domingo, 28 de fevereiro de 2010

Sobre o que a imprensa conservadora silencia

Por Mário Augusto Jakobskind em 16/2/2010

A República Bolivariana da Venezuela segue na ordem do dia da mídia. Quem acompanha o noticiário diário das TVs brasileiras e alguns dos jornalões tem a impressão que o país está à beira do caos e por lá vigora a mais ferrenha obstrução aos órgãos de imprensa privados. Mas há quem não tenha essa leitura sobre o país vizinho, que no próximo mês de setembro elegerá os integrantes da Assembléia Nacional.

José Gregorio Nieves, secretário da organização não-governamental Jornalistas pela Verdade, informou recentemente a representantes da União Européia que circularam em Caracas que nos últimos 11 anos, correspondente exatamente à ascensão do presidente Hugo Chávez, houve um avanço na democratização da comunicação na Venezuela. Ele baseia as suas informações em números. Segundo Nieves, há atualmente um total de 282 meios alternativos de rádios e televisões onde a população que não tinha voz agora tem.

Houve, inclusive, um aumento da democratização do acesso aos meios de comunicação. Até 1998, ou seja, no período em que a Venezuela era governada em revezamento, ora pela Ação Democrática (linha social-democrata), ora pela Copei (linha social cristã), não havia permissão para o funcionamento de veículos comunitários. No país existiam apenas 33 radiodifusores privados e 11 públicos, todos eles avaliados pela Comissão Nacional de Telecomunicações(Conatel).

Que seja ouvido o outro lado

Hoje, ainda segundo informação prestada por Nieves a representantes da UE, as concessões privadas em FM chegam a 471 emissoras, sendo 245 comunitárias e 82 de caráter público. Na área da televisão, o total de canais abertos privados até 1998 era de 31 particulares e oito públicos. Atualmente, a Conatel concedeu concessões a 65 canais privados, 37 comunitários e 12 públicos.

A lógica desses números contradiz, na prática, a campanha midiática de denúncia de falta de liberdade de imprensa. Seria pouco lógico que num período em que aumentaram as concessão de rádio e TV para a área privada o governo restringisse os passos das referidas empresas.

O secretário de organização dos Jornalistas pela Verdade informou ainda que a Lei de Responsabilidade Social no Rádio e Televisão permitiu o fortalecimento dos produtores nacionais independentes. Nieves fez questão de assinalar que a ONG que ele representa rejeita a manipulação contra o governo bolivariano que ocorre em âmbito da UE e em outros fóruns.

É importante que os leitores e telespectadores brasileiros tenham acesso a outros canais de informação e não aos de sempre, apresentados diariamente pelos grandes meios de comunicação vinculados à Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP). Em outros termos: que seja ouvido o outro lado, para que não prevaleça, como tem acontecido, o esquema do pensamento único.

RCTV é confirmada como produtora nacional

Para se ter uma idéia de como funciona o mecanismo do pensamento único, no próximo dia 1º de março, em São Paulo, o Instituto Millenium estará promovendo um seminário sobre "Liberdade de Expressão" que contará com a participação, entre outros, do presidente da RCTV venezuelana, Marcel Garnier, do colunista das Organizações Globo Arnaldo Jabor, do sociólogo Demetrio Magnoli, do jornalista Reinaldo Azevedo, da Veja, e de Carlos Alberto Di Franco, membro da seita Opus Dei.

O Instituto Millenium é dirigido, segundo informa o jornal Brasil de Fato, por Patrícia Carlos de Andrade, ex-mulher do ex-diretor do Banco Central no período FHC, Armínio Fraga e filha do falecido jornalista Evandro Carlos de Andrade, que a partir de 1995 coordenou a Central Globo de Jornalismo. Os mediadores do seminário serão três profissionais de imprensa das Organizações Globo: o diretor Luís Erlanger, o repórter Tonico Pereira e o âncora William Waack.

Já se pode imaginar o tipo de crítica ao governo venezuelano que vem por aí. Vão lamentar a suspensão de seis emissoras de TV a cabo, mas provavelmente deixarão de mencionar, como tem feito a mídia conservadora, que cinco desses canais já retornaram ao ar porque deram as informações necessárias solicitadas pela Conatel. Quanto à RCTV, que se julga internacional, a Conatel confirmou a classificação do canal de TV a cabo como produtora nacional, o que conseqüentemente a obriga a acatar as leis do país. Se fizer isso, poderá voltar ao ar. Se não o fizer, Marcel Garnier continuará circulando por países da América Latina para denunciar a "falta de liberdade de imprensa no país de Chávez".

Sem contraponto

Ah, sim: nestes dias, o governo do Uruguai, cujo presidente, Tabaré Vázquez, encerra o mandato na mesma data do seminário promovido pelo Instituto Millenium, anunciou que vai punir dezenas de emissoras de rádio que se recusaram a entrar na cadeia nacional obrigatória em que o chefe do Executivo uruguaio informava a população sobre questões relacionadas aos direitos humanos. Os jornalões e as TVs brasileiros não deram uma linha sobre o fato, ao contrário do que aconteceu quando a Comissão Nacional de Telecomunicações (Conatel) da Venezuela decidiu suspender emissoras de rádio que estavam em situação irregular.

Por estas e muitas outras é que os leitores e telespectadores brasileiros e da América Latina de um modo geral recebem informações sobre a Venezuela apenas com base do que dizem os inimigos da Revolução Bolivariana. Não há contraponto.

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Nacional-burguês e nacional-popular

Por Lúcio Flávio Rodrigues de Almeida (*)

“Existem duas unilateralidades bastante comuns em análises políticas inspiradas, de algum modo, nas teorizações marxistas. A primeira consiste em mirar apenas as relações entre as classes fundamentais do capitalismo; a segunda, no extremo oposto, limita-se aos conflitos que se travam entre os dominantes, deixando de lado as contradições do primeiro tipo. Todavia, sem levar em conta ambos os tipos de relações, é impossível sequer iniciar a análise dos problemas da representação política, a começar pela diferença crucial entre Estado e governo e, em cada conjuntura, entre esquerda e direita, uma e outra consideradas em sua complexidade”.
Existem duas unilateralidades bastante comuns em análises políticas inspiradas, de algum modo, nas teorizações marxistas. A primeira consiste em mirar apenas as relações entre as classes fundamentais do capitalismo; a segunda, no extremo oposto, limita-se aos conflitos que se travam entre os dominantes, deixando de lado as contradições do primeiro tipo. Todavia, sem levar em conta ambos os tipos de relações, é impossível sequer iniciar a análise dos problemas da representação política, a começar pela diferença crucial entre Estado e governo e, em cada conjuntura, entre esquerda e direita, uma e outra consideradas em sua complexidade.

Parece-nos que Emir Sader, no texto intitulado “Peron, Vargas e Lula” (Carta Maior, 5/11/2009) incorre na segunda unilateralidade e, desta forma, produz o risco de graves equívocos teóricos e políticos. O texto expressa uma justa indignação contra Fernando Henrique Cardoso que considerou Lula como uma “espécie de neoperonista”, o que, para o tucanato, é uma grave desqualificação. Desta forma, FHC veste definitivamente a roupa da oligarquia latinonoamericana, decrépita, odiosa, antinacional, antipopular”.

O problema é quando Emir Sader discorre muito seletivamente sobre as virtudes dos que ele considera os principais alvos dessas “oligarquias”: Peron, Vargas e Lula.

Sader atribui a estes três líderes políticos “a liderança popular, projetos de desenvolvimento nacional, políticas de redistribuição de renda, papel central do Estado, apoio popular, discurso popular” e a personificação de “projetos nacionais, articulados em torno do Estado, com ideologia nacional, desenvolvendo o mercado interno de consumo popular, as empresas estatais, realizando políticas sociais de direitos básicos da massa da população, fortalecendo o peso dos países que governaram ou governam no cenário internacional”. Os dois primeiros – Perón e Vargas – “dirigiram a construção dos Estados nacionais nos nossos dois países” e, ao longo desses processos, desenvolveu-se “o maior ciclo expansivo expansivo de nossas economias paralelamente ao mais extenso processo de conquistas de direitos por parte da massa da população, particularmente os trabalhadores urbanos”. Por isso atraíram – insiste Emir Sader – o ódio da direita oligárquica, branca, proprietária das empresas de mídia e ligada às atividades de exportação. A mesma direita que, não vencendo eleições, também conspirou o tempo todo contra o governo Kubitschek, com duas revoltas oriundas da Aeronáutica, “sempre apoiadas pela oposição e com a conivência dos EUA”.

De fato, Perón, Getúlio e Lula, têm em comum “a personificação de projetos nacionais”. Mas isto não significa que sejam nacionais-populares. Para dar um exemplo extremo, Adolf Hitler, que não era de origem burguesa, personificou, na mesma época da ditadura do Estado Novo, um projeto nacional com altíssimo teor de adesão popular; desenvolveu o mercado interno; quase emplacou um “carro do povo”; respaldou-se em forte ideologia nacional; e foi muito competente ao se apropriar de uma simbologia cara ao movimento operário, a começar pela criação do Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães (mais conhecido como Partido Nazista). Isto passou pela desativação do que havia de independente e emancipatório no movimento revolucionário alemão. Enquanto funcionou, a burguesia alemã achou ótimo e o nazismo contou com simpática neutralidade de muitos liberais em todo o mundo, inclusive na imprensa brasileira.

Não se trata – em absoluto – de identificar a ditadura do Estado Novo ao nazi-fascismo, até porque há quem destaque no primeiro a forte influência positivista. Mas alguns pontos de contato são inegáveis: a decapitação do movimento operário, o forte anticomunismo, a mobilização controlada dos trabalhadores via sindicato de Estado, um discurso que calava fundo junto a eles, a instituição de direitos trabalhistas via estrutura sindical corporativista e forte apoio burguês. Roberto Simonsen, o principal dirigente industrial da época e um dos principais defensores da política de substituição de importações, apoiou decididamente o golpe de 1937. E, para quem confunde projeto nacional com nacional-popular, vale a pena examinar esta pérola do longo manifesto que empresários, empresas e associações empresariais publicaram em 19/04/1942, em comemoração ao aniversário, de Vargas, carinhosamente chamado de “apóstolo da Ordem”: “Cada nação tem idéia nacional própria (...). A nossa, a brasileira, é a que aí está em vigor desde 10 de novembro de 1937”. Ou seja, desde o golpe do Estado Novo. Três anos depois, a “oligarquia” mais reacionária, aliada ao imperialismo estadunidense, encabeçou a luta pela derrubada de Vargas. Mas teve o apoio do conjunto da de uma burguesia seriamente assustada com a possibilidade de que Vargas perdesse o controle sobre o movimento operário em ascensão.

A afirmação de que Vargas, JK foram, assim, como Lula, atacados pelas “oligarquias tradicionais” é extremamente confusa e induz a graves equívocos políticos para as classes populares. Vargas e JK tiveram o apoio da maior parte das chamadas oligarquias rurais tradicionais. O segundo, um dos principais herdeiros políticos do primeiro, era quadro do principal partido com base nos proprietários rurais, o PSD, aliás resultado da transformação da máquina da ditadura estadonovista em organização partidária. O apoio destas “oligarquias rurais” à política desenvolvimentista tinha um preço: mesmo os direitos trabalhistas, estreitamente ligados a uma estrutura sindical que possibilitava a mobilização controlada dos trabalhadores por Vargas, JK e similares, não eram extensivos aos homens e mulheres do campo. O que explica a tremenda falta de apetite desses governos para realizarem qualquer política de reforma agrária.

Ao exaltar políticas de industrialização que ampliaram o consumo de massas no Brasil, Emir Sader deixa de lado o processo tremendamente pouco inclusivo do desenvolvimento capitalista dependente neste país. Processo que, aliás, teve continuidade durante a ditadura militar, com o chamado “milagre brasileiro” dos anos de chumbo e, logo em seguida, desembocou na fracassada tentativa do II PND, sob a batuta do governo Geisel. Este governo foi apoiado, sempre em nome de um projeto nacional (não popular) de desenvolvimento, por vários nacionalistas. E – exemplo de coerência com sua guinada política – recebeu, mais de uma vez, elogio do candidato Lula, em 2001, e do presidente Lula em abril do ano passado, quando também aproveitou a oportunidade para, sempre em nome do desenvolvimentismo, elogiar Emilio Garrastazu Médici.

Aqui estamos diante de um nítido corte de classe. Para o capitalismo (e para os capitalistas), aquele ciclo expansivo foi uma maravilha. Elevadas taxas de crescimento econômico com grande concentração de renda, opção rodoviária desastrosa, aumento da favelização, meio século de democracia liberal restrita. É, no mínimo, curioso que Emir Sader elogie uma política de expansão de direitos quando os analfabetos (a maior parte dos trabalhadores e trabalhadoras) não podiam votar e qualquer tipo de partido comunista era proibido. Já o que os capitalistas chamam de “década perdida”, a dos anos 80, foi exatamente marcado por um extraordinário ascenso das lutas operárias e populares.

Comparar os três governantes elogiados por Emir Sader é sempre uma tarefa difícil, dada a brutal mudança dos contextos. Mesmo assim, cabe observar que, no caso de Lula, até a grande finança e o agronegócio voltado para a exportação, além do clã Sarney, aderiram. Agora, a denominação “oligarquia” fica restrita aos proprietários dos grandes meios de comunicação e uma parcela de atores políticos que, diante da captura de boa parte de suas principais bases sociais pela coalizão governista, procura desesperadamente se manter na cena política, na expectativa de voltar ao centro do palco. Daí este aparente paradoxo: quem só tem olhos para cena política, acha, em diversos momentos, que o país está pegando fogo. Mas, a cada foguetório na grande imprensa, no Parlamento e mesmo no Judiciário, o governo se consolida e angaria mais apoio entre os vários segmentos burgueses. Como observou Paul Krugman ao se iniciar o escândalo do mensalão (lembram-se?), antes o “mercado” tinha medo do Lula; agora tem medo de que Lula se vá. Aliás, até o momento em que escrevo este artigo, comparado a Vargas, é justamente Lula quem recebe maior apoio da grande burguesia internacional e nativa, assim como elogios dos dirigentes estadunidenses. É claro que preferem figuras ilustres e mais dóceis como FHC. O problema e que este não funciona, especialmente porque não desfruta de apoio popular. Resta, pragmaticamente, apoiar Lula, sinalizando para que os metaleiros do demotucanato não façam bobagens. Preocupam-se com as incertezas de um período pós-Lula em um contexto de crise capitalista mundial. Em suma, até o presente, a grande burguesia tem em Lula o principal agente político da manutenção da ordem social. Enquanto ele cumprir este papel, o forte preconceito contra o “ex-operário nordestino e semi-analfabeto”, exceto para segmentos da alta classe média, fica de molho. Caso o atual governo fracasse nesta missão, pode rapidamente perder o apoio do conjunto das frações burguesas, como ocorreu com “o apóstolo da Ordem” em 1945 e 1954.

Hoje, até parte dos grandes meios de comunicação embarca em um ufanismo politicamente desmobilizador. O que não é incompatível com a intensa criminalização dos movimentos sociais, inclusive no que estes apresentam de projetos nacionais sérios, até porque dotados de forte potencial antiimperialista. Apesar das contradições secundárias o (o que não significa desimportância), de acordos conjunturais, inclusive apoios eleitorais, ou mesmo de equívocos cometidos pelas lideranças populares, Vargas, Simonsen e Julio de Mesquita, o Lula atual, Antonio Ermírio e Roberto Marinho, estão de um lado; Prestes, Olga Benário e Gregório Bezerra, o MST, Apolônio de Carvalho e João Amazonas, no campo oposto. O fato de um governante ser atacado por forças antinacionais não significa necessariamente que ele não represente os interesses dos dominantes.

Em tempos de ufanismo neodesenvolvimentista, é fundamental distinguir o nacional-burguês do nacional-popular.

(*) Lúcio Flávio Rodrigues de Almeida é sociólogo e professor do Departamento de Política da PUC-SP.

Fonte: http://odiario.info/

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

O que convém

"Houve tortura na Ilha de Cuba, sim senhor, mas na base de Guantánamo, que não é nosso território. Fale para eles [entidades de direitos humanos] que discutam conosco direitos... em igualdades de condições e vamos ver o que sai. Quem controla a imprensa? Vocês são jornalistas e sabem disso. Quando escrevem algo que não convém ao dono o que acontece? Desde que um tal de Guttemberg inventou a imprensa, só se publica o que quer o dono da empresa."
(Raul Castro, ao ser questionado sobre o desrespeito aos direitos humanos em Cuba e após lamentar a morte de preso em greve de fome; 25-02)

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Impressões de Anita L. Prestes sobre o processo revolucionário na Venezuela


Encontro de Fidel e Lula


Raul, Lula, Fidel e Franklin Martins
(24/02/2010)

Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos

Os 33 países reunidos na Calc (Cúpula da Unidade da América Latina e do Caribe), em Cancún, no México, aprovaram a criação de uma nova entidade regional, sem os Estados Unidos, batizada de Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac). Só Honduras ficou fora, já que diversos países presentes, incluindo o Brasil, não reconhecem o governo eleito após o golpe contra Manuel Zelaya, em junho do ano passado.

Os revolucionários

"Para nós, não se trata de reformar a propriedade privada, mas de aboli-la; não se trata de disfarçar os antagonismos de classe, mas de abolir as classes; não se trata de melhorar a sociedade existente, mas de estabelecer uma nova...

Nosso grito de guerra tem de ser sempre: a revolução permanente!"

K. Marx. Mensagem à Liga Comunista, 1850.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

O processo revolucionário na Venezuela

CeCAC convida:
Palestra e Debate

O processo revolucionário na Venezuela - Impressões de Anita L. Prestes
Anita Prestes esteve presente no Fórum Internacional “Homens a cavalo”, em Caracas, promovido pelo Ministério do Poder Popular para Agricultura y Terras da Venezuela para homenagear revolucionários latino-americanos. Participou do programa de televisão “Alô presidente”, com Hugo Chavez.

4 de março – Quinta, às 18:30h
Av. 13 de maio, 13/ Sala 1903 - Tel: (21) 2524-6042
Centro Cultural Antonio Carlos Carvalho - CeCAC
Leia mais no sítio: http://www.cecac.org.br/ cecac@terra.com.br

domingo, 21 de fevereiro de 2010

Blowback: o legado da CIA no Irã, Afeganistão e Paquistão



O mínimo que se pode dizer é que no Irã, Afeganistão e Paquistão os EUA colhem hoje o que a CIA plantou com a colaboração de gente como o deputado Charlie Wilson. Osama Bin Laden foi treinado pela CIA para atacar os russos; gostou e atacou depois o World Trade Center em Nova York. E as bombas atômicas do Paquistão (real) e do Irã (hipotética) devem-se, ao menos em parte, à igual cortesia da CIA. A situação atual destes três países reflete o passado irresponsável da espionagem dos EUA.
Por Argemiro Ferreira

A imagem do herói no cavalo branco a salvar a mocinha das garras do vilão, seja este assaltante de banco ou índio em defesa de suas terras invadidas, é recorrente na ficção de Hollywood. O deputado Charlie Wilson morreu, aos 76 anos, no dia 10 de fevereiro, certo de que era herói na vida real. Motivo: no Congresso injetou bilhões de dólares para financiar os que lutavam contra os russos no Afeganistão.

Ao morrer do coração Wilson já estava aposentado. Mas ele representou o Texas por 14 mandatos sucessivos na Câmara. Um livro (“Charlie Wilson’s War - The Extraordinary Story of the Largest Covert Operation in History”, de George Crile) e um filme (“Charlie Wilson’s War”, de Mike Nichols, com Tom Hanks no papel-título) o retrataram como herói.

A semana marcou ainda o 31° aniversário da revolução dos aiatolás do Irã, ocorrida apenas alguns meses antes da invasão do Afeganistão. Os iranianos derrubaram o regime do xá Reza Pahlevi, instalado em 1953 graças a golpe planejado pela mesma CIA que usou as verbas secretas do deputado Wilson para recrutar e armar os radicais islâmicos do lado paquistanês da fronteira com o Afeganistão.

O mínimo que se pode dizer é que no Irã, Afeganistão e Paquistão os EUA colhem hoje o que a CIA plantou com a colaboração de gente como o deputado Wilson. Osama Bin Laden foi treinado pela CIA para atacar os russos; gostou e atacou depois o World Trade Center em Nova York. E as bombas atômicas do Paquistão (real) e do Irã (hipotética) devem-se, ao menos em parte, à igual cortesia da CIA.

A lambança atual no Afeganistão (largamente nas mãos dos radicais islâmicos usados pela CIA a partir de 1979), no Paquistão (onde a CIA instalou acampamentos para os ataques aos russos no país vizinho e encorajou o sonho paquistanês da bomba nuclear islâmica) e no Irã (que se nega hoje a abandonar o enriquecimento de urânio) reflete o passado irresponsável da espionagem dos EUA.

No Irã o golpe da CIA instalou o xá no lugar do premier nacionalista Mohamed Mossadegh, anulou a nacionalização do petróleo e com faustosa coroação em 1967 impôs a ficção do “trono de 2.500 anos”. As corporações anglo-americanas ganharam mais um quarto de século para explorar o petróleo do Irã, já que a CIA ainda concebeu a tenebrosa Savak, serviço secreto celebrizado pelas câmaras de tortura.

Ainda naquela década de 1950 o Irã foi premiado pelo governo do presidente Eisenhower com relações muito especiais - que incluiram “acordo de cooperação nuclear para fins pacíficos”, deixando o país com alguma base para, em seguida à revolução dos aiatolás, assustar os EUA com a disposição de ampliar o programa nuclear e rumar para o enriquecimento de urânio.

Para o Irã submisso de Reza Pahlevi, nada era bom demais: além de favorecer o desenvolvimento nuclear, Washington ainda dotou o país de armas sofisticadas e modernizou a máquina da repressão - tudo pago com a receita do petróleo, que regalou nos EUA as indústrias bélica, aeronáutica, nuclear e de segurança. Só que hoje, tomado pelos rebeldes radicalizados nas câmaras de tortura, o Irã é outro.

De tal forma o Irã do xá era criatura da CIA que, no final de 1973, o presidente Nixon concluiu que ninguém melhor para ser embaixador em Teerã do que o próprio diretor da central de espionagem, Richard Helms - “dada a intimidade dele com o xá”, explicou. Como se fosse o posto final de uma carreira de sucesso na CIA, dirigida por Helms durante quase sete anos, antes dos três que passou no Irã.

Com a contribuição do deputado Charlie Wilson, anticomunista meio fanático, o capítulo Afeganistão-Paquistão foi ainda mais vivo, excitante e insólito - ou “colorful”, para usar adjetivo talvez mais apropriado à conduta do parlamentar excêntrico que quando não estava “salvando o mundo” da suposta “ameaça vermelha” dedicava-se ao consumo de álcool e drogas com prostitutas de luxo.

Ele ficou obviamente encantado com os relatos do livro e do filme que o tornaram celebridade. Seu papel pode ter sido singular pelo conhecimento de sutilezas do processo legislativo na Câmara, onde integrava a comissão de verbas (appropriations) e sua subcomissão sobre operações no exterior - além de cultivar contatos na comissão que supervisiona a espionagem.

Não só estava familiarizado com mecanismos e artifícios para ocultar a destinação de recursos. Também revelara-se mestre na troca de favores com colegas interessados em abocanhar verbas para projetos de seus distritos eleitorais. Certos especialistas acham que hoje teria mais dificuldades: o processo legislativo sofreu reformas depois, reduzindo - em nome da transparência - a prática do sigilo.

O fato é que Wilson começou por canalizar uma verba de US$ 5 milhões para os radicais do Afeganistão. E, no fim da década de 1980, aqueles recursos elevavam-se a nada menos de US$ 750 milhões por ano. Pode ter sido ajudado por pertencer ao partido da oposição (Democrata) numa década dominada por governos republicanos (Reagan e Bush I) obstinados em estender ainda mais as ações militares dos EUA pelo mundo.

No Afeganistão e Paquistão, sabe-se hoje, a lambança foi bipartidária - devido a uma armadilha do governo do presidente democrata Jimmy Carter. Seu assessor de segurança nacional na Casa Branca, Zbigniew Brzezinski, confessaria 20 anos depois ter atraído a URSS para a idéia de invadir o Afeganistão. A invasão veio a 24 de dezembro de 1979, após seis meses de ajuda crescente da CIA aos rebeldes radicais.

Em entrevista à revista francesa “Nouvel Observateur”, em 1998, Brzezinski vangloriou-se de seu papel: “Carter assinou a 3 de julho de 1979 a primeira diretiva (à CIA) para a ajuda secreta aos opositores do regime pro-soviético de Kabul. Naquele dia eu tinha enviado nota ao presidente na qual expliquei que, na minha opinião, tal ajuda americana iria levar a uma intervenção militar soviética”.

Quando o jornalista perguntou se a ação clandestina dos EUA tivera a intenção de provocar a invasão russa, Brzezinski amenizou: “Não provocamos os russos para que invadissem, mas ampliamos conscientemente a probabilidade de que isso viesse a ocorrer”. No dia em que os russos cruzaram a fronteira, disse, escreveu de novo a Carter: “Agora temos a oportunidade de dar aos soviéticos o Vietnã deles”.

Brzezinski contestou, assim, a tese republicana que atribui a Reagan a glória pelo fim da URSS. “Durante quase 10 anos a URSS amargou guerra insuportável - um conflito que trouxe a desmoralização e, afinal, a dissolução do império soviético”, alegou. Mas o exagero é comparável ao do mérito republicano. O desfecho, após meio século, deveu-se aos dois partidos e muita gente mais - inclusive os que erraram na própria URSS.

As avaliações atuais tentam ignorar os efeitos negativos das ações da espionagem. Ao financiar, treinar e armar (até com mísseis Stinger, capazes de destruir aviões em vôo) os radicais que batizou de “combatentes da liberdade” a CIA extremou as ambições deles. Hoje ela os repudia como “terroristas”, indiferente ao fato de que aprenderam na CIA a pensar o impensável - como atacar o coração do império americano.

Com os russos fora do Afeganistão os EUA deixaram o país para os radicais que a CIA diplomou em terrorismo. Com armas como o Stinger, os talibãs tomaram o poder e ficaram até 2001. Bin Laden, saudita de nascimento, ainda dirige de lá a rede al-Qaeda, que opera no mundo a partir do território afegão. E a CIA ainda tenta “recomprar” Stinger mas nem sabe quantos distribuiu - a estimativa vai de 500 a 2.000.

O deputado Wilson, ao invés de herói, foi cúmplice das trapalhadas. Livro e filme dizem que atuava com assistência da CIA. A culpa dos EUA e sua agência ia mais longe na relação promíscua com o general-ditador paquistanês Zia-ul-Haq, que em troca do apoio à operação na fronteira afegã obteve luz verde e deu carta branca ao construtor da bomba atômica islâmica, o cientista Abdul Qadeer Khan.

No desdobramento, a receita da bomba-A do Paquistão foi parar no Irã, Coréia do Norte, Líbia e talvez outros. Assim, além de fazer a “guerra (sem fronteiras) ao terrorismo” e lutar no Afeganistão contra os que antes chamava de “combatentes da liberdade”, os EUA hoje têm de vigiar o Dr. Khan, o serviço secreto (ISI) do Paquistão, os progressos nucleares do Irã e da Coréia do Norte e sabe-se-lá-mais-o-que.

A própria CIA adotou a expressão “blowback” para designar os efeitos opostos ao que pretendia em cada uma de suas operações clandestinas. A palavra apareceu pela primeira vez em relatório secreto de 1954 sobre o golpe da CIA no Irã. O “blowback” da derrubada de Mossadegh foi a tirania de 25 anos e a revolução (antiamericana) dos aiatolás. Já no Afeganistão os ataques do 11/9 nos EUA tendem a ficar como exemplo maior.

Fonte: http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=16397

sábado, 20 de fevereiro de 2010

Liquidação


“É cada vez mais difícil vender a alma ao Diabo, por excesso de oferta.”
Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), poeta.

Perguntar não ofende

"Vote num careca e ganhe dois", disse Serra sobre Arruda. Esta frase tem tudo para ser tão desastrosa eleitoralmente quanto "Se o Pitta não for um bom prefeito, nunca mais vote em mim", proferida por P. S. Maluf em 1996.

Perguntas das quais os demos, os tucanos e a "grande mídia" desviam a qualquer custo - inclusive o da credibilidade:

1] Por que, a exemplo do que fez tantas vezes com o PT, a mídia não parte do fato policial para resgatar o passado e o presente das relações políticas do demo José Roberto Arruda?

2] Por que esquece –ou esconde?– entre outras coisas, que Arruda foi nada menos que líder de FHC na Câmara Federal?

3] Por que a mesma amnésia subtrai ao leitor que Arruda era a grande –e única– ‘revelação administrativa’ dos demos [sobretudo depois do fiasco Kassab], e nome natural’ para ocupar a vice-presidência na coalizão demotucana liderada por Serra?

4] Por que, súbito, abriu-se um precipício de silêncio midiático sobre as relações entre Serra e Arruda, omitindo-se, inclusive, ‘o simpático’ simbolismo da sintonia capilar entre ambos –mencionada por ninguém menos que o próprio governador tucano em evento conjunto em 2009?


5] Por que a obsequiosa Eliane Catanhêde, da Folha, e os petizes da Veja, que tantas e tantas linhas destinaram a enaltecer a determinação de Arruda em ‘cortar o gasto público’ –e ainda o fazem na ressalva ao ‘bom administrador que tropeçou na ética’, segundo Catanhede– sonegam aos seus leitores a auto-crítica pelo peixe podre que venderam como caviar?

6] Por que, enfim, o esfarelamento da direta nativa abrigada nos Demos não merece copiosas páginas de retrospectiva histórica, que situe para os leitores a evolução daqueles que, como Arena e PFL, foram esteio da ditadura e da tortura e hoje são os aliados carnais de José Serra?

(Carta Maior e a Quarta-feira de Cinzas da mídia demotucana)

*Originalmente publicado no Conversa Afiada (http://www.paulohenriqueamorim.com.br/?p=27291), de Paulo Henrique Amorim, reproduzindo texto da Agência Carta Maior.

Genealidade de Clarice Lispector

Vejam a genialidade de Clarice Lispector e a riqueza da língua portuguesa:

Não te amo mais.
Estarei mentindo se disser que
Ainda te quero como sempre quis.
Tenho certeza de que
Nada foi em vão.
Sei dentro de mim que
Você não significa nada.
Não poderia dizer nunca que
Alimento um grande amor.
Sinto cada vez mais que
Já te esqueci!
E jamais usarei a frase
EU TE AMO!
Sinto, mas tenho que dizer a verdade:
É tarde demais...


OBS.: - Agora leiam de baixo para cima.

O encontro entre dois Prêmio Nobel da mentira

Dalai Lama & Obama: O encontro entre dois Prêmio Nobel da mentira

por Domenico Losurdo [*]



A notícia é agora oficial. Dentro em breve o Dalai Lama será recebido por Obama na Casa Branca. O encontro entre estas duas almas gêmeas era inevitável: com vinte anos de separação entre um e outro (1989 e 2009), ambos receberam o Prêmio Nobel da Paz e ambos receberam esta distinção ad maiorem Dei gloriam ou, para mais exatidão, para a maior glória da "nação eleita" por Deus. 1989 foi o ano em que os EUA obtiveram o triunfo na guerra fria e preparavam-se para desmantelar a União Soviética, a Iugoslávia e também – como eles esperavam – a China. Nestas condições, aquele que ia ser coroado campeão da paz não podia ser senão o monge intrigante que desde há trinta anos, encorajado e financiado pela CIA, lutava para destacar da China um quarto do seu território (o Grande Tibete).

Em 2009, a situação havia mudado radicalmente: os dirigentes de Pequim haviam conseguido evitar a tragédia que se queria infligir ao seu país; ao invés de serem remetidos às décadas terríveis da China, oprimida, humilhada e muitas vezes condenada em massa à morte por inanição, à "China crucificada" de que falam os historiadores, um quinto da população mundial havia experimentado um desenvolvimento prodigioso, enquanto se verificava claramente o declínio e o descrédito que afligia a super-potência solitária que em 1989 havia acreditado ter o mundo aos seus pés. Nas condições que emergiram em 2009, o Prêmio Nobel da Paz coroava aquele que, graças à sua habilidade oratória e à sua capacidade de se apresentar como um homem novo e vindo de baixo, estava destinado a recuperar o lustro do imperialismo norte-americano.

Na realidade, o significado autêntico da presidência Obama está presente aos olhos de todos. Não há zona do mundo na qual não se tenha acentuado o militarismo e a política de guerra dos EUA. Ao Golfo Pérsico foi enviada uma frota, equipada para neutralizar a possível resposta do Irã aos bombardeamentos selvagens que Israel prepara febrilmente graças também às armas fornecidas por Washington. Na América Latina, depois de ter encorajado ou promovido o golpe de estado em Honduras, Obama instala sete bases militares na Colômbia, relança a presença da IV Frota, aproveita a urgência humanitária do Haiti (cuja gravidade é também a consequência da dominação neocolonial que os EUA ali exercem desde há dois séculos) para ocupar maciçamente o país: com uma deslocação de forças que é também uma forte advertência aos países latino-americanos. Na África, sob o pretexto de combater o "terrorismo", os EUA reforçam o seu dispositivo militar por todos os meios: a sua tarefa real é tornar o mais difícil possível o abastecimento de energia e matérias-primas de que a China tem necessidade, de modo a poder estrangulá-la no momento oportuno. Na própria Europa, Obama não renunciou à expansão da OTAN para o Leste, e ao enfraquecimento da Rússia; as concessões são formais e visam apenas isolar a China o mais possível, o país que se arrisca a por em causa a hegemonia planetária de Washington.

Sim, é na Ásia que o caráter agressivo da nova presidência norte-americana emerge com toda clareza. Não se trata apenas do fato de que a guerra no Afeganistão foi estendida ao Paquistão, com o recurso aos aviões sem piloto (e a sua consequência de "danos colaterais") claramente mais maciço que na época da administração Bush júnior. É sobretudo no que se refere a Formosa (Taiwan) que é significativo. A situação estava a melhorar nitidamente: entre a China continental e a ilha, os contatos e os intercâmbios retomavam-se e desenvolviam-se; as relações entre o Partido Comunista Chinês e o Kuomitang foram restabelecidas. Com a nova venda de armas, Obama quer atingir um objetivo bem preciso: se realmente não se pode desmantelar o grande país asiático, pelo menos é preciso impedir a reunificação pacífica.

É neste ponto que anuncia a sua chegada a Washington um velho conhecido da política de contenção e de desmantelamento da China. Eis que no momento oportuno entra de novo em cena Sua Santidade que, antes mesmo de por os pés nos EUA, benzeu à distância o mercador de canhões que tem sede na Casa Branca. Mas o Dalai Lama não é universalmente conhecido como o campeão da não-violência? Permito-me, a propósito desta manipulação refinada, remeter para um capítulo do meu livro (A não-violência. Uma história afastada do mito), que o editor Laterza (de Bari-Roma) lançará nas livrarias a 4 de Março próximo. Por enquanto limito-me a antecipar um único ponto. Obras que têm como autor ou co-autor ex-funcionários da CIA revelam uma verdade que jamais deve ser perdida de vista: a não-violência é um "écran" (screen) inventado pelo departamento dos serviços secretos norte-americanos empenhados sobretudo na "guerra psicológica". Graças a este écran, Sua Santidade foi mergulhado numa aura sagrada, quando desde há muito, após a sua fuga da China em 1959, ele promoveu no Tibete uma revolta armada, alimentado pelos recursos financeiros maciços, pela poderosa máquina organizadora e multi-midiática e pelo imenso arsenal norte-americano; revolta que entretanto fracassou por causa da falta de apoio por parte da população tibetana. Tratava-se de uma revolta armada – escrevem ainda os ex-funcionários da CIA – que permitiram aos EUA acumular experiências preciosas para as guerras na Indochina, ou seja, para guerras coloniais – sou eu que acrescento, desta vez – que devem ser classificadas dentre as mais bárbaras do século XX.

Agora, o Dalai Lama e Obama encontram-se. Estava na lógica das coisas. Este encontro entre os dois Prêmio Nobel da mentira será tão afetuosa quanto pode ser um encontro entre duas personalidades ligadas entre si por afinidades eletivas. Mas ela não promete nada de bom para a causa da paz.

16/Fevereiro/2010

[*] Ensina história da filosofia na Universidade de Urbino. Dirige desde 1988 a Internationale Gesellschaft Hegel-Marx für dialektisches Denken, e é membro fundador da l' Associazione Marx XXIesimo secolo "Rievoluzione".

O original encontra-se em http://www.domenicolosurdo.it/ e a versão em francês em Le Grand Soir (http://www.legrandsoir.info/).

Este artigo encontra-se em http://www.resistir.info/

ASSOCIAÇÃO DOS AMIGOS DA ESCOLA NACIONAL FLORESTAN FERNANDES


ASSOCIAÇÃO DOS AMIGOS DA ESCOLA NACIONAL FLORESTAN FERNANDES

Rua da Abolição n° 167 - Bela Vista - São Paulo – SP – Brasil - CEP 01319-030 Telefone: (55-11) 3105-0918 - Correio eletrônico: associacaoamigos@enff.org.br


Prezado(a)companheiro(a)

Vivemos hoje um momento de festa e de luta.

Festa porque a Escola Nacional Florestan Fernandes completa o seu quinto ano de existência com um histórico pleno de realizações importantes que nos enchem de orgulho e alimentam nossa disposição de prosseguir na empreitada.

Luta porque os setores mais reacionários e conservadores do Brasil estão ampliando sua escalada de ataques aos movimentos sociais e às organizações dos trabalhadores, especialmente o MST. As críticas dos meios de comunicação de massa são constantes e cada vez mais violentas e virulentas. Refletem o ódio, o preconceito e a deliberada intenção das classes dominantes de impedir que os trabalhadores sejam autores soberanos do seu próprio caminho.

Precisamente neste momento de festa e de luta, resolvemos criar a Associação dos Amigos da Escola Nacional Florestan Fernandes. Nossa ambição é conquistar o máximo de apoio junto aos setores da sociedade que se disponham a contribuir para o fortalecimento, ampliação e desenvolvimento das atividades de formação da nossa Escola. Este apoio é um ato político da mais alta relevância porque expressa o nosso repúdio à campanha de criminalização dos movimentos sociais orquestrada pela mídia em aliança com o grande capital, como também expressa a nossa mais profunda solidariedade às atividades da Escola, neste momento em que ela mais precisa de nós.

É com este espírito que nos dirigimos a você! Venha fazer parte da nossa associação! Você pode contribuir como sócio pleno com uma taxa de R$ 20,00 (vinte reais) mensais e, se quiser assumir um encargo maior, pode aderir às contribuições solidárias. Aproveitamos para convidar todos os associados, especialmente os que já fazem parte do quadro de professores e de colaboradores da Escola, para que se integrem ativamente às atividades da nossa Associação; precisamos da sua ajuda para a elaboração de propostas, para a organização de eventos, de atividades de solidariedade, sugestões, críticas etc.

Nosso primeiro objetivo é conquistar 500 adesões até o final de fevereiro e acreditamos que vamos conseguir superar esse número, que é o mínimo necessário, embora longe de ser suficiente, para assegurar o desenvolvimento do nosso plano de trabalho ao longo de 2010.

Caso você concorde e queira se associar, procure a secretaria executiva através dos telefones:

3105-0918
9572-0185
6517-4780

ou do correio eletrônico: associacaoamigos@enff.org.br.

Contamos com você na Associação dos Amigos da Escola Nacional Florestan Fernandes!
Venha nos ajudar a ampliar nossas forças e a aprofundar nossa frente de lutas e de festas.

"Ideológicos"

Mensagem de Marcelo Cerqueira: Sob o sugestivo título "Ideológicos", leio na Coluna Panorama Político (O Globo, 19/02/2010) que o ex-ministro Delfim Neto irá contribuir com o PMDB (seu atual partido) para formular o programa partidário a oferecer à candidata Dilma. Delfim também poderia contribuir para a História revelando como ajudou a constituir e a financiar a Operação Bandeirantes (OBAN), núcleo do DOI-CODI, órgão do Estado especializado em torturas e "desaparecimentos" de adversários da ditadura civil-militar de 1964.

Marcello Cerqueira
advogado
OAB/RJ 3.083

Viver num país socialista

O Meia do Flamengo e um dos principais responsáveis pelo Título Brasileiro do Flamengo, o Servio (nascido na Iuguslávia Socialista) Petkovic em entrevista recente:

Ana Maria Braga: Como foi nascer num país com tanta dificuldade?

Petkovic: Quando nasci não tinha dificuldade nenhuma, era um país maravilhoso, vivíamos um regime socialista, todo mundo bem, todos tinham salário, todos tinham emprego. Problemas aconteceram depois dos anos 80.

http://globoesporte.globo.com/Esportes/Noticias/Times/Flamengo/0,,MUL1484475-9865,00-ENTRE+O+CAFE+E+O+SAMBA+PET+AFIRMA+O+MELHOR+TIME+DO+MUNDO+E+O+FLAMENGO.html

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Biblioteca Virtual em Ciências Sociais da América Latina e do Caribe- CLACSO


http://www.biblioteca.clacso.edu.ar/portugues

Acesso livre e gratuito estão em espanhol e em português (15% dos centros ficam no Brasil).
10.931 Publicações (livros, artigos, documentos dos congressos e documentos de trabalho sobre ciências sociais). Você pode procurar nos textos completos, autor, títulos e temas (os temas são em espanhol).
O acesso ao texto completo de 84 revistas rede CLACSO em 17 países na América Latina e do Caribe (que inclui o acesso aos artigos do portal CLACSO Redalyc).

Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales (CLACSO)
La coordinación de la Red de Bibliotecas Virtuales de Ciencias Sociales de América Latina y el Caribe de la Red Clacso funciona en la Secretaría Ejecutiva de Clacso
Av. Callao 875, piso 3ero. (C1023AAB) Ciudad de Buenos Aires, Argentina
Tel: (54-11)4811-6588 / 4814-2301 Fax: (54-11) 4812-8459

Como se não tivesse ocorrido





"O gesto de tudo esquecer e perdoar, privativo de quem sofreu a injustiça, acaba advindo dos partidários daqueles que praticaram a injustiça. (...) Em casa de carrasco não se deve lembrar a forca para não provocar ressentimento."


(Theodor W. Adorno)*
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*ADORNO, Theodor W. "O que significa elaborar o passado". In: ____ . Educação e emancipação. 4 ed. São Paulo: Paz e Terra, 2006. p. 29.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Marx "laico" e dessacralizado


"Marx não regressará como inspiração política para a esquerda até que se compreenda que seus escritos não devem ser tratados como programas políticos, mas sim como um caminho para entender a natureza do desenvolvimento capitalista".

(Eric Hobsbawm)

Primeiro passo


Que fazer?

Que fazer?, de Vladimir Ilich Lenin (1870-1924), é um texto de excepcional importância, teórica e prática. Uma releitura desta obra clássica pode trazer iluminações instigantes que nos ajudem a melhor enfrentar uma série de problemas fundamentais em nossa época. Principalmente no que diz respeito às questões relativas à organização das forças populares e à construção de uma cultura política e de uma consciência autenticamente revolucionárias. E, consequentemente, aos desafios postos pela conquista do poder. Evidentemente que o texto de Lenin não tem respostas prontas para as perguntas que hoje nos afligem, mas nele encontraremos elementos valiosos para construir soluções práticas que o momento exige.

Principais teses que constituem o corpus central do livro Que fazer?:
  • O revisionismo é menos uma tendência crítica que uma nova variedade do oportunismo e deve, portanto, ser energicamente combatido pelas forças revolucionárias.

  • Sem teoria revolucionária, não pode haver prática revolucionária.

  • A consciência socialista não prota espontaneamente das lutas do proletariado (e de outros sujeitos políticos).

  • A tarefa da socialdemocracia é transformar a luta sindical em luta política socialdemocrata. (Na época em que o texto foi redigido, em 1902, ainda não havia ocorrido a cisão entre a socialdemocracia, como a entendemos hoje, e os comunistas.)

  • O partido deve ser a vanguarda do desenvolvimento político.

  • A socialdemocracia requer uma organização de revolucionários profissionais.

  • A organização revolucionária deve ser altamente centralizada.
Em Que fazer?, encontra-se a primeira recriação da teoria marxista da política - a concepção de partido e da organização política do proletariado. Não há endeusamento algum de uma forma organizativa, mas adequação tática às circunstâncias imperantes. Uma avaliação do texto clássico de Lenin tem que levar em conta tanto seu contexto de produção como as condições de recepção que o presente nos impõe. Trata-se de uma obra de extraordinária envergadura teórica e ideológica; um livro altamente polêmico, mas que se dá ao trabalho de examinar minuciosamente cada um dos argumentos de seus adversários; e responde a uma preocupação concreta, isto é, a emergência de um grande movimento de massa chamado a mudar o curso da história da humanidade.
Indiscutivelmente, Lenin fez do marxismo "um guia para a ação".

Fonte: Boron, Atilio A. "Estudo introdutório - Atualidade de Que fazer?". In: LENIN, V.I. Que fazer?: a organização do sujeito político. São Paulo: Martins, 2006. pp. 09-79.

domingo, 14 de fevereiro de 2010

Um negro na Constituinte de 1946

25 anos da morte de um valoroso combatente comunista
Bancada do PCB na Constituinte de 1946


Claudino José da Silva

Filho de lavradores pobres, nasceu em 23 de julho de 1902, em Natividade (MG). Foi aprendiz de carpinteiro em Niterói. De 1929 a 1931, trabalhou como ferroviário na Estrada de Ferro Leopoldina.

Ingressou no PCB em 1928. Foi membro da Liga Operária da Construção Civil de Niterói. Por sua atuação política em defesa dos interesses das classes trabalhadoras, foi preso em 1931. Posto em liberdade, voltou a atuar no PCB e no movimento operário. Chegou a ficar gravemente enfermo em função dos maus-tratos e torturas que sofreu nas sucessivas prisões de que foi vítima. Após restabelecer-se, foi designado pelo PCB para organizar o partido em Juiz de Fora e Belo Horizonte, nos anos 1935 e 1936. Entre 1936 e 1937, ficou preso na Casa de Correção e no presídio da Ilha Grande, no Rio de Janeiro. Libertado, retornou a Minas Gerais, a fim de retomar sua militância no PCB, pelo que foi novamente preso durante oito meses. Solto mais uma vez, atuou clandestinamente no PCB durante o Estado Novo. Em razão disso, ficou preso no período entre 1940 e 1943.

Após sair da prisão, participou da Conferência da Mantiqueira, tendo sido eleito, durante o encontro, membro do Diretório Nacional do PCB e responsável pelo trabalho do Partido na Região Norte do país. No contexto da redemocratização, tornou-se Secretário Político do Comitê Executivo do PCB no estado do Rio de Janeiro e membro do Comitê Central do Partido Comunista.

Eleito deputado constituinte pelo PCB, nas eleições dezembro de 1945, Claudino era o único parlamentar negro na Assembléia Constituinte. Diferenciando-se das demais em função, principalmente, da origem social de seus integrantes, a bancada comunista trazia elementos e práticas de encaminhamento político, aos quais os arranjos parlamentares de elites estavam pouco ou nada afeitos. Esse tipo de desconforto aparecia, ainda que sutilmente, dentro e fora da Assembléia. O jornal O Estado de São Paulo de 14/02/1946, por exemplo, usava os seguintes termos para qualificar o discurso do deputado Claudino José da Silva: “O orador ocupou a tribuna por tempo excessivo, e lia imperturbavelmente, atrapalhava-se na leitura, cometia silabadas a todo instante. (...) O orador comunista, um autêntico popular e crioulo, cumpriu o seu dever partidário até o fim, apesar dos tropeços na leitura, cujo texto rebarbativo, mesmo para letrados, tal o jargão em que estava escrito”.

Concentrou sua atuação parlamentar na denúncia da prática de preconceitos raciais no Brasil e na defesa dos ex-combatentes da FEB em situação de dificuldade econômica, após o término da guerra. Participou dos debates sobre o problema da discriminação racial, declarando apoio à emenda de Hamilton Nogueira (UDN/DF), que declarava a igualdade de todos perante a lei “sem distinção de raça” e punindo a prática do racismo em território nacional. Manifestou-se favorável à realização imediata de uma reforma agrária no país e à extinção das polícias políticas remanescentes do Estado Novo.

Em janeiro de 1948, teve o seu mandato de deputado cassado, juntamente com os demais parlamentares comunistas, vitimados pela onda repressiva resultante da Guerra Fria e pelo "terrorismo de Estado" do governo do general Eurico Gaspar Dutra contra o movimento democrático e popular.

Luiz Carlos Prestes, ao regressar do exílio em 1979, procurou seus velhos companheiros do PCB. Entre eles, Claudino José da Silva. Vivia no estado do Rio, velho, doente e abandonado. Prestes conseguiu sua internação na Casa São Luiz, instituição dedicada a atender a chamada “velhice desamparada”. Claudino passou a ter tratamento adequado, o que lhe permitiu viver condignamente ainda alguns anos. Faleceu em fevereiro de 1985, aos 82 anos de idade. Por orientação de Prestes, foi velado no saguão da Assembléia Legislativa do estado do Rio de Janeiro, onde havia atuado como deputado comunista nos anos de 1946-47.

FONTE: AMORJ. Partido Comunista Brasileiro: da insurreição armada à união nacional (1935-1947). Rio de Janeiro: AMORJ/UFRJ, 2009.

sábado, 13 de fevereiro de 2010

"Lutei pelo justo, pelo bom e pelo melhor do mundo"


OLGA BENARIO PRESTES (12/02/1908 - 04/1942)

ÚLTIMA CARTA ESCRITA AO MARIDO E À FILHA, NO CAMPO DE CONCENTRAÇÃO DE RAVENSBRÜCK,
ANTES DE SER CONDUZIDA À MORTE EM CÂMARA DE GÁS

(ABRIL/1942)

Queridos:

Amanhã vou precisar de toda a minha força e de toda a minha vontade. Por isso, não posso pensar nas coisas que me torturam o coração, que são mais caras que a minha própria vida. E por isso me despeço de vocês agora. É totalmente impossível para mim imaginar, filha querida, que não voltarei a ver-te, que nunca mais voltarei a estreitar-te em meus braços ansiosos. Quisera poder pentear-te, fazer-te as tranças – ah, não, elas foram cortadas. Mas te fica melhor o cabelo solto, um pouco desalinhado. Antes de tudo, vou fazer-te forte. Deves andar de sandálias ou descalça, correr ao ar livre comigo. Sua avó, em princípio, não estará muito de acordo com isso, mas logo nos entenderemos muito bem. Deves respeitá-la e querê-la por toda a tua vida, como o teu pai e eu fazemos. Todas as manhãs faremos ginástica... Vês? Já volto a sonhar, como tantas noites, e esqueço que esta é a minha despedida. E agora, quando penso nisto de novo, a idéia de que nunca mais poderei estreitar teu corpinho cálido é para mim como a morte.

Carlos, querido, amado meu: terei que renunciar para sempre a tudo de bom que me destes? Corformar-me-ia, mesmo que não pudesse ter-te muito próximo, que teus olhos mais uma vez me olhassem. E queria ver teu sorriso. Quero-os a ambos, tanto, tanto. E estou tão agradecida à vida, por ela haver-me dado a ambos. Mas o que eu gostaria era de poder viver um dia feliz, os três juntos, como milhares de vezes imaginei. Será possível que nunca verei o quanto orgulhoso e feliz te sentes por nossa filha?

Querida Anita, meu querido marido, meu Garoto: choro debaixo das mantas para que ninguém me ouça, pois parece que hoje as forças não conseguem alcançar-me para suportar algo tão terrível. É precisamente por isso que esforço-me para despedir-me de vocês agora, para não ter que fazê-lo nos últimas e difíceis horas. Depois desta noite, quero viver para este futuro tão breve que me resta. De ti aprendi, querido, o quanto significa a força de vontade, especialmente se emana de fontes como as nossas. Lutei pelo justo, pelo bom e pelo melhor do mundo. Prometo-te agora, ao despedir-me, que até o último instante não terão porque se envergonhar de mim. Quero que me entendam bem: preparar-me para a morte não significa que me renda, mas sim saber fazer-lhe frente quando ela chegue. Mas, no entanto, podem ainda acontecer tantas coisas... Até o último momento manter-me-ei firme e com vontade de viver. Agora vou dormir para ser mais forte amanhã. Beijo-os pela última vez.

Olga
Fonte: Instituto Luiz Carlos Prestes (http://www.ilcp.org.br/)

O alto preço da verdade

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Cinco anos sem Irmã Dorothy

O assassinato da missionária estadunidense Dorothy Stang completa cinco anos nesta sexta-feira (12/2). Morta a tiros em Anapu, no Pará, a missionária era uma liderança popular e atuava junto à Comissão Pastoral da Terra (CPT) em defesa dos projetos de democratização da terra. Sua morte ganhou repercussão nacional e internacional. O episódio deixou evidente as conseqüências da estrutura fundiária no Brasil e a omissão do Estado.

A luta de Irmã Dorothy criou, durante 30 anos, muitos obstáculos aos interesses de madeireiros e latifundiários da região.

Cinco anos após o crime, o intermediário do assassinato, Amair Feijoli da Cunha, cumpre pena de 18 anos; os pistoleiros Clodoaldo Carlos Batista, o Eduardo, e Rayfran das Neves, cumprem pena de condenado a 18 anos e 17 anos de prisão, respectivamente. Um dos mandantes do assassinato, Vitalmiro Bastos de Moura, o Bida, que estava solto até o último sábado (6/2), foi condenado a 30 anos de prisão. Já o principal mandante, Regilvado Pereira do Galvão, conhecido como Taradão, ainda não foi a julgamento.

Os problemas estruturais que causaram a morte da religiosa continuam sem solução. A situação fundiária continua sendo responsável pelas injustiças cometidas contra sem terra, ativistas, posseiros e indígenas.

Segundo Ulisses Manaças, da coordenação do MST no Pará, o problema da violência no campo no estado tem aumentado em função da expansão de projetos extrativistas e do agronegócio.

“Foram consolidados na Amazônia vários projetos, especialmente no campo agromineral extrativista. Foi implementado no baixo Amazonas o ciclo da soja, através da multinacional Cargill, com os grandes fazendeiros disputando território com aqueles que já residiam naquele espaço, como indígenas, quilombolas. No sul e sudeste do estado também se consolidou essa aliança, da pecuária extensiva, das indústrias madeireiras com as mineradoras. E através do sistema financeiro também, no caso do Opportunity, que comprou 49 propriedades devolutas no estado. Os camponeses, por outro lado, têm feito luta para conseguir a posse da terra. No Pará, hoje, há 300 lideranças populares ameaçadas de morte, o que é um número extremamente alarmante”, aponta.

Para Manaças, a impunidade é que dá amparo a novos casos de violência e de violação dos direitos humanos no estado. "Nos últimos 20 anos, só no Pará, houve 600 assassinatos. Desses, só sete mandantes foram condenados, mas somente 3 estão na cadeia. Isso aponta a inoperância ou a parcialidade do Judiciário, o que consolida a impunidade no Estado. Essa impunidade é que dá força e amparo para novos casos acontecerem", completa.

Fonte: http://www.mst.org.br/node/9091

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Homens a Cavalo

Nos dias 5 e 6 de fevereiro, em Caracas, Venezuela, foi realizado o Fórum Internacional Homens a Cavalo. Como informou o Vice-presidente da Venezuela, Elías Jaua, na abertura do evento, o Fórum faz parte de um conjunto de ações para render homenagem aos líderes e processos políticos impulsionados na América Latina, em busca de um caminho de justiça e bem-estar. A iniciativa se inscreve na comemoração do 192º aniversário de nascimento (31 de janeiro de 1818) de Ezequiel Zamora (na foto em destaque).

Jaua, também Ministro do Poder Popular para Agricultura y Terras, destacou que o presidente da República, Hugo Chávez Frías, tomou como raiz profunda da revolução o ideário de Zamora, chamado General do Povo Soberano, baseado em 3 aspectos: como continuador do pensamento e do programa social da independência; impulsionador de um amplo processo de participação popular e seu pensamento latino-americano e integracionista.

O Fórum contou com a presença de diversos expositores internacionais que destacaram o legado de revolucionários como Luiz Carlos Prestes, Emiliano Zapata, Pancho Villa, Francisco Morazán, Eloy Alfaro, Tupac Katari, Augusto Sandino e Farabundo Martí.

Anita Leocadia Prestes esteve presente ao Fórum Internacional Homens a Cavalo e fez uma apresentação sobre a trajetória revolucionária de Luiz Carlos Prestes. Segue abaixo o texto por ela elaborado e divulgado no evento.

Luiz Carlos Prestes (1898-1990), desde muito jovem, revelou indignação com as injustiças sociais e a miséria de nosso povo, mostrando-se preocupado com a busca de soluções efetivas para a situação deplorável em que se encontrava a população brasileira, principalmente os trabalhadores do campo, com os quais tivera contato durante a Marcha da Coluna (1924-27), que ficaria conhecida como a Coluna Prestes. Muito antes de tornar-se comunista, Prestes já era um revolucionário. Sua adesão aos ideais comunistas e ao movimento comunista apenas veio comprovar e confirmar sua vocação revolucionária, seu compromisso definitivo com a luta pela emancipação econômica, social e política do povo brasileiro. Como revolucionário, Prestes foi um patriota - um homem que dedicou toda sua vida à luta por um Brasil melhor, por um Brasil onde não mais existissem a fome, a miséria, o analfabetismo, as doenças, a terrível mortalidade infantil e as demais chagas que sabidamente continuam ainda hoje a infelicitar nosso país.

A descoberta da teoria marxista e a conseqüente adesão ao comunismo representaram, para Prestes, o encontro com uma perspectiva, que lhe pareceu factível, de realização dos anseios revolucionários por ele até então alimentados, principalmente durante a Marcha da Coluna. A luta à qual resolvera dedicar sua vida encontrava, dessa forma, um embasamento teórico e um instrumento para ser levada adiante - o Partido Comunista. O Cavaleiro da Esperança, uma vez convencido da justeza dos novos ideais que abraçara, tornava-se também um comunista convicto e disposto a enfrentar toda sorte de sacrifícios na luta pelos objetivos traçados.

No processo de aproximação ao PCB, Prestes rompeu de público com seus antigos companheiros - os jovens militares rebeldes conhecidos como os “tenentes” -, posicionando-se abertamente a favor do programa da “revolução agrária e antiimperialista” defendido pelos comunistas brasileiros. Seu Manifesto de Maio de 1930 consagra o início de uma nova fase na vida do Cavaleiro da Esperança. A partir daquele momento, Prestes deixava definitivamente para trás os antigos compromissos com o liberalismo dos “tenentes” e enveredava pela via da luta pelos ideais comunistas que passariam a nortear toda sua vida.

Pela primeira vez na história do Brasil, uma liderança de grande projeção nacional, a personalidade de maior destaque no movimento tenentista, - na qual apostavam suas cartas as elites oligárquicas oposicionistas, na expectativa de que o Cavaleiro da Esperança pusesse seu cabedal político a serviço dos seus objetivos, aceitando participar do poder para melhor servi-las -, recusa tal poder, rompendo com os políticos das classes dominantes para juntar-se aos explorados e oprimidos, para colocar-se do lado oposto da grande trincheira aberta pelo conflito entre as classes dominantes e as dominadas, entre exploradores e explorados. Prestes tomava o partido dos oprimidos, abandonando as hostes das elites comprometidas com os donos do poder, não vacilando jamais diante dos grandes sacrifícios que tal opção lhe acarretaria.

Tratava-se de um fato inédito, jamais visto no Brasil. Luiz Carlos Prestes, capitão do Exército, que se tornara general da Coluna Invicta, que fora reconhecido como liderança máxima das forças oposicionistas ao esquema de poder vigente no Brasil até 1930, talhado, portanto, para transformar-se no líder da “revolução” das elites oligárquicas, numa liderança política confiável dessas elites, usava seu prestígio para indicar ao povo brasileiro um outro caminho – o caminho da luta pela reforma agrária radical e pela emancipação nacional do domínio imperialista, o caminho da revolução social e da luta pelo socialismo.

Como foi sempre coerente consigo mesmo e com os ideais revolucionários a que dedicou sua vida, sem jamais se dobrar diante de interesses menores ou de caráter pessoal, Prestes despertou o ódio dos donos do poder, que se esforçariam por criar uma História Oficial deturpadora tanto de sua trajetória política quanto da história brasileira contemporânea.

Mesmo após seu falecimento, Prestes continua a incomodar os donos do poder, o que se verifica pelo fato de sua vida e suas atitudes não deixarem de serem atacadas e/ou deturpadas, com insistência aparentemente surpreendente, uma vez que se trata de uma liderança do passado, que não mais está disputando qualquer espaço político. Num país em que praticamente inexiste uma memória histórica, em que os donos do poder sempre tiveram força suficiente para impedir que essa memória histórica fosse cultivada, presenciamos um esforço sutil, mas constante, desenvolvido através de modernos e possantes meios de comunicação, de dificultar às novas gerações o conhecimento da vida e da luta de homens como Luiz Carlos Prestes, cujo passado pode servir de exemplo para os jovens de hoje.

Luiz Carlos Prestes dedicou 70 anos de sua vida à luta por um futuro de justiça social e liberdade para o povo brasileiro. Luiz Carlos Prestes foi um revolucionário, um comunista e um internacionalista, que jamais vacilou na luta pelos ideais socialistas e pela vitória da revolução socialista no Brasil e em nosso continente latino-americano. Prestes foi um defensor conseqüente dos países socialistas, tendo à frente a URSS. Esteve sempre solidário com as Revoluções Cubana e Nicaragüense. O legado revolucionário de Luiz Carlos Prestes deve ser preservado e desenvolvido pelas novas gerações de revolucionários latino-americanos. Este é o objetivo principal do Instituto Luiz Carlos Prestes (www.ilcp.org.br) recentemente criado no Rio de Janeiro.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Pedra sobre pedra

Pedro Mendez

"A Bolívia será socialista e libertária"

Em entrevista a jornal italiano Rifondazione Comunista, vice-presidente da Bolívia, Alvaro Garcia Linera, fala sobre mudanças no país e defende socialismo como um processo de radicalização da democracia. (por Angela Nocioni)

- Você disse, na cerimônia de posse que o horizonte estatal será o socialismo. O quer isso quer dizer?

Linera: Que toda a sociedade política tende a se diluir na sociedade civil. Isto está começando a acontecer na Bolívia. Há uma ampliação da base da tomada de decisões que tem a ver com o país que se estão socializando. É um processo gradual e complexo, mas que está em andamento. É a idéia gramsciana do Estado integral: nós a estamos realizando. O horizonte socialista não é um tema que se decide por decreto. Na Bolívia, a questão da modernidade estatal está sendo assumida pelas classes populares e indígenas. Não era um caminho ineludível, mas avança nessa direção. Por causa da natureza social deste bloco dirigente, que pede redistribuição e igualdade, as decisões estão se socializando. O que é o socialismo, senão isto? É um processo de radicalização da democracia. Não estou falando de um método de produção pos-capitalista, estou falando de uma estrutura política que se funde permanentemente com a sociedade civil.

- Como pensa evitar que tudo isso desemboque em um capitalismo de Estado, em que reina a burocracia?

Linera: Através do exercício da hegemonia. Ao socialismo chegaremos por uma vida democrática. A própria realidade está mostrando que as classes populares e indígenas não querem suprimir o setor empresarial. Aqui se fazem acordos práticos em torno das necessidades das classes populares, promovendo por essa via a hegemonia. O exercício da hegemonia é a chave para não cair nem no capitalismo de Estado burocratizado, Nem o totalitarismo, porque se baseia na capacidade guiar material e moralmente setores sociais não populares.

Quem tentou de outra forma a expropriação da empresa, deu lugar a degenerações burocráticas. Aqui estamos incorporando os setores empresariais, golpeando evidentemente os interesses dos latifundiários e dos grandes investidores externos, mas com os outros setores estamos conseguindo. O socialismo não é um novo modo de produção, mas um regime estatal e uma modalidade de redistribuição da riqueza. Não queremos estatizar. A economia boliviana é feita de uma estrutura comunitária produtiva e de investimentos produtivos privados, muitos até estrangeiros.

- Como pensa incorporar ao seu projeto a extrema direita, que é maioria em Santa Cruz? Ela também faz parte da Bolívia, lhe odeia e não está lhe oferecendo um ramo de rosas.

Linera: O Estado já controla o núcleo econômico dessa região, mesmo que essas elites não querem admiti-lo ainda. Santa Cruz tinha três grandes fontes de poder econômico: a renda da terra vinculada a brasileiros, a peruanos, a coreanos, para produzir, o conjunto dos serviços da atividade petrolífera e o comércio. O Estado retomou o controle da terra e a redistribuiu. Foi alterada a estrutura da propriedade da terra em Santa Cruz. O Estado interveio junto aos pequenos produtores camponeses e tem, por exemplo, uma presença agora na cadeia produtiva da soja que vai para a exportação e o transporte. Quando chegamos controlávamos 0% da cadeia produtiva, agora 35%.

- Você está dizendo que a hegemonia passa por aí?

Linera: É um primeiro passo. A hegemonia não é uma questão só de palavras. É preciso a base material para realizá-la. O Estado entrou na produção dos hidrocarburetos. Está modificando a estrutura do poder econômico, em aliança com os pequenos produtores. No âmbito político- ideológico é a ascensão extraordinária del MAS, que passou de 25% a 41%. Em quatro anos o MAS dobrou o número de eleitores. Claro, ainda falta muito. Mas o controle dos latifundiários sobre a terra, terminou. Está em processo de construção gradual um novo bloco no poder. Alguns segmentos dos setores anteriormente dominantes começam a aderir a este núcleo. A hegemonia não é irreversível. Mas estes dados mostram uma expansão, um avanço de um novo bloco no poder, mesmo no Oriente do país. Por isso Santa Cruz não contradiz o que estou lhe dizendo, mas um exemplo de como se está construindo a hegemonia.

- Você considera realmente que seja possível construir a igualdade sem afetar a liberdade individual? Como crê que vocês podem ter sucesso onde todos fracassaram?

Linera: É difícil. Mas a forte base comunitária camponesa deste processo ajuda, funciona com autoregulação interna. Nós aprendemos a arte de tecer da cultura indígena. A hegemonia não é uma garantia, mas um elemento importante para limitar tentações e riscos. Até agora fizemos sem impor expropriações, absorvendo tudo pelo caminho. É um império em decadência que tem problemas gravíssimos em outros lugares e um ambiente continental em transição, com políticas de superação do modelo neoliberal.

- Você vê concretamente políticas posneoliberais na América Latina?

Linera: Sim.

- Onde? Quais?

Linera: Não há um único modelo posneoliberal. Mas há um processo de desmantelamento do neoliberalismo em desenvolvimento, de modo disperso, com modalidades diversas no continente. Este modelo econômico na América Latina se impôs com três modalidades: conversão dos bens público em bens privados, anulação dos direitos sociais e conversão do aparato produtivo baseado nas exigências do mercado externo.

- E não continua da mesma maneira?

Linera: Em parte sim e em parte não. Quando no Brasil, na Venezuela, no Equador se realiza um incremento das políticas sociais com recursos públicos, não se liquida o neoliberalismo, mas se desfere um golpe na sua característica principal que é a redução ao mínimo da proteção do bem estar coletivo. Antes a regra era a anulação dos direitos dos trabalhadores e dos benefícios coletivos da cidadania, se deixava apenas algumas proteções na educação e alguma coisa na previdência dos setores privilegiados das indústrias mais importantes. Agora não se predica mais esse modelo.

- Tomemos a Venezuela. Lá está em desenvolvimento um processo de redistribuição da riqueza. Alguns se preocupam de produzir mais riqueza e depois distribuí-la melhor? As classes populares, na sua opinião, são de fato titules de um novo poder? Tem um presidente que se dirige a eles, quando fala, mas se vê uma verdadeira distribuição do poder? Há uma distribuição da riqueza, mas isto também a direita saber fazer, não?

Linera: A minha resposta será necessariamente geral. Há processos mais e menos avançados. A Bolívia me parece uma vanguarda, mas é um fato importante que em nenhuma parte do continente, salvo em algumas universidades ligadas a grandes empresas, ninguém reivindica mais o modelo neoliberal como horizonte. Claro que esse modelo continuará a existir por muito tempo, mas o apetite social de gera outro é evidente. Serão necessárias décadas. Este modelo começou nos anos 70 com Pinochet e triunfou nos anos 90. É preciso dar tempo aos processos históricos. É preciso ser generoso com a história.

- Você não tem medo dos efeitos sobre a Bolívia, de um eventual retorno de governos de direita nos países vizinhos?

Linera: Marx falava de ondas revolucionárias. E tinha razão. Os processos profundos, não apenas os políticos, mesmos os privados, não são nunca ascendentes. Avançam por ondas. Não vejo com dramaticidade a possibilidade que em dois ou três países se dê um passo atrás. A história se move em ciclos longos, não curtos. É preciso não ter uma visão contemplativa em relação aos processos históricos. Buscaremos um tipo de convivência fraternal entre Estados. Acho que no Chile a vitória da direita era previsível, mas eu sou muito otimista sobre a continuação do Partido dos Trabalhadores no governo do Brasil, na Argentina é muito mais complicado, no Peru no entanto é possível um avanço dos setores progressistas. O problema é na Argentina, ali o futuro é imprevisível.

- Mudaram as relações entre os EUA e a Bolívia com o governo Obama?

Linera: Na atitude e na linguagem, são melhores. Nos fatos concretos, não. Eles continuam a pensar que os valores deles são os únicos e são universais.

Você acha realmente que a direita do Oriente se deixará absorver? Não tem medo de um atentado?

Linera: É um risco grande. Não têm mais a força política para tentar uma secessão. O magnicidio é considerado por alguns setores como a única solução.

Tradução: Emir Sader