LEIA também:
- A crise grega demonstra que a alternativa ao sistema capitalista passa pela Revolução, por Miguel Urbano Rodrigues
- Marx sobre a dívida pública (extracto de O Capital, Primeiro Volume, Livro I, Sétima Secção, 24.º Capítulo, A chamada acumulação original, Ed. Avante, Lisboa, 1997, tomo III, pp. 852-855.)
- É possível no Brasil de hoje, a partir das condições atuais, avançar rumo ao socialismo?, por Anita Prestes
O PSOL, a “velha esquerda” e o Syriza: crônicas de uma morte horrível.
por jonesmakaveli
Sob formas organizativas,
base social, ideologia e forma de ação bem diferente, a socialdemocracia volta
a se apresentar com força no cenário político mundial. Em época de crise
capitalista – crise econômica e crise de hegemonia – a burguesia sempre joga
com duas grandes alternativas: a conciliação de classe (socialdemocrata,
normalmente) e uma autoritária (que pode ser fascista). Chamamos de
socialdemocracia, de forma “genérica”, todo projeto político que contenha três características
essenciais: a) uma concepção politicista da luta de classe que supõe que as
instituições democrático-burguesas irão conciliar os antagônicos de classe; b)
um programa econômico preso à esfera da distribuição que não questiona as
relações de produção; c) escasso internacionalismo ou até posturas
pró-imperialistas em nome da defesa da “liberdade” e “democracia”.
O Syriza, embora apresente
elementos de novidade, é uma típica organização socialdemocrata. Já abordamos
esse tema em profundidade em outro texto [1] e não queremos repetir argumentos.
Nosso objetivo é indagar os motivos dos camaradas do PSOL, em especial Luciana
Genro, terem ficado tão deslumbrados com o Syriza ao ponto de se colocarem como
o “Syriza brasileiro”. A hipótese que queremos desenvolver é bem simples: a) o
PSOL depois da falência do PT precisa de uma nova fonte de legitimidade
ideológica para continuar com o programa democrático-popular e suas derivações
estratégicas (como a prioridade absoluta da institucionalidade); b) o
anticomunismo do PSOL é parte de sua afirmação como organização dominante na
esquerda pós-PT e uma forma de retirar do horizonte qualquer projeto
revolucionário pautado na luta de massas (chamado pejorativamente de “insurrecional”),
por isso a demonização do Partido Comunista Grego (KKE) e a divinização
acrítica do Syriza.
Quando o Syriza estava
próximo de ganhar o processo eleitoral, o PSOL em nota política do seu site
afirmou “O PSOL se inspira nessas experiências para oferecer uma alternativa de
esquerda, socialista e independente ao povo brasileiro. Por isso, estar ao lado
desses partidos, prestando nossa solidariedade ao povo grego, será muito
importante para o PSOL e para todos aqueles que acreditam numa verdadeira
mudança de esquerda” [2]. Em outra nota política, agora comemorando a vitória,
dizem os nossos “camaradas”: “O PSOL aposta e apoia o Syriza, que é a expressão
nas eleições do grande processo de resistência que já leva quatro anos contra
as medidas de austeridade impostas pela Troika sobre os trabalhadores, o povo e
a juventude grega” e “Desde que começou a crise e a resistência na Grécia, o
PSOL vem apoiando o Syriza pelo seu caráter amplo, democrático e
anti-austeridade desde que obteve 5% dos votos em 2011.” [3]
Mas não é só isso. A
principal figura pública do PSOL, a ex-presidenciável Luciana Genro, sai pelo
Brasil dando palestras de louvação ao Syriza. Chegou a afirmar que “É Syriza e
não é de hoje” e mandou uma carta a Alexis Tsipras, primeiro-ministro grego,
onde podemos ler “Quando estive aí em 2012 ainda eram poucos aqui no Brasil que
acreditavam e apostavam na Syriza como a alternativa necessária para governar a
Grécia. Nós do PSOL apoiamos e apostamos em vocês desde o início, pois travamos
a mesma luta” [4]. Genro em suas palestras pelo Brasil preocupasse em criar uma
defesa hermética e perfeita do Syriza: é uma vitória um partido de esquerda com
um programa de esquerda ter ganhado a eleição, mesmo que ele não consiga
aplicar o programa, pois a situação é muito difícil. Percebam, independente do
que seja um governo do Syriza, a figura pública do PSOL quer usar o capital
político da vitória eleitoral de toda forma.
Mas a divinização acrítica do
Syriza caminha pari passu com a demonização e difamação do Partido Comunista
Grego (KKE). O KKE é a maior força de esquerda nos sindicatos e no movimento
estudantil, tem a prefeitura da terceira maior cidade da Grécia e uma capacidade
de mobilização de massa incrível. Perde em densidade eleitoral por apresentar
um programa radical demais para as camadas médias e setores da classe operária
influenciados pela concepção pequeno-burguesa de mundo.
Luciana Genro palestrou no
Congresso da UNE, quando dedicou dez minutos de sua fala para difamar o KKE e
fechou com chave de ouro destilando a seguinte frase: "temos que enfrentar essa velha esquerda,
diga-se, os partidos comunistas como o da Grécia, e a direita". Notem,
o PC grego é equiparado à direita e durante a fala de Genro é tratado como
inimigo. Durante os últimos meses de governo do Syriza pude acompanhar vários
nomes famosos do PSOL como Gilberto Maringoni, Milton Temer, Thiago Aguiar, Roberto Robaina,
Ivan Valente, etc. atacarem o KKE de forma pouca honesta. Os adjetivos eram
sempre os mesmo: sectário, ultra-esquerdista, stalinista, ortodoxo, atrasado, velha
esquerda (esse é meu preferido). Raramente tínhamos análises sérias e
fundamentadas com a explicitação real dos argumentos e posições políticas do
KKE.
Em nenhum momento os principais
nomes do PSOL pararam para fazer um simples exercício do pensamento crítico:
analisar se o programa do Syriza era coerente e se é possível realizá-lo dentro
dos marcos da União Europeia (UE). O autor dessas linhas, sem muita pretensão,
fez isso e concluiu que era impossível acabar com a austeridade dentro da UE
[5]. Além disso, desde fevereiro Tsipras buscou acordos e mais acordos com a
Troika rebaixando cada vez mais o seu programa, dando discursos cada vez mais
conciliatórios, traindo a base social que o elegeu, mas mesmo assim não
conseguiu despertar os instintos críticos dos nossos apoiadores psolistas do
Syriza. Ao contrário, apenas reforçou seu ódio ao KKE.
O ápice do bizarro disso foi quando do
referendo grego. Num clima de catarse ao que parece as pessoas não liam os
discursos de Tsipras e do antigo ministro das finanças, o Y. Varoufakis, pois
se o povo trabalhador grego tomou o referendo como um momento de enfrentamento
à Troika (isso foi evidente), a direção do Syriza deixou claro desde o começo
que queria apenas forças a Troika a negociar melhores condições para seguir a
criminosa política de austeridade. No dia do resultado do referendo, escrevemos
um texto onde analisamos como a direção do Syriza tratou a questão e colocamos
a seguinte sentença: a Grécia está entre o enfrentamento e a conciliação e a
direção do Syriza provavelmente continuará na conciliação. Menos de duas
semanas do referendo nossa análise mostrou-se correta [6].
Quando o Syriza vira as costas
para quem votou no “não” no referendo e toma o mesmo como um cheque em branco
para negociar um novo pacote de austeridade (como o KKE previu), as posições no
PSOL foram interessantes. Gilberto Maringoni solta um texto do calibre do
governismo mais doente (tipo Emir Sader) afirmando que criticar o Syriza
fortalece a Troika (o mesmo Syriza que estava negociando com a Troika!) [7],
Thiago Aguiar e Luciana Genro, ao contrário, simplesmente pararam de falar da
Grécia. Desde o dia 5 desse mês há um silêncio ensurdecedor na suas respectivas
páginas no Facebook. Esse ponto é importante. É conhecido o episódio de
organizações de esquerda brasileiras que apoiaram os mercenários
fundamentalistas na Líbia e Síria achando que tratava-se de uma revolução
popular contra ditadores maléficos. Quando ficou claro o erro de análise, essas
organizações simplesmente pararam de falar da questão, não tocaram mais no
assunto e fingem que sua posição passada nunca existiu (incluso PSTU e várias
tendências do PSOL). Com a ascensão dos nazistas ao poder na Ucrânia aconteceu
o mesmo. Várias tendências do PSOL e o PSTU (incluso Luciana Genro) trataram o
golpe de estado dado pelos nazistas como uma rebelião popular (!!!), depois que
a realidade gritou na cara deles e ficou evidente o que é os levantes na Ucrânia
simplesmente pararam de falar do caso.
A direção do Syriza joga a ideia dos
camaradas do PSOL para uma morte horrível. Não é mais possível legitimar o
requentado programa democrático-popular pela experiência da “esquerda radical”.
Será que agora o novo queridinho do momento vai ser o Podemos da Espanha? Aliás,
é preciso deixar claro o que o acordo fechado entre a direção do Syriza e a
Troika significa.
Segundo o Esquerda
Diário:
Entre
os pontos de maior destaque estão o aumento do imposto sobre o valor agregado
(IVA) para os restaurantes, de 13% para 23%, o aumento das contribuições à
Previdência Social, a eliminação progressiva dos subsídios às pensões mais
baixas e o aumento na alíquota do imposto de renda, de 11% para 13% no tipo
mínimo, e de 33% para 35% no máximo, além de aumento progressivo até 2022 da
idade mínima para ter direito ao benefício integral (até 67 anos) ou o mínimo
de 62 com 40 anos de carteira assinada [8].
Mas não é só isso. O acordo
também prevê a facilitação de demissões coletivas, aceleração brutal das
privatizações e a criação de um fundo de ativos (com riqueza grega) no valor de
50 bilhões que terá como função servir de ““garantia” ao reembolso do novo
empréstimo”. Na prática, a austeridade continua tão nociva quanto antes ao povo
trabalhador da Grécia e o país perde oficialmente o seu simulacro de soberania
nacional, transformando-se num protetorado dos monopólios europeus e do
subimperialismo alemão. Mesmo jogando no lixo o programa eleitoral que elegeu o
Syriza, cuspindo na cara de quem votou pelo “não” no referendo, Tsipras ainda
tem coragem de afirmar que “Sabíamos que não seria uma tarefa fácil, mas
deixamos um legado significativo para a mudança necessária por toda a Europa. A
Grécia continuará a lutar e nós também, para regressarmos ao crescimento e
recuperar a soberania” [9]. Cabe perguntar como é possível uma semi-colônia ter
soberania?
Por fim, é necessário
destacar que as medidas da direção do Syriza jogam nas brumas da decepção
milhões de jovens e trabalhadores que acreditavam no partido. Nesse momento a
cena política se polariza entre as duas únicas forças que fazem verdadeira oposição
ao Syriza: O KKE e os neonazistas. No Parlamento ao votar o programa
antipopular só o KKE e os nazistas votaram contra. Enquanto o parlamento
aprovava o pacote os comunistas faziam protestos massivos contra e os nazistas
em outro lugar (com bem menos gente) também realizavam protestos. A firme
decisão do KKE que não apresentar qualquer conciliação com a Troika e não
reforçar a socialdemocracia do Syriza o coloca em boas condições para tornar-se
força hegemônica de esquerda entre os trabalhadores [10], mas é preciso que
fique claro: a traição da direção do Syriza joga água no moinho dos
neonazistas. Não será surpresa se eles dobrarem de tamanho nos próximos dois
anos. A aposta na institucionalidade e na conciliação de classe prejudicará por
um longo período a esquerda grega e europeia.
[10] – http://www.guerrilhagrr.com.br/post/123913250530/conheca-o-kke-para-eles-a-solucao-e-o-socialismo
FONTE: Makaveli teorizando
Nenhum comentário:
Postar um comentário