segunda-feira, 22 de outubro de 2018

UFSCar faz restauração de parte do acervo de 1,4 mil livros de Luiz Carlos Prestes

Obras foram doadas em setembro e universidade faz trabalho minucioso para preservá-las.

Acervo de livros de Luiz Carlos Prestes foram doados para a UFSCar — Foto: Marlon Tavoni/EPTV


Por EPTV2

Parte do acervo de 1,4 mil livros que pertenciam ao militar e político Luiz Carlos Prestes está em fase de restauração na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). As obras foram doadas para a universidade em setembro.

O revolucionário comunista liderou o movimento político conhecido como "Coluna Prestes", na década de 1920.

Raridades

O acervo está no quinto andar da Biblioteca Comunitária.

“Livro de filosofia, de outros países que ele procurava conhecer, livro de música. É bem diversificado o acervo dele”, afirmou a bibliotecária Izabel da Mota Franco.

Muitas edições se tornaram ainda mais especiais pelas dedicatórias como a que possui a assinatura de Cândido Portinari e outra de Euclides da Cunha, autor de ‘Os Sertões’. Uma biografia de Prestes escrita por Jorge Amado em 1942 também está entre as obras.

Restauração

Nem todos estão em boas condições e a UFSCar começou a fazer o trabalho de restauração. Um livro de filosofia, por exemplo, é limpo com pincéis, página por página.

Um outro exemplar estava com a capa quase solta. O trabalho foi feito com uma cola especial importada com PH neutro.

Em pequenos rasgos é feita uma espécie de curativo em que um papel especial fabricado no Japão adere à fibra.

Quando falta um pedaço de papel, que pode ter sido devorado por algum inseto tem que ser usado um filme termoativado.

Alguns foram tão prejudicados pelo tempo que vão precisar de restauro maior. Como um sobre a história do Brasil, de José Francisco da Rocha Pombo. “Eles são encaminhados para um outro serviço, um profissional restaurador e conservador”, afirmou Izabel.

O trabalho de restauro do acervo não tem data para terminar. Serão restaurados também, documentos de Prestes doados à UFSCar. Quando tudo estiver pronto vai ficar disponível para pesquisas.

Doação de filha de Prestes

Todo o acervo foi doado este ano pela filha de Prestes e Olga Benário, Anita Leocádia Prestes. Ela esteve na universidade no fim do mês passado para conferir uma exposição em homenagem ao pai.

“A razão principal é que tive conhecimento aqui estava o acervo de Florestan Fernandes, um grande sociólogo e marxista brasileiro, que inclusive foi amigo do Prestes. Vim visitar esse acervo, conheci as pessoas que trabalham e isso me inspirou confiança e por isso por doado para cá”, disse na ocasião.


sábado, 13 de outubro de 2018

BRASIL: EXISTE AMEAÇA FASCISTA?


Por  Anita Leocadia Prestes, historiadora



            Diante do fenômeno “Bolsonaro” que se explicitou com as eleições deste ano, parte das “esquerdas” se depara com a seguinte questão: podemos afirmar que existe uma ameaça fascista em nosso país? Seria correto identificar esse fenômeno com o fascismo?  
            Enquanto alguns empregam o termo fascismo como sinônimo de autoritarismo, identificando qualquer forma de regime autoritário com essa designação, outros a associam exclusivamente a regimes que se estabeleceram na Europa, durante os anos de 1920/1930, em especial os que contaram com as lideranças de Hitler na Alemanha e Mussolini na Itália.
            Entre os últimos é comum recorrer à definição, proposta, em 1935, por Jorge Dimitrov, conhecido dirigente da Internacional Comunista, para afirmar que o avanço atual da direita no Brasil não deve ser associado ao fascismo. Segundo Dimitrov, o fascismo no poder se caracteriza por ser “a ditadura terrorista aberta dos elementos mais reacionários, mais chovinistas e mais imperialistas do capital financeiro”[1]. Os críticos da adoção dessa definição para a situação que vem se configurando atualmente em nosso país não só questionam sua aplicação à nossa realidade, como, para justificar sua rejeição, recorrem a outros traços do fascismo europeu dos anos que antecederam a Segunda Guerra Mundial - a existência de partidos de massa, o expansionismo militar, o racismo declarado, etc. -, os quais não estariam presentes no Brasil.
            Cabe lembrar que Jorge Dimitrov escrevera também que é tarefa do fascismo “assegurar no sentido político o êxito da ofensiva do capital, da exploração e do saque das massas populares pela minoria capitalista e garantir a unidade da dominação dessa minoria sobre a maioria popular” [2]. Para o dirigente comunista, o recurso ao fascismo se explica pela necessidade do capitalismo assegurar sua sobrevivência e sua continuidade em momentos de crise – algo que, tudo indica, está acontecendo no Brasil de hoje.
            Ao buscar explicação para os regimes autoritários que se estabeleceram na América Latina durante os anos 1960/1970, o dirigente comunista de El Salvador, Schafik Handal, deu valiosa contribuição ao lembrar que “o fascismo acima de tudo é uma contrarrevolução”, afirmação que tanto pode ser entendida no sentido de salvar o capitalismo dos efeitos da Revolução Cubana, como afirma esse dirigente referindo-se ao período citado[3], quanto no sentido de salvar o capitalismo da grave crise que atravessamos agora no Brasil e em nosso continente e, em particular, do perigo potencial constituído pela possibilidade de revolta das massas frente às sérias consequências dessa crise, e das políticas adotadas pelos governos burgueses, para suas vidas e seu futuro.
            Shafik Handal destacava o papel modernizador do fascismo na América Latina, em comparação com a função dos “regimes tradicionais”, “conservadora, visando favorecer as oligarquias latifundiárias e burguesas”, acrescentando:
a função do fascismo é salvar o capitalismo dependente frente à revolução e modernizá-lo, favorecendo os consórcios transnacionais e os burgueses locais seus associados, salvar e consolidar a hegemonia política e militar do imperialismo ianque, ameaçada de colapso em nossa região.[4]
            Pode-se argumentar que hoje não existe no Brasil a ameaça de uma revolução. Entretanto, a experiência histórica mundial revela que as classes dominantes têm sempre preocupação com a possibilidade de uma insurgência popular e tratam de adotar medidas preventivas para salvar o regime capitalista. O fascismo é uma arma à qual os setores mais reacionários do capital financeiro recorrem para assegurar seus interesses. O panorama europeu atual é revelador nesse sentido.
            Não seria atitude coerente com uma análise marxista encaixar dogmaticamente a situação de hoje em esquemas elaborados para a Europa de oitenta anos atrás. Trata-se de captar a essência do fenômeno fascista para alcançar sucesso em possíveis analogias, que contribuam para o esclarecimento do momento atual.
Uma eventual vitória eleitoral de Jair Bolsonaro significaria a opção pelo fascismo de setores da extrema direita do capital financeiro internacionalizado na busca de uma saída anti-povo para a grave crise que afeta o Brasil nos últimos anos. Certamente, não é por acaso que o economista Paulo Guedes, seu principal assessor e provável ministro da Fazenda do seu governo, é um dos fundadores do Instituto Millenium (Imil), entidade que sabidamente defende e difunde os valores e os interesses do grande capital.[5]
 Se o grande capital optou na Alemanha, em 1933, pela entrega do poder a Hitler, o grande capital internacionalizado pode hoje, no Brasil, sem outra opção, entregar o poder a Bolsonaro, da mesma forma que o fez com Hitler, através de processos eleitorais, reveladores da grande insatisfação de numerosos setores sociais. Num país como o Brasil, onde inexiste tradição partidária, isso pode acontecer sem partido fascista, sem uniformes fascistas e sem a mística fascista dos anos 1930, sem expansionismo militar declarado e sem racismo explicito.  As formas são outras, mais elaboradas, com a utilização em larga escala dos meios fornecidos pela informática, mantendo sempre o discurso anticomunista e propagando a violência contra todos que se opõem aos seus objetivos, inclusive por meio da ação de hordas fascistas. Vale lembrar como exemplo desse emprego “moderno” da informática a colaboração com a campanha de Bolsonaro de Steve Bannon, estrategista de Donald Trump e especialista em desinformação.[6]
Se a eleição de Bolsonaro representa uma ameaça fascista, o que pode ser feito para impedi-la?
É necessário ter presente que a atual campanha eleitoral adquiriu características especiais: não estamos diante de uma campanha “normal”; ela acontece no bojo de grave crise econômica, social e política, marcada pela presença de um altíssimo índice de desemprego, de crescente deterioração das condições de vida de milhões de brasileiros, de acentuada insatisfação popular com a chamada “classe política” tanto pela sua inoperância quanto pelas denúncias de corrupção – expediente utilizado pela direita contra o PT, mas que contribuiu para o desgaste da maior parte dos partidos e dos políticos.
Frente a tal situação, existe o risco de as forças de esquerda voltarem a incorrer nos erros “ultraesquerdistas” condenados por Lenin em seu tempo, apesar de suas intenções, devido ao dogmatismo livresco que, em vez de acelerar o processo revolucionário, contribui para seu retrocesso. Como escreve Atílio Boron, cientista político marxista e comunista,
(...) a derrota de Bolsonaro é um imperativo categórico para as forças genuína e realisticamente empenhadas na construção de uma alternativa anticapistalista. Uma vez consumada, as forças de esquerda deverão aprofundar seus esforços para, afinal, construir uma maioria política e social - coisa que atualmente está muito atrasada – que impulsione a necessária radicalização de um eventual governo do PT e seus aliados. Sei que toda esta argumentação pode soar como inaceitável, ou o “menos pior”, para alguns setores do trotskismo, do anarquismo pós-moderno e do autonomismo da antipolítica. Mas, como dizia Gramsci, só a verdade é revolucionária, e na hora da eleição essa verdade se imporá com a inexorabilidade da lei da gravidade para impulsionar as forças populares do Brasil a impedir o triunfo de um fascista. Salvo, está claro, se os companheiros do gigante sul-americano me convencerem de que estão em condições de conquistar o poder de Estado e impor o socialismo pela via insurrecional, deixando de lado as manobras e maquinações da democracia burguesa. Seria uma grande notícia, mas falando com a franqueza que deve caracterizar o diálogo entre revolucionários, creio que essa alternativa é, no momento, absolutamente ilusória e fantasiosa. E, além disso, paralisante e suicida.[7]
            No momento atual, caracterizado pela inexistência no país de um movimento popular organizado – consequência em grande medida das políticas adotadas pelos governos do PT -, diante da ameaça fascista, a única alternativa possível para as esquerdas é o voto em Fernando Haddad, no esforço conjunto com outras forças sociais e políticas para derrotar a candidatura fascista de Jair Bolsonaro. Neste momento, trata-se do embate entre fascismo e democracia burguesa, cuja defesa era assumida por V. I. Lenin com a argumentação de que tal democracia, apesar das grandes limitações que impõe aos trabalhadores, apesar de ser uma garantia para os interesses burgueses, sempre é melhor para o avanço da organização popular que os regimes autoritários e, certamente, que o fascismo – último recurso do capital, quando a democracia burguesa deixa de ser uma garantia para seus lucros. V. I. Lenin escrevia em 1919:
(...) A democracia burguesa representa historicamente um avanço enorme em relação ao czarismo, à autocracia, à monarquia e a todas as sobrevivências do feudalismo. Certamente, devemos utilizá-la e então vamos levantar a questão de maneira que, enquanto não se colocar na ordem do dia a luta da classe operária por todo o poder, a utilização de formas de democracia burguesa é obrigatória para nós.[8]
Seria um erro fatal, para as esquerdas e as forças populares, embarcar na concepção do “quanto pior, melhor”, tendo como consequência um gravíssimo retrocesso de todo o movimento popular no Brasil e na América Latina.
                                                                             Rio de Janeiro, outubro de 2018.
             



[1] Jorge Dimitrov, “La ofensiva del fascismo y las tareas de la Internacional Comunista en la lucha por la unidad de la classe obrera, contra el fascismo”, em Jorge Dimitrov, El frente único y popular (Sofia [Bulgária], Sofia-Press, 1969), p. 117. (Tradução do espanhol desta autora)
[2] Jorge Dimitrov, “El frente único y la reaccion burguesa”, em  El frente único y popular, cit., p. 11. (Tradução do espanhol desta autora).
[3] Shafik Handal, “El fascismo en América Latina”, em América Latina (Moscou, Progreso, 1976), n. 4, p. 121-46; tradução desta autora.
[4] Idem; grifos do autor.
[6] Ver, por exemplo, https://www.youtube.com/watch?v=B8u64kzj4FQ, consulta realizada em 9 out. 2018.

[7] Atílio A. Boron, “¿TIENE CURA EL "IZQUIERDISMO”?”, em   http://www.atilioboron.com.ar/2018/09/tiene-cura-el-izquierdismo.html , consultado em 12 out. 2018..;  tradução da autora.


[8] V. I. Lenin, “Informe no II Congresso dos Sindicatos de toda a Rússia” (1919), em Obras Completas (em russo), t. 37 (Moscou, Ed. de Literatura Politica, 1974), p. 438; tradução da autora.

sexta-feira, 12 de outubro de 2018

DECLARAÇÃO DE ANITA PRESTES SOBRE O MOMENTO ATUAL

Todos unidos pela derrota do fascismo! 



DECLARAÇÃO DE ANITA LEOCADIA PRESTES

Uma avalanche de autoritarismo, de violência e de terror fascista tomou conta do Brasil nas últimas semanas, culminando com a expressiva votação obtida pelo capitão Jair Bolsonaro no primeiro turno das eleições presidenciais deste ano. 

 É urgente que os homens e mulheres de bem, que não aceitam o emprego da violência como solução para os sérios problemas que afetam o nosso país, se mobilizem e se unam para derrotar Jair Bolsonaro - o candidato da extrema direita, o porta-voz dos torturadores, dos adeptos da discriminação e da violência contra as mulheres, os negros, os índios, os nordestinos, os LGBT, as minorias, os movimentos sociais; o porta-voz dos defensores da eliminação física de criminosos, adultos e menores, de todos que não acatarem suas ideias de exclusão social.

Neste grave momento, em que inexiste no país um movimento popular organizado, o único meio de derrotar o candidato da direita é o voto, no segundo turno, em Fernando Haddad

Deixemos de lado as sérias restrições que devem ser feitas às políticas até hoje adotadas pelo PT e seus governos, deixemos de lado as críticas que podem ser levantadas a essa candidatura, as antipatias, o ódio disseminado pelos adeptos da violência fascista, e nos mobilizemos pela conquista da unidade de amplos setores nacionais - partidos, sindicatos, associações, movimentos sociais, entidades estudantis – visando derrotar o fascismo, derrotar os inimigos do progresso social e da democracia em nossa pátria.

Todos unidos pela derrota do fascismo! Votemos em Fernando Haddad!

Rio de Janeiro, 12 de outubro de 2018.
Anita Leocadia Prestes


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terça-feira, 9 de outubro de 2018

Livro de Anita Prestes sobre sua mãe, Olga Benario Prestes, é um dos finalistas do 60º Prêmio Jabuti

Olga Benario Prestes, a mulher que jamais se curvou a seus algozes nazistas, empreendeu uma luta diária pelos seus ideais, mesmo nas condições extremamente adversas, e demonstrou resistência heroica diante da gigantesca e cruel máquina do Terceiro Reich, até a ser assassinada numa câmara de gás do campo de concentração de Bernburg, em abril de 1942.



A Câmara Brasileiro do Livro (CBL) anunciou, nesta quinta-feira (4/10), os finalistas do 60º Prêmio Jabuti, mais tradicional premiação literária do país.

O livro "Olga Benario Prestes: Uma comunista nos arquivos da Gestapo" (Boitempo Editorial), da historiadora Anita Leocadia Prestes, concorre ao prêmio no eixo Ensaio, categoria Biografia.




Essa breve narrativa biográfica contém não apenas preciosidades históricas e raridades documentais – que, por si sós, já valeriam a leitura –, ela oferece a perfeita dimensão da luta diária de Olga Benario Prestes por seus ideais, mesmo nas condições mais adversas. A resistência da jovem revolucionária diante da gigantesca e cruel máquina do Terceiro Reich, que a considerava uma “comunista perigosa”, parece ainda pulsar nestas páginas, como se seu coração, calado há 75 anos, ainda batesse. Um coração destemido, que, encarcerado, soube conjugar a luta política, o amor pelo grande companheiro e a preocupação com a educação da filha, de quem fora afastada prematuramente.

Após a abertura dos arquivos da Gestapo, essa filha, a historiadora Anita Leocadia Prestes, debruçou-se sobre as cerca de 2 mil páginas a respeito de Olga, recheadas de documentos inéditos, para trazer à tona informações até então desconhecidas. Com base nos documentos, a autora constrói uma narrativa cronológica que vai da  inserção da jovem Olga na luta política até sua morte na câmara de gás do campo de concentração de Bernburg, em abril de 1942, revelando a firmeza inabalável da revolucionária. Enquanto, na prisão, Olga nutria esperanças de conseguir asilo em outro país, e, fora dela, sua sogra e sua cunhada faziam de tudo para que ela fosse libertada, os nazistas nunca consideraram essa hipótese. No entanto, ela jamais se curvou a seus algozes, jamais entregou companheiros e nem sequer revelou suas atividades políticas, ainda que a chantageassem com a perspectiva de voltar a ver a filha. Após o relato biográfico há um caderno de fotos e uma série de anexos com a reprodução de documentos, como o passaporte que Olga se negou a assinar, fotos encontradas no arquivo da Gestapo e a tradução e a reprodução da correspondência inédita de Olga e Prestes, entre outros. Mais do que peças faltantes no quebra-cabeça da história, os documentos reproduzidos nessa obra nos permitem enxergar o presente com outros olhos.

Trechos da orelha, por Fernando Morais

Qualquer pesquisador se sentiria diante de uma mina de ouro ao deparar com o acervo histórico que deu origem a este livro. No coração de Moscou jazia o tesouro composto por nada menos que 2,5 milhões de documentos separados em 28 mil dossiês, estes, por sua vez, organizados em 50 catálogos. Não por acaso essa montanha de informações era conhecida como os Trophäen-dokumente, os “documentos-troféus” acumulados pela Gestapo, a polícia secreta do Reich, o regime nazista alemão que aterrorizou o mundo durante doze anos. Apreendida pelo Exército Vermelho após a derrota da Alemanha, em 1945, a documentação foi preservada pela União Soviética e começou a ser aberta para consulta pública dois anos atrás.

Para Anita Leocadia Prestes, descobridora do filão, porém, a pesquisa nesse rico material envolvia mais que a curiosidade acadêmica de uma historiadora. O objeto de seu olhar e de seu trabalho eram os oito dossiês contendo cerca de 2 mil documentos que a Gestapo arquivou com o título de “Processo Benario” – o acervo da polícia secreta nazista sobre sua mãe, a revolucionária Olga Benario Prestes. Trata-se do mais extenso rol de documentos sobre uma única vítima do nazismo, o que permite medir a importância atribuída pelo Terceiro Reich à então mulher do líder comunista brasileiro Luiz Carlos Prestes.

Além de mais de meia centena de cartas inéditas, trocadas entre Olga, o marido, preso no Brasil, a sogra, Leocadia Prestes, e as cunhadas Clotilde, Lygia, Eloiza e Lúcia, o acervo vasculhado pela historiadora Anita Prestes revela minúcias do monitoramento a que Olga era submetida pelas autoridades em todas as prisões e campos de concentração em que esteve entre 1936 e 1942, quando foi executada em uma câmara de gás.

Mais que uma excelente obra de referência, Olga Benario Prestes: uma comunista nos arquivos da Gestapo é a pungente, dolorosa história de uma revolucionária exemplar.

segunda-feira, 8 de outubro de 2018

POR QUE CANTAMOS

Por Mario Benedetti



Se cada hora nos brinda sua morte
Se o tempo é um covil de ladrões
Se os Ventosa não são os bons
E a vida não passa de um alvo incerto

Você perguntará por que cantamos

Se a nossos valentes faltam abraços
A nossa pátria morre de tristeza
E o coração do homem cai em cacos
Ainda antes que a vergonha expluda

Você perguntará por que cantamos

Se estamos distanciados como um horizonte
Se muito longe ficaram as árvores e o céu
Se cada noite nunca passa de uma ausência
E o despertar é só um desencontro

Você perguntará por que cantamos

Cantamos porque o rio ressoa
E quando o rio ressoa / ressoa o rio
Cantamos porque quem é cruel não tem nome
Mas sim o seu destino tem um nome

Cantamos pela criança e porque tudo
E porque algum futuro e porque o povo
Cantamos porque os sobreviventes
E nossos mortos querem que cantemos

Cantamos porque o grito não nos basta
E não basta nem o pranto nem o mau humor
Cantamos porque acreditamos nas gentes
E porque venceremos a derrota

Cantamos porque o sol nos reconhece
E porque o campo cheira a primavera
E porque neste tronco naquele fruto
Cada pergunta encontra sua resposta

Cantamos porque chove sobre o sulco
E somos militantes da vida
E porque não podemos nem queremos
Deixar que a canção se desfaça em cinzas.

Traduzido por Flavio Wolf de Aguiar, este poema, mais do que necessário neste momento, está publicado no recém-lançado número 31 da revista "Margem Esquerda", da Boitempo Editorial .

segunda-feira, 1 de outubro de 2018

Luiz Carlos Prestes, a Constituinte e a Constituição de 1988

Reflexão da historiadora Anita Prestes sobre a realidade brasileira contemporânea a partir do trigésimo ano da promulgação da Constituição Federal de 1988, que se completa em 5 de outubro de 2018.

Anita Prestes na Biblioteca Comunitária (BCo) da UFSCar, 24/09/2018 (Foto:Thais Siqueira-CCS/UFSCar)



LUIZ CARLOS PRESTES, A CONSTITUINTE E A CONSTITUIÇÃO DE 1988

Por Anita Leocadia Prestes

Revista Virtual Edição En_Fil
Ano 7, N.9, Ago, 2018

Resumo
As advertências levantadas por Luiz Carlos Prestes antes, durante e após os trabalhos da Constituinte de 1988, a respeito da presença e do domínio do poder militar na vida nacional e da necessidade de abolir a Lei de Segurança Nacional e o entulho da legislação fascista implantada no Brasil durante os 21 anos de ditadura militar (1964 a 1985), para assegurar a conquista de um regime democrático – mesmo nos marcos do sistema capitalista -, são confirmadas pela realidade dos nossos dias atuais. Trinta anos após a promulgação da Constituição de 1988, permanecemos reféns da tutela militar, com o artigo 142 da Constituição em plena vigência, voltando inclusive a ser utilizado contra manifestação popular, e a Lei de Segurança Nacional sendo mantida como uma espada de Dámocles sobre a cabeça de todos os brasileiros.
Palavras-chave: Luiz Carlos Prestes; Assembleia Constituinte; Constituição de 1988.