Por Mario Benedetti
Se cada hora nos brinda sua morte
Se o tempo é um covil de ladrões
Se os Ventosa não são os bons
E a vida não passa de um alvo incerto
Você perguntará por que cantamos
Se a nossos valentes faltam abraços
A nossa pátria morre de tristeza
E o coração do homem cai em cacos
Ainda antes que a vergonha expluda
Você perguntará por que cantamos
Se estamos distanciados como um horizonte
Se muito longe ficaram as árvores e o céu
Se cada noite nunca passa de uma ausência
E o despertar é só um desencontro
Você perguntará por que cantamos
Cantamos porque o rio ressoa
E quando o rio ressoa / ressoa o rio
Cantamos porque quem é cruel não tem nome
Mas sim o seu destino tem um nome
Cantamos pela criança e porque tudo
E porque algum futuro e porque o povo
Cantamos porque os sobreviventes
E nossos mortos querem que cantemos
Cantamos porque o grito não nos basta
E não basta nem o pranto nem o mau humor
Cantamos porque acreditamos nas gentes
E porque venceremos a derrota
Cantamos porque o sol nos reconhece
E porque o campo cheira a primavera
E porque neste tronco naquele fruto
Cada pergunta encontra sua resposta
Cantamos porque chove sobre o sulco
E somos militantes da vida
E porque não podemos nem queremos
Deixar que a canção se desfaça em cinzas.
Traduzido por Flavio Wolf de Aguiar, este poema, mais do que necessário neste momento, está publicado no recém-lançado número 31 da revista "Margem Esquerda", da Boitempo Editorial .
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