Cancioneiro e poeta, compositor popular, professor e ativista político (era membro do Partido Comunista do Chile), além de dramaturgo e apaixonado pelas raízes folclóricas da Nueva Canción Chilena, Victor Jara era um letrista engajado e autor de músicas que arrebatavam a classe operária (“Te Recuerda Amanda”).
E esta voz foi eliminada brutalmente pelos golpistas chilenos, liderados pelo facínora general Augusto Pinochet. As primeiras falsas certezas asseguravam que ele fora levado para o Estádio Nacional [usado como campo de prisioneiros e de extermínio] onde lhe teriam decepado as mãos de músico antes de executá-lo, como ocorrera com Che Guevara após sua captura na Bolívia — só que Guevara já estava morto ao ser mutilado.
Na verdade, Victor Jara sequer conseguiu chegar ao Estádio Nacional. Morreu numa arena menor. No centro de detenção improvisado do Estádio Chile foi logo identificado por um oficial e teve uma primeira avalanche de chutes e coronhadas à vista de todos. Com várias costelas quebradas e um olho inutilizado, permaneceu imóvel 24 horas ao alcance da bota militar, sem alimento ou água. Naquele mesmo estádio, quatro anos antes, fora aclamado vencedor do primeiro Festival da Nueva Canción Chilena com “Oração de um trabalhador”.
No domingo dia 16/9/1973 circulara a notícia de que alguns detentos seriam libertados, o que levou os demais a escrever mensagens para esposas, filhos, pais, amigos. Victor Jara foi um dos mais ansiosos. Só parou ao ser arrastado por dois soldados até uma saleta de transmissão do estádio. Mas conseguiu deixar para trás as duas folhas de papel que escreveu, rapidamente escondidas pelo advogado Boris Navia.
Não eram cartas para a mulher nem para as filhas. Era um poema. Não tinha título. Descrevia o ambiente à sua volta. Foi-lhe dado, post mortem, o título “Estadio Chile”.
Os detentos fizeram duas cópias, entregues a um estudante e um médico que seriam libertados. Um deles foi revistado. Navia, que escondera o manuscrito original numa fenda aberta na sola do sapato, foi levado para o centro de torturas do velódromo. Mas a terceira cópia alçou voo e correu mundo.
A última visão que Navia e seus companheiros tiveram de Jara foi do seu espancamento a golpes de fuzil na saleta do estádio. No final da mesma tarde, cruzaram o saguão principal para serem transferidos para o Estádio Nacional. Ali se depararam com cerca de 50 cadáveres espalhados pelo chão. Entre eles, o de Victor Jara.
O Estádio Chile foi rebatizado de Estádio Victor Jara. As fitas máster das gravações do músico que a ditadura se empenhou em destruir foram laboriosamente substituídas por outras versões. Brotaram remixagens, remasterizações, foi lançada uma caixa com 9 CDs, republicada uma antologia com seus poemas. Bandas jovens o interpretam como um dos seus, companheiros velhos o cantam como no passado.
No próximo dia 28 de setembro, Victor Jara faria 82 anos.
Adaptação do texto "40 anos depois, o Chile canta Victor Jara", de Dorrit Harazim, publicado no jornal O Globo, em 9/9/2013.
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