Manifesto de Marina por Aécio é uma lição de desconhecimento do país, misturado com um profundo rancor, pitadas de uma falsa ingenuidade e sinais de má-fé Marina instalou a implosão em dois partidos: é como se o PSB fosse extinto; ala da Rede expressa "grave erro" em texto
Marina e o pior da política
Por Rudá Ricci, sociologo e professor
universitario em Minas gerais
Publicado em: 14/10/14
Política é uma ação gregária. Não se faz
política sozinho. A origem da palavra vem do grego que, numa tradução livre,
significaria organização social, a maneira como uma comunidade ou agrupamento
ou um território se organiza. Os franceses, no século XIII, redesenharam a
palavra para algo como “gestão do governo”.
Não há possibilidade de uma ação
política ser solitária. Ela se faz para a coletividade e a partir de um
agrupamento.
Marina conseguiu trair os dois polos.
Prometeu o novo para seus eleitores. E
os eleitores acreditaram. Acreditaram porque Marina tem algo de messiânico. Um
sofrimento encravado na sua pele seca, nas suas olheiras, naquele coque que
lembra uma mulher sofredora, resistente às intempéries da vida. Eu fui um
deles. Olhava para ela e via a placidez do tempo das árvores da sua região
original. Imaginava como havia aprendido com a densidade do tempo que faz a
seiva sangrar, lentamente, de uma seringueira. Uma espera longa da floresta que
deveria ter orientado sua vida.
Marina passou um sinal que era uma
mulher perseguida pelos mais fortes. Eu me recusava a ver que ninguém chega ao
topo do Estado, como senadora ou ministra, se não tem desejo de poder ou, ao
menos, se não se vê como líder e capaz de dirigir um Estado ou governo. Existe,
sempre, um elemento de vaidade e pressa no líder político. Vou confidenciar
aqui: nunca mais aceitei um cargo público quando percebi este sentimento
inconfessável da vaidade que se sente com o poder. O Estado brasileiro é perverso
porque confere um poder central e quase indevassável, muito acima do que seria
razoável para um ser humano. Brincar de Deus foi sempre perigoso na história da
psiquê. Eu prefiro lutar por um Estado mais poroso, controlado pelos homens
comuns para o qual, afinal, os contratualistas afirmam que foi criado para
atender e respeitar sua vontade.
Marina foi a maior decepção que tive
nesta eleição.
Como diz a máxima: para conhecer o
caráter de alguém, dê-lhe poder.
Marina se lambuzou com o poder que ganhou
nesta eleição. Um poder efêmero, não concluído, da exposição midiática.
Ela fez o que há de pior em política.
Traiu a confiança dos eleitores porque, desde sua entrada em cena como
candidata à Presidência (agora, percebo, um lugar muito acima de suas condições
reais, pessoais e políticas), destruiu a agenda que defendia desde o Acre e se
juntou a quem sempre criticou. Pensei que havia perdido a medida da concessão.
Que revelava fraqueza interior, política, mas não podia acreditar que fosse
além disto. Mas está cristalino como a água pura que parecia orientar sua
proposta de desenvolvimento sustentável. Ela queria o poder. A qualquer custo.
Custo que inclui sua identidade política. Aliás, no segundo turno, se juntou
com quem ao menos sempre disse isto ao eleitor. Não é quem apoiou que engana o
eleitor. Foi Marina.
Mas, Marina também traiu seus
companheiros. A quantidade de dirigentes da Rede que pediram desfiliação desde
o domingo recheia as páginas de nossos jornais. As cartas de desfiliação contam
histórias de crenças, pureza para alguns, ingenuidade para outras, mas gente
que se entregou a um projeto sem a ambição que Marina destilou durante esta
campanha. São cartas sentidas. Eu sei o que é viver acreditando piamente num
projeto coletivo, se sacrificando e sendo taxado de louco por algo que nem
semente germinada é e, da noite para o dia, se percebe falando sozinho, com
alguns de seus companheiros tocando outra música, sem mais nem menos. Marina
fez isto várias vezes nesta campanha. Pulou para o PSB sem uma discussão ampla.
Fez intervenções em várias direções locais da Rede. Fez acordos velados. Fez de
tudo para ser “respeitada” pelos que denominava de “velha política”. Parecia
uma necessidade psicológica, íntima, de se fazer respeitar entre glutões. Para isso,
traiu os sonháticos.
Mas não ficou por aí. Traiu dirigentes
do PSB. Aliás, foi pior. Jogou-os aos leões. Ficou com a banda mais tradicional
do partido.
Marina, nesta campanha, fez a aposta de
Mefistófoles com Deus, voltar ao mundo dos mortais. Sabemos como Fausto, o até
então humanista e religioso, suplica ao demônio para se apoderar da alma pura
de Gretchen como pagamento de sua alma e a tragédia que a partir daí se
desenrola.
Marina foi a maior decepção desta
eleição.
Traiu seu eleitor, seus companheiros de
diversos partidos, traiu sua história.
Agora, não tem mais volta. Se desejar
continuar na política, terá que alimentar o currículo da velha e carcomida
prática tradicional tupiniquim.
Manifesto de Marina por Aécio:
ignorância, rancor e má-fé
Por Igor Felippe, no Escrevinhador
Votarei em Aécio e o apoiarei, votando nesses compromissos,dando um crédito de confiança à sinceridade de propósitos docandidato e de seu partido e, principalmente, entregando àsociedade brasileira a tarefa de exigir que sejam cumpridosMarina Silva – 12/10/2014
O candidato à presidência Aécio Neves (PSDB)
apresentou no horário político o pronunciamento de Marina Silva em apoio ao
PSDB. Assim, a candidata do PSB deu sua contribuição para o tucano, que quer
conquistar uma fatia gorda dos seus mais de 20 milhões de votos.
O manifesto de Marina por Aécio, com um
tom solene um tanto forçado, é uma lição de desconhecimento do país, misturado
com um profundo rancor, pitadas de uma falsa ingenuidade e sinais de má-fé
(para ler, clique aqui).
A candidata derrotada inicia colocando
que o documento que Aécio Neves apresentou tem compromissos dirigidos à Nação,
não a ela. Assim, Marina se coloca de forma humilde, buscando ofuscar o papel
de protagonista – que, de fato, teve – na “adesão” do tucano aos tais
compromissos.
Logo depois, de forma muito matreira,
ela afirma que a sociedade que deve cobrar o tucano em relação às promessas.
Dessa forma, exime-se de qualquer responsabilidade se for desrespeitada a
plataforma que a teria levado a apoiar o PSDB.
Marina faz uma breve análise das
eleições. Resgata a aliança com Eduardo Campos, a coligação de partidos “pela
primeira vez” exclusivamente em torno de um programa.
Ignora o fracasso na tentativa de
construção do Partido Rede, que a obrigou a se unir ao então governador de
Pernambuco para participar das eleições. Superestima uma coligação de partidos
médios e pequenos, em torno de um tal programa que mais atrapalhou que ajudou a
sua campanha.
Esquece que a aliança política
construída pelo PT na eleição de 2002, em torno de Lula, tinha como base um
programa que incidia nos efeitos colaterais das políticas neoliberais.
Inclusive, a candidata fez parte dessa construção.
Marina reclama também dos “ataques
destrutivos de uma política patrimonialista, atrasada e movida por projetos de
poder pelo poder, mantivemos nosso rumo, amadurecemos, fizemos a nova política
na prática”.
O que Marina chama de ataques foi uma
intensa disputa de ideias e propostas, relacionadas à independência do Banco
Central e ao papel do pré-sal para o desenvolvimento do país. Isso é ataque
pessoal? O que Marina queria? Que os candidatos adversários passassem a mão na
sua cabeça e aceitassem as suas propostas?
Na verdade, a figura da candidata foi
respeitada, sem questionamentos em relação à sua trajetória. Além disso, ela
ignora que também foi criticada por Aécio Neves, que foi quem cunhou, por
exemplo, a imagem de que seu programa tinha sido escrito a lápis e poderia ser
apagado.
Antes de anunciar o já esperado apoio a
Aécio Neves, ela faz uma introdução sobre o que entende por política, afirma
que seria egoísmo se eximir neste momento e critica as velhas alianças
pragmáticas. Na eleição de 2010, quando Marina ficou neutra no segundo turno,
ela priorizou os interesses próprios em detrimento do que era melhor para o
país?
O auge do pronunciamento de Marina é
quando a candidata traça um paralelo da eleição de 2002 e, esta, de 2014. Ela
compara o compromisso assumido por Aécio no documento “Juntos pela Democracia,
pela Inclusão Social e pelo Desenvolvimento Sustentável” (leia aqui), um
resumão de ideias genéricas, com a “Carta ao Povo Brasileiro”, lançada pelo
então candidato Lula.
Em 2002, o sistema financeiro fez uma
guerra especulativa ao candidato Lula, usando seus instrumentos para
desestabilizar a economia e prejudicar a campanha do PT. Assim, arrancou os
compromissos de Lula, que afirmou na carta que manteria a estabilidade
econômica e não romperia contratos. No fundo, o que os bancos queriam é que o
governo Lula não tocasse nos seus interesses.
Marina avalia que a carta de Aécio seria
um compromisso similar ao de Lula, mas com a sociedade brasileira, em torno da
democracia, da inclusão social e do desenvolvimento sustentável…
Assim, ela iguala o poder do sistema
financeiro e o poder de uma sociedade dentro de uma concepção abstrata. A
sociedade aos olhos da candidata é um corpo homogêneo em movimento com posições
convergentes.
Marina demonstra um profundo
desconhecimento da sociedade, da história e das contradições no processo de
formação do Brasil. A “sociedade” não poderá cumprir o mesmo papel que o
sistema financeiro desempenhou em 2002, porque existem contradições, inclusive
antagônicas, no seu interior. É a boa e velha luta de classes, que alguns
deixaram de acreditar, mas que resiste.
O melhor exemplo dessas contradições é a
jornada de junho de 2013, que mobilizou jovens em todo o Brasil em torno da
defesa do transporte público e contra a violência da polícia, mas que no
processo congregou bandeiras antagônicas, como a luta pelo respeito aos
direitos humanos e pela redução da maioridade penal.
Somente quem pode fazer avançar a luta
pela democracia, a inclusão social e o desenvolvimento sustentável são as
forças sociais organizadas com interesse de sustentar esses compromissos. Por
isso, a plataforma de Aécio para ganhar o apoio de Marina não passa de um carro
novo e moderno, mas sem um motor que possa fazê-la avançar.
O mais interessante é que a maioria das
organizações que defendem os compromissos que Aécio “assumiu” a pedido de
Marina apoia a candidatura de Dilma Rousseff (PT), mesmo sabendo dos limites do
seu governo.
Essas organizações sabem bem que o PSDB,
no governo FHC e nos governos estaduais, tem uma dura política de
criminalização dos movimentos sociais. Ou seja, os tucanos atuam justamente
para reprimir os atores sociais que protagonizarão as mudanças sociais.
Vale lembrar a ação da Polícia Militar,
sob o governo do tucano Geraldo Alckmin, contra os protestos dos jovens pela
redução da tarifa do transporte público em São Paulo, no ano passado. Vale
lembrar da greve dos petroleiros em 1995, que foi reprimida pelas Forças
Armadas a mando de FHC. Vale lembrar do Massacre de Eldorado dos Carajás, que
deixou 17 mortos na conta da Polícia Militar do Pará, sob mando do governo
estadual do PSDB.
Os bancos defenderam seus interesses em
2002 e obrigaram Lula a se enquadrar ao modelo econômico que subordina a
indústria e o trabalho. Depois, o sistema financeiro continuou a fazer pressão
sobre o governo. Ou seja, não foi a mágica carta de Lula que fez valer os
interesses dos banqueiros. Foi a ação política de um dos mais poderosos setores
da economia.
Agora, Aécio faz compromissos vagos, com
evidentes interesses eleitorais, para atender Marina. Só que, sob um governo
tucano, os sujeitos da luta social são reprimidos. Então, quem poderá fazer
pressão para o governo Aécio respeitar tais compromissos? Marina acredita na
sinceridade de Aécio, mas lavou as mãos e de antemão avisou que não tem nenhuma
responsabilidade.
Marina divisora
Por Janio de Freitas, na Folha de São Paulo
A adesão de Marina Silva a Aécio Neves é
o seu caminho convencional, mas, para formular os argumentos vazios que
invocou, não precisava de tantos dias, bastavam minutos. Além disso, Marina já
tem convivência bastante com a política para saber que nenhuma condição exigida
de Aécio tem valor algum: se eleito e por ela cobrado, não esqueceria o velho
refrão político "as circunstâncias mudaram". Ao espichar as atenções
por mais uns dias, no entanto, Marina instalou a implosão em dois partidos. Um
feito, sem dúvida.
A demora de Marina proporcionou tempo
para que uma ala do Partido Socialista Brasileiro, com o estandarte da viúva de
Eduardo Campos, articulasse o abandono da linha tradicional do partido, de
centro-esquerda, e a necessária derrubada dos dirigentes mais identificados com
o PSB. Novo rumo: adesão a Aécio.
Em termos partidários, é como se o PSB
fosse extinto, com uma descaracterização que preserva apenas o nome e a sigla.
Não de todo, aliás, com o humor já se referindo ao "novo PV": não de
Partido Verde, mas Partido da Viúva.
O manifesto "A favor da nova
política" tem argumentos consideráveis e reúne, em corrente própria, os
que se integraram à Rede Sustentabilidade, partido de Marina, para construir
novos modos de fazer política. E consideram a adesão a Aécio, decidida por
Marina, "grave erro" e contrária ao "projeto original da Rede
Sustentabilidade", ao torná-la "parte da polarização PT x PSDB".
A adesão agrava-se porque Aécio, diz o manifesto, tem "integração orgânica
à desconstituição de direitos, aos ruralistas e ao capital financeiro",
três frentes a que a Rede se opõe por princípio.
Para contornar a reação de
correligionários valiosos, Marina Silva precisará de argumentos melhores do que
lhe bastaram para aderir ao candidato do PSDB, em vez de "rejeitar as duas
candidaturas". Rede se remenda. O PSB, não.
Não... o pior da política são as alianças feitas às escondidas, sem programas ou intenções negociadas no espaço público, como faz o PT Lulista...
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