lazos de Lee Harvey Oswald con las agencias de inteligencia estadounidenses o con la Unión Soviética, serán desclasificados.

Mientras tanto, agradezcamos que la CIA decidió no hacer volar Miami en nombre de ir tras Castro.

(Artículo de Miami New Times/ Versión traducida de Cubadebate)


domingo, 29 de outubro de 2017

Regime de Recuperação dobra a dívida do Rio e não coloca salários em dia

A Auditoria Cidadã da Dívida divulgou neste sábado (28) uma Nota Técnica em que analisa a Dívida do Estado do Rio de Janeiro e o Regime de Recuperação Fiscal acordado entre Temer e Pezão.

Segundo, o relatório: “diversos “esquecimentos” nos cálculos indicados pelo Tesouro em seu documento denominado ‘Plano de Recuperação’ fizeram com que a dívida inicial do Rio de Janeiro refinanciada pela União saltasse de R$ 13,207 para R$ 23 bilhões! Esse fato torna imprestáveis os demais demonstrativos indicados no referido “Plano”, que teriam que ser cabalmente revisados, exigindo-se a realização de completa auditoria dessa dívida, antes de qualquer renegociação.”

Ou seja, o Plano de Recuperação praticamente dobra a dívida do Estado. Além disso, a Auditoria aponta ainda que o acordo Temer-Pezão contempla ainda outros mecanismos ilegais, como “a contratação disfarçada de operação de crédito extremamente onerosa e ilegal” e “o sequestro de parte da arrecadação tributária, que nem chegará aos cofres públicos, tendo em vista que, ainda na rede bancária, será desviada para o setor financeiro”.

Apesar do sacrifício que o Regime de Recuperação impõe ao Rio, o acordo pouco ajudou na reestruturação do Estado. Mesmo com o pacto já valendo, os servidores agora enfrentam o atraso mais longo de salário desde o início da crise. Cerca de 15 mil servidores estão há mais de 70 dias sem salários, incluindo os servidores da UERJ. 

Ocupação do MST no Paraná ganha prêmio por recuperação da Mata Atlântica

Prêmio Juliana Santilli reconhece prática que alia produção de alimentos e preservação ambiental

Acampamento ocupa parte da APA de Guaraqueçaba e desde 2003 concilia a produção de alimentos livres de agrotóxicos


Júlia Rohden
Brasil de Fato | Curitiba (PR)

“Mato para nós não é problema, é solução” brinca o agricultor Jonas Souza. Ele integra uma das 20 famílias do acampamento José Lutzenberger, no município de Antonina. O acampamento ocupa parte da Área de Proteção Ambiental (APA) de Guaraqueçaba, no litoral norte do Paraná, e desde 2003 concilia a produção de alimentos livres de agrotóxicos - de couve à café - com a recuperação da Mata Atlântica. Por isso, a comunidade foi contemplada no prêmio Juliana Santilli, na categoria ampliação e conservação da agrobiodiversidade. A premiação acontecerá em 21 de novembro, em Brasília, e envolve a entrega de troféu, de selo de reconhecimento e apoio financeiro para intercâmbio de experiências.

As famílias comemoraram o prêmio como uma forma de dar visibilidade ao projeto. “Estamos mostrando que nós ocupamos uma área totalmente degradada e estamos recuperando a mata e ainda produzindo alimento sem veneno. Isso mostra que a reforma agrária é um projeto viável, não apenas na questão social, mas também na ambiental”, comenta Jonas, que também é um dos coordenadores do acampamento.

Cerca de 90% do que é produzido pelos agricultores é destinado para as escolas da região através do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). Jonas explica que as famílias trabalham em cerca de 10% da área total, que compreende 240 hectares. “Para trabalhar no sistema agroflorestal não precisa de grandes áreas”, explica. Ele comenta que a perspectiva é ocupar cada vez mais o espaço com a produção.

Apesar de bem estruturado, com casas de alvenaria e energia elétrica, o acampamento ainda está em processo de assentamento. O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) está negociando a compra da terra com os antigos proprietários.

Recuperação ambiental

“Conheci a área antes dos fazendeiros usarem para criar boi. Era uma área preservada, o rio tinha muito peixe e a comunidade plantava para subsistência”, lembra Jonas. Ele conta que as famílias não tinham o documento de posse da terra e os fazendeiros começaram a cerca e ocupar o território. “Por isso começou a luta pela terra e decidimos acampar”, completa o agricultor.

Nos primeiros três anos, as famílias resistiram ao desejo de desistir da área. O rio estava poluído, o solo rebaixado e encharcado, e o pasto dominava a paisagem. Se no início tiveram dificuldade para produzir alimentos para subsistência, hoje a perspectiva é aumentar a produção. A área degradada pela atividade pecuária vai lentamente se recuperando e o resultado fica evidente até aos olhares desatentos: nos lotes que já receberam os cuidados dos agricultores há árvores altas e diversos tipos de plantas, enquanto, muitas vezes ao lado, as áreas que não receberam o manejo são um pasto alto.

Katya Isaguirre, professora de direito ambiental e agrário da Universidade Federal do Paraná (UFPR) que acompanha de perto o acampamento José Lutzenberger, por meio do grupo de pesquisa Ekoa, incentivou a comunidade a se inscrever no prêmio, junto com outro grupo da Pontifícia Universidade Católica do Paraná. “É evidente que a agrofloresta revive a natureza e o exemplo demonstra visivelmente como a paisagem se recupera ao tempo em que os agricultores produzem alimentos saudáveis que lhes garante condições de autonomia”, afirma.

No local é possível encontrar vários estágios de agroflorestas e são testadas diferentes técnicas de manejo e preparo do solo. O primeiro passo para a recuperação é fazer o “berço”, com plantas como hortaliças e banana. Com o tempo e o manejo adequado, os agricultores vão inserindo novas plantas de portes variados.

Jonas Souza ressalta que o sistema agroflorestal traz diversos benefícios. Além da recuperação e preservação da Mata Atlântica, as famílias camponesas passam a ter a geração de renda e a consumir alimentos de qualidade. “Também é beneficiado quem consome esse alimento livre de agrotóxico que, no caso, são principalmente as crianças das escolas municipais e estaduais”, opina.

Alimentação escolar sem agrotóxico

O acampamento, por meio da Associação Filhos da Terra, atende a quatro municípios pela rede estadual (Guaratuba, Morretes, Antonina e Pontal do Sul) e outros três (Matinhos, Antonina e Guaratuba) pela rede municipal de educação, por meio do PNAE. A cada semana são enviados para a rede estadual 1080 kg de tubérculos, 1545 kg de frutas, 390 kg de hortaliças e 45 kg de tempero, informa Ana Paula Rodrigues. A moradora explica que para a rede municipal a quantidade varia de acordo com a demanda da nutricionista escolar e, além dos alimentos in natura, também são enviadas geleias, doces e polpas de frutas. “Tudo produção agroecológica certificada”, destaca.

Jonas Souza diz que a expectativa para 2018 é criar uma cooperativa e participar de novas chamadas públicas. Até o fim deste ano, uma nova unidade deve ser finalizada, para processar os alimentos e ampliar a produção. No espaço atual, são descascados e embalados alimentos como mandioca, abóbora e palmito, e higienizados o restante dos outros produtos que chegam das hortas das famílias. Também são produzidas geleias e polpas de frutas.  “A produtividade está aumentado e é natural que isso acontece:  as famílias vão ganhando mais experiência na técnica, o mercado vai se abrindo para a produção da agroecologia e as agroflorestas começam a se recuperar e a crescer espécies novas”.

Paraná é destaque na produção de orgânicos

De acordo com dados do Ministério da Agricultura e Abastecimento, o Paraná é o estado com maior número de propriedades rurais orgânicas certificadas, com mais de duas mil unidades.

Parte dos alimentos orgânicos produzidos no estado são comercializados pela Cooperativa Central da Reforma Agrária do Paraná (CCA-PR), que centraliza 17 cooperativas regionais e a produção de mais de 20 mil famílias nos 311 assentamentos paranaenses da reforma agrária. Os alimentos chegam até os consumidores de diversas formas e neste mês a CCA-PR lançou um site que facilita ainda mais a compra dos produtos para quem mora na capital Curitiba. 

“O Paraná reúne experiências de bastante tempo na agroecologia e um exemplo disso é a Jornada de Agroecologia que já está em sua 16ª edição”, lembra Katya Isaguirre, se referindo a um dos maiores eventos nacionais de incentivo à agroecologia que aconteceu no final de setembro, na cidade da Lapa. “O trabalho da Associação para o Desenvolvimento da Agroecologia (Aopa) é outro exemplo porque reúne grupos de agricultores familiares de Curitiba e região metropolitana para acessar programas como o PAA e PNAE e fazer vendas diretas e nas feiras”, completa.

Edição: Ednubia Ghisi


Exibição do filme "Sobral - O Homem que Não Tinha Preço" no Canal Curta!

"Sobral- O Homem que Não Tinha Preço" será exibido pelo Canal Curta! no dia 3 de novembro de 2017, sexta-feira, às 22:30h.



Horários alternativos na foto abaixo, ou consulte a programação no site do canal: www.canalcurta.tv.br



Sobral - O Homem que Não Tinha Preço

Gênero: Documentário 
Diretor: Paula Fiuza 
Duração: 90 min     Ano: 2012     País: Brasil     UF: RJ 

Sinopse: Em 1999, um jovem advogado tem acesso a arquivos secretos de áudio do Superior Tribunal Militar, e encontra registros impressionantes de defesas de presos políticos durante a ditadura, um raio X dramático dos anos de chumbo. Nas gravações, umas das vozes que mais se ouve, indignada e desafiante, é a do jurista Sobral Pinto. A partir da descoberta destes arquivos históricos, o filme "Sobral - O Homem que Não Tinha Preço" leva o público a conhecer a figura singular de Sobral Pinto: a coragem, a ética, o humor, a fé, a luta incansável pela justiça - sem cobrar honorários nem aceitar favores. Com depoimentos de personagens como Luís Carlos Prestes e sua filha Anita Leocádia, Zuenir Ventura, e do próprio Sobral, impagável em seus relatos e opiniões, o filme resgata um dos maiores advogados da história do Brasil, que colocou a justiça acima de qualquer ideologia e desafiou todos os ditadores brasileiros do século 20, tornando-se um dos maiores defensores dos direitos humanos de que já se teve notícia. 

Classificação Indicativa: Livre 

ANITA PRESTES E PAULA FIUZA NA PRÉ-ESTREIA DO FILME
RIO DE JANEIRO, 29 DE OUTUBRO DE 2013



sábado, 28 de outubro de 2017

Noam Chomsky faz o diagnóstico da era Trump

Esta entrevista foi extraída do livro Global Discontents: Conversations on the Rising Threats to Democracy, o novo livro de Noam Chomsky e David Barsamian que será publicado em Dezembro.

David Barsamian: Falou da diferença entre as palhaçadas de Trump, que têm uma permanente cobertura mediática, e as políticas que procura na realidade levar por diante, que recebem menos atenção. Acha que ele tem uma agenda coerente do ponto de vista económico ou de política interna ou externa? O que é que Trump conseguiu verdadeiramente alcançar nos seus primeiros meses como presidente?

Noam Chomsky: Há uma manobra de diversão em curso, talvez como resultado natural das tendências da figura na boca de cena e aqueles que trabalham nos bastidores.
Por um lado, as artimanhas de Trump garantem que a atenção se foca nele, pouco importa como. Quem é que hoje sequer se lembra da acusação de que milhões de imigrantes ilegais haviam votado em Clinton negando àquela figura patética uma vitória retumbante? Ou da acusação de que Obama teve a Trump Tower sob escuta? Estas alegações, por si só, nada importam. O que é preciso é que a atenção se desvie do que está a acontecer nos bastidores. Aí, longe dos holofotes, a ala mais radical do Partido Republicano vai cuidadosamente avançando políticas que têm como objectivo enriquecer o seu verdadeiro eleitorado: o eleitorado do poder privado e da riqueza, os “donos do mundo”, para usarmos a expressão de Adam Smith.
Estas políticas irão prejudicar a população global, irrelevante para eles, e devastar gerações futuras, mas isso pouco preocupa os Republicanos. Eles têm tentado impor legislação igualmente destrutiva desde há anos a esta parte. Paul Ryan, por exemplo, vem de há muito apregoando a sua ideia de praticamente eliminar o governo federal, excepto o serviço prestado ao eleitorado – apesar de, no passado, ter embrulhado as suas propostas em folhas de cálculo, de modo a parecerem sofisticadas aos comentadores. Agora, enquanto a atenção se foca nas últimas loucuras de Trump, o gangue de Ryan e o ramo executivo forçam legislação e dão ordens que ameaçam os direitos dos trabalhadores, lesam a protecção aos consumidores e prejudicam seriamente as comunidades rurais. Procuram destruir programas de saúde, revogando os impostos que os pagam de modo a enriquecer o seu eleitorado, e eliminar o Acto Dodd-Frank, que impôs alguns constrangimentos muito necessários no sistema financeiro predatório que cresceu durante o período neoliberal.
Isto é apenas uma amostra de como a destruição está a ser conduzida pelo Partido Republicano com o seu novo poder. De facto, este já não é um partido político no sentido tradicional. Os analistas políticos conservadores Thomas Mann e Norman Ornstein descreveram-no como uma “insurgência radical”, que abandonou a política parlamentar convencional.
Muito disto tem sido levado a cabo às escondidas, em reuniões privadas, tão longe do conhecimento do público quanto possível. Outras políticas republicanas são mais conhecidas, como a retirada do Acordo de Paris, que isolou os EUA como um estado à parte, que recusa participar nos esforços internacionais para confrontar a ameaça de desastre ambiental. Pior ainda, têm a intenção de maximizar o uso de combustíveis fósseis, incluindo os mais perigosos; desmantelar as regulações; e cortar radicalmente o investimento na pesquisa e desenvolvimento das fontes de energia alternativa, que dentro de pouco tempo serão necessários a uma sobrevivência digna.
As razões por detrás destas políticas são diversas. Algumas são simplesmente serviço ao eleitorado. Outras preocupam pouco os “donos do mundo”, mas são concebidas para agarrar segmentos do eleitorado que os Republicanos têm conseguido manter, já que as políticas republicanas se têm desviado tanto para a direita que as suas propostas não atraem eleitores. Por exemplo, acabar com o apoio ao planeamento familiar não é serviço ao eleitorado. De facto, esse grupo pode na sua maioria prover o planeamento familiar. Mas esses cortes apelam à sua base de apoio entre os Cristãos Evangélicos – eleitores que fecham os olhos ao facto de estarem na realidade a apoiar um maior número de gravidezes indesejadas e, portanto, aumentando a frequência do recurso ao aborto em condições prejudiciais e até mesmo letais.
Nem todos os estragos poderão ser imputados ao charlatão que nominalmente está ao comando das operações, à sua agenda extravagante ou às forças do congresso que desencadeou. Alguns dos mais perigosos desenvolvimentos que se têm verificado com Trump têm raízes em iniciativas de Obama – iniciativas aprovadas, certamente, sob pressão do Congresso Republicano.
A mais perigosa quase não foi reportada. Um estudo muito importante no Bulletin of Atomic Scientists, publicado em Março de 2017, revela que o programa de modernização das armas nucleares de Obama aumentou “o poder destruidor das forças de mísseis balísticos existentes nos EUA num factor de aproximadamente 3 – e cria exactamente o que esperaríamos ver, se um estado com armas nucleares planeasse ter o poder de travar e vencer uma guerra nuclear desarmando os inimigos com um primeiro ataque-surpresa.” Como apontam os analistas, este novo poder ameaça a estabilidade estratégica de que depende a sobrevivência da espécie humana. E o registo arrepiante de momentos próximos da catástrofe e de comportamentos irresponsáveis por parte de líderes em anos passados demonstra quão frágil é a nossa sobrevivência. Neste momento, este programa está a ser levado avante sob o comando de Trump. Estes desenvolvimentos, em conjunto com a ameaça de desastre ambiental, ensombram todo o resto; e pouco se discutem, enquanto a atenção se dirige às performances do artista na boca de cena.
Não é claro que Trump tenha noção do que ele e os seus acólitos estão a preparar. Talvez ele seja autêntico: um megalomaníaco ignorante cuja única ideologia é ele mesmo. Mas o que está a acontecer sob o comando da ala extrema da organização Republicana é muito claro.

DB: Vê alguma actividade encorajadora no lado dos Democratas? Ou é tempo de começar a pensar num terceiro partido?

NC: Há muito que considerar. A característica mais notável da eleição de 2016 foi a campanha de Bernie Sanders, que mudou o padrão estabelecido por mais de um século de história política dos EUA. Um corpo substancial de investigação em ciência política atesta de forma convincente que as eleições são sem dúvida compradas; o financiamento das campanhas é só por si um factor de previsibilidade eficaz no que toca à elegibilidade, quer para o Congresso, quer para a Presidência. Também permite prever as decisões das entidades oficiais eleitas. Do mesmo modo, uma maioria considerável do eleitorado (os mais baixos na escala de rendimentos) estão de facto marginalizados, na medida em que os seus representantes ignoram as suas preferências. Nesta perspectiva, é pouco surpreendente a vitória dum bilionário estrela de TV, com apoio substancial dos média: apoio directo do principal canal de cabo, a Fox, de Rupert Murdoch, e de programas de rádio muito influentes de direita; apoio indirecto mas generoso por perto do resto dos maiores meios de comunicação, seduzidos pelas artimanhas de Trump e as receitas de publicidade que entraram.
A campanha de Sanders, por outro lado, cortou radicalmente com o modelo dominante. Sanders era pouco conhecido. Quase não tinha apoios nos principais meios de financiamento, foi ignorado ou achincalhado pelos média e identificou-se com a assustadora palavra “socialista”. Ele é agora a mais popular figura política no país por uma larga margem.
No mínimo, o sucesso da campanha de Sanders mostra que se podem fazer muitas opções mesmo dentro do quadro redutor dos dois partidos, com todas as barreiras institucionais que impedem que nos libertemos dele. Durante a Administração Obama, o Partido Democrático desintegrou-se ao nível local e estatal. O Partido já tinha abandonado a classe trabalhadora anos antes, ainda mais com as políticas comerciais e fiscais de Clinton, que minaram a produção dos EUA e o emprego estável que esta proporcionava.
Não há falta de propostas políticas progressistas. O programa desenvolvido por Robert Polli no seu livro Greening the Global Economy constitui uma abordagem muito promissora. O trabalho de Gar Alperovitz sobre a construção de uma democracia autêntica baseada na autogestão dos trabalhadores é outra. A implementação prática destas abordagens e ideias relacionadas está a tomar forma de muitas maneiras diferentes. Organizações populares, algumas delas resultado da Campanha de Sanders, estão activamente envolvidas em aproveitarem as muitas oportunidades que se apresentam.
Ao mesmo tempo, o quadro estabelecido de dois partidos, apesar de respeitável, não está de modo algum gravado na rocha. Não é segredo que, em anos recentes, as instituições políticas tradicionais têm estado em declínio nas democracias industriais, sob o impacto do que é designado “populismo”. O termo é usado muito livremente para referir a onda de descontentamento, raiva e desprezo pelas instituições que tem acompanhado o assalto neoliberal da última geração, que conduziu à estagnação para a maioria e, ao mesmo tempo, uma concentração de riqueza nas mãos de uns poucos.
A democracia funcional vai-se desgastando como efeito natural da concentração do poder económico que se traduz rapidamente em poder político por meios que conhecemos, mas também por razões mais profundas e fundamentais. A pretensão da doutrina é que a transferência do poder de decisão do sector público para o “mercado” contribui para a liberdade individual, mas a realidade é diferente. A transferência ocorre das instituições públicas, nas quais os eleitores têm uma palavra, tanto quanto a democracia funcionar, para as tiranias privadas (as corporações que dominam a economia), nas quais os eleitores não têm qualquer palavra a dizer. Na Europa, há um método ainda mais directo de ameaçar a democracia: colocar decisões cruciais nas mãos duma troika não eleita (o FMI, o BCE, a Comissão Europeia), que ajuda os bancos da Europa do Norte e os credores, não o eleitorado.
Estas políticas têm como objectivo fazer com que a sociedade deixe de existir, a famosa descrição que Margaret Thatcher fez do mundo tal como o percepcionava – ou, mais exactamente, como esperava criá-lo: um mundo onde não existe sociedade, apenas indivíduos. Esta foi uma paráfrase involuntária de Marx e da sua amarga condenação da repressão em França, que deixou a sociedade como um “saco de batatas”, uma massa amorfa, que não funciona. No caso em questão, o tirano não é um líder autocrático (no Ocidente, pelo menos), mas concentrações de poder privado.
O colapso de instituições centristas de governo foi evidente em eleições: em França em meados deste ano, e nos EUA, alguns meses antes, onde os dois candidatos que mobilizaram as forças populares foram Sanders e Trump – embora Trump não tenha perdido tempo para demonstrar a fraudulência do seu “populismo” garantindo rapidamente que os elementos mais severos do velho establishment estariam firmemente acomodados no poder no “pântano” luxuriante.
Estes processos podem levar à quebra do rígido esquema norte-americano de ter uma regra de um partido com duas fracções a competir entre si, com blocos de eleitorado que vão variando com o tempo. Pode ser uma oportunidade para a emergência de um verdadeiro “partido do povo”, um partido cujo eleitorado sejam de facto as pessoas, cujos valores mereçam respeito.

DB: A primeira visita de Trump ao estrangeiro foi à Arábia Saudita. Que significado vê nisso e o que significa para a política no Médio Oriente num sentido lato? E o que pensa do estado de espírito de Trump em relação ao Irão?

NC: A Arábia Saudita é o género de lugar onde Trump se sente em casa: uma ditadura brutal, miseravelmente repressiva (notoriamente no caso dos direitos das mulheres, mas também em muitas outras áreas), o principal produtor de petróleo (agora a ser ultrapassado pelos EUA) e com muito dinheiro. A viagem resultou em promessas de vendas massivas de armamento, animando o seu círculo próximo, e vagamente insinuando outras ofertas sauditas. Uma das consequências foi que os amigos sauditas de Trump receberam luz verde para aumentar as suas horríveis atrocidades no Iémen e para disciplinar o Qatar, que se tem revelado demasiado independente dos senhores sauditas. O Irão também é um factor nesta questão. O Qatar partilha um campo de gás natural com o Irão e tem relações comerciais e culturais com ele, de que os sauditas e os seus associados, profundamente reaccionários, não gostam.
O Irão é de há muito visto pelos líderes dos EUA e pelos comentadores norte-americanos como extraordinariamente perigoso, talvez o país mais perigoso do planeta. Isto é muito anterior a Trump. De acordo com a doutrina do sistema, o Irão representa uma dupla ameaça: é o principal apoio do terrorismo e os seus programas nucleares representam uma ameaça de existência para Israel, se não mesmo para todo o mundo. É tão perigoso que Obama teve de instalar um avançado sistema de defesa aérea perto da fronteira com a Rússia para proteger a Europa das armas nucleares do Irão – que não existem e, em todo o caso, os líderes iranianos apenas usariam se estivessem possuídos por um desejo de serem imediatamente incinerados em resposta.
Esta é a doutrina do sistema. No mundo real, o apoio do Irão ao terrorismo traduz-se no apoio ao Hezbollah, cujo grande crime é ser a única força que impede outra invasão israelita do Líbano e, para o Hamas, que ganhou uma eleição livre na Faixa de Gaza – um crime que instantaneamente suscitou pesadas sanções e levou o governo dos EUA a preparar um golpe militar. Ambas as organizações, é verdade, podem ser acusadas de actos terroristas, embora estejam longe do terrorismo que advém do envolvimento da Arábia Saudita ma formação e acções das redes de jiadistas.
Em relação aos programas de armas nucleares do Irão, os serviços de informação dos EUA confirmam o que qualquer pessoa pode perceber por si mesma: se eles existem, fazem também parte da estratégia de dissuasão do Irão. Também há o facto, nunca mencionado, de que qualquer preocupação com as armas de destruição massiva iranianas (ADM) poderia ser resolvida simplesmente acatando o apelo do Irão para criar uma zona livre de ADM no Médio Oriente. Tal zona é fortemente apoiada pelos estados árabes e a maioria do resto do mundo, e é bloqueada em primeiro lugar pelos EUA, que pretendem proteger o poder de Israel no que diz respeito a ADM.
Uma vez que o sistema vigente não é inspeccionado, resta-nos a tarefa de encontrar as verdadeiras razões para a atitude dos EUA face ao Irão. Rapidamente surgem possíveis razões. Os EUA e Israel não toleram uma força independente numa região que consideram ser deles por direito. Um Irão com uma capacidade nuclear dissuasora, para estados desonestos que querem agitar o Médio Oriente a seu bel-prazer. Mas há mais. O Irão não pode ser perdoado pelo derrube do ditador instalado por Washington num golpe militar em 1953, golpe que destruiu o regime parlamentar do Irão, com a sua crença inconcebível de que o Irão poderá ter algum direito sobre os seus próprios recursos naturais. O mundo é demasiado complexo para qualquer descrição simples, mas parece-me ser este o essencial da história.
Também é bom lembrar que, nas últimas seis décadas, Washington esteve quase sempre a atormentar o Irão. Depois do golpe militar de 1953, veio o apoio norte-americano a um ditador descrito pela Amnistia Internacional como um dos maiores infractores dos direitos humanos essenciais. Logo a seguir ao seu derrube, veio a invasão do Irão por Saddam Hussein, apoiada pelos EUA, o que não foi coisa de pouca monta. Centenas de milhares de iranianos foram mortos, muitos por armas químicas. O apoio de Reagan ao seu amigo Saddam foi tão extremo que, quando o Iraque atacou um navio dos EUA, o USS Stark, matando 37 marinheiros norte-americanos, recebeu apenas uma ligeira repreensão como resposta. Reagan também procurou culpar o Irão pelos horríveis ataques com armas químicas aos curdos iraquianos.
Os EUA acabariam por intervir directamente na Guerra Irão-Iraque, levando à capitulação amarga do Irão. Depois disso, George H.W. Bush convidou engenheiros nucleares iranianos para irem aos EUA para terem treino avançado na produção de armas nucleares – uma extraordinária ameaça ao Irão, muito diferente das suas outras implicações. E claro, Washington tem sido a potência dominante por trás das duras sanções contra o Irão que continuam até ao presente.
Trump, por seu turno, juntou-se aos mais duros e repressivos ditadores que gritam imprecações ao Irão. Aconteceu que houve eleições no Irão durante a viagem extravagante de Trump ao Médio Oriente. Uma eleição que, com todos os seus defeitos, seria impensável no país dos seus anfitriões sauditas, que são a fonte do islamismo radical que inquina a região. Mas a animosidade dos EUA contra o Irão vai para além do próprio Trump. Inclui aqueles que são vistos como os “adultos” na Administração Trump, como James “Mad Dog” Mattis, o Secretário da Defesa. E recua muito no passado.

DB: Quais são os problemas estratégicos no que concerne a Coreia do Norte? Pode fazer-se alguma coisa para aliviar o conflito crescente?

NC: A Coreia do Norte tem sido um problema doloroso desde o fim da II Guerra Mundial, quando a esperança dos coreanos pela unificação da península foi bloqueada pela intervenção das grandes potências, sendo os EUA os principais responsáveis.
A ditadura norte-coreana pode ganhar o prémio para a brutalidade e repressão, mas procura e, até certo ponto, consegue desenvolvimento económico, apesar do enorme fardo de um sistema militar imenso. Esse sistema inclui, claro, um arsenal em expansão de armas nucleares e mísseis, que colocam a região sob ameaça e, a longo prazo, a outros países – mas a sua função é ser um entrave, função que o regime norte-coreano não deverá abandonar enquanto se mantiver sob ameaça de destruição.
Hoje, é-nos dito que o grande desafio que o mundo encara é como obrigar a Coreia do Norte a congelar estes programas nucleares e de mísseis. Talvez devêssemos recorrer a mais sanções, guerra cibernética, intimidação; à instalação do sistema antimísseis Terminal High Altitude Area Defense (THAAD) [1], que a China considera como uma séria ameaça aos seus próprios interesses; talvez devêssemos mesmo recorrer ao ataque directo à Coreia do Norte, que, naturalmente, provocaria retaliação de artilharia em massa, devastando Seul, e grande parte da Coreia do Sul, mesmo sem o uso de armas nucleares.
Mas há outra opção, que parece ser ignorada: poderíamos simplesmente aceitar a oferta da Coreia do Norte para fazer o que estamos a exigir. A China e a Coreia do Norte já propuseram que a Coreia do Norte congelasse os seus programas nucleares e de mísseis. A proposta foi, no entanto, rejeitada de imediato por Washington, tal como fora dois anos antes, porque inclui um quid pro quo: apela aos EUA para que parem os seus ameaçadores exercícios militares nas fronteiras da Coreia do Norte, incluindo as simulações de ataques nucleares por B-52.
A proposta chinesa-norte coreana é razoável. Os norte-coreanos lembram-se bem de que o seu país foi literalmente terraplanado pelos bombardeamentos norte-americanos, e muitos poderão lembrar o modo como as forças dos EUA bombardearam grandes barragens quando não havia outros alvos. Houve relatos entusiásticos, em publicações militares norte-americanas, sobre o excitante espectáculo de uma enorme inundação a varrer os campos de arroz de que “os asiáticos” dependem para sobreviver. Vale muito a pena lê-los, são uma parte útil da memória histórica.
A oferta para congelar os programas nucleares e de mísseis da Coreia do Norte em troca pelo fim das acções altamente provocadoras na fronteira da Coreia do Norte poderiam ser a base para negociações mais ambiciosas, que poderiam reduzir radicalmente a ameaça nuclear e talvez mesmo pôr termo à crise da Coreia do Norte. Ao contrário de muitos comentários inflamados, há boas razões para pensar que tais negociações poderiam ter sucesso. E, no entanto, apesar de que os programas norte coreanos são constantemente descritos com sendo talvez a maior ameaça que enfrentamos, a proposta chinesa-norte coreana é inaceitável para Washington, e é rejeitada pelos comentadores dos EUA com impressionante unanimidade. Esta é outra entrada no vergonhoso e deprimente registo de opção consciente pela força quando opções pacíficas poderão estar disponíveis.
As eleições de 2017 na Coreia do Sul podem oferecer um raio de esperança. O recém-eleito presidente Moon Jae-in parece ter a intenção de reverter as duras políticas de confronto do seu antecessor. Ele apelou a opções diplomáticas e a que se se dêem passos para a reconciliação, o que será sem dúvida uma melhoria em relação à atitude belicista que poderá levar a um verdadeiro desastre.

DB: No passado, expressou preocupação acerca da União Europeia. O que acha que acontecerá à medida que a Europa se tornar menos ligada aos EUA e ao Reino Unido?

NC: A União Europeia tem problemas fundamentais, nomeadamente a moeda única sem união política. Também tem muitas características positivas. Há ideias razoáveis que têm como objectivo salvaguardar o que é bom e melhorar o que é prejudicial. A iniciativa DiEM25 de Yanis Varoufakis para uma Europa Democrática é uma abordagem promissora.
O Reino Unido tem sido um substituto dos EUA na política europeia. O Brexit poderá encorajar a Europa a tomar um papel mais independente nas questões globais, um curso que pode ser acelerado pelas políticas de Trump que cada vez mais nos isolam do mundo. Enquanto ele grita e agita um enorme bastão, a China poderá tomar a liderança nas políticas enérgicas globais enquanto expande a sua influência para o Ocidente e, em última instância, para a Europa, com base na Organização para a Cooperação de Xangai e a Nova Rota da Seda.
Que a Europa se possa tornar uma “terceira força” independente tem constituído matéria de preocupação para responsáveis nos EUA desde a Segunda Guerra Mundial. Tem havido discussões de qualquer coisa como uma concepção gaulista da Europa desde o Atlântico até aos Urais ou, em anos recentes, a visão de Gorbachev duma Europa comum, de Bruxelas a Vladivostok.
O que quer que aconteça, a Alemanha deverá reter um papel dominante nos assuntos europeus. É bastante surpreendente ouvir uma chanceler alemã conservadora, Angela Merkel, a dar lições ao seu homólogo norte-americano sobre direitos humanos e tomar a dianteira, pelo menos por algum tempo, para confrontar o problema dos refugiados, a profunda crise moral da Europa. Por outro lado, a insistência alemã na austeridade e a paranóia sobre a inflação e a sua política de promover exportações limitando o consumo doméstico não têm qualquer responsabilidade pelos problemas da economia europeia, em particular a situação apertada das economias periféricas. Na melhor das hipóteses, contudo, e não está fora de questão, a Alemanha poderia influenciar a Europa para se tornar uma força positiva em questões globais.

DB: O que acha do conflito entre a Administração Trump e as comunidades de informação dos EUA. Acredita no “Estado Profundo”?

NC: Há uma burocracia da segurança nacional que persiste desde a Segunda Guerra Mundial. E os analistas da segurança nacional, dentro e fora do governo, têm-se mostrado estarrecidos com muitos dos ataques violentos de Trump. As suas preocupações são partilhadas pelos peritos, bastante credíveis, que adiantaram o relógio do Juízo Final para dois minutos e meio antes da meia-noite, mal Trump entrou em funções – mais perto do que alguma vez esteve do desastre terminal desde 1953, quando os EUA e a URSS fizeram explodir armas termonucleares. Mas não vejo muitos sinais, para além disso, de que haja uma conspiração do “Estado Profundo”.

DB: Para concluir, à medida que se aproxima o seu 89º aniversário, pergunto: tem uma teoria da longevidade?

NC: Sim, na realidade é simples: se estiver a andar de bicicleta e não quiser cair, tem que continuar a andar, e rápido.

[1] O Terminal High Altitude Area Defense (THAAD), anteriormente chamado de Theater High Altitude Area Defense, é um sistema de mísseis antibalísticos do Exército dos Estados Unidos projectado para abater mísseis balísticos de alcance curto, médio e intermédio [Nota da tradução].

- Noam Chomsky é Professor Emérito no MIT, publicou vários livros e artigos sobre assuntos internacionais, em particular sobre Israel e a Palestina. O seu último livro, Global Discontents: Conversations on the Rising Threats to Democracy, será publicado em Dezembro de 2017.
- David Barsamian é o Director da Alternative Radio em Boulder, no Colorado. (www.alternative radio.org).
*Nota do Editor: Este artigo foi originalmente publicado em TomDispatch.com

Tradução de André Rodrigues P. Silva

FONTE: ODiario.info

sexta-feira, 27 de outubro de 2017

Documentos desclassificados revelam que os EUA “apoiaram activamente” os massacres na Indonésia nos anos 1960

Documentos agora desclassificados ilustram a conivência dos EUA com o massacre anticomunista dos anos 60 na Indonésia [estimado em 500.000 mortes]. Se tivessem sido igualmente desclassificados os documentos da CIA da mesma altura, muito provavelmente seria mais do que conivência o que ficaria à vista. Pode colocar-se a pergunta: quantos milhões de assassínios no último meio século figurarão no cadastro de tais defensores da “democracia” e dos “direitos humanos”? E até quando?

Um suposto membro da PKI (Partido Comunista Indonésio) após sua prisão pelas forças de segurança indonésias.
Outubro de 1965.
Foto: National Security Archive

Documentos recentemente desclassificados revelam não apenas o «conhecimento detalhado» por parte do governo dos EUA dos assassínios em massa de membros do Partido Comunista Indonésio (PKI) levados a cabo pelo exército indonésio, mas também o seu «apoio activo» a esse massacre.

Os documentos, divulgados quinta-feira pelo National Security Archive na Universidade George Washington em Washington, DC mostram que, segundo essa instituição independente de investigação e arquivo, funcionários dos EUA “apoiaram activamente as acções do exército visando a destruição do movimento operário de esquerda no país.»

Os 39 novos documentos, parte de um acervo de cerca de 30.000 páginas de registos diários recolhidos da Embaixada dos EUA na capital Indonésia entre 1964-1968, foram desclassificadas e digitalizadas em colaboração com o National Declassification Center. A iniciativa verificou-se na sequência de numerosas solicitações de grupos defensores dos direitos humanos norte-americanos e indonésios.

Os ficheiros incluem cartas do Departamento de Estado, telegramas, relatórios de situação e comunicações confidenciais entre consulados dos EUA e a sua embaixada. Entretanto, o acervo não inclui quaisquer documentos da CIA, que permanecem classificados. A Human Rights Watch apelou a que fossem desclassificados todos os documentos que ainda o não foram.

Os novos materiais mostraram que diplomatas dos EUA na Embaixada de Jacarta e os seus interlocutores do Departamento de Estado em Washington mantiveram um registo de quais os dirigentes do PKI que iam sendo executados no decurso de um dos mais turbulentos períodos da história da Indonésia depois da sua independência da Holanda em 1949.

É particularmente chocante o memorando da conversa entre o Segundo Secretário da Embaixada Robert Rich e o Assistente do Procurador-Geral Adnan Buyung Nasution, em 23 de Outubro de 1965. É uma das primeiras vezes em que os assassínios sistemáticos são mencionados a Washington. O telegrama refere a cooperação por parte dos EUA no sentido de manter a imprensa internacional à margem de qualquer referência às mortes de modo a não alertar o Presidente Sukarno.

«Os militares tinham já executado muitos Comunistas mas este facto deve ser cuidadosamente retido» enquanto eles «continuam a carregar em cima dos Comunistas de modo a quebrar a espinha ao poder do PKI,» escreveu Nasution.

No memorando, Nasution manifesta-se «chocado» por os massacres terem começado a ser referidos na rádio da Malásia e alertou para que Sukarno não deveria tomar conhecimento da repressão das forças armadas pelos meios de comunicação estrangeiros.

Rich assegurou a Nasution que o governo dos EUA está «inteiramente consciente da natureza sensível dos acontecimentos em curso e está a realizar todos os esforços no sentido de que não fosse estimulada a especulação por parte da imprensa.»

Um telegrama de 1965 do consulado dos EUA em Surabaia dirigido à embaixada em Jacarta dizia: «Continuamos a receber informação de PKI sendo massacrados por milícias Ansor [uma milícia muçulmana] em muitas zonas do leste de Java. A matança de PKI prossegue em aldeias próximo de Surabaia e os feridos libertos de Surabaia recusam regressar a suas casas. Segundo o chefe dos caminhos-de-ferro do leste de Java, 5 estações foram encerradas por os trabalhadores terem medo de vir para o trabalho uma vez que alguns deles foram assassinados.»

A embaixada dos EUA em Jacarta enviou uma mensagem carimbada “Secreto” para Washington DC em Novembro de 1965 dizendo: «Entretanto, tanto nas províncias como em Jacarta, a repressão do PKI prosseguiu, tendo como principal problema onde alojar e como alimentar os prisioneiros. Muitas províncias parecem ter resolvido o problema com êxito executando os seus prisioneiros PKI, ou matando-os antes da sua captura.»

Outro telegrama “Secreto” enviado a Washington DC em Dezembro de 1965 pela PrimeiraSecretária da Embaixada Mary Louise Trent regista o «notável êxito do exército» nas suas acções no sentido de acumular poder.

«[A violência anti-PKI] resultou até agora numa estimativa de 100.000 mortes PKI. Uma fonte de confiança balinesa informou a Embaixada de que as mortes PKI na Ilha de Bali atingem um total de cerca de 10.000 e incluem familiares e até mesmo parentes afastados do governador cripto-comunista Sutedja,» dizia.

Os ficheiros documentam um período em que as tensões entre o exército indonésio e o Partido Comunista Indonésio explodiram, resultando numa gigantesca “purga” que massacrou centenas de milhares dos seus cidadãos.

Depois de assumir o poder sobre os militares indonésios em Setembro de 1965, o General Suharto desencadeou um massacre apoiado pelo exército da muito numerosa mas na sua maioria desarmada militância do PKI, invocando razões de «contaminação política.» Viria mais tarde a desbancar, em 1967, o primeiro Presidente indonésio, Sukarno.

Segundo um estudo da Universidade de Yale, Suharto ordenou uma «limpeza absolutamente essencial, até à raiz» de adeptos e simpatizantes do PKI, de que resultou em cada noite o assassínio de «50 a 100 membros do PKI» por grupos civis anticomunistas com a bênção do exército. A embaixada australiana em Jacarta estimou que, a certa altura, havia «cerca de 1.500 assassínios diários» e relatórios confidenciais de duas agências ocidentais concordavam acerca de «um total de perto de 400.000 mortos.» Contudo, um embaixador adjunto dos EUA pensava que o número total poderia ser muito superior.

O grupo de investigadores da NSA estima que perto de 500.000 alegados apoiantes PKI foram mortos entre Outubro de 1965 e Março de 1966, e que cerca de 1 milhão mais foram aprisionados. Suharto exerceu o poder na Indonésia até 1997.

FONTE: ODiario.info


terça-feira, 24 de outubro de 2017

Mapa da Desigualdade 2017- Diferença gritante na capital paulista

Em SP, morador dos Jardins vive 24 anos "a mais" que o do Jardim Ângela

JÚLIA BARBON
DE SÃO PAULO

Favela Real Parque com prédios do Morumbi ao fundo em 2005, símbolo da desigualdade em SP


Um morador do Jardim Ângela, bairro periférico da zona sul, morre em média 24 anos antes que um morador do Jardim Paulista, região nobre na zona oeste de São Paulo.

Os habitantes do distrito mais rico morrem com 79,4 anos de idade, enquanto no distrito mais pobre esse número despenca para 55,7 anos.

Para se ter uma ideia, a melhor taxa da cidade é comparável à expectativa de vida da Dinamarca, e a pior, à da Nigéria, que tem um dos indicadores mais baixos do mundo, segundo a CIA (agência de inteligência americana) –embora a metodologia para calcular o índice seja diferente da usada em SP.

A diferença gritante entre os bairros paulistas está no Mapa da Desigualdade 2017, estudo lançado nesta terça-feira (24) pela Rede Nossa São Paulo, organização da sociedade civil. A grande maioria dos dados é de 2016 e foi fornecida por órgãos municipais.

O levantamento leva em conta a desigualdade no acesso a serviços públicos e qualidade de vida entre os 96 distritos da cidade, por meio de 38 indicadores de diversas áreas, como cultura, educação, saúde e violência.



"Se fossem três ou cinco anos de vida, você poderia até pensar que é uma variação normal, mas 24 anos não é uma diferença nada aceitável. É uma geração inteira", diz Américo Sampaio, que é gestor de projetos da Rede e acompanha a realização do estudo anualmente, desde o seu início, em 2012.

Segundo o estudo, a média de idade ao morrer tem relação principalmente com fatores como taxa de homicídios, mortalidade infantil e óbitos por câncer. Para Sampaio, isso mostra que a infraestrutura urbana e o direito à cidade têm relação direta com o tempo de vida dos cidadãos.

"Um dos grandes achados da pesquisa é mostrar, por A+B, que quanto mais acesso à cidade, mais as pessoas vivem", diz. "Isso reforça a importância que os governos e as políticas públicas têm na vida delas."

DESIGUALDADE PERSISTENTE

O abismo que separa os bairros ricos dos pobres variou pouco desde o ano passado, quando o indicador de idade ao morrer foi medido pela primeira vez.

Alto de Pinheiros (oeste), que tinha o melhor índice, registrava uma idade média de óbito aos 79,67 anos, enquanto em Cidade Tiradentes (leste) esse número era de 53,85 –uma discrepância, portanto, de pouco mais de 25 anos.

"Tem um movimento que é a perpetuação da desigualdade, você só está trocando os distritos pobres e ricos, mas a desigualdade continua a mesma", afirma Sampaio.

O maior objetivo do levantamento, diz ele, é mostrar que, apesar de ser a cidade mais rica da América Latina, São Paulo é extremamente desigual. "Mesmo tendo essa riqueza, ela não consegue distribui-la igualmente para os seus moradores."

Abaixo, veja outros oito dados da pesquisa que demonstram as disparidades que existem na capital paulista.

1. Bairros com 'menor tempo' de vida têm maior taxa de homicídios

Treze dos 20 distritos com menor média de idade ao morrer também estão entre os 20 distritos com maiores taxas de homicídio, o que demonstra uma relação entre os dois índices.

2. Só 11 bairros da capital não têm favelas

Desde 2013, o número de distritos sem comunidades é o mesmo. Como mostra o gráfico abaixo, um terço dos bairros tem mais de 10% de seus domicílios em áreas de favelas.



3. Morador do Campo Belo ganha quase 8 vezes mais que o de Marsilac

4. Mais da metade dos bairros não têm cinema, museu, casa de cultura ou local para show



5. Centro é foco de mortes por Aids

Os seis distritos com maior taxa de óbitos decorrentes da doença sexualmente transmissível ficam na região central da cidade: República, Pari, Brás, Sé, Bela Vista e Santa Cecília.

6. Morador da Vila Andrade leva 17 vezes mais dias para conseguir vaga em creche

7. Cultura é o tema com maior desigualdade na cidade

Sete dos 10 indicadores com maiores índices de desigualdade são da área de cultura. O estudo considera como "desigualtômetro" a diferença entre o pior indicador da cidade e o melhor. Por exemplo: o número de livros infanto-juvenis disponíveis em bibliotecas municipais por criança –indicador que tem a maior taxa de desigualdade medida pelo levantamento– é 2.575 vezes maior na Consolação (5,3) do que no Capão Redondo (0,002). Isso sem considerar os distritos em que o índice é zero.

8. Brás, Marsilac e São Rafael são considerados os piores distritos

Américo Sampaio, da Rede Nossa São Paulo, justifica a posição de pior distrito do Brás. "O Brás é a periferia do centro. É uma região bastante perigosa, com deficit de serviços públicos. Tem muitos cortiços e favelas próximas, além da questão da migração. É uma região marcada pelo tráfico de drogas, próxima de entrepostos comerciais, da marginal, do trem, do terminal do ônibus."

Para ele, também faz sentido que o Campo Belo –considerado um bairro rico– apareça como um dos cinco piores. "Isso mostra exatamente o que queremos: a desigualdade na oferta de serviços públicos. No Campo Belo majoritariamente não tem essa oferta, porque a população é mais rica e usa escolas particulares, hospitais particulares etc."