terça-feira, 31 de maio de 2011

Correndo no ar

POR VLADIMIR SAFATLE


É possível que, em algum momento na história do Exército brasileiro, ter senso de humor tenha sido condição para integrar suas fileiras.

Era bom ter um tipo de humor típico dos desenhos animados em que a raposa persegue sua presa e acaba não percebendo que o chão acabou.

Ela continua correndo, mas no ar. Todos veem que seus movimentos são irreais, menos a raposa. Até o momento em que a farsa não tem como continuar e a raposa cai.

Alguns militares responsáveis por crimes contra a humanidade, como tortura e terrorismo de Estado, agem até hoje da mesma forma. Eles continuam correndo no ar, como se o que todos enxergam não devesse ser levado a sério.

Vez por outra, eles nos escarnecem ao irem à imprensa e falar que nunca torturaram, sequestraram e ocultaram cadáveres, até porque, segundo os próprios, nem sequer houve tortura como prática sistemática de Estado. Operação Condor foi delírio de documentarista desempregado.

Em breve, eles nos convencerão que nem sequer houve ditadura militar. Tudo teria sido só um conjunto de medidas preventivas para impedir o "grande golpe comunista", inexoravelmente em marcha.

Há alguns meses, o antigo ministro do Exército, Leônidas Pires Gonçalves, nos mostrou um pouco dessa arte cômica ao afirmar que Vladimir Herzog se suicidou, já que era uma "pessoa assustada e não preparada".

Dias atrás, o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, comandante do DOI-Codi entre 1970 e 1974 (ou seja, no momento mais negro e brutal da história brasileira), nos mostrou a mesma habilidade ao dizer, nesta Folha, que nunca torturou ninguém, que a história contada por Persio Arida a respeito de sua tortura era uma farsa.

Da mesma forma, teria sido uma farsa a acusação da então deputada federal Bete Mendes ao identificá-lo, no começo da década de 80, como aquele que a tinha torturado. Ao ser réu em uma ação declaratória de tortura e sequestro impetrada pela família Teles, o coronel mais uma vez não titubeou e simplesmente negou tudo, mesmo que o juiz da 23ª Vara Cível de São Paulo tenha julgado a ação procedente.

Em qualquer outro país, torturadores como o coronel Ustra estariam na cadeia, tal como foram presos militares que fizeram o mesmo -como Manuel Contreras e responsáveis por crimes contra a humanidade, como Jorge Videla, Ernesto Galtieri e companhia.

Aqui, eles podem continuar a correr no ar. Assim, convivemos com responsáveis por crimes hediondos que acreditam poder apagar a história, insultar a memória, deixando a ameaça velada de quem diz: nunca fiz isso e, como nunca fiz, ninguém pode me impedir de não fazer novamente. Enquanto isso, ficamos esperando as raposas caírem.

FONTE: Folha de São Paulo, 31 de maio de 2011.

Água, direito de todos!

Estratégia de Redução da Pobreza

Críticas ao material didático não podem ser partidarizadas, diz Haddad no Senado



O ministro Fernando Haddad (Educação) "clamou" aos senadores que o debate sobre material didático não siga a "clivagem partidária". O titular do MEC (Ministério da Educação) se apresentou na manhã desta terça-feira (31) na Comissão de Educação, Cultura e Esporte (CE) do Senado.

Para ele, o "contexto precisa ser analisado" ao se referir à polêmica criada ao redor do livro de EJA (educação de Jovens e Adultos) que considerava corretas frases que não respeitavam a concordância da norma culta. Ou seja, pode-se dizer "Os livro ilustrado mais interessante estão emprestado" e outras sentenças do tipo.

"Eu tenho uma lista com mais de 20 artigos de especialistas dizendo que o que se fala sobre o livro não é verdade", disse o ministro que citou, em especial um texto de Sergio Fausto, diretor do IFHC (Instituto Fernando Henrique). "Ninguém menos que o diretor executivo do IFHC teve a dignidade de publicar um artigo lúcido colocando pingos nos is", disse.

Os senadores questionaram o fato de um livro distribuído pelo MEC -- e pago com dinheiro público -- ensinar a falar errado. Pediram que o livro fosse recolhido, ao que o ministro respondeu ser impossível uma vez que a escolha do titulo passou por todos os trâmites do PNLD (Programa Nacional do Livro Didático). O rito inclui a avaliação por comissões independentes.

Ler para debater

"Não posso fazer avaliação de um livro com base numa frase pinçada", afirmou o ministro aos senadores. Segundo ele, "foi bom deixar o debate decantar" e esperar o apoio dos especialistas. "O caso ganhou um clamor tão grande que foi preciso dizer que o livro atende aos PCN [Parâmetros Curriculares Nacionais] que nem são do governo Lula, mas do governo Fernando Henrique", disse.

O ministro atendeu quase 15 dias depois ao convite dos senadores. O convite incial era para discutir uma outra polêmica sobre livros aprovados pelo governo federal que criticariam a gestão do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e elogiariam o governo Lula. Na ocasião, integrantes da Comissão de Educação do Senado se recusaram a debater o assunto com os três representantes do MEC enviados no lugar do ministro. Os senadores ficaram irritados porque ele teria confirmado a presença. O ministro diz ter avisado que não poderia comparecer.

segunda-feira, 30 de maio de 2011

NOTA PÚBLICA – Comissão Pastoral da Terra

O Estado não pode lavar as mãos diante de mortes anunciadas

A Coordenação Nacional da Comissão Pastoral da Terra reputa como muito estranhas as afirmativas de representantes da Secretaria Estadual de Segurança Pública do Pará, do Ibama e do Incra que disseram no dia 25 de maio desconhecer as ameaças de morte sofridas pelos trabalhadores José Claudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo da Silva, assassinados a mando de madeireiros no dia 24, em Nova Ipixuna (PA). O ouvidor agrário nacional, Gercino José da Silva Filho, chegou a afirmar que o casal não constava de nenhuma relação de ameaçados em conflitos agrários, elaborada pela Ouvidoria ou pela Comissão Nacional de Combate à Violência no Campo.

A CPT, que desde 1985 presta um serviço à sociedade brasileira registrando e divulgando um relatório anual dos conflitos no campo e das violências sofridas pelos trabalhadores e trabalhadoras, com destaque para os assassinatos e ameaças de morte, desde 2001 registrou entre os ameaçados de morte o nome de José Claudio. Seu nome aparece nos relatórios de 2001, 2002 e 2009. E nos relatórios de 2004, 2005 e 2010 constam o nome dele e de sua esposa, Maria do Espírito Santo. Pela sua metodologia, a CPT registra a cada ano só as ocorrências de novas ameaças.

Também o nome de Adelino Ramos, assassinado no dia 27 de maio, em Vista Alegre do Abunã, Rondônia, constou da lista de ameaçados de 2008. Em 22 de julho de 2010, o senhor Adelino participou de audiência, em Manaus, com o Ouvidor Agrário Nacional, Dr. Gercino Filho, e a Comissão de Combate à Violência e Conflitos no Campo e denunciou as ameaças que vinha sofrendo constantemente, inclusive citando nomes dos responsáveis pelas ameaças.

No dia 29 de abril de 2010, a CPT entregou ao ministro da Justiça, Luiz Paulo Barreto, os dados dos Conflitos e da Violência no Campo, compilados nos relatórios anuais divulgados pela pastoral desde 1985. Um dos documentos entregue foi a relação de Assassinatos e Julgamentos de 1985 a 2009. Até 2010, foram assassinadas 1580 pessoas, em 1186 ocorrências. Destas somente 91 foram a julgamento com a condenação de apenas 21 mandantes e 73 executores. Dos mandantes condenados somente Vitalmiro Bastos de Moura, o Bida, acusado de ser um dos mandantes do assassinato de Irmã Dorothy Stang, continua preso.

As mortes no campo podem se intitular de Crônicas de mortes anunciadas. De 2000 a 2011, a CPT tem registrado em seu banco de dados ameaças de morte no campo, contra 1.855 pessoas. De 207 pessoas há o registro de terem sofrido mais de uma ameaça. E destas, 42 foram assassinadas e outras 30 sofreram tentativas de assassinato. 102 pessoas, das 207, foram ou são lideranças e 27 religiosos ou agentes de pastoral.

O que se assiste em nosso país é uma contra-reforma agrária e é uma falácia o tal desmatamento zero. O poder do latifúndio, travestido hoje de agronegócio, impõe suas regras afrontando o direito dos posseiros, pequenos agricultores, comunidades quilombolas e indígenas e outras categorias camponesas. Também avança sobre reservas ambientais e reservas extrativistas. O apoio, incentivo e financiamento do Estado ao agronegócio, o fortalece para seguir adiante, acobertado pelo discurso do desenvolvimento econômico que nada mais é do que a negação dos direitos fundamentais da pessoa, do meio ambiente e da natureza. Isso ficou explícito durante a votação do novo Código Florestal que melhor poderia se denominar de Código do Desmatamento. Além de flexibilizar as leis, a repugnante atitude dos deputados ruralistas, que vaiaram o anúncio da morte do casal, vem reafirmar que o interesse do grupo está em garantir o avanço do capital sobre as florestas, pouco se importando com as diferentes formas de vida que elas sustentam e muito menos com a vida de quem as defende. A violência no campo é alimentada, sobretudo, pela impunidade, como se pode concluir dos números dos assassinatos e julgamentos. O poder judiciário, sempre ágil para atender os reclamos do agronegócio, mostra-se pouco ou nada interessado quando as vítimas são os trabalhadores e trabalhadoras do campo.

A morte é uma decorrência do modelo de exploração econômica que se implanta a ferro e fogo. Os que tentam se opor a este modelo devem ser cooptados por migalhas ou promessas, como ocorre em Belo Monte, silenciados ou eliminados.

A Coordenação Nacional da CPT vê que na Amazônia matar e desmatar andam juntos. Por isso exige uma ação forte e eficaz do governo, reconhecendo e titulando os territórios das populações e comunidades amazônidas, estabelecendo limites à ação das madeireiras e empresas do agronegócio em sua voracidade sobre os bens da natureza. Também exige do judiciário medidas concretas que ponham um fim à impunidade no campo.

Goiânia, 30 de maio de 2011.

A Coordenação Nacional da CPT
 
FONTE: CPT

"Creio, porém, que quem fala errado vai à escola para aprender a falar certo, mas, se para o professor o errado está certo, não há o que aprender."



Verdade e preconceito

POR FERREIRA GULLAR

Tenho comentado aqui o fato de que, para alguns linguistas, nunca há erro no uso do idioma: tanto faz dizer "problema" como "pobrema" que está certo. Confesso que, na minha modesta condição de escritor e jornalista, surpreendo-me, eu que, ao suspeitar que poderia me tornar poeta, passei dois anos só lendo gramáticas. E sabem por quê? Porque acreditava que escritor não pode escrever errado.

E agora descubro que ninguém escreve errado nunca, pois todo modo de escrever e falar é correto! Perdi meu tempo? Mas alguma coisa em mim se nega a concordar com os linguistas: se em todo campo do conhecimento e da ação humana se cometem erros, por que só no uso da língua não? É difícil de engolir.

Essa questão veio de novo à baila com a notícia de um livro, adotado pelo Ministério da Educação e distribuído às escolas, em que a autora ensina que dizer "os livro" está correto. Estabeleceu-se uma discussão pública do assunto, ficando claro que, fora os linguistas, ninguém aceita que falar errado esteja certo.

Mas não é tão simples assim. Falar não é o mesmo que escrever e, por isso, falando, muita vez cometemos erros que, ao escrever, não cometemos. E às vezes usamos expressões deliberadamente "erradas" ou para fazer graça ou por ironia. Mas, em tudo isso, está implícito que há um modo correto de dizer as coisas, pois a língua tem normas.

O leitor já deve ter ouvido falar em "entropia", uma lei da física que constata a tendência dos sistemas físicos para a desordem. E essa tendência parece presente em todos os sistemas, inclusive nos idiomas, que são também sistemas.

Devemos observar que as línguas, como organismos vivos que são, mudam, transformam-se, como se pode verificar comparando textos escritos em épocas diferentes. Há ainda as variações do falar regional, que guarda inevitáveis peculiaridades e constituem riqueza do idioma.

Mas isso não é a mesma coisa que entropia. Já violar as normas gramaticais é, sim, caminhar para a desordem. Se isso é natural e inevitável, é também natural o esforço para manter a ordem linguística, que não foi inventada pelos gramáticos, mas apenas formulada e sistematizada por eles: nasceu naturalmente porque, sem ela, seria impossível as pessoas se entenderem.

Na minha condição de "especialista em ideias gerais" (Otto Lara Resende), verifico que, atualmente, não só na linguística, tende-se a admitir que tudo está certo e, se alguém discorda dessa generosa abertura, passa a ser tido como superado e preconceituoso.

Agora mesmo, durante essa discussão em torno do tal livro, os defensores da tese linguística afirmaram que quem dela discordava era por preconceito.

Um dos secretários do ministro da Educação declarou que aquele ministério não se julgava "dono da verdade" e que, por isso mesmo, não poderia impedir que o livro fosse comprado e distribuído às escolas.

Uma declaração surpreendente, já que ninguém estava pedindo ao ministro que afirmasse ou negasse a existência de Deus, e sim, tão somente, que decidisse sobre uma questão pertinente à sua função ministerial.

Não é ele o ministro da Educação? Não é ele responsável pelo rumo que se imprima à educação pública no país? Se isso não é de sua competência, é de quem? De fato, o que estava por trás daquela afirmação do secretário não era bem isso, e sim que a crítica ao livro em discussão não tinha nenhum fundamento: era mero preconceito. Ou seja, simples pretensão de quem se julga dono da verdade que, como se sabe, não existe...

Esse relativismo, bastante conveniente quando se quer fugir à responsabilidade, tornou-se a maneira mais fácil de escapar à discussão dos problemas.

Certamente, não se trata de afirmar que as normas e princípios que regem o idioma ou a vida social estejam acima de qualquer crítica, mas, pelo contrário, devem ser questionados e discutidos. Considerar que todo e qualquer reparo a este ou aquele princípio é mero preconceito, isso sim, é pretender que há verdades intocáveis.

Não li o tal livro, não quero julgá-lo a priori. Creio, porém, que quem fala errado vai à escola para aprender a falar certo, mas, se para o professor o errado está certo, não há o que aprender.

FONTE: Folha de São Paulo, 29 de maio de 2011.

sábado, 28 de maio de 2011

O Código Florestal e o pacto do agronegócio

Por Guilherme C. Delgado


Uma consequência indireta da articulação ruralista-parlamentar para afrouxamento na legislação ambiental florestal é um tácito relançamento da questão agrária ao debate público dos grandes meios de comunicação, mesmo que os publicistas que tratam desses problemas não se deem conta. Na verdade o que está em jogo na discussão do Código Florestal é o controle público- privado do território, onde os direitos de propriedade fundiária não podem ignorar o caráter social e público dos recursos naturais que integram continuamente esse território.

Por seu turno, ao reduzir em geral as áreas de mata ciliar (no entorno dos rios) e dispensar as propriedades com até quatro módulos rurais das chamadas Áreas de Preservação Permanente (topos e encostas de morros e mata ciliar), ao mesmo tempo em que propõe forte descentralização estadual, municipal para cuidar de biomas nacionais – Amazonas, Cerrados, Caatinga, Pantanal etc (ou plurinacionais), o Relatório de Aldo Rebelo conseguiu a proeza desunir partes e peças do agronegócio, até bem pouco coesas e omissas na política agrária da função social da propriedade rural.

A Embrapa por intermédio de suas unidades de meio ambiente subsidiou fortemente a SBPC e a Academia Brasileira de Ciências, alertando e contestando as pretensões do Relatório de Rebelo, fazendo inclusive previsões nada lisonjeiras sobre a perda de biodiversidade e às consequências desastrosas sobre hidrologia e aumento do efeito estufa, das ações propostas pelos ruralistas.

A própria mídia televisiva, à frente a Rede Globo de Televisão, deu destaque e cobertura jornalística informativa profissional às questões levantadas pelo Relatório Rebelo, algo que já vinha sendo feito pela grande mídia impressa, permitindo aos telespectadores e leitores formar juízos sobre ação pública em curso na esfera parlamentar.

Ora, com o tratamento democrático da informação, num campo em que se lida com interesses classistas muito arraigados – o do agronegócio – produziu-se um curioso processo de formação de opinião pública, que de certa forma ameaça a estratégia ruralista original, que é de eliminar qualquer restrição social e ambiental aos direitos privados absolutos.

O governo federal, que até o presente se manteve na sombra, tem ou teria uma oportunidade de ouro para alterar as bases de sua aliança conservadora com os ruralistas, não estivesse ele próprio envolvido nas tratativas da “reforma” do Código Florestal, urdidas no governo Lula, sob a égide do então Ministro da Agricultura, Reynold Stephanes.

O que está ficando cada vez mais claro é uma pequena fratura no pacto do agronegócio, no qual a questão ambiental, seja por pressão urbana, oriunda da intuição dos riscos climáticos associados, seja pela legítima pressão externa, ligada aos impactos do efeito estufa, estariam recolocando na agenda política os novos componentes da velha questão agrária. Mas não tenhamos ilusões com a elite do poder, incluindo os novos sócios, agregados no último decênio. Não está em pauta reverter a aliança das cadeias agroindustriais, grandes proprietários fundiários e o Estado brasileiro para exportar “commodities” a qualquer custo, que é em essência a estratégia do agronegócio brasileiro. Mas talvez não se deixar engolir pelas extravagâncias deste pacto conservador.


De qualquer forma é muito didática a discussão do Código Florestal ora em curso, porque ela trata indiretamente mas essencialmente dos direitos de propriedade fundiária, aflorando até mesmo um conceito praticamente em desuso – o do minifúndio, que é utilizado pelos ruralistas como argumento para isenção de pequenos imóveis rurais de cumprir a exigência de Áreas de Preservação Permanente (APPs), tese inteiramente resolvida há 55 anos no Estatuto da Terra.

Infelizmente o que não está em discussão é a absoluta frouxidão das políticas fundiária e ambiental de cumprir e fazer cumprir as regras de direito agrário e ambiental, que são ponto de partida para se conviver civilizadamente no presente e muito mais ainda no futuro. Mesmo assim, o Relatório Rebelo pretende afrouxar ainda mais, aplicando provavelmente a estratégia de “por e tirar o bode da sala principal”.

Artigo originalmente publicado na edição impressa 428 do Brasil de Fato

Seminário – A crise estrutural do capital e os desafios da luta de classes

quinta-feira, 26 de maio de 2011

"Dois séculos de conquistas estão sendo jogados no lixo"

Em entrevista ao programa "Singulars", da Televisão da Catalunha (TV3), o escritor uruguaio Eduardo Galeano fala sobre as manifestações dos últimos dias que levaram milhares de jovens para as ruas de diversas cidades espanholas. Galeano esteve em Madri e pode presenciar ao vivo as mobilizações na Porta do Sol. Disponibilizamos abaixo a entrevista concedida ao jornalista Jaume Barberà e destacamos alguns trechos da fala de Galeano:


"Há hoje em quase toda a América Latina um problema visível e preocupante que é o divórcio entre os jovens, as novas gerações, e o sistema político, o sistema de partidos vigente. Eu não reduziria a política à atividade dos partidos, por que ela vai muito mais além, mas isso é preocupante mesmo assim".

"Nas últimas eleições chilenas, por exemplo, 2 milhões de jovens não votaram. E não votaram porque não se deram ao trabalho de fazer o registro eleitoral. Suponho que a maioria não fez o registro por que não acredita nisso. E me parece que isso não é culpa dos jovens. Neste sentido, gostei muito de ter presenciado essas manifestações que tive oportunidade de ver na Porta do Sol".

"Um dos lemas que ouvi era 'com causa e sem casa', o que é muito revelador da situação atual. Muitos daqueles jovens ficaram sem casa e sem trabalho. Isso deve ser levado em conta. Esse é um dos dramas do nosso tempo. Dois séculos de lutas operárias que conquistaram direitos muito importantes para a classe trabalhadora, estão sendo jogados na lata de lixo por governos que obedecem à uma tecnocracia que se julga eleita pelos deuses para governar o mundo".

"É uma espécie de governo dos governos, como este senhor que agora parece que se dedica a violar camareiras, mas antes violava países e era aplaudido por isso. É essa estrutura de poder, muitas vezes invisível, que de fato manda. Por isso, quando se consegue aglutinar vozes capazes de dizer 'basta' a primeira coisa a fazer é ouvi-las com respeito, sem desqualificá-las de antemão e saber esperar. Esses jovens não parecem esperar ordens de ninguém. Agem espontaneamente, aliando razão à emoção. Como vai acabar isso? Não sei. Talvez acabe logo, talvez não. Vamos ver".

"O mundo está preso em um sistema de valores que coloca o êxito acima de todas as virtudes. Ele é uma fonte de virtudes. Em troca, condena o fracasso. Perder é o único pecado para o qual, no mundo de hoje, não há redenção. Estamos condenados a ganhar ou ganhar. Os dois homens mais justos da história da humanidade, Sócrates e Jesus, morreram condenados pela Justiça. Os mais justos foram condenados pela Justiça. E nos deixaram coisas muito importantes como amor e coragem".


FONTE: Carta Maior

terça-feira, 24 de maio de 2011

Sobre os acontecimentos em Espanha

Por Miguel Urbano Rodrigues

Os acontecimentos da Espanha, pelo seu significado, estão a polarizar a atenção da Europa e de milhões de pessoas noutros continentes. Em Washington, Berlim, Paris e Londres, o acampamento da Puerta del Sol, inicialmente encarado como iniciativa folclórica de jovens pequeno burgueses frustrados, gera agora preocupação.Quando o chamado Movimento M-15 alastrou a dezenas de cidades do país e nas capitais europeias centenas de pessoas se manifestaram frente às embaixadas espanholas, a indiferença evoluiu para um sentimento de temor.Porquê?

O protesto espanhol insere-se na crise global de civilização que a humanidade enfrenta, cujas raízes arrancam da crise estrutural de um sistema de opressão: o capitalismo.Seria um erro concluir que os jovens que criaram o Movimento «Democracia Real Ya » são revolucionários e o seu objectivo é a destruição do regime. O M-15 atraiu gente muito diferente. Alguns nem sequer rejeitam a obsoleta e corrupta monarquia bourbonica. Mas rapidamente a contestação popular excedeu as previsões. O Movimento, após a repressão do primeiro dia, foi olhado quase com benevolência pelo PP e pelo PSOE os dois grandes partidos da burguesia. Mas, ao assumir proporções torrenciais, o protesto adquiriu os contornos de uma condenação do regime na qual as massas emergiam como sujeito histórico.

Na Puerta del Sol começaram a ouvir-se brados inesperados: «No al FMI »; «No a la farsa electoral»; «PSOE y PP, la misma gente!»; «Noa las guerras de los EEUU!». Soou até a palavra «Revolução!». Daí o medo.

Os jovens de Madrid sabem o que não querem, mas a grande maioria não tem uma ideia minimamente clara sobre o que fazer e como actuar. As reivindicações aprovadas a 20 de Maio, na Assembleia do acampamento, são moderadas, algumas ingénuas. Espontaneista, o M-15 não acampa no centro de Madrid em função de uma estratégia de Poder. Quando aquilo principiou o que unia a multidão heterogénea de jovens pouco mais era que a recusa da caricatura de democracia. Terá sido uma surpresa para o pequeno núcleo inicial a adesão maciça de adultos, de desempregados, de reformados. Foi ainda numa atmosfera de confusão que surgiram as primeiras lideranças embrionarias, os porta-vozes do acampamento. Jovens entrevistados por media internacionais manifestaram espanto ao tomar conhecimento da repercussão internacional da iniciativa e das concentrações de solidariedade em cidades espanholas e europeias.

DE TUNIS A MADRID

 
O protesto dos «indignados» de Espanha foi obviamente inspirado pelo modelo da Tunísia e do Egipto. Na época da comunicação instantânea, as redes sociais permitiram que em tempo rapidíssimo os apelos à concentração popular na Puerta del Sol fossem atendidos por milhares de jovens. A praça madrilena foi a Tahrir egípcia.

Tal como ocorrera no Norte de África, a exigência de «democracia» funcionou como motor da mobilização popular.

Mas enquanto nas rebeliões contra Ben Ali e Hosni Mubarak as massas reivindicavam liberdades, eleições livres, um parlamento tradicional, destruição de aparelhos repressivos, o fim de ditaduras ferozes e a sua substituição por regimes representativos similares aos da União Europeia, em Espanha a «democracia real ya» reclamada pelos «indignados» partia dialecticamente da recusa do figurino pelo qual se batiam os africanos.

O que para os árabes era ambição e sonho aparece hoje a muitos dos acampados da Puerta del Sol como caricatura da democracia, rosto de um regime cuja prática nega os valores e princípios que invoca, que concentra a riqueza numa ínfima minoria e promove o desemprego, amplia a desigualdade social.

Enquanto a burguesia tunisina e egípcia se solidarizava com os rebeldes que se manifestavam contra Ali e Mubarak e o imperialismo rompia com os seus aliados da véspera, a burguesia espanhola, os partidos tradicionais e os poderosos da União Europeia condenavam os «indignados» peninsulares, identificando neles arruaceiros de um novo tipo.

Merece reflexão a dualidade antagónica da posição assumida pelo imperialismo americano. Na Casa Branca, o presidente Obama compreendeu que as reivindicações dos rebeldes da Tunísia e do Egipto não colidiam com a sua estratégia para a Região e, agindo com rapidez e eficácia, estimulou e aplaudiu nesses países a instalação de Governos de transição ditos democráticos, sob a tutela de personalidades militares e civis que, com poucas excepções, tinham servido as ditaduras eliminadas. Na Líbia bombardeia Tripoli ; no Golfo pede à Arábia Saudita que afogue em sangue rebeliões incomodas como a do Bahrein, sede da V Esquadra da US Navy.

O imperialismo encara, naturalmente, com desconfiança e apreensão o alastramento do protesto inorgânico dos jovens «indignados». Obama e o Pentágono interrogam-se sobre as consequências imprevisíveis de um movimento que condena com dureza o envolvimento da Espanha nas guerras asiáticas dos EUA.

ADESÕES INTERNACIONAIS

A direita arrasou o PSOE nas eleições municipais de domingo. Os acampados da Puerta del Sol reagiram com indiferença aparente aos resultados. «Eles não nos representam», declararam porta vozes do M-15, sublinhando que na engrenagem do poder, o PSOE e o PP, embora com discursos, histórias , percursos e bases sociais diferentes, praticam no governo politicas neoliberais muito semelhantes, e politicas externas caracterizadas pela submissão às exigências dos EUA e de Bruxelas.

Significativamente, o espaço e o tempo que os media espanhóis dedicaram durante a última semana aos «indignados» diminuíram drasticamente desde sábado. O tema quase desapareceu das primeiras páginas dos grandes jornais e do programa dos canais de televisão. A vitória do PP e o avanço das Autonomias monopolizaram a atenção de políticos, analistas e jornalistas do sistema.

Oposta é a atitude assumida pela maioria dos intelectuais progressistas. Na Espanha e também na América Latina, personalidades de prestigio, em artigos e entrevistas publicados em revistas Web de informação alternativa como Resumen Latino Americano e Rebelión e outras, expressam a sua solidariedade com os jovens do M-15 e reflectem sobre o significado e as consequências da contestação. Cito alguns exemplos expressivos.

O filósofo e escritor marxista Santiago Alba Rico, num artigo intitulado «La Qasba en Madrid» sublinhou que a Espanha «não é uma democracia». E acrescenta, realista: «Não haverá uma revolução em Espanha. Mas uma surpresa, um milagre, uma tormenta, uma consciência nas trevas, um gesto de dignidade na apatia, um acto de coragem na anuência, uma afirmação anti-publicitaria de juventude, um grito colectivo de democracia na Europa, não é já um pouco uma revolução?».

Carlos Taibo, professor da Universidade Autónoma de Madrid, esteve na Puerta del Sol levando solidariedade, e dirigindo-se aos acampados disse ao saudá-los: «Os que aqui estamos somos, obviamente, pessoas muito diferentes. Temos na cabeça projectos e ideais diferentes. Mas conseguimos, apesar disso, chegar a acordo quanto a um punhado de ideias básicas». E, parafraseando Santiago Alba Rico, afirmou: «Aquilo a que em Espanha chamam democracia, não o é!».

O escritor italiano Carlo Frabetti escreveu: «Desde o protesto dos Goya de 2003 que não se conseguira um aproveitamento tão eficaz de contestaçao interna do sistema e a sua expressão cultural do espectáculo».

Atilio Borón, um sociólogo marxista argentino de prestígio internacional, dedica aos jovens acampados um artigo entusiástico intitulado «Os indignados e a Comuna de Paris». Lembra que aquilo que a democracia de Moncloa propõe para enfrentar a «crise é o despotismo do mercado, irreconciliável com qualquer projecto democrático». E, cedendo a um impulso romântico, conclui o artigo com estas palavras: «Se persistirem (os indignados) na sua luta poderão derrotar a prepotência do capital e, eventualmente, iniciar uma nova etapa na história não só da Espanha, mas da Europa».

Angeles Maestro, a destacada dirigente de «Corriente Roja», da Espanha, mais realista, salienta que os acampamentos em dezenas de cidades espanholas «têm um conteúdo anticapitalista» e neles ondula «uma multidão de bandeiras republicanas». Enfatiza o descrédito da montagem eleitoral e afirma que «As mobilizações maciças que se iniciaram em numerosas cidades do estado espanhol a 15 de Maio e que tiveram continuidade em acampamentos, assembleias e convocatórias para novas manifestações expressam o alto nível de indignação e raiva de uma juventude que não tem qualquer esperança de chegar a ter os direitos básicos que a Constituição pomposamente proclama: direito ao trabalho, à habitação, à educação e saúde publica de qualidade, a uma pensão digna, etc.».

Quanto ao futuro do Movimento, adverte como revolucionaria experiente: «Nos processos sociais não há atalhos. Se é um facto que a faúlha da espontaneidade está sempre presente e serve para desencadear as mobilizaçoes, somente o avanço da organização é a medida da acumulação de forças, e sem acumulação de forças as lutas leva-as o vento.»

AMANHÃ INCERTO

Esperanza Aguirre, a reeleita alcaide de Madrid, não esconde a sua hostilidade aos acampados. Se dela dependesse, declarou, ordenaria à Policia que expulsasse da Puerta del Sol os acampados. A repressão inicial foi esclarecedora da sua posição. Mas carece de poderes para recorrer à força. Qual o desfecho do protesto dos «indignados»? Por ora é imprevisivel. Vai persistir, transformando-se em desafio ao Poder? Uma Assembleia, improvisada e tumultuosa como as anteriores, decidiu manter manter o acampamento até ao próximo domingo. Durante a semana os activistas irão aos bairros. Depois se verá.

Em Barcelona e noutras cidades, as concentrações de protesto também não se dissolveram, mas os próprios organizadores admitem que o número de participantes diminua nos próximos dias.

Repito: os jovens «indignados» sentem dificuldade em definir um rumo para a luta que iniciaram. A maioria talvez não tenha consciência da complexidade do desafio lançado ao Poder. Volto a citar Angeles Maestro: «O processo de confluência múltipla em torno a um programa comum somente poderá abrir caminho se criar raízes nas lutas operárias e populares. Por outras palavras, se a construção do referente politico beber a seiva na luta de classes e demonstrar a sua utilidade para abordar um longo processo de acumulação de forças».

A consciência demonstrada pelos «indignados» de Madrid de que a «democracia representativa» é uma ficção no Estado Espanhol deve porém ser saudada como acontecimento importante no âmbito das lutas de massa europeias e não ignorada, subestimada ou mesmo criticada com sobranceria em atitudes irresponsáveis por alguns dirigentes de partidos de esquerda da União Europeia.

Não compartilho a euforia prematura de Atilio Boron, mas julgo oportuno reafirmar que a Espanha não é excepção na Europa. Não há democracia autêntica sem participação decisiva do povo. Na União Europeia um sistema mediático perverso e desinformador esconde a realidade. Os regimes existentes nos 27 diferenciam-se muito. Mas existe um denominador comum: a ausência de uma democracia autêntica. Neste início do século XXI, no contexto de uma gravíssima crise mundial de civilização, o capitalismo, em fase senil, cola o rótulo da democracia representativa a ditaduras da burguesia de fachada democrática.

Vila Nova de Gaia, 23 de Maio de 2011.

FONTE: odiario.info

Curso de Formação Política em Goiás com a participação de Anita Prestes

No próximo dia 4 de junho, a historiadora e presidente do Instituto Luiz Carlos Prestes Anita Leocadia Prestes participará do I CURSO DE FORMAÇÃO POLÍTICA DOS ESTUDANTES DE HISTÓRIA, promovido pelo Centro Acadêmico Sérgio Buarque de Holanda, da Universidade Federal de Goiás – Campus Samambaia. O tema da palestra será “O historiador e a sua prática diante da História Oficial”.

O curso tem o objetivo de promover o debate entre estudantes sobre temas necessários à iniciativa política desses indivíduos dentro da academia e na sociedade. Na escolha dos palestrantes convidados considera-se a sua vida acadêmica e a sua militância política, cuja perspectiva de análise é uma alternativa frente às versões oficiais relacionadas ao curso de história, à universidade, à educação e ao próprio movimento estudantil.

FONTE: C.A. de História - UFG

segunda-feira, 23 de maio de 2011

IV Feira do Livro EACH-USP

Los “indignados” y la Comuna de París

Por Atilio Boron

Tal vez por una de esas sorpresas de la historia el gran levantamiento popular que hoy conmueve a España (y que comienza a reverberar en el resto de Europa) estalla en coincidencia con el 140º aniversario de la Comuna de París, una gesta heroica en la cual la demanda fundamental también era la democracia. Pero una democracia concebida como gobierno del pueblo, por el pueblo y para el pueblo y no como un régimen al servicio del patronato y en el cual la voluntad y los intereses populares están inexorablemente subordinados al imperativo de la ganancia empresarial.

Precisamente por eso las demandas de los “indignados” tienen resonancias que evocan inmediatamente aquellas que, con las armas en la mano, salieron a defender las parisinas y los parisinos en las heroicas jornadas de 1871 y que culminaron con la constitución del primer gobierno de la clase obrera, si bien restringido a la ciudad de París. Un gobierno que duró poco más de dos meses y que luego fue aplastado por el ejército francés con la abierta complicidad y cooperación de las tropas de Bismarck, que poco antes le había propinado una humillante derrota a los herederos de los ejércitos napoleónicos. El ensañamiento contra los parisinos que tuvieron la osadía de querer tomar el cielo por asalto y fundar una democracia verdadera fue terrible: se calcula que más de treinta mil comuneros fueron pasados por las armas, en ejecuciones sumarias sin juicio previo. La Comuna fue ahogada en un río de sangre y para expiar sus “crímenes” la Asamblea Nacional decidió erigir, en la colina más elevada de París, en Montmartre, la basílica del Sacré Coeur, construida con los fondos aportados por una suscripción popular en toda Francia que, para honor de los parisinos, sólo una ínfima parte de lo recaudado provino de la ciudad martirizada por la reacción. París fue derrotada, pero las parisinas y los parisinos no fueron puestos de rodillas.


La Comuna descreía de la institucionalidad burguesa, insanablemente tramposa porque sabía que a ese aparatoso entramado de leyes, normas y agencias gubernamentales sólo le preocupaba consolidar la riqueza y los privilegios de las clases dominantes y mantener sometido al pueblo; exigía una democracia directa y participativa y la derogación del parlamentarismo, esa viciosa deformación de la política convertida en hueca charlatanería y ámbito de todo tipo de transas y negociaciones ajenas por completo al bienestar de las mayorías; demandaba la creación de un nuevo orden político, ejecutivo y legislativo, a la vez, basado en el sufragio universal (hombres y mujeres por igual, no como ocurriría después en los capitalismos democráticos en los cuales lo “universal” se referiría exclusivamente a los varones) y con representantes fácilmente revocables y directamente responsables ante sus mandantes.[1] Los comuneros querían una democracia genuina, no ficticia, en la que tanto los representantes del pueblo como la burocracia estatal no gozarían de privilegio alguno y tendrían una remuneración equivalente a la del salario promedio del obrero, entre otras medidas tales como la consumación de la separación entre la Iglesia y el Estado y la universalización de la educación laica, libre y obligatoria para varones y mujeres por igual.


Basta con echar una mirada a los documentos de los “indignados” de hoy para comprobar la asombrosa actualidad de las demandas de los comuneros y lo poco, muy poco, que ha cambiado la política del capitalismo. Los jóvenes y no tan jóvenes que revientan unas 150 plazas de España no son “apolíticos”, o “antipolíticos”, como una cierta prensa nos quiere hacer creer, sino gentes profundamente politizadas que se toman en serio la promesa de la democracia y que, por eso mismo, se rebelan en contra de la falsa democracia, surgida de las entrañas del franquismo y consagrada en el tan aplaudido Pacto de la Moncloa, exhibido como un acto de ejemplar ingeniería política democrática ante los pueblos latinoamericanos. Una democracia que los acampados denuncian como un engaño, un simulacro que bajo sus edulcorados ropajes oculta la persistencia de una cruel dictadura que descarga el peso de la crisis desatada por los capitalistas sobre los hombros de los trabajadores. Lo que la “ejemplar” democracia de la Moncloa propone para enfrentarla es el despotismo del mercado, enemigo irreconciliable de cualquier proyecto democrático: facilitar los despidos de los trabajadores, reducir sus salarios, recortar los derechos laborales, congelar las pensiones y aumentar la edad requerida para jubilarse, disminuir el empleo público, recortar los presupuestos en salud y educación, privatizar empresas y programas gubernamentales y, coronando toda esta estafa, reducir aún más los impuestos a las grandes fortunas y a las empresas para que con el dinero sobrante inviertan en nuevos emprendimientos.[2] La famosa y mil veces refutada “teoría del derrame” una vez más, que supone que el pueblo es idiota y que no se da cuenta que si los ricos tienen más dinero se requiere de un milagro para que no sucumban ante la tentación del casino financiero global para invertir en la creación de empresas generadoras de nuevas fuentes de trabajo. La experiencia indica que la tentación es demasiado grande.


La respuesta de la falsa democracia española -en realidad, una sórdida plutocracia que los jóvenes quieren destronar y reemplazar por una democracia digna de ese nombre- ante la crisis provocada por la insaciable voracidad de la burguesía es profundizar el capitalismo, aplicando las recetas del FMI hasta que la sociedad se desangre y hundida en el desánimo y la miseria acepte una “solución neofascista” que recomponga el orden perdido. No hay recambio posible dentro de la trampa pseudodemocrática española porque su famoso bipartidismo ha demostrado ser no otra cosa que las dos caras de un sólo partido: el del capital. Pero ahora el contubernio entre el PSOE y el PP se ha topado con un obstáculo inesperado: alentado por los vientos que desde el norte de África cruzan el Mediterráneo los jóvenes, víctimas principales pero no exclusivas de este saqueo, “han dicho ¡basta! y echado a andar”, como una vez lo expresara el Comandante Ernesto “Che” Guevara en su célebre discurso de 1964 ante la Asamblea General de las Naciones Unidas.


Ya nada volverá a ser como antes en España. El desprestigio de su clase política parece haber sobrepasado el punto de no retorno y la crisis de legitimidad de la pseudo democracia llega a profundidades insondables; si egipcios y tunecinos pudieron deshacerse de las corruptas camarillas gobernantes, ¿por qué no podrían también hacerlo los “indignados”? Las obscenas incoherencias éticas del verdadero rector de la economía española, el FMI, no pueden sino irritar y movilizar a camadas cada vez más amplias de ciudadanas y ciudadanos: mientras estos padecen todo tipo de recortes a sus ingresos y sus derechos laborales, los bandidos del FMI deciden premiar a Dominique Strauss Kahn con una indemnización de 250.000 dólares porque renunció anticipadamente a su cargo … ¡por haber incurrido en un gravísimo delito como el asalto sexual a una trabajadora africana en un hotel de Nueva York! Aparte de eso, disfrutará de una jugosísima jubilación que le es negada a millones de españoles y europeos en Portugal, Grecia, Irlanda, Islandia ... ¡Y esa es la gente que dice saber cómo se sale de la situación que está hundiendo al mundo en la peor crisis económica de la historia! Sin haber leído a los clásicos del marxismo la vida les enseñó a los “indignados” que no hay democracia posible bajo el capitalismo, que como decía Rosa Luxemburg sin socialismo no hay ni habrá democracia y que el capitalismo es insanablemente antagónico con la democracia. La historia ha dado un veredicto inapelable: más capitalismo, menos democracia, en el Norte opulento e industrializado igual que en el Sur global. La vida les enseñó también que cuando aúnan sus voluntades, se organizan y se educan en el debate de ideas para superar la estupidización de masas programada por la industria cultural del capitalismo, su fuerza es capaz de paralizar a la partidocracia y poner en crisis la pseudo democracia con que se los engañaba. Si persisten en su lucha podrán también derrotar la prepotencia del capital y, eventualmente, iniciar una nueva etapa en la historia no sólo de España sino también de Europa. Los pueblos del mundo entero tienen hoy sus ojos puestos en las calles y plazas de España, donde se está librando un combate decisivo.[3]

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[1] Conviene recordar que Alemania y el Reino Unido introdujeron el sufragio femenino al finalizar la Primera Guerra Mundial, en 1918, Austria lo hizo en 1919, Estados Unidos en 1920, España en 1931 y Francia en 1944, ¡73 años después de que fuera proclamado por la Comuna de París! En Italia esa conquista recién se logró en 1946 y en Suiza, a menudo exhibida como el gran modelo democrático, ¡en 1971!
[2] Cf. Vincenc Navarro, “El movimiento democracia real ya y la hipocresía del establishment mediático”, http://www.rebelion.org/docs/128839.pdf
[3] Carlo Frabetti, “La revolución ha comenzado”, en www.kaosenlared.net/noticia/la-revolucion-ha-comenzado


FONTE: Atilio Boron

domingo, 22 de maio de 2011

Sobre a vida após a morte

POR MARCELO GLEISER*


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Do ponto de vista científico, vida após a morte não faz sentido,embora a esperança de que ela exista seja muito compreensível

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Já que no domingo passado escrevi sobre o fim do mundo (era para ter sido ontem), é natural continuar nossa discussão refletindo sobre vida após a morte. Especialmente nesta semana, quando o famoso físico Stephen Hawking falou do assunto em entrevista ao jornal inglês The Guardian. "Um conto de fadas para pessoas que têm medo do escuro", disse.

Mantendo a discussão ao nível "científico", o que podemos falar sobre experimentos que visam detectar vida após a morte?

Eis o que escrevi sobre o tópico em meu livro Criação Imperfeita:

Quando ingressei no curso de física da PUC do Rio, em 1979, era a encarnação perfeita do cientista romântico, com barba, cachimbo e tudo.

Lembro-me, com um certo embaraço, do meu experimento para "investigar a existência da alma". Se a alma existia, pensei, tem que ter uma natureza ao menos em parte eletromagnética, de modo a poder animar o cérebro. E se eu convencesse um hospital a dar-me acesso a um paciente em coma, já prestes a morrer? Assim, poderia circundá lo com instrumentos capazes de detectar atividade eletromagnética.

Talvez pudesse detectar a cessação do desequilíbrio elétrico que caracteriza a vida [...] Por via das dúvidas, o paciente deveria também estar deitado sobre uma balança bem precisa, caso a alma tivesse peso.

Continuo:

Na verdade,minha incursão no terreno da "teologia experimental" era mais brincadeira do que algo que levei a sério. Porém, minha metade vitoriana charlatã, devo dizer, tinha ao menos um predecessor.

Em 1907, um certo Dr. Duncan MagDougall de Haverhill, em Massachusetts, conduziu uma série de experimentos para medir o peso da alma.emborasua metodologia fosse altamente duvidosa, seus resultados foram mencionados no prestigioso "New York Times":"Médico crê que alma tem peso", afirmou a manchete. O peso era em torno de 21,3 gramas, embora tenha havido algumas variações entre os poucos pacientes investigados. Como grupo de controle, ele pesou 15 cães, mostrando que eles não sofriam qualquer mudança de peso. O resultado não o surpreendeu, pois suspeitava que só humanos têm almas.

Os experimentos de Mag Dougall inspiraram o filme 21 Gramas, com Sean Penn fazendo o papel de um matemático à beira da morte.

De volta a Hawking, devo dizer que concordo com ele. Tudo o que sabemos sobre como a natureza opera indica que a vida é um fenômeno bioquímico emergente que tem um início e um fim.

Do ponto de vista científico, vida após a morte não faz sentido: existe a vida, um estado complexo da matéria em que um organismo interage ativamente com o ambiente, e existe a morte, um estado em que essas interações tornam-se passivas.

Morte é ausência de vida. (Mesmo o vírus só pode ser considerado0 vivo dentro de uma célula anfitriã.) É perfeitamente compreensível querer mais do que algumas décadas de vida, ter esperança de que existe algo mais.

Porém, nosso foco deve ser no aqui e no agora, e não no além. O que importa é o que fazemos coma vida que temos, curta que seja.Após ela, o que persiste são as memórias naqueles que continuam vivos.

 
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*MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro Criação Imperfeita.


FONTE: Folha de São Paulo, 22 de maio de 2011.

Las perdurables enseñanzas de la Comuna de París

Por Atilio Boron


Universidad de Buenos Aires
PLED, Programa Latinoamericano de Educación a Distancia en Ciencias Sociales



Durante los 72 días transcurridos entre el 18 de Marzo y el 28 de Mayo de 1871 Francia fue testigo de una experiencia única, sin precedentes: la Comuna de París. Su instauración fue precedida por la feroz guerra franco-prusiana y el derrumbe del Segundo Imperio, con Luis Bonaparte a la cabeza. Con la Comuna la clase obrera conquistaba el poder político por primera vez en la historia, lo que dejó valiosísimas enseñanzas para los revolucionarios de todo el mundo y cuya vigencia y utilidad práctica se agigantó con el paso del tiempo. Como no podía ser de otro modo, tan especialísimo acontecimiento ejerció una fuerte influencia sobre el pensamiento marxista: Karl Marx dejó por un momento de lado la redacción de El Capital y escribió un breve pero luminoso texto: La Guerra Civil en Francia , escrito, tal como lo observara Friedrich Engels en su “Introducción” de 1891 al opúsculo de Marx, “cuando (los acontecimientos históricos) se desarrollan todavía ante nuestros ojos o acaban apenas de producirse”. [1]


El tema de un gobierno del proletariado había concitado la atención de Marx y Engels desde sus primeros escritos políticos: el Manifiesto del Partido Comunista , redactado a principios de 1848, es una prueba de ello. Pero en esta obra la visión es sumamente abstracta: la organización del proletariado como clase dominante. Ratificando por enésima vez la íntima vinculación entre praxis histórica y desarrollo teórico, los hechos que tuvieron lugar en París en ese breve lapso permitieron refinar significativamente la teoría marxista del estado y de la política. Porque, como queda claro en La Guerra Civil en Francia, el objeto de ese escrito es analizar la emergencia real, concreta, de un nuevo tipo de estado y no tan sólo de una nueva forma estatal capitalista, como se realiza, por ejemplo, en El Dieciocho Brumario de Luis Bonaparte. Es cierto que tanto en el Manifiesto como en la Guerra Civil se postulaba la desaparición del estado y su reemplazo por una asociación autogobernada de productores libres. Sólo que lo que en el Manifiesto aparecía como una audaz anticipación teórica de sus jóvenes autores en la Guerra Civil era una reflexión post festum, fundada en un proceso histórico real. [2] En sus diferentes estudios sobre la política francesa, que Marx consideraba como el lugar donde las luchas de la clase obrera habían alcanzado su más alto nivel de desarrollo, aquél había comprobado cómo, bajo diferentes formas del estado capitalista –la monarquía absoluta, la república democrática, el bonapartismo- se producía el sucesivo perfeccionamiento de la máquina estatal. Si bien tanto él como Engels eran conscientes de la necesidad de destruir esa maquinaria de opresión como paso previo a la autoemancipación del hombre y el comienzo de la verdadera historia de la humanidad, ninguno tenía idea precisa acerca de cómo hacerlo. Hubo que esperar a que la historia diese su respuesta en París, y tanto uno como otro tomaron buena nota de ello.


Por otra parte, si en los textos juveniles Marx y Engels la destrucción del estado era el punto final de un largo proceso revolucionario de construcción de una nueva sociabilidad, a partir de las enseñanzas de la Comuna ambos modifican aquella concepción y coinciden en señalar que la destrucción del estado capitalista debe iniciarse de inmediato, y que el éxito en tal emprendimiento será condición indispensable para que, en una fase ulterior, se concrete la tan anhelada extinción del estado. Engels lo subrayó con toda claridad en su ya referida “Introducción” al escribir que “(L)a Comuna tuvo que reconocer desde el primer momento que la clase obrera, al llegar al Poder, no puede seguir gobernando con la vieja máquina del Estado; que para no perder de nuevo su dominación recién conquistada, la clase obrera tiene, de una parte, que barrer toda la vieja máquina represiva utilizada hasta entonces contra ella, y, de otra parte, precaverse contra sus propios diputados y funcionarios, declarándolos a todos, sin excepción, revocables en cualquier momento.” [3]


Lenin insistió en diversos escritos sobre la importancia de este pasaje, en contra de los oportunistas que, tanto ayer como hoy, piensan que se puede transformar al mundo simplemente apoderándose de la máquina estatal y utilizarla para fines distintos para los que fue creada en el seno de la sociedad burguesa. La historia ha venido refutando una y otra vez esa creencia. Uno de los casos más ilustrativos ha sido la experiencia de la Unidad Popular en Chile (1970.1973), que trató de utilizar el viejo estado burgués para lanzar un ambicioso programa de transición hacia el socialismo. Tal como lo reconoció el propio presidente Salvador Allende, ni los mecanismos institucionales del estado ni su personal obedecían a las órdenes emanadas del Palacio de la Moneda. Es que, como producto social, el estado capitalista no había sido diseñado para transformar al mundo sino para reproducirlo ad infinitum. Las Misiones y los Consejos Comunales en Venezuela, el Estado Plurinacional y el reconocimiento de los órganos de participación y decisión de las comunidades indígenas y campesinas en Bolivia y las nuevas modalidades de gestión del gobierno del Ecuador son indicios de que los nuevos gobiernos de izquierda de la región tomaron nota de la experiencia de la Unidad Popular y comprendido que no se puede gobernar con el viejo estado si es que se quieren producir transformaciones de fondo en nuestras sociedades.


En su texto Marx introduce una importante distinción al señalar, a propósito de la gestión cotidiana de gobierno de la Comuna, que “mientras los órganos puramente represivos del viejo Poder estatal habían de ser amputados, sus funciones legítimas habían de ser arrancadas a una autoridad que usurpaba una posición preeminente sobre la sociedad misma, para restituirla a los servidores responsables de esta sociedad.” [4] Como consecuencia la Comuna materializa una reapropiación social de las funciones expropiadas por el estado, dando nacimiento a “un gobierno de la clase obrera, fruto de la lucha de la clase productora contra la clase apropiadora, la forma política al fin descubierta para llevar a cabo dentro de ella la emancipación económica del trabajo.” [5] Contrariamente a lo que señalan los críticos del marxismo, a quien acusan de pretender funcionar sin estado en una sociedad tan compleja como la actual, las enseñanzas de la Comuna demuestran que la organización política de la sociedad puede construirse siguiendo lineamientos distintos y alternativos al estado: mantenimiento y expansión de las legítimas funciones del mismo (abastecimientos de insumos básicos, provisión de salud, educación, vivienda y seguridad social, defensa ante las agresiones externas, etcétera) a la vez que sus funciones represivas habrían de ser amputadas. [6] No puede olvidarse que el estado, todo estado, mientras exista es una dictadura de una clase o una alianza de clase que oprime y explota al resto de la sociedad. La existencia de las clases sociales requiere del estado como su contraparte necesaria. Que esta dictadura, entendida como el predominio sistemático (y, en ciertas ocasiones, excluyente) de los dominantes sobre los dominados pueda a veces apelar a métodos “democráticos” de gestión, o a fórmulas consensualistas de manejo del proceso político no quita que sea una dictadura en el sentido arriba mencionado y que los intereses de las clases dominantes prevalezcan invariablemente. Fue en virtud de esto que la experiencia histórica de la Comuna le permitió a Engels exclamar, en el cierre de su “Introducción” escrita veinte años después del opúsculo de Marx, que esa “forma política al fin descubierta” no era otra cosa que la dictadura del proletariado. En el último párrafo de ese brillante texto el amigo de Marx dice: “Pues bien, caballeros, ¿quieren saber que faz presenta esta dictadura? Miren a la Comuna de París: ¡he ahí la dictadura del proletariado! [7] Hay que decir que, sin embargo, Marx nunca utilizó esa expresión para referirse a la Comuna. En su correspondencia, diez años después, señala que el heroico levantamiento de la clase obrera parisina no podía llegar a instaurar una dictadura del proletariado. Para eso hacía falta que la insurrección obrera hubiese ocurrido a escala nacional y contado con una dirección socialista capaz de atacar los fundamentos económicos del orden vigente, cosa que la Comuna no hizo. En un párrafo de La Guerra Civil Marx señala que “(L)as medidas financieras de la Comuna, notables por su sagacidad y moderación, hubieron de limitarse necesariamente a lo que era compatible con la situación de una ciudad sitiada.” [8] Marx también observa que esta debilidad de la Comuna, unida a las de su dirección, compartida por los “blanquistas” y los socialistas adeptos a Proudhon, con pocos socialistas marxistas (es decir, comunistas) es responsable de uno de los más significativos errores de toda la experiencia popular: “el santo temor con que aquellos hombres” –dice Marx-“se detuvieron respetuosamente en los umbrales del Banco de Francia … (que) en manos de la Comuna hubiera valido más que diez mil rehenes.” [9]


¿Cuáles fueron los rasgos concretos que asumió la experiencia de la Comuna? Estos son los principales que enumera Marx en su obra:


(a) Supresión del Ejército. El primer decreto del gobierno de la clase obrera tuvo por objetivo liquidar al Ejército y sustituirlo por una Guardia Nacional integrado mayoritariamente por obreros. En otras palabras: la Comuna reivindica al pueblo en armas, revirtiendo una expropiación que se había producido siglos atrás.

(b) Revocación del parlamentarismo, como deformación de la genuina representación popular y la perversión de los parlamentos, convertidos en ámbitos donde se desenvuelve una estéril charlatanería, y su reemplazo por nuevos órganos de trabajo, ejecutivos y legislativos a la vez, basados en el sufragio universal, y cuyos representantes son en su totalidad revocables y directamente responsables por sus acciones ante sus mandantes. No se trata, por lo tanto, de abolir las instituciones representativas sino de garantizar el control “desde abajo” de las mismas, evitando la autonomización de los representantes con sus privilegios e inmunidades.

(c) Supresión de la burocracia, cuerpo extraño y parasitario que se apropia del poder político que pertenece al pueblo. En su lugar, creación de un cuerpo de funcionarios que desempeñarán su labor a cambio de un salario de obrero, serán responsables ante el pueblo que podrá destituirlos mediante sencillos procedimientos. De ese modo se evitará la recreación de una burocracia convertida en poderosa fuerza social que podría frustrar las iniciativas populares. Por otra parte, con la supresión del ejército y la burocracia se obtiene eso que fue el sueño de todas las revoluciones burguesas: un gobierno barato.

(d) Finalmente, la Comuna proponía la sustitución de la unidad de la nación basada en el centralismo burocrático y militar por la unidad de comunas libremente integradas como asociación de productores. Todos los delegados son revocables y el gobierno central detentaría un mínimo de funciones. [10]


Como puede observarse, los rasgos políticos definitorios de la Comuna constituyen, según Marx, la antítesis del estado capitalista y son, al mismo tiempo, los inicios de la desaparición del estado, de su reabsorción por parte de la sociedad civil organizada como una comunidad de productores autogobernados. En consecuencia, la experiencia de la Comuna no se proponía hacer un estado mejor sino de comenzar a construir un tipo de organización política distinta, definitivamente post-estatal en la medida en que estaba tendencialmente orientada a poner fin a la opresión de una clase sobre el resto.


El tema de la dictadura del proletariado, tan manoseado y mal interpretado (las más de las veces premeditadamente) quedó apenas esbozado en los textos de Marx y Engels sobre la Comuna. Ampliando la brevísima alusión al tema que efectuáramos más arriba lo que quisiéramos dejar en claro es que aún bajo el primado de las instituciones de la democracia liberal el carácter dictatorial del estado sigue plenamente vigente. Esto de ninguna manera puede significar que desde el pensamiento y la praxis marxista seamos indiferentes ante los contrastes entre métodos dictatoriales o democráticos de gobierno. No es lo mismo Videla que Menem, o Pinochet y Lagos, o Geisel y Rousseff, aunque en todos los casos el estado capitalista imponga la dictadura del capital, a veces por medios "democráticos" y otras por los métodos propios del despotismo político. Por ello es decisivo que la caracterización de la dictadura sea hecha no tan sólo en el nivel del "método de gobierno" (evidenciada por la clara primacía de los aparatos represivos) sino en dos niveles distintos pero complementarios: el estructural, que remite al carácter de clase del estado y, en consecuencia, al sistemático privilegio de las políticas que favorecen la acumulación del capital y la explotación de los trabajadores; y el de la metodología de gobierno, que tiene que ver con las formas bajo las cuales se procesa el predominio de la clase dominante. Esta distinción es muy importante para evitar caer en la trampa del fetichismo propio de la ideología burguesa que nos habla de democracia y de libertades que, en términos reales, sólo existen en el papel. Porque, ¿qué clase de democracia es una en la que los intereses fundamentales de las clases dominantes jamás se ponen en cuestión? ¿O una en la que la ciudadanía vota por una política y el gobierno hace algo exactamente opuesto al mandato popular? Si la democracia es, según Abraham Lincoln, “el gobierno del pueblo, por el pueblo y para el pueblo”, ¿cómo conciliar esta definición con gobiernos que, por métodos violentos o por medio de tácticas “democráticas”, perpetúan y acentúan la explotación y la opresión de los trabajadores? [11]


Otra de las enseñanzas de la Comuna es la invalidación de las concepciones instrumentalistas del estado, que lo conciben como un simple instrumento, técnico y neutro, como un martillo, que empuñado por la mano proletaria puede construir un mundo post-capitalista. La realidad demuestra que el estado es la coagulación institucional y legal de una correlación de fuerzas, un resultado de la lucha de clases, y que tanto su estructura como la burocracia, las normas, las instituciones y el ethos estatal son productos de aquel enfrentamiento. El estado capitalista, por consiguiente, con independencia de quienes ocupen las alturas del aparato estatal (o sus intenciones) siempre tenderá a reproducir las relaciones sociales capitalistas, aunque el gobierno de ese estado se encuentre en manos de una coalición de izquierda. Aún bajo estas circunstancias el estado capitalista, gestionado por la izquierda, sostendrá el carácter de mercancía de la fuerza de trabajo y procurará mercantilizar todas las relaciones sociales, con lo cual el capitalismo se reproduciría indefinidamente. Inclusive en los casos de acrecentamiento de su autonomía relativa, como lo demuestran sobradamente el fascismo y el bonapartismo, el estado capitalista siempre reproduce la dominación del capital. Por eso, coaliciones reformistas o sinceramente revolucionarias que no comiencen de inmediato a destruir al viejo estado y reemplazarlo progresivamente por otro de nuevo tipo, que refleje la nueva situación sociopolítica, están destinadas al fracaso. La mera lógica de funcionamiento del aparato estatal siempre tiende hacia la derecha, hacia la conservación de la sociedad actual; y los gobiernos, aún los de izquierda, difícilmente podrán neutralizar esta tendencia conservadora en ausencia de una poderosa movilización y organización popular “desde abajo”, desde la calle, que impulse en una dirección contraria. Por eso son estados capitalista, lo que quiere decir que por su estructura y su ethos, esa institución reproducirá incesantemente la dominación del capital, con indiferencia del origen social o las orientaciones ideológicas de quienes ocupen las "alturas" del aparato estatal. La destrucción del estado significa, en términos concretos, poner en marcha una agresiva política de “des-mercantilización”, por una parte, recuperando la condición de derechos ciudadanos de la salud, la educación, la seguridad social, la vivienda, la recreación y, en general, desprivatizando y desmercantilizando todo lo privatizado y mercantilizado desde la instauración del neoliberalismo y, al mismo tiempo, como enseña la Comuna, instituyendo fuertes mecanismos de control popular sobre los gobernantes, los representantes del pueblo y la burocracia, por la vía de revocación de mandatos, referendos revocatorios periódicos y frecuentes, presupuestos participativos, igualación salarial y la abolición de todos los privilegios e inmunidades que tradicionalmente disfrutó la clase política y la burocracia estatal.
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[1] De hecho, Marx pone punto final a su texto el 30 de Mayo de 1871, es decir, dos días después de la caída de la Comuna.
[2] Recuérdese que al momento de publicar el Manifiesto Marx no había todavía cumplido 30 años, y Engels apenas había cumplido 27.
[3] Friedrich Engels, “Introducción” (1891) a La Guerra Civil en Francia de Karl Marx, en Karl Marx y Friedrich Engels: Obras Escogidas en Dos Tomos (Moscú: Editorial Progreso, 1966), Tomo I, p. 470.
[4] Marx, op. cit., p. 509
[5] Karl Marx, La Guerra Civil en Francia, en K. Marx y F. Engels, op. cit., ., pp. 509 y 511.
[6] Aquí Marx se está refiriendo a la “etapa superior” del proceso revolucionario, marcado por el fin del período de transición caracterizado por la “dictadura del proletariado” y en el cual, como máxima expansión de la democracia, todavía será necesario someter por la fuerza a las viejas clases dominantes y los sectores nostálgicos del viejo orden en perpetua conspiración para lograr su violenta restauración.
[7] Op. cit., p. 472.
[8] Op. cit., p. 516.
[9] Ibid., p. 409. Los “blanquistas” eran los seguidores de Louis-Auguste Blanqui, heroico militante del socialismo utópico pero tributario de una concepción política que, al decir de Engels, confiaba en “los ataques por sorpresa” contra la ciudadela del orden burgués, o en “las revoluciones hechas por pequeñas minorías conscientes a la cabeza de las masas inconscientes.” Y, como bien observa Engels, la época en que esa táctica podía ser efectiva ha quedado relegada por los avances en la técnica militar de que dispone la burguesía. Por eso, concluye, “Allí donde se trate de una transformación completa de la organización social, tienen que intervenir directamente las masas, tienen que haber comprendido ya por sí mismas de que se trata, por qué dan su sangre y su vida.” Cf. Friedrich Engels, “Introducción” a Karl Marx, Las luchas de clase en Francia de 1848 a 1950 , en Karl Marx y Friedrich Engels, Obras Escogidas, op. cit., Tomo I, p. 120.
[10] Cf. Marx, Guerra Civil, op. cit. , pp. 507 passim.
[11] Hemos explorado este tema en detalle en nuestro Aristóteles en Macondo. Notas sobre el fetichismo democrático en América Latina (Córdoba: Ediciones Espartaco, 2009)

sábado, 21 de maio de 2011

Maio Nosso Maio


Feita com Software Livre e em um processo coletivo, a animação apresenta de forma leve e compromissada uma leitura histórica que resgata o sentido original do Dia dos Trabalhadores. O filme teve sua estreia no dia 29 de abril na abertura da III Conferência Distrital de Cultura, realizada no Museu Nacional da República, em Brasília (DF).


Maio Nosso Maio



Produção e direção: Farid Abdelnour
Ilustração: Nara Oliveira
Narração: Chico Nogueira, Anahi Nogueira e Fabíola Resende
Realização: Estúdio Gunga


A trágica farsa da democracia

“(...) na democracia, cada cidadão comum é de fato um rei – mas um rei numa democracia constitucional, um monarca que decide apenas formalmente, cuja função é apenas assinar as medidas propostas pelo governo executivo. É por isso que o problema dos rituais democráticos é semelhante ao grande problema da monarquia constitucional: como proteger a dignidade do rei? Como manter a aparência de que o rei toma as decisões, quando todos sabemos que isso não é verdade? Trotsky estava certo então em sua crítica básica à democracia parlamentar: não é que ela dê poder demais às massas não instruídas, mas que, paradoxalmente, apassive as massas, deixando a iniciativa para o aparelho do poder estatal (ao contrário dos ‘sovietes’, em que as classes trabalhadoras se mobilizam e exercem o poder diretamente). Por conseguinte, o que chamamos de ‘crise da democracia’ não ocorre quando os indivíduos deixam de acreditar em seu poder, mas, ao contrário, quando deixam de confiar nas elites, que supostamente sabem por eles e fornecem as diretrizes, quando vivenciam a angústia que acompanha o reconhecimento de que ‘o (verdadeiro) trono está vazio’, de que a decisão agora é realmente deles. É por isso que, nas ‘eleições livres’, há sempre um aspecto mínimo de boa educação: os que estão no poder fingem educadamente que não detêm de fato o poder e nos pedem para decidir livremente se queremos lhes dar o poder – num modo que imita a lógica do gesto feito para ser recusado.”

Trecho do novo livro do filósofo esloveno Slavoj Žižek, Primeiro como tragédia, depois como farsa, publicado pela Boitempo Editorial.
 

O nariz do Pinóquio

Quatro frases que fazem o nariz do Pinóquio crescer

Por Eduardo Galeano

 
1 - Somos todos culpados pela ruína do planeta.

 
A saúde do mundo está feito um caco. ‘Somos todos responsáveis’, clamam as vozes do alarme universal, e a generalização absolve: se somos todos responsáveis, ninguém é. Como coelhos, reproduzem-se os novos tecnocratas do meio ambiente. É a maior taxa de natalidade do mundo: os experts geram experts e mais experts que se ocupam de envolver o tema com o papel celofane da ambiguidade.

 
Eles fabricam a brumosa linguagem das exortações ao ‘sacrifício de todos’ nas declarações dos governos e nos solenes acordos internacionais que ninguém cumpre. Estas cataratas de palavras - inundação que ameaça se converter em uma catástrofe ecológica comparável ao buraco na camada de ozônio - não se desencadeiam gratuitamente. A linguagem oficial asfixia a realidade para outorgar impunidade à sociedade de consumo, que é imposta como modelo em nome do desenvolvimento, e às grandes empresas que tiram proveito dele. Mas, as estatísticas confessam.. Os dados ocultos sob o palavreado revelam que 20% da humanidade comete 80% das agressões contra a natureza, crime que os assassinos chamam de suicídio, e é a humanidade inteira que paga as consequências da degradação da terra, da intoxicação do ar, do envenenamento da água, do enlouquecimento do clima e da dilapidação dos recursos naturais não-renováveis. A senhora Harlem Bruntland, que encabeça o governo da Noruega, comprovou recentemente que, se os 7 bilhões de habitantes do planeta consumissem o mesmo que os países desenvolvidos do Ocidente, "faltariam 10 planetas como o nosso para satisfazerem todas as suas necessidades." Uma experiência impossível.

 
Mas, os governantes dos países do Sul que prometem o ingresso no Primeiro Mundo, mágico passaporte que nos fará, a todos, ricos e felizes, não deveriam ser só processados por calote. Não estão só pegando em nosso pé, não: esses governantes estão, além disso, cometendo o delito de apologia do crime. Porque este sistema de vida que se oferece como paraíso, fundado na exploração do próximo e na aniquilação da natureza, é o que está fazendo adoecer nosso corpo, está envenenando nossa alma e está deixando-nos sem mundo.

 
2 - É verde aquilo que se pinta de verde.

 
Agora, os gigantes da indústria química fazem sua publicidade na cor verde, e o Banco Mundial lava sua imagem, repetindo a palavra ecologia em cada página de seus informes e tingindo de verde seus empréstimos. "Nas condições de nossos empréstimos há normas ambientais estritas", esclarece o presidente da suprema instituição bancária do mund o. Somos todos ecologistas, até que alguma medida concreta limite a liberdade de contaminação.

 
Quando se aprovou, no Parlamento do Uruguai, uma tímida lei de defesa do meio-ambiente, as empresas que lançam veneno no ar e poluem as águas sacaram, subitamente, da recém-comprada máscara verde e gritaram sua verdade em termos que poderiam ser resumidos assim: "os defensores da natureza são advogados da pobreza, dedicados a sabotarem o desenvolvimento econômico e a espantarem o investimento estrangeiro." O Banco Mundial, ao contrário, é o principal promotor da riqueza, do desenvolvimento e do investimento estrangeiro. Talvez, por reunir tantas virtudes, o Banco manipulará, junto à ONU, o recém-criado Fundo para o Meio-Ambiente Mundial. Este imposto à má consciência vai dispor de pouco dinheiro, 100 vezes menos do que haviam pedido os ecologistas, para financiar projetos que não destruam a natureza. Intenção inatacável, conclusão inevitáve l: se esses projetos requerem um fundo especial, o Banco Mundial está admitindo, de fato, que todos os seus demais projetos fazem um fraco favor ao meio-ambiente.

 
O Banco se chama Mundial, da mesma forma que o Fundo Monetário se chama Internacional, mas estes irmãos gêmeos vivem, cobram e decidem em Washington. Quem paga, manda, e a numerosa tecnocracia jamais cospe no prato em que come. Sendo, como é, o principal credor do chamado Terceiro Mundo, o Banco Mundial governa nossos escravizados países que, a título de serviço da dívida, pagam a seus credores externos 250 mil dólares por minuto, e lhes impõe sua política econômica, em função do dinheiro que concede ou promete. A divinização do mercado, que compra cada vez menos e paga cada vez pior, permite abarrotar de mágicas bugigangas as grandes cidades do sul do mundo, drogadas pela religião do consumo, enquanto os campos se esgotam, poluem-se as águas que os alimentam, e uma crosta seca cobre os desertos que antes foram bosques.

 
3 - Entre o capital e o trabalho, a ecologia é neutra.

 
Poder-se-á dizer qualquer cois a de Al Capone, mas ele era um cavalheiro: o bondoso Al sempre enviava flores aos velórios de suas vítimas... As empresas gigantes da indústria química, petroleira e automobilística pagaram boa parte dos gastos da Eco 92: a conferência internacional que se ocupou, no Rio de Janeiro, da agonia do planeta. E essa conferência, chamada de Reunião de Cúpula da Terra, não condenou as transnacionais que produzem contaminação e vivem dela, e nem sequer pronunciou uma palavra contra a ilimitada liberdade de comércio que torna possível a venda de veneno.

 
No grande baile de máscaras do fim do milênio, até a indústria química se veste de verde. A angústia ecológica perturba o sono dos maiores laboratórios do mundo que, para ajudarem a natureza, estão inventando novos cultivos biotecnológicos. Mas, esses desvelos científicos não se propõem encontrar plantas mais resistentes às pragas sem ajuda química, mas sim buscam novas plantas capazes de r esistir aos praguicidas e herbicidas que esses mesmos laboratórios produzem. Das 10 maiores empresas do mundo produtoras de sementes, seis fabricam pesticidas (Sandoz-Ciba-Geigy, Dekalb, Pfizer, Upjohn, Shell, ICI). A indústria química não tem tendências masoquistas.

 
A recuperação do planeta ou daquilo que nos sobre dele implica na denúncia da impunidade do dinheiro e da liberdade humana. A ecologia neutra, que mais se parece com a jardinagem, torna-se cúmplice da injustiça de um mundo, onde a comida sadia, a água limpa, o ar puro e o silêncio não são direitos de todos, mas sim privilégios dos poucos que podem pagar por eles. Chico Mendes, trabalhador da borracha, tombou assassinado em fins de 1988, na Amazônia brasileira, por acreditar no que acreditava: que a militância ecológica não pode divorciar-se da luta social. Chico acreditava que a floresta amazônica não será salva enquanto não se fizer uma reforma agrária no Brasil. Cinco an os depois do crime, os bispos brasileiros denunciaram que mais de 100 trabalhadores rurais morrem assassinados, a cada ano, na luta pela terra, e calcularam que quatro milhões de camponeses sem trabalho vão às cidades deixando as plantações do interior. Adaptando as cifras de cada país, a declaração dos bispos retrata toda a América Latina. As grandes cidades latino-americanas, inchadas até arrebentarem pela incessante invasão de exilados do campo, são uma catástrofe ecológica: uma catástrofe que não se pode entender nem alterar dentro dos limites da ecologia, surda ante o clamor social e cega ante o compromisso político.

 
4 - A natureza está fora de nós.

 
Em seus 10 mandamentos, Deus esqueceu-se de mencionar a natureza. Entre as ordens que nos enviou do Monte Sinai, o Senhor poderia ter acrescentado, por exemplo: "Honrarás a natureza, da qual tu és parte." Mas, isso não lhe ocorreu. Há cinco séculos, qua ndo a América foi aprisionada pelo mercado mundial, a civilização invasora confundiu ecologia com idolatria. A comunhão com a natureza era pecado. E merecia castigo. Segundo as crônicas da Conquista, os índios nômades que usavam cascas para se vestirem jamais esfolavam o tronco inteiro, para não aniquilarem a árvore, e os índios sedentários plantavam cultivos diversos e com períodos de descanso, para não cansarem a terra. A civilização, que vinha impor os devastadores monocultivos de exportação, não podia entender as culturas integradas à natureza, e as confundiu com a vocação demoníaca ou com a ignorância. Para a civilização que diz ser ocidental e cristã, a natureza era uma besta feroz que tinha que ser domada e castigada para que funcionasse como uma máquina, posta a nosso serviço desde sempre e para sempre. A natureza, que era eterna, nos devia escravidão. Muito recentemente, inteiramo-nos de que a natureza se cansa, como nós, seus filhos, e sabemos que, tal como nós, pode morrer assassinada. Já não se fala de submeter a natureza. Agora, até os seus verdugos dizem que é necessário protegê-la. Mas, num ou noutro caso, natureza submetida e natureza protegida, ela está fora de nós. A civilização, que confunde os relógios com o tempo, o crescimento com o desenvolvimento, e o grandalhão com a grandeza, também confunde a natureza com a paisagem, enquanto o mundo, labirinto sem centro, dedica-se a romper seu próprio céu.

Eduardo Galeano é escritor e jornalista uruguaio


FONTE: Brasil de Fato