terça-feira, 30 de setembro de 2014

Rio de Janeiro: Justiça aceita pedido do Sepe e determina cumprimento do 1/3 de planejamento na rede municipal

Acaba de sair, no dia 29, a sentença favorável ao Sepe, garantindo o cumprimento de 1/3 da carga horária para o município do Rio de Janeiro, tendo em vista a Lei Federal nº 11738/2008. A sentença ainda não foi publicada, mas esta formalidade deve ocorrer nos próximos dias.

A lei reorganiza a jornada de trabalho do professor, de modo que, parte dela seja para desenvolver atividades fora da regência estabelecendo que, no máximo, 2/3 da sua jornada sejam em sala da aula.

Na sentença, que pode ser lida abaixo, o juiz refuta a tese da prefeitura sobre a “hora-relógio”, o que também foi bem defendido pelo Ministério Público. No entanto, o juiz também determina que a implementação ocorra até a data limite de janeiro de 2016, sob pena de aplicar as penalidades cabíveis, inclusive ao secretário e prefeito.

A prefeitura deverá recorrer a esta sentença, como de praxe. Contudo, vale informar que em sessão de julgamento do último dia 24 de setembro, o Tribunal de Justiça manteve a sentença favorável ao Sepe, que garantiu o cumprimento do terço da carga horária para o estado do Rio. Nesse sentido, acreditamos que o Tribunal deverá julgar o recurso da prefeitura com coerência entre os casos.

Trata-se, com certeza, de mais uma vitória para os profissionais de educação através de seu sindicato. Segue a sentença em anexo, para divulgação pela entidade:

"(...) Claro que as implicações financeiras e pedagógicas têm de ser levadas em conta para fins de antecipação de tutela, de modo que a fixação de um prazo razoável para adoção das providências tendentes ao necessário cumprimento da Lei Federal n. 11.738/2008 é DE RIGOR.

“Isto posto:

“A) JULGO PROCEDENTE O PEDIDO, condenando o réu na obrigação de regularizar a distribuição de jornada de trabalho de todos os professores do quadro de educação básica do ensino público municipal do Rio de Janeiro, nos moldes da Lei Federal nº 11.738/2008, observando o critério de "hora-aula" sem realizar multiplicações pelos minutos de sua duração (dito "hora-relógio"), sendo inadmissível pretender computar intervalos entre aulas (10 minutos) ou de recreio dos alunos no cômputo da fração legal de atividades extraclasse, tudo na forma da fundamentação supra.

“B) Ante a importância da educação básica de qualidade para a sociedade brasileira, porém tendo em conta as providências de cunho burocrático necessárias ao implemento adequado do comando sentencial supra, CONCEDO ANTECIPAÇÃO DE TUTELA em sentença, porém FIXO O MÊS DE JANEIRO DE 2016 como TERMO FINAL do prazo para que se dê o devido cumprimento desta sentença, sob pena de fixação de astreintes ao réu, sem prejuízo da eventual responsabilização que couber ao administrador público titular da Secretaria Municipal de Educação e, secundariamente, ao próprio Prefeito Municipal, pela eventual mora no cumprimento do julgado.


“C) Em atenção ao disposto nos artigos 461 e 632 do CPC, expeçam-se mandados por OJA e cumpram-se, intimando-se da obrigação de fazer o Sr. Secretário Municipal de Educação e o Sr. Prefeito da Cidade do Rio de Janeiro, instruindo-se os mandados com cópias desta sentença."

FONTE: SEPE RJ

Fome: o ingênuo otimismo da ONU

Por Juliana Dias

Da Malagueta



A indiferença glacial a respeito da fome no mundo contrasta com os dados do sociólogo Jean Ziegler, que considera a destruição anual de dezenas de milhões de homens, mulheres e crianças pela falta de comida como o escândalo do nosso século. No seu estado atual, a agricultura mundial poderia alimentar, sem problemas, 12 bilhões de pessoas, quase duas vezes a população mundial. No entanto, a cada cinco segundos, morre uma criança de menos de dez anos, num planeta que transborda riquezas. Os neurônios do cérebro humano formam-se entre zero e cinco anos. Se nesse período não receber uma alimentação adequada, suficiente e regular, a criança ficará lesionada pelo resto da vida.



Aos 80 anos, Ziegler é o pensador suíço contemporâneo mais conhecido no mundo. Com mais de 20 livros publicados, combina sua produção intelectual com uma resistente intervenção social e política. Atuou como o primeiro relator Especial sobre o Direito Humano à Alimentação e membro do Comitê Consultivo do Conselho de Direitos Humanos, da Organização das Nações Unidas (ONU), entre 2000 e 2012. Seu último livro, Destruição em massa – geopolítica da fome (Ed. Cortez) é dedicado ao médico brasileiro Josué de Castro, um dos fundadores da agência da ONU para Alimentação e Agricultura (FAO), reconhecido internacionalmente por seu pioneirismo em denunciar o flagelo da fome.



A reflexão de Ziegler sobre as causas da escassez de alimentos é pertinente para avaliar o recém-lançado Relatório de Insegurança Alimentar no Mundo (SOFI, sigla em inglês), divulgado pela FAO. De acordo com o documento, na última década a redução de famintos chegou a 100 milhões. O número de pessoas “cronicamente desnutridas” chega a 805 milhões no período de 2012 a 2014. Nos países em desenvolvimento, a desnutrição caiu de 23,4% para 13,5%. O Brasil foi o destaque do relatório, apontado como o país que, oficialmente, superou o problema da fome.



Dados do referido relatório indicam que existem 3,7 milhões de pessoas em situação de insegurança alimentar, o que corresponde a 1,7% da população brasileira. O programa Bolsa Família, que atende 14 milhões de famílias e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), destinado diariamente a 43 milhões de estudantes da Educação Básica, são apontados como fatores relevantes para essa superação, cumprindo o primeiro ponto dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), previsto para 2016: eliminar a fome.



O otimismo do relatório, tanto em nível global, como na América Latina e Caribe, esbarra com as declarações de Ziegler, embasadas na experiência de mais de uma década na linha de frente da defesa do Direito Humano à Alimentação. Ao destrinchar as causas da fome, ele aponta os “senhores dos trustes agroalimentares”, os dirigentes da Organização Mundial do Comércio (OMC), do Fundo Monetário Internacional (FMI), dos diplomatas ocidentais, dos especuladores de alimentos básicos; e dos que chama de “abutres do ouro verde” (produtores de agrocarburantes, ou combustíveis de base vegetal) como os que se empenham em naturalizar a fome.



Ziegler começa sua exposição explicando como os dados da FAO são coletados. O modelo matemático data de 1971 e é de extrema complexidade, a qual o autor se propõe a simplificar. O primeiro passo é fazer um recenseamento da produção de bens alimentares, exportação e importação, especificando o conteúdo calórico. A Índia, por exemplo, abriga a metade de todas as pessoas grave e permanentemente subalimentadas do mundo, mas exporta cerca de 17 milhões de toneladas de trigo[1].



Assim, a FAO obtém a quantidade de calorias disponível em cada país, de acordo com as variáveis: faixa etária, sexo, tipo de trabalho executado e situação socioprofissional. Na segunda etapa os estatísticos estabelecem a estrutura demográfica e sociológica da população. Ao correlacionar os dois agregados de indicadores, obtêm-se os déficits calóricos globais dos países e é fixada a quantidade teórica de pessoas permanentemente e gravemente subalimentadas. A crítica de Ziegler é que os dados não dizem nada a respeito da distribuição de calorias no interior de uma população determinada.



O modelo da FAO é afinado constantemente com pesquisas dirigidas à base de amostragem, com o objetivo de identificar grupos particularmente vulneráveis. Esse modelo é criticado pelos pesquisadores Bernard Maire e Francis Delpeuch por calcular calorias em termos de macronutrientes (proteínas, glicídios e lipídeos), sem levar em conta as deficiências da população em termos de micronutrientes – a carência de vitaminas, minerais e oligoelementos.



A confiabilidade dos dados também é posta a prova, pois se baseia inteiramente na qualidade das estatísticas fornecidas pelos Estados. Apesar das críticas, Ziegler reconhece a pertinência, e que o modelo dá conta, a longo prazo, das variações dos números dos subalimentados e das mortes pela fome no planeta, caso do relatório publicado no último dia 16 de setembro. Para o sociólogo e militante, os números subestimam o fenômeno, mas permitem conhecer o cenário árido dos famélicos em todo o mundo.



Os três grupos de pessoas mais vulneráveis são os pobres rurais, os pobres urbanos e as vítimas de catástrofes. A maioria dos que não têm o que comer pertence às comunidades rurais pobres dos países em desenvolvimento. Quem produz alimento está exposto à fome. É uma contradição a ser enfrentada. A escassez está nos campos onde se deveria tirar o sustento.



Ziegler ataca a prática de que a segurança e a soberania alimentar sejam lideradas pelo jogo do livre mercado. A ideia que paira é que somente o mercado pode vencer o flagelo da fome. Basta potencializar ao máximo a produtividade agrícola mundial, liberar e privatizar para se ter acesso a uma alimentação adequada, suficiente e regular para todos. “O mercado, enfim, liberado derramará, como uma chuva de ouro, seus favores sobre a humanidade” (p. 158). Para uma questão complexa como a alimentação, propaga-se uma solução unilateral e reduzida a uns poucos atores sociais.



A questão agrária é posta pelo ex-relator como um desafio para combater a fome. As terras são disputadas para o plantio de comodities da produção agrícola ou os agrocarburantes, também divulgados como biocombustíveis, dos quais, esclarece Ziegler, existem dois tipos: o bioetanol e o biodiesel.



O prefixo bio (vida, vivo), indica que o carburante (etanol ou diesel) é produzido a partir de matéria orgânica (biomassa). Não há relação direta com uma agricultura biológica, como sugere o termo biocombustível. A confusão favorece a imagem desse carburante que se imagina limpo e ecológico. Também chamado de Ouro Verde, essa matriz de produção energética é considerada pelo sociólogo como a nova recolonização do território, devastando os recursos naturais e aprofundando mazelas sociais, culturais e econômicas.



No Brasil, o protagonista é a cana-de-açúcar. Matéria-prima de base do período colonial com a monocultura para a produção de açúcar, esse plantio retorna ocupando os campos de alimentos para a produção de agrocarburantes. Zielger critica duramente o programa brasileiro Proálcool: “além dos barões brasileiros do açúcar, o Proálcool beneficia as grandes sociedades transcontinentais estrangeiras (Louis Dreyfus, Bunge, Noble Group e Archer Daniels Midland)”.



Ao estabelecer a relação entre combustível e comida, ele relembra o dado com que inicia o seu livro: “queimar milhões de toneladas de alimentos em um planeta em que, a cada cinco minutos, morre de fome uma criança de menos de dez anos é evidentemente revoltante”. Para produzir 50 litros de bioetanol, é preciso destruir 358 quilos de milho. No México e na Zâmbia, o grão é a base da alimentação. Com essa quantidade daria para alimentar durante um ano uma criança nesses países. “Agrocarburantes: tanque cheio e barriga vazia”, sentencia Ziegler.



Na visão do geógrafo Carlos Walter Porto-Gonçalves [2], a classificação adequada desde o início da colonização até os dias de hoje é “sistema-mundo moderno colonial”. O modelo agrário/agrícola, que se apresenta como o que há de mais moderno, sobretudo por sua capacidade produtiva, atualiza o que há de mais antigo e colonial em termos de padrão de poder ao estabelecer uma forte aliança oligárquica entre as grandes corporações financeiras internacionais; as grandes indústrias-laboratórios de adubo, fertilizantes, herbicidas e sementes; as grandes cadeias de comercialização ligadas aos supermercados; os grandes latifundiários exportadores de grãos [3].



Para se ter uma ideia de como a fome não pode ser subestimada, muito menos naturalizada, Ziegler cita dados sobre o controle do mercado sobre a produção de alimentos no mundo: “apenas dez corporações – entre as quais Aventis, Monsanto, Pioneer e Syngenta – controlam um terço do mercado global de sementes, estimado em 23 bilhões de dólares por ano; e 80% do mercado de pesticidas, em torno de 28 bilhões de dólares.



Dez outras corporações, entre as quais a Cargill, controlam 57% das vendas dos 30 maiores varejistas do mundo e representam 37% das receitas das 100 maiores sociedades fabricantes de produtos alimentícios e de bebidas (p. 152). Sobre a atuação dessas multinacionais, João Pedro Stédile, um dos principais dirigentes do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), afirma que “o objetivo não é produzir alimentos, mas mercadorias para ganhar dinheiro” (p. 153).



A forma como se produzem, distribuem e consomem alimentos – considerando a comida como uma mercadoria, regulada por um mercado voraz, e Estados enfraquecidos – é uma maneira de violar o direito à alimentação e de limitar a soberania alimentar das nações, destruindo os territórios, lugares de produção de alimentos, cultura, memória e saberes.



Essa indiferença glacial, à qual se refere Zielger, é intolerável. Para vencer esse monstro, o autor se mostra esperançoso com o “formidável despertar das forças revolucionárias camponesas nas zonas rurais do hemisfério Sul. Sindicatos camponeses transnacionais [como a Via Campesina], associações de lavradores e criadores lutam contra os abutres do ‘ouro verde’ e contra os especuladores que tentam roubar suas terras. Essa é a força principal da luta contra a fome” (p. 28).



Ziegler cita um provérbio chinês que Che Guevara gostava de pronunciar para justificar sua esperança e incentivar a resistência: “Os muros mais sólidos desmoronam por suas fissuras”. Assim, ele convoca a provocar, o tanto quanto possível, fissuras na ordem atual deste mundo que “esmaga brutalmente os povos”.



O inimigo, como o autor chama, está exposto nos relatórios da FAO. Há que questionar com essas estatísticas por que 805 milhões de pessoas morrem de fome no século XXI. A experiência do sociólogo e militante nos mostra que o gigante pode ser maior e os que deveriam eliminá-lo estão buscando estratégias para naturalizá-lo.



Ao comparar o relatório com o relato de Ziegler é relevante refletir as contradições e ambiguidades que o sistema alimentar produz. O que está evidente, talvez nas entrelinhas ou com a ajuda de autores como este em questão, é que se torna injustificável uma destruição pela falta de acesso à comida, de qualidade e em quantidade, respeitando a cultura, como estabelece o conceito de Segurança Alimentar e Nutricional no Brasil. Como é possível o homem travar uma guerra ambiciosa e inescrupulosa em favor do consumo e do lucro, contra sua própria espécie? Como explicar esse desejo autodestrutivo? Por que o outro é tratado com inferioridade se, na verdade, é a imagem refletida de seu semelhante? É necessário derreter essa indiferença glacial e compreender que comida não é produto de prateleira, é um direito básico à vida humana. Pensemos nos dados da FAO como uma tarefa que demanda esforços coletivos para provocar fissuras no muro sólido da mercantilização da comida, antes bem comum e de interesse público.


segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Os 150 anos da Associação Internacional dos Trabalhadores

Em 28 de setembro de 1864, em Londres, nascia o ponto de referência das organizações do movimento operário: a Associação Internacional dos Trabalhadores

Por Marcello Musto


Em 28 de setembro de 1864, a sala do St. Martin's Hall, um edifício situado no coração de Londres, estava lotado. Estavam reunidos cerca de dois mil trabalhadores e trabalhadores para participar de um comício de sindicalistas ingleses e colegas parisienses. Graças a esta iniciativa, nascia o ponto de referência do conjunto das principais organizações do movimento operário: a Associação Internacional de Trabalhadores.

Em poucos anos, a Internacional despertou paixões por toda a Europa. Graças a ela, o movimento operário pode compreender mais claramente os mecanismos de funcionamento do modo de produção capitalista, adquiriu maior consciência de sua própria força e inventou novas formas de luta. De forma contrária, nas classes dominantes, causou terror a notícia da formação da Internacional. A ideia de trabalhadores reclamarem maiores direitos e um papel ativo na história suscitou repulsa nas classes acomodadas e foram muitos os governos que a perseguiram com todos os meios a seu alcance.

As organizações que fundaram a Internacional eram muitos diferentes entre si. Seu centro motor inicial foram os sindicatos ingleses, que passaram a considerá-la o instrumento mais idôneo para lutar contra a importação de mão de obra de fora durante as greves. Outro importante ramo da associação foi a dos mutualistas, a componente moderada fiel à Teoria de Proudhon, predominante na França à época, enquanto o terceiro grupo, por ordem de importância, foram os comunistas, reunidos em torno da figura de Marx.

Inicialmente, fizeram parte também da Internacional grupos de trabalhadores que reivindicavam teorias utópicas, núcleos de exilados inspirados por concepções vagamente democráticas e defensoras de ideias interclassistas, como alguns seguidores de Mazzini. O empenho em fazer com que convivessem todas estas almas na mesma organização foi indiscutivelmente obra de Marx. Seus dotes políticos lhe permitiram conciliar o que não parecia conciliável, assegurando um futuro à Internacional. Foi Marx quem outorgou à Associação a clara finalidade de realizar um programa político não excludente, apesar de ser fortemente de classe, como garantia de um movimento que aspirava ser de massas e não sectário. Foi sempre Marx, alma política do Conselho Geral de Londres, que redigiu quasetodas as resoluções principais da Internacional. Entretanto, diferentemente do que foi propagado pela liturgia soviética, a Internacional foi muito mais do que apenas Marx.

Desde o final de 1866, intensificaram-se as greves em muitos países europeus, o coração vibrante de uma época de luta significativa. A primeira grande batalha vencida graças ao apoio da Internacional foi a dos bronzistas de Paris no inverno de 1867. Neste período, tiveram também o vitorioso desenlace nas greves dos trabalhadores das fábricas de Marchienne, as dos operários das bacias mineiras de Provenza, dos mineiros de carvão de Charleroi e dos pedreiros de Genebra. Em cada um destes acontecimentos, repetiu-se de modo idêntico a pauta: arrecadação de dinheiro em apoio aos grevistas, graças aos chamamentos redigidos e traduzidos pelo Conselho Geral e depois enviados aos trabalhadores de outros países, e à compreensão de que estes últimos não fizessem ações fura greve.

Todo isso obrigou os patrões a buscar um compromisso e a aceitar muitas das demandas dos operários. Iniciou-se uma época de progresso social, durante a qual os movimentos dos trabalhadores conseguiu maiores direitos para aqueles que ainda não gozavam deles, como prescreviam as receitas liberais da direita. Depois do êxito de todas estas lutas, centenas aderiram à Internacional em todas as cidades em que foram registradas greves.

Apesar das complicações derivadas da heterogeneidade das línguas, culturas políticas e países implicados, a Internacional conseguiu reunir e coordenar mais organizações e numerosas lutas nascidas espontaneamente. Seu maior mérito foi o de ter sabido indicar a absoluta necessidade da solidariedade de classe e da cooperação transnacional. Objetivos e estratégias do movimento operário mudaram de maneira irreversível e são atuais ainda hoje, 150 anos depois.

A proliferação de greves mudou também os equilíbrios no interior da organização. O Congresso de Bruxelas de 1868 votou a resolução sobre a socialização dos meios de produção. Tal ação representou um passo decisivo no decorrer da definição das bases econômicas do socialismo e, pela primeira vez, um dos baluartes reivindicativos do movimento operário ficou integrado ao programa político de uma grande organização. Entretanto, depois de ter derrotado os partidários de Proudhon, Marx teve que enfrentar seu novo rival interno, o russo Bakunin, que se somou à Internacional em 1869.

O período compreendido entre o final dos anos 60 e o início dos anos 70 foi rico em conflitos sociais. Muitos dos trabalhadores que fizeram parte dos protestos neste intervalo de tempo receberam apoio da Internacional, cuja fama ia sendo difundida cada vez mais. Da Bélgica à Alemanha e da Suíça à Espanha, a Associação aumentou seu número de militante e desenvolveu uma eficiente estrutura organizativa em quase todo o continente. Foi também para além do oceano, graças à iniciativa dos imigrantes reunidos nos Estados Unidos.


O momento mais significativo da história da Internacional coincidiu com a Comuna de Paris. Em março de 1871, após o fim da guerra franco-prussiana, os operários expulsaram o governo Thiers e tomaram o poder. Este foi o acontecimento político mais importante da história do movimento operário do século XIX. Desde aquele momento, a Internacional esteve no olho do furacão e adquiriu grande notoriedade. Na boca da burguesia, o nome da organização se tornou sinônimo de ameaça à ordem constituída, enquanto na dos trabalhadores se tornou a esperança de um mundo sem exploração e injustiças. A Comuna de Paris deu vitalidade ao movimento operário e levou-o a tomar posições mais radicais. Uma vez mais, a França mostrou que a revolução era possível, que o objetivo podia e devia ser a construção de uma sociedade radicalmente diferente da capitalista, mas também que, para alcançá-lo, os trabalhadores teriam que criar formas de associação política estáveis e bem organizadas.

Por esta razão, durante a Conferência de Londres de 1871, Marx propôs uma resolução sobre a necessidade de a classe trabalhadora se dedicar à batalha política e construir onde fosse possível um novo instrumento de luta considerado indispensável para a revolução: o partido (utilizado até então apenas pelos operários da Confederação Germânica). Muitos, entretanto, opuseram-se a esta decisão. Para além do grupo de Bakunin, contrário a qualquer política que não fosse a da destruição imediata do Estado, várias federações se uniram em sua impaciência e rebeldia em relação {a proposta do Conselho Geral, ao considerar que a eleição de Londres era uma ingerência na autonomia das federações locais.

O adversário principal da campanha iniciada por Marx foi uma atmosfera ainda resistente em aceitar o salto qualitativo proposto. Desenvolveu-se assim um enfrentamento que fez da direção da organização algo ainda mais problemático, enquanto ela se estendia na Itália e se ramificava na Holanda, Dinamarca, Portugal e Irlanda.

Em 1872, a Internacional era muito diferente do que havia sido no momento de sua fundação. Os componentes democratico-radicais tinham abandonado a Associação, depois de terem sido encurralados. Os mutualistas haviam sido derrotados e suas forças drasticamente reduzidas. Os reformistas já não constituíam a parte predominante da organização (salvo na Inglaterra) e o anticapitalismo tinha se transformado na linha política de toda a Internacional, também das novas tendências – como a anarquista, dirigida por Mijail Bakunin, e a blanquista – que haviam se somado no decorrer dos anos. O cenário, por outro lado, havia mudado radicalmente também fora da Associação. A unificação da Alemanha em 1871 sancionou o inicio de uma nova era em que o Estado nacional se afirmou definitivamente como forma de identidade política, jurídica e territorial.

O novo contexto tornava pouco plausível a continuidade de um organismo supranacional em que as organizações de vários países, apesar de dotadas de independência, deviam ceder uma parte considerável da direção política.

A configuração inicial da Internacional estava superada e sua missão original era concluída. Não se tratava de preparar e coordenar iniciativas de solidariedade em escala europeia, em apoio a greves, nem de convocar congressos para discutir acerca da utilidade da luta sindical ou da necessidade de socializar a terra e os meios de produção. Estes temas haviam se transformado em patrimônio coletivo de todos os componentes da organização. Depois da Comuna de Paris, o verdadeiro desafio do movimento operário era a revolução, ou seja, como se organizar para colocar fim ao modo de produção capitalista e derrocar as instituições do mundo burguês.

Durante sucessivas décadas, o movimento operário adotou um programa socialista que se estendeu primeiro por toda a Europa e depois por todos os rincões do mundo, construindo novas formas de coordenação supranacional que reivindicavam o nome e o ensino da Internacional. Esta imprimiu na consciência dos trabalhadores a convicção de que a libertação do trabalho do jugo do capital não podia ser obtida dentro das fronteiras de um país apenas, mas era, pelo contrário, uma questão global. E igualmente, graças à Internacional, os operários compreenderam que sua emancipação poderia ser conquistada somente por eles mesmos mediante sua capacidade de organização, uma conquista que não poderia ser delegada a outros. Em suma, a Internacional difundiu entre os trabalhadores a consciência de que sua escravidão terminaria somente com a superação do modo de produção capitalista e do trabalho assalariado, posto que as melhoras no interior do sistema vigente não transformariam sua condição estrutural. 

Em uma época em que o mundo do trabalho se encontra acuado, também na Europa, sofrendo com condições de exploração e legislações semelhantes às do século XIX e em que velhos e novos conservadores tratam, uma vez mais, de separar o que trabalha do desempregado, precário ou migrante, a herança política da organização fundada em Londres recobra uma extraordinária relevância. Em todos os casos em que se comete uma injustiça social relativa ao trabalho, cada vez que se pisa em um direito germina a semente da nova Internacional.


Tradução: Daniella Cambaúva


Na reta final, Marina terá de justificar a mentira

Por Josias de Souza

Numa campanha eleitoral, pode-se desconfiar das verdades dos candidatos. Mas uma mentira deslavada, quando apanhada no pulo, é sempre rigorosamente verdadeira. Por essa razão, um candidato jamais deve dizer uma mentira que não possa provar. Marina Silva disse uma mentira inacreditável: “Quando foi a votação da CPMF, ainda que o meu partido fosse contra, em nome da saúde, em nome de respeitar os interesses dos brasileiros, eu votei favorável…”

A ex-petista Marina votou contra a CPMF não uma, mas duas vezes. A mentira foi exposta no noticiário no início de setembro. Neste domingo, o comitê de Dilma Rousseff transformou a inverdade em propaganda eleitoral. E a evangélica Marina Silva entra na última semana da campanha tendo de explicar por que diabos mentiu.


Tim Maia dizia: “Não fumo, não bebo e não cheiro. Só minto um pouco.” O que dirá Marina?

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Em debate realizado na noite deste domingo (28) pela TV Record, a presidente e candidata à reeleição, Dilma Rousseff (PT), afirmou que, ao contrário do que Marina Silva (PSB) disse em debate na TV Bandeirantes em agosto, ela nunca votou a favor da criação da CPFM --contribuição sobre transações bancárias.

Com o questionamento, Dilma repete a tática que usada pela propaganda petista, em inserções na televisão, na última semana antes do primeiro turno para tentar desconstruir a rival.

"A senhora mudou de partido quatro vezes nesses três anos. Mudou de posição de um dia para outro em temas extrema importância como a CLT, a homofobia e o pré-sal. No debate da Bandeirantes, a senhora disse que tinha votado a favor da criação da CPMF porque achava que era o melhor que se podia ter para a saúde. Qual foi mesmo seu voto, candidata, como senadora, na questão da CPMF?", questionou Dilma.

Na resposta, Marina disse que mudou de partido "para não mudar de ideias e princípios" e afirmou que votou sim favoravelmente à criação da CPFM.

"A CPMF é um processo que começou em 93, com várias etapas. Nessas várias etapas, no momento em que foi a votação do fundo de combate à pobreza, que aliás foi uma iniciativa do senador Antônio Carlos Magalhães, a composição do fundo seria de recursos da CPMF e dos impostos sobre cigarro. Naquela oportunidade, tanto na comissão, quanto no plenário, votei favorável, sim. Eu e o senador Eduardo Suplicy, mesmo com a oposição séria de várias lideranças do PT, que a época diziam que eu estava favorecendo um senador de direita", disse Marina.

Na réplica, Dilma afirmou não entender como Marina "pode esquecer que votou quatro vezes contra a criação da CPMF". Marina respondeu a Dilma que não tem a "lógica da oposição pela oposição e da situação raivosa". "Nem da situação cega, que só vê qualidades quando há problemas. Eu tenho posição sim, eu votei a CPMF para o combate a pobreza."

domingo, 28 de setembro de 2014

Contra mortes por abortos inseguros, mulheres latinas pedem descriminalização da prática

Desde 1990, mulheres se organizam em todo o mundo no dia 28 de setembro para pedir aos governos o acesso ao aborto legal e seguro


Em menos de um mês, o noticiário reportou a morte de duas mulheres em decorrência de abortos clandestinos e inseguros no Brasil. Jandira Magdalena dos Santos, de 27 anos, no Rio de Janeiro, e Elizângela Barbosa, de 32 anos, em Niterói, desapareceram ao se submeterem ao procedimento em clínicas clandestinas. Histórias como essas são recorrentes em países como o Brasil e na maioria da América Latina e do Caribe, onde a interrupção voluntária da gravidez é criminalizada. Por essa razão, grupos de mulheres em diversos países na região se mobilizam desde o início dos anos 1990 em torno do dia 28 de setembro, dia Latino-Americano de Luta pela Descriminalização e Legalização do Aborto, e também dia de Ação Global para o Acesso ao Aborto Seguro e Legal.

As datas marcam o ápice de uma campanha permanente que exige dos governos a despenalização do procedimento, a facilitação do acesso a serviços de aborto seguro e o fim da criminalização das mulheres que tomam essa decisão.

Na América Latina, estão alguns dos países com as leis mais restritivas do mundo com relação ao aborto. Em Nicarágua, El Salvador, Chile, Honduras e República Dominicana, a prática é crime em qualquer circunstância, inclusive quando a vida da mulher corre perigo. Venezuela, Paraguai, Argentina, Bolívia, Colômbia, Peru e Brasil proíbem a interrupção voluntária da gravidez, mas permitem o procedimento em algumas situações, como gestação decorrente de estupro ou risco de morte para a mulher. Apenas em Uruguai, Cuba, Guiana, Guiana Francesa e na Cidade do México o procedimento é legal, e a mulher pode interromper voluntariamente a gravidez,com segurança, no sistema público de saúde desses países. O Uruguai, o último país a legalizar o aborto na região, no fim de 2012, registrou a realização de 6.676 abortos seguros no primeiro ano de vigência da nova lei – e nenhuma morte por complicações decorrentes dos procedimentos realizados na legalidade.


Organização Mundial da Saúde

Segundo estudo da OMS (Organização Mundial da Saúde), são realizados anualmente 22 milhões de abortos inseguros emtodo o mundo, e 98% desses procedimentos ocorrem em países em desenvolvimento, onde a prática é majoritariamente criminalizada. A proporção de mortalidade devido a complicações decorrentes de aborto inseguro costuma ser mais alta nos países com restrições ao procedimento, e mais baixa nos países onde as mulheres têm livre acesso a serviços seguros. Na América Latina e no Caribe, a taxa é de 30 mortes a cada 100 mil abortos inseguros; nos Estados Unidos, onde a prática é legal em alguns estados e realizada em condições seguras, a taxa é de 0,7 mortes a cada 100 mil procedimentos legais.

A OMS ressalta que nenhum método contraceptivo é 100% eficaz, e estima que 33 milhões de usuárias de métodos anticoncepcionais fiquem grávidas acidentalmente a cada ano. “O abortamento ser ou não legal não produz nenhum efeito sobre a necessidade de praticá-lo, porém, afeta dramaticamente o acesso das mulheres a um abortamento em condiçõesseguras”, afirma o relatório.

De acordo com a Ipas, organização não-governamental que promove direitos reprodutivos nas Américas, acriminalização do aborto penaliza “mulheres jovens e pobres, sem educação e que têm uma gravidez indesejada”. São elas que mais se submetem a métodos ilegais e inseguros e, são elas que são majoritariamente investigadas, presas e processadas nos países em que a interrupção voluntária da gravidez é ilegal. Ainda segundo a instituição, “mulheres com melhores condições financeiras podem viajar, ou recorrer a uma clínica particular que possa realizar o procedimento” em condições seguras.

Assim, as leis que penalizam o aborto, portanto, se dirigem às mulheres mais vulneráveis. O Código Penal brasileiro, por exemplo, em artigo de 1940, prevê pena de detenção de um a três anos para a gestante que provoca o aborto, e um a quatro anos de prisão para quem faz o aborto com o consentimento da mulher grávida. Somente no estado do Rio de Janeiro, onde Jandira e Elizângela morreram, entre 2007 e 2011, 334 mulheresforam presas por terem realizado um aborto. Destas, 45% tinham menos de 24 anos, 55% não eram brancas, 78% eram solteiras e 53% tinham somente educação primária.

No entanto, milhões de mulheres em todo o mundo realizam o procedimento em países onde o aborto é ilegal sem serem flagradas e penalizadas. No Brasil, por exemplo, um estudo realizado em 2010 pela antropóloga Debora Diniz e pelo sociólogo e economista Marcelo Medeiros mostrou que o procedimento é realizado cotidianamente por mulheres de todas as classes sociais. A Pesquisa Nacional do Aborto entrevistou 2.002 brasileiras, entre 15 e 39 anos, e concluiu que uma em cada cinco brasileiras faz pelo menosum aborto até os 40 anos. Esse índice representaria 5,3 milhões de mulheres (de acordo com o IBGE, a população feminina do país nessa faixa etária em 2010 era de 35,6 milhões).


Para garantir que mulheres não sejam submetidas a procedimentos inseguros e ilegais, coletivos de mulheres emdiversos países se reunirão em manifestações públicas neste domingo e nos próximos dias, para reivindicar o direito ao próprio corpo e exigir dos Estados que garantam mais direitos e o acesso ao aborto legal e seguro. Há eventos programados em São Paulo, Quito e Buenos Aires, e também em várias cidades da Espanha, além de Londres, Edimburgo e Viena.



FONTE: Opera Mundi

Um tributo a Abelardo da Hora - artista plástico e militante comunista

Para além da arte, fica o exemplo de humanidade

Abelardo da Hora!

Presente!

Hoje, amanhã e sempre!

Abelardo da Hora (1924-2014)


Escultor, desenhista, ceramista, gravurista e poeta, Abelardo da Hora faleceu na última terça-feira, 23/9/2014, aos 90 anos de idade. Dedicou sua vida à arte e à luta do povo brasileiro por justiça e igualdade social. Abelardo da Hora foi militante e dirigente do PCB entre os anos de 1940 e 1960, ao lado de grandes nomes como Gregório Bezerra, Cristiano Cordeiro, David Capistrano, entre outros que dedicaram suas vidas às lutas populares e à construção de uma sociedade justa e igualitária.

Abelardo da Hora, nascido em 31/7/1924, em São Lourenço da Mata, na Região Metropolitana do Recife, foi um personagem importante na renovação artística de Pernambuco, organizando a Sociedade de Arte Moderna no Recife na década de 1940, e participando da fundação do Movimento de Cultura Popular nos anos 60.

Abelardo da Hora é autor de mais de 1.800 obras, entre esculturas, cerâmicas e desenhos.

Em 2013, Abelardo da Hora foi homenageado pelo MST durante o carnaval de Olinda (PE), como exemplo de militante comunista, artista plástico engajado e folião que merecia ser reconhecido por sua contribuição às artes plásticas e à vida política.

Abelardo da Hora no carnaval de Olinda, sendo homenageado pelo MST. Ano 2013.


No documentário Tela Brasil, da TV Senado, Abelardo da Hora descreve sua trajetória artística e política.

Tela Brasil - Abelardo da Hora - Bloco 1



Tela Brasil - Abelardo da Hora - Bloco 2



Tela Brasil - Abelardo da Hora - Bloco 3


sábado, 27 de setembro de 2014

“Karl Marx, un periodista en la Era del Capital. Apuntes para una investigacion”

Por Mario Espinoza Pino

 Artículo publicado en ISEGORÍA. Revista de Filosofía Moral y Política  N.º 50, enero-junio, 2014, 107-122.

RESUMEN. El objetivo de este artículo es criticar la representación tradicional del trabajo periodístico de Karl Marx, habitualmente olvidado por un canon engañoso que sólo asume sus artículos al precio de convertirlos en una obra menor. Uno de los problemas de esta concepción tradicional es que disocia sus contribuciones teóricas y económicas del desarrollo histórico del pensamiento del autor (y también de sus raíces materiales). Intentaremos señalar la importancia del periodismo maduro de Karl Marx en dos áreas: en la construcción de los conceptos centrales de su crítica contra el capitalismo (plusvalor, un enfoque histórico multilineal, una descripción global del mercado mundial, etc.) y en la producción de cartografías políticas para intervenir en el conflicto de clases. Este artículo plantea varias hipótesis y afirmaciones tentativas sobre el periodismo de Karl Marx que pueden servir como punto de partida de una investigación crítica.
Palabras clave: Karl Marx, periodismo, New York Tribune, historia multilineal, mapas antagonistas
ABSTRACT. The aim of this article is to criticize the traditional representation of Karl Marx’s journalistic works, usually forgotten by a misleading canon that assumes his articles only as a minor work. One of the problems of this traditional conception is that it dissociates his theoretical and economic contributions from the historical development of the author’s thought (and also from its material roots). We will try to point the importance of Karl Marx’s mature journalism in two areas: in the construction of the central concepts of his critic against the capitalist mode of production (surplus value, a multilineal historical perspective, a global description of the world market, etc.) and in the production of political cartographies to intervene in the class conflict. This article poses several hypothesis and tentative affirmations about Karl Marx’s journalism that may serve as a point of departure for a critical research.
Key Words: Karl Marx, journalism, New York Tribune, mulilineal history, antagonistic maps
1. Karl Marx y el periodismo: más allá del olvido
Resulta sorprendente que a día de hoy no dispongamos todavía de un estudio serio y riguroso acerca de la actividad periodística de Karl Marx. Existen innumerables artículos y libros sobre su pensamiento teórico y político, por no hablar de la imponente bibliografía generada en torno a sus contribuciones más conocidas, desde sus tempranos Manuscritos de París (1844) hasta El Capital(1867). Sin embargo, los artículos del filósofo de Tréveris parecen haber sido sepultados bajo el peso de sus grandes obras, desplazados a un ámbito marginal y aparentemente anecdótico en el marco de su producción teórica. Un gesto que no deja de rayar en lo paradójico, sobre todo si tenemos en cuenta la importancia del periodismo en la formación de Marx y en el desarrollo de su crítica de la economía política. Lo cierto es que la tradición marxista, generación tras generación, ha terminado por convertir los escritos periodísticos del pensador en un suerte de “fuente secundaria” o “literatura menor”: en el mejor de los casos han servido de instrumento auxiliar a historiadores e investigadores, permitiéndoles perfilar mejor el trasfondo histórico de su pensamiento; también se han mostrado útiles a la hora de resolver ambigüedades interpretativas puntuales. Pero más allá de estos usos limitados, el periodismo de Marx nunca ha sido abordado de manera autónoma, es decir, como una línea de investigación específica que merezca ser recorrida por su propia entidad.
Nadie ha emprendido aún la tarea de analizar la producción periodística de Marx de forma global y sistemática, una labor que demanda tanto la valoración pormenorizada de sus distintos artículos –necesidad del todo urgente por su actualidad y vigor– como un estudio profundo de lasrelaciones entre su periodismo de investigación y la formación teórica y política de su pensamiento.
Aunque ambas tareas exceden con mucho el contenido de un artículo como éste, cuyo carácter es del todo preliminar respecto a la problemática señalada, en las próximas líneas vamos a tratar de poner de relieve la importancia capital de la producción periodística de Marx en la forja de su “crítica de la economía política”.
Para ello esbozaremos tres frentes diferenciados de trabajo: 1) para comenzar, realizaremos un breve análisis del olvido de los escritos periodísticos de Marx, tratando de exponer las razones que han propiciado el desplazamiento de sus artículos a un lugar secundario dentro de su obra; 2) elaboraremos una propuesta provisional de periodización de la producción periodística del autor, un itinerario de lectura histórico y temáticamente fundado, es decir, atento al pulso de las diversas transformaciones sufridas por el pensamiento de Marx; 3) A partir de lo anterior, y más allá del valor historiográfico de los artículos, mostraremos la relevancia del periodismo de Marx como forma de intervención política en el presente. En este sentido, destacaremos la importancia estratégica de la producción de discursos críticos y coyunturales –cabría decir dialécticos– sobre la realidad contradictoria de nuestras sociedades. Una vía de trabajo más que necesaria en pos de participar en un mundo cada vez más complejo y dinámico, un mundo globalizado y en crisis.

FUENTE: Marxismo Critico

Batalha das ideias: os partidos à esquerda do PT na berlinda

Isolamento não é prova de inconformismo
Por Breno Altman

No início dessa semana, um importante dirigente do PSOL, Juliano Medeiros, deu-se ao trabalho de responder nota que eu havia recentemente escrito, acerca do caráter marginal de agremiações políticas que buscam se situar à esquerda do PT. Seu artigo atende pelo título “Resposta a Breno Altman: por uma esquerdainconformista”.

A questão proposta em meu texto era simples e o encabeçava: “Por que aultraesquerda brasileira é residual?”. Não houve qualquer intenção ofensiva na pergunta enunciada. A história está repleta, afinal, de pequenos grupos que lograram rapidamente plantar frondosas alternativas de poder.

Não é o que ocorre, no entanto, com os agrupamentos mencionados em meu breve artigo. O desempenho eleitoral do PSOL, PSTU, PCB e PCO, tudo junto e misturado, dificilmente chegará a 2% nas eleições presidenciais. A curva de resultados, após atingir seu pico em 2006, é declinante e beira a inanição. Tampouco sua influência nos movimentos sociais e nas lutas populares é relevante, com a exceção de alguns segmentos minoritários.

Essa constatação foi feita apenas para fazer jus a um clássico axioma: a prática é o critério da verdade. Maus resultados, depois de um longo período, deveriam obrigar à revisão de orientações adotadas. Outra opção é sobreviver como pequenas seitas, senhoras da luz e da razão, mas cujas ideias supostamente corretas jamais são capazes de servir como amálgama para uma força social expressiva.

Medeiros labuta para explicar, em sua resposta, a existência de diferentes concepções entre as correntes citadas. Aceitemos que suas explanações sejam certeiras e apropriadas. Todos estes grupos, ainda assim, têm em comum, mesmo com distintas matizes, a mesma caracterização sobre o Partido dos Trabalhadores: o maior instrumento político que o proletariado brasileiro logrou forjar teria se passado, de malas e bagagens, para o campo da burguesia.

Tal conclusão é seminal para a atuação de legendas pretensamente situadas à esquerda da esquerda. Ela nasce da compreensão de que o governo petista configurou-se em comitê gestor a serviço das companhias capitalistas e, portanto, no principal inimigo a ser combatido. No curso dessa transição, teria arrastado o próprio partido para a posição de apêndice político das classes dominantes.

O dirigente do PSOL ensaia certo cuidado em sua análise, mas em termos que ressaltam seu ponto de partida. Ao se referir à presumida posição do PT como fiador de um “pacto conservador”, Medeiros indaga e responde a si próprio: “Isso é o mesmo que dizer que o PT e os demais partidos burgueses seriam farinha do mesmo saco? Evidente que não.” O fato é que, ao determinar diferenças táticas no tratamento de diferentes partidos, o psolista reafirma o eventual transformismo de classe operado pelo PT, agora vicejando ao lado dos “demais partidos burgueses”.

Este padrão de raciocínio não é novo. Trata-se de comparar a trajetória petista a de partidos sociais-democratas europeus que, nascidos no movimento operário, acabaram por se alinhar a suas respectivas burguesias nacionais durante a Guerra Fria. Foram ainda mais longe: com o colapso da União Soviética, aprofundaram sua submissão à hegemonia norte-americana, ao capital financeiro, à doutrina neoliberal e a excrecências como o chauvinismo.

Pode-se argumentar, com razoável comprovação nos fatos e narrativas, que o PT veio a se converter em um partido reformista, a partir de sua estratégia de aproximação do poder pela via institucional. Eventualmente alguns de seus quadros tenham saltado o alambrado. Mas não há qualquer fundamento na realidade para se afirmar que tenha reproduzido o curso social-democrata europeu, o da passagem para outro campo de classe, ou que esteja próximo de fazê-lo, ainda que o risco esteja sempre presente em um partido que opera por dentro do Estado.

As medidas e políticas adotadas desde 2003, ainda que possam ser consideradas débeis e insuficientes, tiveram caráter de resistência ao modelo rentista herdado dos governos anteriores e emulado de projetos animados pelos países centrais do capitalismo. Ao lado de outras experiências latino-americanas, mais ou menos radicais, o PT impulsionou programa na contramão do ciclo histórico aberto nos anos oitenta.

A aplicação de políticas distributivistas promoveu a maior e mais prolongada onda de crescimento de renda e emprego entre os trabalhadores desde os anos quarenta. A inclusão social se transformou na principal ferramenta para ampliação do mercado interno de massas como força propulsora do desenvolvimento, apoiada também por iniciativas que ampliaram direitos de acesso à moradia e à educação.

O Estado vem recuperando papel regulador e protagonismo econômico, com a expansão dos investimentos públicos e o fortalecimento dos bancos estatais. Outras empresas sob controle governamental também tiveram suas atividades alavancadas, a começar pela Petrobrás, cuja musculatura foi tonificada após a descoberta do pré-sal e a substituição do regime de concessão pelo de partilha.

Essas reformas, no fundamental, não alteraram as estruturas da economia e do poder político, mas representam alternativa programática distinta daquela defendida pelos núcleos dirigentes da burguesia interna e seus sócios internacionais. Não é à toa a guerra permanente dos meios tradicionais de comunicação, efetivos partidos das classes dominantes, contra os governos de Lula e Dilma.

A adaptação de determinadas corporações ao predomínio da agenda petista não anula sua oposição de classe. O capital, como sabe qualquer curioso pelos assuntos da história, busca acomodação, se possível, até a processos revolucionários. Quanto mais a uma situação instável, no quadro de um governo de coalizão, sem maioria parlamentar de esquerda, com as velhas instituições praticamente intactas, na qual são vastos os espaços para a disputa entre diversos projetos e interesses.

Ainda que limitadas, na essência, à realocação de recursos orçamentários e ao redirecionamento de fundos públicos, as mudanças implementadas pelas administrações petistas se contrapõem à lógica rentista e aos primados neoliberais, em movimento inverso ao da social-democracia europeia.

Medeiros até chega a considerar estes fatos como “ganhos reais”. Mas logo emenda que “não comprovam qualquer compromisso em si”. Do bolso de seu colete saca uma espantosa tese para tentar argumentar exatamente o contrário, que esses “ganhos reais” são um sinal de capitulação do PT: “aumentar a renda e expandir gastos públicos são instrumentos utilizados pela burguesia sempre que as condições conjunturais permitem.”

A afirmação reflete ilusão escandalosa. Quer dizer que há vontade patronal natural para “aumentar renda e expandir gastos públicos”, cujo obstáculo seriam apenas “condições conjunturais”? Em qual momento da história a burguesia aceitou aumentar a renda dos trabalhadores sem que fosse por poderosa pressão do movimento operário, interna ou internacional, através de lutas sindicais ou governos de caráter popular?

Mas o pior aspecto de sua peroração fantasiosa diz respeito ao desconhecimento do mundo no qual vivemos depois do colapso da União Soviética. Todos os países capitalistas, nos últimos quase 25 anos, sob governos conservadores ou sociais-democratas, padeceram com a redução dos salários reais dos trabalhadores e a diminuição dos gastos públicos com programas sociais. As únicas exceções foram nações governadas por partidos de esquerda, de oposição ao neoliberalismo, como é o caso do Brasil no período petista.

Trata-se de estelionato político da pior qualidade reconhecer “ganhos reais”, mas classifica-los como normais aos interesses da burguesia ou triviais em um cenário internacional ainda dominado pela hegemonia unipolar do imperialismo norte-americano.

A banalização das conquistas, para enquadrá-las na teoria da suposta domesticação petista, da qual o PSOL e seus parceiros parecem depender para respirar, acaba confluindo para a seguinte conclusão: “este também é um governo da direita, ou ao menos de parte dela”.

Obviamente esta afirmação vem acompanhada da crítica à política de alianças, tanto no campo econômico quanto institucional. Medeiros não se deu ao respeito de citar, como caberia a um quadro responsável, a contradição fundamental decorrente da eleição de um presidente de esquerda sem maioria parlamentar. Qual a alternativa para uma situação como essa, a propósito, além da negociação com setores e partidos da burguesia que, se descolando da fração dirigente do neoliberalismo, aceitassem respaldar um programa mínimo e progressista de governo? Afinal, não foi assim que se obtiveram os tais “ganhos reais” reconhecidos até pelo açodado crítico?

Não passa de charlatanismo caracterizar o atual governo, por sua natureza de coalizão, como “da direita” ou de parte dela. Basta analisar seu rumo, com alguma honestidade, para reconhecer que o princípio reitor foi a construção de um modelo econômico-social que se choca com a fórmula propugnada pelo capital financeiro desde o Consenso de Washington.

Outra coisa é questionar seu ritmo e profundidade, ou identifica-lo como um “reformismo fraco”, repetindo André Singer, que fica aquém das possibilidades políticas reais e debilita a disputa pela hegemonia no Estado e na sociedade. Uma posição é considerar este governo inimigo, outra é carimba-lo como insuficiente ou recuado.

A história está cheia de exemplos como uma ou outra destas conclusões sobre governos frentistas levam a distintas estratégias.

O MIR chileno não participava do governo da Unidade Popular, durante a presidência de Salvador Allende. Classificava-o como reformista, indisposto a conduzir rupturas que julgava indispensáveis. Buscava, no limite de suas forças, mobilizar setores do povo e da juventude para radicalizar as medidas palacianas e reivindicar mudanças mais profundas. Mas diante de qualquer ataque da direita, cerrava fileiras com a UP e formava nos primeiros batalhões em sua defesa. Marchava separado, mas golpeava junto.

O grupo Bandeira Vermelha, na Venezuela, poucos meses após a eleição do presidente Hugo Chávez, passou a considera-lo um braço populista do Fundo Monetário Internacional, destinado a reorganizar o Estado burguês em crise. Passou a defini-lo, portanto, como um inimigo a ser abatido. Seus militantes, aplicando essa linha, estavam ombro-a-ombro com os golpistas de 2002, a ocupar provisoriamente o Palácio de Miraflores. Estabeleceram, desde então, aliança implícita com a oposição de direita, pois partilham o mesmo objetivo tático, qual seja, derrubar o governo de Nicolás Maduro, como antes o de Chávez.

Os fatos não deixam quaisquer dúvidas que, até o presente, com raros momentos de bom senso, o pensamento majoritariamente assumido pelo PSOL aproxima-se mais da variante venezuelana que da chilena. A diferença é que, retoricamente, também bate nos partidos da direita, mas efetivamente movimenta-se pela lógica de considerar o governo petista seu inimigo principal.

Basta relembrar o comportamento durante a crise de 2005 e a AP 470. Ou no curso da operação conservadora contra a Petrobrás. Ou nas campanhas presidenciais de Heloísa Helena e Plínio de Arruda Sampaio. Ou a facilidade com que filiados importantes – como a própria ex-senadora alagoana e o senador Randolfo Rodrigues, entre outros – já anunciam apoio à candidatura de Marina Silva para o segundo turno da corrida presidencial.

O grande problema da linha adotada pelo PSOL e companhia, no entanto, é a existência de um abismo entre a caracterização do governo como “da direita” e a potente mudança positiva da situação dos trabalhadores. O “inconformismo” receitado por Medeiros esbarra no apoio de massas ao processo liderado pelo PT. Ainda que existam insatisfações concretas, especialmente nos últimos anos, os pobres da cidade e do campo não reconhecem, em sua experiência concreta, a identificação do governo petista como traidor ou patronal. Pelo simples fato que essa afirmação não se sustenta sobre a história dos últimos doze anos, refletindo apenas uma análise sectária e inócua.

Medeiros parece não dar muita bola para isso. Diante da sustentação popular ao governo petista, recorda que assim também se portava “a maioria dos trabalhadores que viviam sob o fascismo da Itália dos anos 20”. Vamos saltar seu desconhecimento sobre qual era a base social dos fascistas, que jamais conseguiram maioria entre operários e camponeses sem-terra. Ainda que adesão social não seja definidora sobre o caráter progressista ou não de um determinado partido, isolamento tampouco é prova de inconformismo eficaz, a serviço da boa causa socialista.

A incorreta apreciação sobre o significado contemporâneo do PT e seu governo, além de estimular tendência à reclusão em um gueto político, propicia certa dinâmica mercadológica: vale tudo para tentar o desgaste do partido que ocupa o espaço social supostamente dedicado à autodenominada “esquerda inconformista”, incluindo exacerbar os piores preconceitos de setores médios naturalmente antipetistas.

A ineficácia desta postura, no entanto, parece que ainda não incomoda seus autores, mesmo que os dividendos correspondentes sejam recolhidos por correntes reacionárias que celebram a possibilidade de encontrar ajuda objetiva de agrupamentos estranhos ao seu campo político-ideológico. Apropriam-se da produtividade denuncista da ultraesquerda, sugando mais um pouco de seu potencial de inserção autônoma na luta de classes.

Ainda que esta situação residual da ultraesquerda não a condene, por si só, ao desaparecimento, deveria ser suficiente para levar seus melhores dirigentes e agremiações a repensar opções que conduziram ao raquitismo, mesmo com o importante espaço à esquerda aberto pelo gradualismo petista. A preferência por atitude de rejeição, em prejuízo à hipótese de defesa e radicalização das mudanças, parece tornar inepto o acionar dos que se imaginam o último biscoito do pacote revolucionário.

Estas escolhas serão colocadas em xeque, mais uma vez, no segundo turno das eleições presidenciais de 2014. Qual será a orientação do PSOL, por exemplo? Marchando separado, golpear junto com o PT para derrotar a restauração neoliberal representada por Marina e Aécio? Ou lavar as mãos porque, conforme reza sua bem-sucedida cartilha, são todos farinha do mesmo saco e da mesma classe?


* Breno Altman é jornalista e diretor do site Opera Mundi.

FONTE: Blog do Miro