Por Luciano Martins Costa
Comentário para o programa radiofônico
do Observatório da Imprensa, 15/10/2014
O cidadão que rastrear, na quarta-feira
(15/10), as edições dos principais jornais de circulação nacional vai encontrar
um texto interessante por sua clareza incomum, considerando-se o personagem e a
circunstância de que trata. Diz o seguinte: “A estiagem recorde e o calor
atípico talvez possam ser atribuídos às mudanças climáticas. O grave risco de
desabastecimento da Grande São Paulo, entretanto, deve-se a outro fenômeno – a
incúria das sucessivas gestões tucanas que comandam o Estado desde 1995”.
Estamos diante de um editorial da Folha
de S.Paulo, no qual se pode registrar um fato histórico: pela primeira vez, na
longa e penosa crise da falta d'água, um dos grandes diários afirma, com todas
as letras, que o governador é o principal responsável pelo problema.
Num texto sem meias-palavras, o
editorialista afirma que o governador Geraldo Alckmin falhou em várias frentes
que poderiam amenizar a crise: não protegeu mananciais, não cuidou do
tratamento de esgotos e dejetos industriais, não atuou contra o desperdício e
não aplicou os recursos destinados ao aumento da capacidade de “reservação”.
Depois de observar que a recuperação do
sistema de represas pode demorar quatro anos, isso se as chuvas voltarem à sua
média histórica, o jornal afirma que o governador segue omitindo informações à
população. Falta transparência e coragem para admitir a gravidade da situação,
conclui o editorial. O texto chega a fazer blague, lembrando que Alckmin
brincava com o problema, ao dizer que choveria em setembro, porque ele havia
aprendido, na roça, que só chove nos meses com a letra “r”.
O leitor ou leitora que coloca tento no
que lê haverá de se perguntar: o que houve com a Folha de S.Paulo? Bandeou-se
para a oposição, depois que a eleição estadual foi resolvida em primeiro turno?
Decidiu, finalmente, tratar a falta de iniciativa do governador de São Paulo
com “atitude crítica”?
Não.
A Folha vai pedir o impeachment do
governador, ou, como os outros grandes diários, está apenas cobrando a conta do
apoio descarado que ofereceu a ele durante a campanha eleitoral?
Um poço de cinismo
Se o jornal tivesse caráter, no sentido
que se dá às qualificações morais de um indivíduo, não teria esperado o
governador se reeleger para quebrar o silêncio e revelar o que seus editores
sempre souberam sobre a falta d’água.
Pode-se esperar o mesmo, caso o senador
Aécio Neves venha a ser eleito presidente da República? Os jornais vão abrir
suas caixas de ferramentas e revelar o que omitem durante a campanha eleitoral?
O súbito ataque de sinceridade da Folha
reflete bem o poço de cinismo em que se transformou a imprensa hegemônica do
Brasil. Na reportagem em que o jornal relata a saída do colunista Xico Sá,
citada neste espaço na terça-feira (13/10), a direção do diário anota que seu
“manual de redação” recomenda aos colunistas que evitem, em suas colunas,
proselitismo eleitoral ou declaração pública de voto.
Mas a grande pérola de farisaísmo pode
ser apreciada na frase final: “A restrição não se aplica a críticas a partidos,
políticos e candidaturas”. Isso significaria, por largueza de interpretação,
que um colunista não pode dizer que vota em Dilma Rousseff, mas os outros podem
passar anos chamando os petistas de “petralhas” e achincalhando tudo que se
refere ao partido e seus representantes.
Seria essa a interpretação para o que
uma colunista do Estado de S.Paulo chama de “atitude crítica” da imprensa em
relação ao grupo que se reelege no Executivo federal desde 2002?
A imprensa hegemônica do Brasil faria
grandes benefícios à consolidação da nossa democracia e à educação cívica da
população se realmente tivesse uma “atitude crítica” em relação a todos os
poderes da República, indiscriminadamente. Mas, infelizmente, o que se vê é o
apoio explícito a um dos lados em que se divide o espectro político, e uma
campanha sistemática para desqualificar e demonizar o outro lado. Essa
distorção foi demonstrada mais uma vez, na entrevista concedida pelo cientista
político João Feres Jr., criador do Manchetômetro, da Universidade do Estado do
Rio de Janeiro, ao programa Espaço Público, da TV Brasil, transmitido na
terça-feira (14).
Aqui e ali, no noticiário de
quarta-feira (15) sobre o primeiro debate entre os dois candidatos ao segundo
turno da eleição presidencial, analistas da imprensa se referem ao clima de
extrema beligerância que encobre os temas mais relevantes, e sua repercussão
nas redes sociais, onde se percebe que as manifestações chegam a um alto nível
de agressividade.
Os jornais apenas esquecem a grande
contribuição que têm dado para que isso esteja acontecendo.
FONTE: Observatório da Imprensa
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