segunda-feira, 30 de abril de 2012

A educação e a economia

(trechos do texto originalmente publicado em Mundial, Lima, 5 jul 1925)


Por José Carlos Mariátegui


O problema da educação não pode ser bem compreendido se não for considerado como um problema econômico e social. O errro de muitos reformadores [da educação] residiu em seu método abstratamente idealista, em sua doutrina exclusivamente pedagógica. Seus projetos ignoraram a íntima engrenagem que há entre a economia e a educação e pretenderam modificar esta sem conhecer as leis daquela. Consequentemente, não conseguiram reformar nada senão na medida em que as leis econômicas e sociais permitiram.


O debate entre clássicos e modernos no ensino não esteve menos regido pelo desenvolvimento capitalista que o debate entre conservadores e liberais na política. Os programas e sistemas de educação pública dependeram dos interesses da economia burguesa. A orientação realista ou moderna, por exemplo, foi imposta, antes de tudo, pelas necessidades do industrialismo. Não sem motivo, o industrialismo é o fenômeno peculiar e substantivo desta civilização que, dominada por suas consequências, exide da escola mais técnicos que ideólogos e mais engenheiros que reitores. Quando Rabindranath Tagore, olhando a civilização capitalista com seus olhos orientais, dá-se conta de que esta fez do homem um escravo da máquina, não chega a uma conclusão exagerada.


Mas estas consequências do capitalismo geralmente não provocaram, de parte dos intelectuais, um esforço inspirado num propósito efetivo de restabelecer o equilíbrio entre o moral e o material. Os intelectuais, em sua maioria, fizeram o jogo da reação. Não souberam opor-se ao presente a não ser em nome do passado. Permeados de espírito conservador e de mentalidade aristocrática, sustentaram, direta ou indiretamente, as mesmas ideias dos herdeiros ou sucessores do regime feudal. Subscreveram  sua velha e simples receita de idealismo: os estudos clássicos.

[...]


Um conceito moderno da escola coloca na mesma categoria o trabalho manual e o trabalho intelectual. A vaidade dos humanistas rançosos, alimentada de romanismo e aristocratismo, não pode concordar com esta nivelação. Malgrado a repugnância destes homens de letras, a Escola do Trabalho é um produto genuíno, uma concepção fundamental de uma civilização criada pelo trabalho e para o trabalho.



Leia o livro Mariátegui sobre educação, organizado por Luiz Bernardo Pericás, editado pela Xamã (2007). A leitura dos textos permitirá abordar de uma maneira inteiramente original determinadas questões candentes de nosso debate educacional contemporâneo, tais como a da escola laica ou dos sentidos da democratização de oportunidades educacionais para as camadas populares.


 
 
 

Dilma precisa vetar todas mudanças no Código Florestal para proteger natureza


Por Luiz Zarref

Dirigente da Via Campesina Brasil

Especial para Página do MST



O projeto que altera o Código Florestal brasileiro, votado nesta semana na Câmara dos Deputados, representa a pauta máxima ruralista. A bancada apoiadora do agronegócio e defensora daqueles que cometeram crimes ambientais mostrou sua coesão e conseguiu aprovar um texto de forma entrelaçada, comprometendo todo o projeto.



O texto está de tal forma que se a presidenta Dilma vetar partes dele, continua a mesma coisa. Exemplo: se vetar a distância mínima de floresta recuperada na beira de rios que ficou em 15 metros – atualmente é de 30m - o texto ainda fica sem nenhuma menção de recuperação nestas áreas. O turismo predatório em mangues também fica permitido, segundo o projeto.



Os ruralistas também aproveitaram para dificultar o processo de Reforma Agrária, com a restrição de dados governamentais para a população e até mesmo com a tentativa de anular as áreas improdutivas por desrespeito ao meio ambiente, tal como manda a constituição.



O pousio, ou seja, o descanso que se dá a terra cultivada, ficou sem qualquer restrição de tempo e de técnica. Isso acaba com o conceito de área improdutiva. O texto viabiliza as áreas que estavam paradas desde a década de 1990 com regeneração de florestas. São 40 milhões de hectares nesta situação.



Além disso, os ruralistas fragilizaram o Cadastro Ambiental Rural, de forma que a população não tenha acesso aos dados, escondendo todos aqueles que cometem crimes ambientais e ferindo o princípio da transparência governamental para a sociedade.



A presidenta Dilma tem 15 dias para anunciar seus vetos, mas movimentos sociais e organizações ambientalistas já estão mobilizados para que a presidente derrube integralmente o projeto que saiu do Congresso Nacional.



A presidenta tem nas mãos, ainda, vasto apoio de parlamentares, organizações camponesas, sindicatos, sociedades científicas, entidades da igreja pelo veto global.



O papel dos setores progressistas é fazer pressão, enfrentar ideologicamente os ruralistas e criar um clima para que a presidenta Dilma faça o veto completo desse projeto. O meio ambiente e a Reforma Agrária estão seriamente comprometidos com este texto que sai do Congresso Nacional.

domingo, 29 de abril de 2012

Livros de Humanas

Arquivo de textos e livros da área de humanidades

 
Interessante site de livros em português:  http://livrosdehumanas.org/ . Explorando o site percebe-se que nem todos os links funcionam, mas a maioria sim. 

Do lado direito da página, estão listados os autores e os assuntos sobre os quais o site tem livros. Quando você clica, nem sempre a página mostra todos, e você precisa pedir para ver as postagens mais antigas, older posts, que fica embaixo da página.

Comparado com o avaxhome.ws, o scribd.com ou o extinto library.nu (Tinha 1 milhão de livros. Foi tirado do ar pela justiça da Alemanha, devido a queixas de editoras dos EUA e Europa - o capitalismo sempre contra o conhecimento para todos) não é tão grande coisa. É pequeno, meio confuso, mas tem a vantagem de oferecer livros em português, o que facilita a vida dos companheiros que têm dificuldade com outras línguas. Algumas dicas de páginas do site:


http://livrosdehumanas.org/category/historia/
http://livrosdehumanas.org/category/leandro-konder/
http://livrosdehumanas.org/category/marxismo/
http://livrosdehumanas.org/category/karl-marx/
http://livrosdehumanas.org/category/historia-da-russia/
http://livrosdehumanas.org/category/historia-do-brasil/page/2/
http://livrosdehumanas.org/category/e-p-thompson/



sábado, 28 de abril de 2012

Coletânia LABHOI UFF Passados Presentes


LANÇAMENTO DA CAIXA DE DVDs PASSADOS PRESENTES com os filmes "Passados Presentes - Memória Negra no Sul Fluminense" (2011, de Hebe Mattos e Martha Abreu), "Versos e Cacetes - o Jogo do Pau na Cultura Afro-fluminense" (2009, de Matthias Assunção e Hebe Mattos), "Jongos, Calangos e Folias - Música Negra, Memória e Poesia" (2007, de Hebe Mattos e Martha Abreu), "Memórias do Cativeiro" (2005, de Hebe Mattos, Martha Abreu, Guilherme Fernandez e Isabel Castro).



Em 2011, com a conclusão do documentário "Passados Presentes, memória negra no sul fluminense", o LABHOI (Laboratório de História Oral e Imagem da UFF) fecha um ciclo de filmes de pesquisa sobre a trajetória, a memória e o patrimônio cultural dos descendentes dos últimos escravos da antiga província do Rio de Janeiro.



A produção começou em 2005 com a realização de "Memórias do Cativeiro". Essa primeira experiência fílmica abriu novos caminhos de comunicação, de linguagem e de pesquisa e despertou nas professoras Hebe Mattos e Martha Abreu o interesse em expandir e aprofundar acervo e a escrita historiográfica audiovisual do LABHOI.



Através do Edital Petrobrás Cultural/2005, começou a ser composto o acervo audiovisual UFF Petrobrás Cultural Memória e Música Negra. Hoje com aproximadamente 300 horas de entrevistas e diversos tipos de manifestações culturais e políticas filmadas, o acervo, disponível na Biblioteca Central do Gragoatá na Universidade Federal Fluminense e com catálogo para pesquisa na web (http://www.labhoi.uff.br/), foi a base dos três filmes seguintes do Laboratório.



Cada filme produziu e trabalhou o acervo a partir de um recorte de pesquisa específico, circulando por personagens, lugares, danças, desafios e expressões comuns. Juntos, os diferentes pontos de vista sobre a história dos descendentes dos últimos escravos da antiga província do Rio de Janeiro se somam, permitindo uma visão mais ampla e complexa de cada um dos temas trabalhados.

"Você SÓ dá aula?"

sexta-feira, 27 de abril de 2012

Antonio Gramsci: 75 anos de sua morte

Há exatamente 75 anos atrás, em 27 de abril de 1937, morreu Antonio Gramsci, comunista italiano.



O mundo de Gramsci

Por Guido Liguori



As Cartas do cárcere provavelmente não têm nenhum rival, na literatura italiana do século XX, em termos de testemunho de desinteresse pessoal, senso de dever, concepção alta da "missão do douto" e do político. É conhecido o trecho de uma carta à mãe em 10 de maio de 1928: "A vida é assim, muito dura, e os filhos devem às vezes trazer grandes sofrimentos para suas mães, se querem conservar sua honra e sua dignidade de homens. [...] no fundo, eu mesmo quis a prisão e a condenação [...] porque nunca quis mudar minhas opiniões, pelas quais estaria disposto a dar a vida e não só a ficar na prisão".



O mundo dos afetos familiares, mesmo sendo tão importante para Gramsci no cárcere, é posto em segundo plano; tem um limite insuperável no fato de que existe um dever superior, que se refere à esfera da ética pública. "O mundo grande e terrível, e complicado" - como várias vezes o define Gramsci - pode colocar um filho na condição de sequer dar esperança à própria mãe. Gramsci sabe que está doente; sabe que o cárcere pode ser (e de fato será) fatal para si; sabe que bastaria um pedido de clemência ao chefe de Governo [Benito Mussolini] para sair, para poder se tratar, para salvar a vida; sabe que, provavelmente, este seu gesto poderia até ser recebido com indulgência e compreensão, precisamente porque não fazê-lo significaria uma condenação que nem o Tribunal Especial ousara impor-lhe; mas sabe que seu gesto, embora legítimo, embora previsto pelas normas vigentes, seria usado pelo inimigo e pela propaganda. Sua gente - derrotada, perseguida, presa - viria assim a saber que até ele, o líder, o máximo dirigente do partido no qual - certa ou erradamente - tantas esperanças tinham sido depositadas, até ele se rendera, até ele cedera, até ele vergara a cabeça diante do chefe de Governo, do líder dos inimigos. Por isto, Gramsci não fará e jamais há de querer fazer, jamais há de permitir que em seu nome se faça o pedido de clemência, como seus familiares repetidamente lhe pediram. Por isto, Gramsci foi assassinado pelo cárcere, quando teria podido se salvar: pelo seu senso de dever, pela dimensão ética intrínseca na sua escolha política.


FONTE: LIGUORI, Guido. Roteiros para Gramsci. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 2007, p. 130 e 131.



Razão e paixão em Gramsci



Como poucos, Gramsci conseguiu entrelaçar razão e paixão, quer dizer, filosofia e política. Nele a relação dialética entre essas duas "virtudes", essenciais e inseparáveis na vida humana e social, resulta em uma intensa paixão política racionalmente conduzida e em uma profunda investigação teórica voltada para um revolucionário agir político.


Hoje, como nunca, a filosofia da práxis delineada por Gramsci guarda não só toda a sua vitalidade, mas se abre para novos e mais elevados desafios de transformação da realidade. Seu instrumento de análise e a revolucionária concepção de mundo que descortina tornam-se referenciais imprescindíveis na construção de uma nova civilização que exige embates cada vez mais difíceis e planetários diante dos quais ninguém pode considerar-se neutro e omisso.



FONTE: SEMERARO, Giovanni. Gramsci e os embates da filosofia da práxis. Aparecida, SP: Idéias & Letras, 2006.



Editoras universitárias promovem Feira do Livro


MÁRCIO CASTILHO - COORDCOM





De 7 a 11 de maio, o campus da UFRJ na Praia Vermelha recebe a "8ª Feira do Livro das Editoras Universitárias do Rio de Janeiro". Os interessados poderão obter descontos de 50% na compra dos títulos.



O evento é uma iniciativa das editoras da UFRJ, da Universidade Federal Fluminense (UFF), da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ).



A feira estará localizada em frente às decanias do Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFCH) e do Centro de Ciências Jurídicas e Econômicas (CCJE), sempre das 9h às 19h. O campus da Praia Vermelha fica na Avenida Pasteur, 250.



FONTE: Portal UFRJ
 

terça-feira, 24 de abril de 2012

A estupidez da inteligência



Por Vladimir Safatle


 
"Uma das lições que Hitler deixou é como, às vezes, é estúpido ser inteligente." Eis uma frase de Adorno e Horkheimer que os franceses deveriam meditar. Os filósofos de Frankfurt aludiam a essas explicações articuladas e cheias de dados que provavam, de maneira absolutamente convincente, a impossibilidade dos nazistas chegarem ao poder na Alemanha.



Em 2002, após o resultado das eleições francesas que colocou a extrema direita de Jean-Marie Le Pen no segundo turno, lembro-me de ouvir explicações da mesma natureza.



Um professor universitário amigo demonstrava, por exemplo, que o problema todo fora a inépcia do governo socialista em marcar eleição em época de feriado escolar, o que teria aumentado a abstenção dos professores.



Como no caso de Adorno e Horkheimer, ninguém queria ver o óbvio, a saber, que havia uma enorme faixa de eleitores racistas, xenófobos dispostos a, agora, falar em voz alta. Faixa que devia ser combatida como prioridade política número um, em vez de "analisarmos sem preconceitos".



Exatos dez anos depois, um fenômeno semelhante acontece. Agora, a França é o país europeu que tem a extrema direita mais forte (17,9% para sua candidata, Marine Le Pen).



No entanto esse número é muito maior, já que seu presidente, Nicolas Sarkozy, é daqueles que não sente dor no coração quando mobiliza os sentimentos mais baixos da população (como a islamofobia, a caça a ciganos e os discursos sobre "o homem africano que não entrou na história").



O verdadeiro objetivo maior dessa eleição era retirar a Frente Nacional da posição de definidor da pauta do debate político. O único candidato que compreendera isso foi o esquerdista Jean-Luc Mélenchon, que levou uma batalha solitária contra os temas da extrema direita e em favor de uma sociedade mestiça. Ele chegou a aparecer em terceiro lugar nas pesquisas, mas perdeu fôlego na reta final.



A razão para tal esgotamento lança luz sobre a estupidez da inteligência. Um dos traços maiores dessa eleição foi a exposição da inutilidade dos intelectuais.



Em vez de insistir na importância de retirar a Frente Nacional da cena política, os mais midiáticos se deleitaram em atirar contra Mélenchon e seus traços "jacobinos" (como o fez Michel Onfray e os verdes) ou fazer pregação suicida pelo voto nulo (como o fez Alain Badiou), como se estivéssemos em 68, com suas brigas entre a esquerda libertária, os comunistas e a miríade de grupelhos.



Com isso, os intelectuais de esquerda só serviram para desmobilizar e fazer vista grossa diante de uma catástrofe anunciada. Prova de que a inteligência é sempre a última a ver o abismo. Há de perguntar quem precisa de inteligência parecida.

 
FONTE: Folha de São Paulo, 24 de abril de 2012.

“IDENTIDADE E DIFERENÇA NA LITERATURA NEGRA NORTE-AMERICANA”




O Laboratório de Estudos Africanos (LeÁfrica) e o Instituto de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro convidam para mais uma sessão do EncontrÁfrica, com a palestra:



“IDENTIDADE E DIFERENÇA NA LITERATURA NEGRA NORTE-AMERICANA”
com a Profª Drª Michela Rosa Di Candia

Doutora em Estudos Linguísticos e Literários em Inglês (USP) e professora de Literatura de Língua Inglesa da Universidade Federal do Rio de Janeiro


25 de abril de 2012, quarta-feira
Horário: 18h
Instituto de História da UFRJ
Largo de São Francisco nº1 – Centro
Rio de Janeiro, RJ, sala 113



Michela Rosa Di Candia é mestre e doutora no Programa de Estudos Linguísticos e Literários em Inglês pela Universidade de São Paulo, com a dissertação intitulada "As implicações da mutilação genital feminina em Possessing the secret of joy, de Alice Walker" e com a tese "Signifying womanhood in the short fiction of Zora Neale Hurston and Alice Walker". Como bolsista da CAPES, realizou doutorado sanduíche na Universidade de Massachusetts/Amherst (2006). É professora adjunta da Universidade Federal do Rio de Janeiro, lecionando na área de literaturas de língua inglesa. Atua na área de Letras com ênfase em literatura afro-americana. É co-organizadora de Língua inglesa através do texto literário (SP: Humanitas, 2007).

Atestado de bons antecedentes





segunda-feira, 23 de abril de 2012

A Revolução Nacional Boliviana, 60 anos depois



Por Atilio Boron


 
A imprensa, inclusive a de inclinações esquerdistas, parece não ter reparado que num 9 de abril como o que passou, mas em 1952, triunfava a Revolução Nacional Boliviana, a mais radical depois da Revolução Mexicana (1910-1917) e, em outro sentido, precursora da Revolução Cubana. Foi uma jornada heróica, que culminou quando o exército, cão de guarda da oligarquia mineradora e proprietária de terras, foi derrotado, desarmado e dissolvido pelos mineiros, após dois dias de combates ferozes. Como no México antes, e Cuba depois, a derrota do exército é a marca decisiva de toda revolução. Como veremos mais abaixo, os acontecimentos na Bolívia impactaram enormemente o jovem Ernesto Guevara, anos antes de se transformar no Che.

 

Assim como impactou outro jovem, brilhante como ele, Fidel Castro, que em sua célebre defesa “A história me absolverá” (16 de outubro de 1953) dizia a juízes que “se quis estabelecer o mito das armas modernas como pressuposto de toda impossibilidade de luta aberta e frontal do povo contra a tirania. Os desfiles militares e as exibições aparatosas dos equipamentos bélicos têm por objetivo fomentar esse mito e criar na cidadania um complexo de absoluta impotência. Nenhuma arma, nenhuma força é capaz de vencer o povo que se decide a lutar pelos seus direitos. Os exemplos históricos, passados e presentes, são incontáveis. Está bem recente o caso da Bolívia, no qual os mineiros, com cartuchos de dinamite, derrotaram e massacram os regimentos do exército regular” (1).


A história da Revolução Boliviana oferece numerosos ensinamentos de grande utilidade para as lutas emancipatórias que travam nossos povos. Suas conquistas iniciais foram imensas, impossíveis de subestimar. Mas careceram de sustentação política, econômica e ideológica, necessárias para a garantia de sua irreversibilidade. A revolução começou a ser gestada poucos meses antes, em 1951, quando o Movimento Nacionalista Revolucionário (MNR), liderado por Victor Paz Estenssoro, triunfa nas eleições presidenciais deste ano. Pouco depois, se produz um golpe de Estado, promovido pela oligarquia mineradora, que instala uma Junta Militar com o objetivo de impedir o acesso ao poder do chefe do MNR, que acaba se exilando na Argentina.


 
O que se segue é uma crescente inquietude social e política que se traduz primeiro em uma impetuosa mobilização de mineiros e camponeses, e pouco depois ao que a teoria marxista denomina uma “dualidade de poderes”. Quer dizer, uma profunda brecha no Estado burguês, que debilitado pela rebelião “dos de baixo” perde sua capacidade de reclamar e obter a subordinação a suas ordens, portanto, não pode impedir o surgimento de um formidável antagonista, um poder real, efetivo, não formal nem constitucional, mas um poder constituinte baseado no imenso apoio popular do bloco formado pelos camponeses e mineiros em armas.

 

Tal como advertiu Lênin, situações deste tipo são altamente instáveis e rapidamente se definem em uma ou outra direção. Isso foi precisamente o que ocorreu em 9 de abril de 1952, na massiva insurreição popular que teve como epicentros La Paz e Oruro. Ali, o exército foi derrotado e desmantelado, substituído por milícias populares de mineiros e camponeses, ao melhor estilo Comuna de Paris. Essas jornadas, banhadas pelo sangue de pelo menos 500 mortos, abriram o caminho para a conformação de um governo provisório sob mando de Hernan Siles Suazo, outro dirigente do MNR, e o mais importante dirigente sindical da época, o mineiro Juan Lechín Oquendo, que foram literalmente instalados no Palácio Quemado pelas massas à espera do retorno ao país de quem consideravam seu legítimo presidente, Victor Paz Estenssoro.

 

A derrota e dissolução do exército foi uma das grandes conquistas revolucionárias dos acontecimentos de abril de 1952. Mas houve outros: pouco depois, em julho do mesmo ano, aprovou-se uma nova legislação, concedendo o sufrágio universal às mulheres, aos analfabetos e aos indígenas. Em outubro, se nacionalizaram as minas, principalmente as de estanho, tradicionalmente em mãos de uma tríade de grandes proprietários conhecida como os “barões do estanho”: Simon Iturri Patinõ, Carlos Victor Aramayo e Mauricio Hochschild. Com a nacionalização, tais empresas passaram a fazer parte de uma nova corporação estatal mineradora, a COMIBOL, ao passo que o governo assumia o monopólio da exportação de estanho. Ao mesmo tempo, se lançam programas para promover a industrialização do estanho na Bolívia, fomentar as atividades petrolíferas no oriente boliviano e no sul, de maneira mais geral, e afirmar a soberania nacional sobre os recursos naturais do país, construindo caminhos que permitissem unir o ocidente do altiplano com as planícies orientais.

 

De enorme importância é a divisão agrária, que se institucionalizou com a Lei de Reforma Agrária de agosto de 1953, que permitiu a destituição do latifúndio, concentrado nas regiões andinas, e a distribuição de terras aos indígenas, ao mesmo tempo em que favoreceu a sindicalização dos camponeses. A criação da COB (Central Operária Boliviana) teve lugar dias depois do triunfo da insurreição. A COB foi um dos pilares fundamentais de apoio ao novo governo por sua ativa participação em todos os níveis do aparato estatal. Seu líder histórico, Juan Lechín Oquendo, foi eleito Secretário Geral da COB e nomeado ministro das Minas e Petróleo do novo governo. Foi um dos líderes populares mais conscientes de que sem armar adequadamente as milícias populares a estabilidade do novo governo se veria comprometida. Lamentavelmente, suas palavras caíram no vazio.



 
Dizíamos no início que apesar de suas conquistas a Revolução Boliviana não conseguiu evitar uma curva descendente, que a conduziu a uma derrota definitiva em 4 de novembro de 1964 com o golpe de Estado de René Barrientos Ortuño, sinistro personagem que como presidente da Bolívia orquestraria, junto à CIA e o Pentágono, a caça e posterior assassinato de Che em território boliviano. Mas a derrota da revolução já pulsava em seu seio muito antes.


 

Em primeiro lugar, pela política de alianças, porque mesmo que em sua fase inicial o poder real estivesse nas mãos dos operários e camponeses armados, a representação política da revolução foi confiada ao MNR e seus líderes, expoentes de um setor social que apesar de seu discurso anti-oligárquico conservava estreitos laços com essa classe e a burguesia boliviana. Pior ainda, tanto Paz Estenssoro como Siles Suazo demonstraram ser facilmente cooptáveis pela astuta diplomacia estadunidense. Contrariamente ao habitual, essa não demorou a reconhecer o novo governo surgido dos feitos revolucionários de abril, em que pese que neste mesmo momento preparava uma invasão de mercenários para depor o governo de Jacobo Arbenz na Guatemala.

 

A importância que o estanho tinha para a indústria militar dos Estados Unidos e sua acumulação de reservas minerais, estratégica nos marcos da Guerra da Coréia e do perigo de uma Terceira Guerra Mundial, é sem dúvida um dos fatores que explica atitudes diferentes em um e outro caso. Enquanto Washington tinha muitos países que lhe podiam vender café ou as bananas que a Guatemala exportava, não havia tantos que pudessem oferecer o estanho que necessitava seu aparato industrial e militar. De fato, pouco mais da metade das exportações deste mineral foram adquiridas pelos Estados Unidos, o que colocava o império nas melhores condições possíveis de negociação para impor suas políticas. Além do mais, a fragilidade estrutural da economia boliviana, sem saída ao mar e lastreada por séculos de opressão e exploração, a tornava muito dependente dos programas de “ajuda” disponibilizados por Washington.



 
E as fraquezas ideológicas da pequena burguesia do MNR, sob pretexto da necessidade de ser “realistas” e não contrapor os interesses imperiais, permitiram encerrar o círculo de submissão ao imperialismo. Um dos elementos cruciais que os Estados Unidos controlou com muita sagacidade foi a necessidade “técnica” de reconstituir o derrotado exército. Efetivamente, dois anos depois do triunfo da revolução se reabria a Escola Militar e começava o processo de liquidação das milícias populares. Seria o exército quem, em 1964, dispararia o tiro de misericórdia na revolução. Em todo caso foi essa necessidade de manter as “boas relações” com o império que marcou o início do Termidor revolucionário. A Revolução Nacional não só foi uma revolução traída como também interrompida.



 
Conta um de seus biógrafos que enquanto Ernesto Guevara, de passagem pela Bolívia em sua segunda viagem pela América Latina, esperava para ser recebido por um alto funcionário do recentemente estabelecido Ministério dos Assuntos Camponeses, se encontrou com um grupo de índios que tinham chegado ao lugar para recolher os títulos de propriedade prometidos pela repartição agrária. Mas antes de chegarem ao escritório do funcionário a cargo do expediente, ele os enfileirou e lhes aspergiu inseticida. Guevara comentaria, em uma de suas cartas, que “o MNR faz a revolução com DDT” (2).

 

O drama de 1952 poderia se resumir assim: uma revolução feita por operários mineiros e camponeses, que juntos empunham as armas e destroem o sustentáculo fundamental da decrépita ordem oligárquica, o exército, para depois ceder o controle do Estado aos aliados pequeno-burgueses do campo popular e aceitar que fossem eles, e não quem até então tinha o poder real em mãos, isto é, as armas, os que determinariam o rumo do governo surgido de uma revolução, cujo destino seria, doze anos depois, vítima de uma contra-revolução.


 
Outros fatores que também operaram foram os seguintes:


a) a divisão agrária que ao não estar acompanhada de intenso trabalho de organização e educação políticas terminou por acuar os camponeses a seu pequeno quinhão, abandonando a cena política. Ocorreu aqui algo similar ao acontecido com os camponeses arrendatários franceses analisados por Marx em seu 18 de Brumário de Luis Bonaparte: o fetichismo que cria a propriedade privada sobre uma ínfima – a rigor, misérrima! – porção de terra, que os desmobilizou e, pior ainda, durante algum tempo os converteu em bases de apoio de diversos governos anti-revolucionários, como o do já mencionado René Barrientos Ortuño;


 
b) por outro lado, os setores mineiros não conseguiram uma sólida e duradoura aliança com os camponeses e o progressivo isolamento dos primeiros facilitou, poucas décadas depois, sua debilitação organizacional, até terminar em sua desaparição como atores econômicos ou políticos de relevância na Bolívia contemporânea;

 

c) O ativismo estadunidense para frustrar processos revolucionários, tanto de fora – com pressões econômicas e políticas, mentirosas promessas de colaboração, ou ameaças veladas ou abertas de intervenção – como de dentro, atraindo para a sua hegemonia setores de um certo nacionalismo popular que, em sua ilusão, sonhavam com um projeto nacional que ao mesmo tempo não fosse socialista e fosse radicalmente anti-imperialista, coisa que algumas vezes se demonstrou impossível.

 

d) por último, a violação na Bolívia do MNR de uma espécie de “cláusula pétrea” de todas as revoluções e/ou processos de reformismo radical: ou se avança resolutamente em direção a novas metas que aprofundem a estabilidade e irreversibilidade das conquistas iniciais ou o processo estanca, decai e morre.

 

Mas apesar desse breve balanço de vitórias e derrotas, é justo e necessário render homenagem ao heroísmo e abnegação demonstrados pelo povo boliviano nas épicas batalhas travadas há sessenta anos. Os méritos dos revolucionários de abril não se mancham pela capitulação do fracassado governo instaurado pela revolução. O trabalho da insurreição não foi tão metódico e radical como deveria, apesar das óbvias perguntas contra-fáticas sobre se as coisas poderiam ou não ter ocorrido de outra maneira. Em todo caso, o certo é que com o fim do ciclo revolucionário aberto naquela ocasião teriam de transcorrer 50 longos anos – anos de sofrimento, miséria e morte para o povo boliviano – para que no início deste século se pusesse fim a tanta decadência nas grandes mobilizações populares que, em 2005, culminaram na eleição de Evo Morales à presidência da Bolívia, abrindo assim um novo e luminoso capítulo na história deste país irmão.



Notas:
(1) Fidel Castro Ruz, A História me absolverá - edição definitiva e anotada.
(2) Ver Frank Niess, Che Guevara. Essa história também narra o Che em América Latina, despertar de um continente, uma compilação de suas notas de viagem. Em uma dessas cartas, Che dizia que uma revolução que age desse modo com os camponeses “não pode ser uma revolução verdadeira”.


 
Atilio Borón é doutor em Ciência Política pela Harvard University, professor titular de Filosofia da Política da Universidade de Buenos Aires e ex-secretário-executivo do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (CLACSO).

Tradução: Gabriel Brito, jornalista do Correio da Cidadania.



 
 

Debate sobre a Revolução dos Cravos

domingo, 22 de abril de 2012

Brasil: o país do futuro???

Brasil
Mostra a tua cara
Quero ver quem paga
Pra gente ficar assim

Pesquisa da UFF mostra que violência atinge 68% das escolas do Rio, Niterói e São Gonçalo


Flávia Villela
Da Agência Brasil, no Rio



Pesquisa da UFF (Universidade Federal Fluminense), feita em 13 escolas públicas e particulares do Rio e 40 de Niterói e São Gonçalo, identificou a ocorrência de casos constantes de violência em 68% das instituições pesquisadas, sendo que em 85% delas não havia psicólogos. Maus-tratos, brigas entre colegas e conflitos com professores foram as ocorrências mais comuns.



Realizada entre 2010 e 2011, a pesquisa será apresentada amanhã (23) durante o 3º Ciclo Internacional de Conferências e Debates: Crises na Esfera Educativa - Violências, Políticas e o Papel do Pesquisador, na Faculdade de Educação da UFF, em Niterói. A pesquisa revelou que 53% dos entrevistados que disseram haver violência na escola apenas mencionaram existir algum tipo de violência, 11% disseram que a incidência de casos violentos é alta e 31%, que há violência, mas que é baixa.



A coordenadora da pesquisa, Marília Etienne Arreguy, doutora em saúde coletiva e professora de psicologia do Departamento de Fundamentos Pedagógicos da Faculdade de Educação da UFF ressaltou que, a partir dos dados qualitativos, que considera os mais relevantes, é possível identificar que, mesmo nas instituições em que o nível de violência é relatado como baixo, informações dadas pelos próprios entrevistados contradizem a afirmativa. “Houve entrevistados que disseram que a violência era baixa e que o camburão da polícia só passava na escola de vez em quando”.



Dentre as instituições pesquisadas, 45% eram estaduais, 35% municipais, 3% federais e 17% particulares. A pesquisadora lamentou a ausência de profissionais de psicologia e de assistência social dentro das escolas, sobretudo nas públicas, e concluiu que a violência crescente nessas instituições de ensino é acentuada pela falta de apoio aos alunos, na sua maioria, pobres. “Alguns funcionários riram quando perguntados se havia psicólogos nas escolas e respondiam que, se faltava professor, ainda mais psicólogos. Apenas uma escola pública, no Rio, tinha um contingente minimamente razoável de psicólogos”.



Segundo Marília Arreguy, a maioria dos alunos considerados violentos é encaminhada para o serviço público de saúde e muitos parentes acabam não levando os filhos para a consulta com um psicólogo, por variados motivos, como falta de meios para pagar a condução, falta de tempo, por preconceito, filas de espera enormes para atendimento, falta de profissionais, entre outros.



“A violência é fundamentalmente social, contextual e humana. Essa agressividade inerente ao humano precisa ser trabalhada nas escolas para que ela não se transforme em violência e ajude o aluno a viver melhor. Esse trabalho não está sendo feito ou está sendo feito de modo ineficiente. Essas crianças estão sem assistência e acabam, muitas vezes, sendo medicadas, como se esse fosse apenas um problema do indivíduo”.



A educadora criticou as linhas de pesquisa e projetos “estigmatizantes” que focam na identificação de crianças que sofrem bullying ou têm perfil violento. “Claro que existem crianças e jovens com mais dificuldade na relação intersubjetiva, mas o problema é mais amplo, é uma questão da sociedade. A violência está sempre ligada à relação de poder, de subjugação de um sujeito em relação ao outro, ou mesmo é decorrente de formas de opressão institucionalizadas”.



O estudo mostra também que 73% dos profissionais entrevistados disseram ser a favor da ajuda de um psicólogo atuando em auxílio à educação. Muitos professores disseram ter sido agredidos e ameaçados por alunos.



“Precisamos de recursos públicos, concursos, mais psicólogos e assistentes sociais nas escolas, professor bem pago e trabalhando com satisfação”, observou Marília Arreguy. Segundo ela, na cidade do Rio, a situação é um pouco melhor que em Niterói e São Gonçalo, já que, na capital, existe contingente de psicólogos atuando nas coordenadorias regionais de educação.

 
 
 
 

Apolônio de Carvalho: a trajetória de um libertário

Fotos de alguns dos painéis que constituem a exposição "Apolônio de Carvalho: a trajetória de um libertário", em comemoração ao centenário de seu nascimento, que se encontra no Memorial da Resistência de São Paulo. Trata-se de uma mostra composta por 30 painéis que percorrem a história de Apolônio de Carvalho, desde a sua infância, em Corumbá, Mato Grosso do Sul, passando pelos principais acontecimentos políticos e sociais do século 20, como a Insurreição de 1935, a Guerra Civil Espanhola, a Resistência Francesa contra o nazismo, a luta contra a ditadura militar, o exílio, a anistia e a reconstrução democrática no Brasil. A exposição vai até 8/7/2012.







sexta-feira, 20 de abril de 2012

Anita e a Coluna Prestes


PEDRO BARRETO - AGÊNCIA UFRJ DE NOTÍCIAS - PRAIA VERMELHA



Em palestra no Nepp-DH, historiadora analisa um dos principais movimentos sociais do século XX



A trajetória de Anita Leocádia Prestes está intrinsecamente vinculada à história dos movimentos sociais no Brasil. Luís Carlos Prestes, pai de Anita, liderou um dos principais levantes populares do século XX, a Coluna Prestes. Professora aposentada do Programa de Pós-Graduação em História Comparada (PPGHC) da UFRJ, Anita ministrou uma aula do “I Curso de Extensão História dos Movimentos Sociais no Brasil, do século XIX aos nossos dias”, realizado pelo Núcleo de Estudos de Políticas Públicas em Direitos Humanos (Nepp-DH) da UFRJ, na última quarta (18/04).



Anita Prestes destacou a importância do movimento, desfez alguns mitos e contou curiosidades sobre a marcha liderada por seu pai. “A Coluna Prestes contou com cerca de 1500 homens, dos quais, apenas 12 oficiais. A maioria era de soldados, civis, gente do povo. Combateram contra 14 mil homens fortemente armados do governo de Artur Bernardes e não sofreram uma derrota sequer. No entanto, até hoje, as classes dominantes tentam apagar a memória daquele movimento”, afirmou.



A estratégia de Prestes, de acordo com a historiadora, era “conhecer bem o terreno e os inimigos. Só assim, eles conseguiram implementar a ‘guerra de movimento’ e escapar ilesos aos cercos impostos pelas tropas federais”. Ainda segundo a análise de Anita Prestes, o objetivo da Coluna era partir para o interior do país, atrair a atenção das tropas governistas e provocar levantes nas grandes cidades, principalmente no Rio de Janeiro, então sede do governo federal, onde se encontrava o presidente Artur Bernardes.



No entanto, o movimento terminou antes de atingir seu ápice. “A Coluna escapou do cerco federal por diversas vezes sem sofrer nenhuma derrota. Chegou a derrubar 17 oficiais do Exército e arrebanhou seguidores de norte a sul do país. Quando se preparava para entrar na capital federal, entretanto, percebeu que a missão seria impossível. Assim, tomou o rumo da região Norte e seus líderes foram obrigados a buscar exílio na Bolívia”, recordou.



Legados



A Coluna Prestes deixou legados. O movimento resultou na Revolução de 1930, liderada por Getúlio Vargas, que governaria o país durante os 15 anos seguintes, além do período 1951-1954. De acordo com a historiadora, Prestes recusou-se a participar do movimento por perceber que este não intencionava uma reforma socioeconômica estrutural no país. “Na verdade, o que Vargas propiciou foi a substituição de uma velha oligarquia por outra. Vargas era um grande oligarca agrário e promoveu um avanço no capitalismo no país. Já Prestes representava uma grande liderança dos trabalhadores e passou à história como um dos principais líderes da história dos movimentos sociais no Brasil”, comentou.



Anita Prestes derruba o mito de que a Coluna Prestes tratava-se de um movimento de ideologia comunista ou socialista. “Nem Prestes nem os demais líderes do movimento tinham conhecimento das Ciências Sociais. Eram liberais que buscavam uma forma de distribuição de renda menos desigual, que reduzisse o nível de exploração do povo. Tanto que alguns integrantes do movimento se entusiasmaram com a Revolução de 1930 e fizeram parte do governo Vargas”, analisou a historiadora.



Lampião



A professora do PPGHC recorda ainda que o governo federal contou com o apoio de latifundiários para debelar a Coluna. “Alguns coronéis colocavam jagunços à disposição do governo para combater os revolucionários”, afirmou. No entanto, um famoso cangaceiro nordestino conseguiu ludibriar Artur Bernardes. “Lampião foi convidado para perseguir os revolucionários e impedir que a Coluna avançasse. Aceitou de bom grado a recompensa e os armamentos oferecidos. No entanto, ao cruzar com Prestes e seus comandados, deixou que eles progredissem e se recusaram a combatê-los”, contou a historiadora.



Uma nova Coluna?



Para Anita Prestes, imaginar uma nova Coluna Prestes em pleno século XXI soa por demais anacrônico. Apesar de constatar que, hoje, ainda há resquícios de uma estrutura social extremamente desigual no país e a relação entre explorados e exploradores ainda permanece, Anita acredita em outras formas de resistência. Sobre o governo petista, há dez anos à frente da administração federal, a historiadora e professora do PPGHC-IH-UFRJ posiciona-se criticamente. “Acho que é uma continuidade da política neoliberal do governo Fernando Henrique. Enquanto os bancos continuam lucrando, os trabalhadores e movimentos sociais têm que se contentar com as migalhas oferecidas”, finalizou Anita Leocádia Prestes.

 
FONTE: Portal da UFRJ
 
 

terça-feira, 17 de abril de 2012

Debate - PCB: 90 anos de história



No dia 18 de abril os professores da FFLCH/ USP realizam um debate sobre os 90 anos de história do Partido Comunista Brasileiro (PCB). O evento acontecerá no Anfiteatro de História da FFLCH/ USP, às 19h30, com participação de Antonio Carlos Mazzeo (UNESP/ICP), Luis Bernardo Pericás (historiador e escritor), Milton Pinheiro (UNEB/PUC-SP) e Lincoln Secco (USP)




Serviço
Dia 18/04 às 19h30
Debate - PCB: 90 anos de história
Anfiteatro de História da FFLCH/USP

Punição aos responsáveis por Eldorado dos Carajás




Ato e vigília em Brasília cobram punição aos responsáveis por Eldorado dos Carajás

 
Nesta terça-feira (17), dia em que se completa 16 anos do episódio que ficou conhecido como Massacre de Eldorado dos Carajás, acontece em Brasília um ato público no Plenário 2 da Câmara dos Deputados, às 17h30, em homenagem aos 21 Sem Terra assassinados no episódio.


 
Além do ato na Câmara, uma vigília também será realizada em frente ao Supremo Tribunal Federal (STF), a partir das 17h desta terça, quando serão colocadas 500 cruzes em frente ao prédio do STF.



As atividades pretendem denunciar a impunidade que marca a história de violência no campo brasileiro, cobrar por justiça e reafirmar a necessidade da realização da reforma agrária para o combate à pobreza e o desenvolvimento do meio rural.

Os limites do lulismo




Por Vladimir Safatle

 

Há alguns anos, o cientista político André Singer cunhou o termo "lulismo" para dar conta do modelo político-econômico implementado no Brasil desde o início do século 21.



Baseado em uma dinâmica de aumento do poder aquisitivo das camadas mais baixas da população por meio do aumento real do salário mínimo, de programas de transferência de renda e de facilidades de crédito para consumo, o lulismo conseguiu criar o fenômeno da "nova classe média".



No plano político, esse aumento do poder aquisitivo da base da pirâmide social foi realizado apoiando-se na constituição de grandes alianças ideologicamente heteróclitas, sob a promessa de que todos ganhariam com os dividendos eleitorais da ascensão social de parcelas expressivas da população.



O resultado foi uma política de baixa capacidade de reforma estrutural e de perpetuação dos impasses políticos do presidencialismo de coalizão brasileiro.



No entanto é bem possível que estejamos no momento de compreensão dos limites do modelo gestado no governo anterior. O aumento exponencial do endividamento das famílias demonstra como elas, atualmente, não têm renda suficiente para dar conta das novas exigências que a ascensão social coloca na mesa.



É fato que o país precisa de uma nova repactuação salarial. As remunerações são, em média, radicalmente baixas e corroídas por gastos que poderiam ser bancados pelo Estado. Por isso, é possível dizer que a próxima etapa do desenvolvimento nacional passe pela recuperação dos salários.



A melhor maneira de fazer isso é por meio de uma certa ação do Estado. Uma família que recebe R$ 3.500 mensais gasta praticamente um terço de sua renda só com educação privada e planos de saúde. Normalmente, tais serviços são de baixa qualidade. Caso fossem fornecidos pelo Estado, tais famílias teriam um ganho de renda que isenção alguma de imposto seria capaz de proporcionar.



Entretanto a universalização de uma escola pública de qualidade e de um serviço de saúde que realmente funcione não pode ser feita sob a dinâmica do lulismo, pois ela exige investimentos estatais só possíveis pela taxação pesada sobre fortunas, lucros bancários e renda da classe alta. Ou seja, isso exige um aumento de impostos sobre aqueles que vivem de maneira nababesca e que têm lucros milionários no sistema financeiro.



Algo dessa natureza exige, por sua vez, uma mobilização política que está fora do quadro de consensos do lulismo.Porém a força política que poderia pressionar essa nova dinâmica ainda não existe no Brasil. Ela pede uma esquerda que não tenha medo de dizer seu nome.



FONTE: Folha de São Paulo, 17 de abril de 2012.

Exposição sobre Jorge Amado começa nesta terça (17), no Museu da Língua Portuguesa






As fitinhas da foto acima parecem aquelas de Nosso Senhor do Bonfim, que se tornaram um símbolo baiano se não fosse por um detalhe: trazem impresso nomes de personagens criados por Jorge Amado (1912-2001), como Afrânio Portela, de "Farda, Fardão, Camisola de Dormir", e Kirsi, de "Tenda dos Milagres". A peça integra a exposição "Jorge Amado e Universal", que será aberta ao público nesta terça-feira (17), no Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo.



Com expografia de Daniela Thomas e Felipe Tessara, a mostra é dividida em módulos, cada um voltado a algum aspecto da vida e da obra de Amado. O primeiro aborda os personagens criados por ele, com destaque para Gabriela e Nacib ("Gabriela Cravo e Canela"), Dona Flor ("Dona Flor e Seus Dois Maridos"), Pedro Arcanjo ("Tenda dos Milagres"), Antonio Balduíno ("Jubiabá"), Guma e Lívia ("Mar Morto"), Santa Bárbara ("O Sumiço da Santa"), Quincas ("A Morte e a Morte de Quincas Berro d'Água"), o Menino Grapiúna e os capitães da areia, de livros homônimos. A instalação das fitinhas fica na mesma sala, com nomes de outros cem personagens.



O segundo módulo é dedicado à atuação política de Jorge Amado, que foi deputado federal por São Paulo, e o terceiro aborda dois temas caros ao escritor: a miscigenação e o sincretismo religioso. Há ainda um espaço dedicado à malandragem e à sensualidade, aspectos frequentemente presentes em seus livros, e outro que aborda as belezas e os problemas da Bahia, tais como retratados pelo autor.



A mostra traz ainda uma seleção de depoimentos de familiares, artistas, amigos e críticos - entre eles está o do atual dono do Bar Vesúvio, em Ilhéus, que conta que Nacib e Gabriela foram inspirados em personagens reais. A popularidade internacional de Jorge Amado também será contemplada na exposição, que apresentará edições publicadas em diversos países de seus livros.



A exposição, que ocupa o primeiro andar do museu e parte do segundo, reúne fotografias, documentos, cartas e ilustrações, como a que o artista plástico Poty fez para "Capitães da Areia". E traz também as típicas camisas floridas do escritor, garrafas de dendê, cacau torrado e armações metálicas que remetem ao Solar do Unhão, à praça Castro Alves e a algumas residências soteropolitanas.



A curadoria é de Ana Helena Curti e a direção geral, de William Nacked. Parte das comemorações oficiais do centenário, chanceladas pela Fundação Casa de Jorge Amado, a mostra fica em São Paulo até 22/7 e depois vai para o Museu de Arte Moderna da Bahia. Lá, ficará em cartaz de 10/8 a 14/10.
 
 
 
"Jorge Amado e Universal: Um olhar inusitado sobre o homem e a obra"
Quando: 17/4 a 22/7
Onde: Museu da Língua Portuguesa (Praça da Luz, s/nº, Centro. Tel.: 0/xx/11 3326-0775)
Ingresso: R$ 6 (pagamento somente em dinheiro); aos sábados a entrada é franca





Historiadores pra quê?



À luz do debate que sacode o campo de história estadunidense sobre a função social dos historiadores, Keila Grinberg contrapõe, em sua coluna de março, as expectativas do graduando em história no Brasil e a realidade que ele encontra depois de formado. A reflexão sugere um novo direcionamento profissional nos cursos de pós-graduação na área.



Por Keila Grinberg




Pergunte a qualquer estudante de pós-graduação em história no Brasil o que ele quer ser quando defender, e a resposta vai ser quase sempre a mesma: professor universitário. Nos Estados Unidos também é assim. Mas a realidade dos doutores recém-formados tem sido bem diferente da expectativa. Com a crise econômica, a maioria, quando acha emprego, acaba trabalhando em museus, escolas e outros lugares tidos como de menor prestígio.



A redução de vagas no mercado de trabalho universitário para a área de humanidades – o que, aliás, acontece nos Estados Unidos desde a década de 1970 – é a provável razão por trás da grande discussão sobre os programas de pós-graduação em história e a função social dos historiadores que está sacudindo o campo desde outubro do ano passado naquele país. Ainda que a motivação seja mesmo esta, ela está vindo para o bem.



Em outubro de 2011, Anthony Grafton, presidente da Associação Americana de História, e Jim Grossman, diretor-executivo da entidade, escreveram o artigo “No more plan B” (Não mais plano B, em tradução livre), defendendo que as chamadas carreiras alternativas, principalmente no campo do ensino e da história pública, não deveriam ser mais o plano B dos recém-doutores na área de história, mas sim o caminho principal. E isto não apenas porque falta vaga no mercado, mas porque os historiadores devem rever a sua relação com a sociedade, deixando de ver a si mesmos apenas como profissionais que pesquisam e ensinam dentro da universidade.




O artigo caiu como uma bomba no meio acadêmico. Houve quem criticasse, dizendo que Grafton só defendia essas ideias por ser, ele próprio, professor de Princeton, uma das universidades de pesquisa mais prestigiadas dos Estados Unidos. Mas prefiro entrar na fila dos que aplaudiram, como Claire Potter e Thomas Bender, ambos professores da Universidade de Nova Iorque.



De maneiras diferentes, os dois defendem uma mudança radical no ensino universitário de história: Bender, para recuperar o comprometimento dos intelectuais com a vida pública que marcou a formação universitária na área de humanidades no século 19; e Potter, para defender que o trabalho do historiador no século 21 deve ser feito em conjunto e acessível ao grande público, um modelo radicalmente diferente daquele do pesquisador solitário, em vigor no século passado, que escreve somente para seus pares.



Segundo Potter, os historiadores, para dar conta das novas tecnologias, das variadas formas de divulgação dos resultados de suas pesquisas, e para estar em dia com a produção acadêmica internacional, deve trabalhar em conjunto com outros historiadores. E isto vale também para o ensino e para um diálogo mais igualitário e engajado com o público (que, nas universidades do Brasil, poderíamos chamar de extensão).



Nisto não há muita novidade, a não ser a constatação, comum a ambos, de que o ensino universitário de história está muito longe de prover as competências necessárias para que os recém-formados possam se adequar aos novos tempos do mundo real. As disciplinas existentes na maioria dos cursos de pós-graduação em história são orientadas tão somente para a especialização excessiva e para a pesquisa individual.

Perda total


No Brasil, estamos no mesmo barco. A diferença é que a Associação Americana de História acabou de se engajar em um grande projeto de reflexão sobre a profissão, que, nos próximos três anos, vai estudar e discutir os currículos de várias universidades dos Estados Unidos.



Enquanto isso, aqui, são pouquíssimos os cursos de graduação em história que têm disciplinas como “Patrimônio” ou “Relações internacionais” em seus currículos. Candidatos a historiadores pouco estagiam em museus ou em centros culturais. Mesmo a área de ensino de história na educação básica é frequentemente neglicenciada. O resultado disso é que a maioria dos graduados na área foge das salas de aula dos ensinos fundamental e médio e nenhum curso de pós-graduação se dedica a formar professores para a educação básica.



Dos 63 cursos de mestrado e doutorado existentes na área de história no início de 2012 no Brasil, apenas dois são mestrados profissionais, um dos quais especializado em bens culturais e projetos sociais. Nenhum é devotado ao ensino de história.



Para se ter uma ideia do contraste com outras áreas, existem hoje 72 cursos de pós-graduação no Brasil dedicados exclusivamente ao ensino de ciências – física, química, biologia, ciências da terra – e matemática, entre mestrado profissional (39), mestrado acadêmico e doutorado.



Da mesma maneira, a produção acadêmica resultante de trabalhos realizados em conjunto é frequentemente desvalorizada. Por decisão dos próprios historiadores, os livros didáticos – realizados necessariamente em equipe – não são considerados pela Capes como produção intelectual qualificada, item de fundamental importância na avaliação dos programas de pós-graduação.




O mesmo vale para textos escritos em parceria, principalmente se a coautoria for entre aluno e professor – há quem desconfie que ou o professor se aproveita do trabalho do aluno ou o aluno se aproveita do prestígio do professor para publicar – e para o conhecimento divulgado em outros meios que não a palavra escrita, como filmes e sites.




A flagrante competição entre os programas de pós-graduação – têm mais recursos e bolsas de estudos aqueles cujos professores têm produção acadêmica considerada mais qualificada – completa o quadro.



Daí não ser de espantar que a maioria dos pesquisadores da área de história só se dedique a escrever livros, artigos e capítulos para serem lidos por seus pares; que suas aulas sigam esse mesmo padrão; e que seus alunos tenham no horizonte apenas a restrita carreira acadêmica.



Seguindo esse padrão, perdemos todos: pesquisadores, professores e alunos; Perdem os programas de pós-graduação, viciados em produzir apenas o que é bem pontuado na avaliação da Capes; perdem os alunos universitários, que têm uma formação voltada para um trabalho que dificilmente exercerão e que deixam de ser qualificados em competências que fatalmente deverão desenvolver.


E perde o público, ávido por ler bons livros, ver bons filmes, frequentar bons museus e navegar em bons sites de história.



Keila Grinberg
Departamento de História
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
Pós-doutoramento na Universidade de Michigan (bolsista da Capes)


 
FONTE: Ciência Hoje, publicado em 09/03/2012