quarta-feira, 15 de julho de 2015

Debate & Polêmica: "PSOL é o SYRIZA brasileiro"

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O PSOL, a “velha esquerda” e o Syriza: crônicas de uma morte horrível.

 por  jonesmakaveli

Sob formas organizativas, base social, ideologia e forma de ação bem diferente, a socialdemocracia volta a se apresentar com força no cenário político mundial. Em época de crise capitalista – crise econômica e crise de hegemonia – a burguesia sempre joga com duas grandes alternativas: a conciliação de classe (socialdemocrata, normalmente) e uma autoritária (que pode ser fascista). Chamamos de socialdemocracia, de forma “genérica”, todo projeto político que contenha três características essenciais: a) uma concepção politicista da luta de classe que supõe que as instituições democrático-burguesas irão conciliar os antagônicos de classe; b) um programa econômico preso à esfera da distribuição que não questiona as relações de produção; c) escasso internacionalismo ou até posturas pró-imperialistas em nome da defesa da “liberdade” e “democracia”.
                
O Syriza, embora apresente elementos de novidade, é uma típica organização socialdemocrata. Já abordamos esse tema em profundidade em outro texto [1] e não queremos repetir argumentos. Nosso objetivo é indagar os motivos dos camaradas do PSOL, em especial Luciana Genro, terem ficado tão deslumbrados com o Syriza ao ponto de se colocarem como o “Syriza brasileiro”. A hipótese que queremos desenvolver é bem simples: a) o PSOL depois da falência do PT precisa de uma nova fonte de legitimidade ideológica para continuar com o programa democrático-popular e suas derivações estratégicas (como a prioridade absoluta da institucionalidade); b) o anticomunismo do PSOL é parte de sua afirmação como organização dominante na esquerda pós-PT e uma forma de retirar do horizonte qualquer projeto revolucionário pautado na luta de massas (chamado pejorativamente de “insurrecional”), por isso a demonização do Partido Comunista Grego (KKE) e a divinização acrítica do Syriza.
                
Quando o Syriza estava próximo de ganhar o processo eleitoral, o PSOL em nota política do seu site afirmou “O PSOL se inspira nessas experiências para oferecer uma alternativa de esquerda, socialista e independente ao povo brasileiro. Por isso, estar ao lado desses partidos, prestando nossa solidariedade ao povo grego, será muito importante para o PSOL e para todos aqueles que acreditam numa verdadeira mudança de esquerda” [2]. Em outra nota política, agora comemorando a vitória, dizem os nossos “camaradas”: “O PSOL aposta e apoia o Syriza, que é a expressão nas eleições do grande processo de resistência que já leva quatro anos contra as medidas de austeridade impostas pela Troika sobre os trabalhadores, o povo e a juventude grega” e “Desde que começou a crise e a resistência na Grécia, o PSOL vem apoiando o Syriza pelo seu caráter amplo, democrático e anti-austeridade desde que obteve 5% dos votos em 2011.” [3]
                   
Mas não é só isso. A principal figura pública do PSOL, a ex-presidenciável Luciana Genro, sai pelo Brasil dando palestras de louvação ao Syriza. Chegou a afirmar que “É Syriza e não é de hoje” e mandou uma carta a Alexis Tsipras, primeiro-ministro grego, onde podemos ler “Quando estive aí em 2012 ainda eram poucos aqui no Brasil que acreditavam e apostavam na Syriza como a alternativa necessária para governar a Grécia. Nós do PSOL apoiamos e apostamos em vocês desde o início, pois travamos a mesma luta” [4]. Genro em suas palestras pelo Brasil preocupasse em criar uma defesa hermética e perfeita do Syriza: é uma vitória um partido de esquerda com um programa de esquerda ter ganhado a eleição, mesmo que ele não consiga aplicar o programa, pois a situação é muito difícil. Percebam, independente do que seja um governo do Syriza, a figura pública do PSOL quer usar o capital político da vitória eleitoral de toda forma.
              
Mas a divinização acrítica do Syriza caminha pari passu com a demonização e difamação do Partido Comunista Grego (KKE). O KKE é a maior força de esquerda nos sindicatos e no movimento estudantil, tem a prefeitura da terceira maior cidade da Grécia e uma capacidade de mobilização de massa incrível. Perde em densidade eleitoral por apresentar um programa radical demais para as camadas médias e setores da classe operária influenciados pela concepção pequeno-burguesa de mundo.
                  
Luciana Genro palestrou no Congresso da UNE, quando dedicou dez minutos de sua fala para difamar o KKE e fechou com chave de ouro destilando a seguinte frase: "temos que enfrentar essa velha esquerda, diga-se, os partidos comunistas como o da Grécia, e a direita". Notem, o PC grego é equiparado à direita e durante a fala de Genro é tratado como inimigo. Durante os últimos meses de governo do Syriza pude acompanhar vários nomes famosos do PSOL como Gilberto Maringoni, Milton Temer, Thiago Aguiar, Roberto Robaina, Ivan Valente, etc. atacarem o KKE de forma pouca honesta. Os adjetivos eram sempre os mesmo: sectário, ultra-esquerdista, stalinista, ortodoxo, atrasado, velha esquerda (esse é meu preferido). Raramente tínhamos análises sérias e fundamentadas com a explicitação real dos argumentos e posições políticas do KKE.
              
Em nenhum momento os principais nomes do PSOL pararam para fazer um simples exercício do pensamento crítico: analisar se o programa do Syriza era coerente e se é possível realizá-lo dentro dos marcos da União Europeia (UE). O autor dessas linhas, sem muita pretensão, fez isso e concluiu que era impossível acabar com a austeridade dentro da UE [5]. Além disso, desde fevereiro Tsipras buscou acordos e mais acordos com a Troika rebaixando cada vez mais o seu programa, dando discursos cada vez mais conciliatórios, traindo a base social que o elegeu, mas mesmo assim não conseguiu despertar os instintos críticos dos nossos apoiadores psolistas do Syriza. Ao contrário, apenas reforçou seu ódio ao KKE.
             
 O ápice do bizarro disso foi quando do referendo grego. Num clima de catarse ao que parece as pessoas não liam os discursos de Tsipras e do antigo ministro das finanças, o Y. Varoufakis, pois se o povo trabalhador grego tomou o referendo como um momento de enfrentamento à Troika (isso foi evidente), a direção do Syriza deixou claro desde o começo que queria apenas forças a Troika a negociar melhores condições para seguir a criminosa política de austeridade. No dia do resultado do referendo, escrevemos um texto onde analisamos como a direção do Syriza tratou a questão e colocamos a seguinte sentença: a Grécia está entre o enfrentamento e a conciliação e a direção do Syriza provavelmente continuará na conciliação. Menos de duas semanas do referendo nossa análise mostrou-se correta [6].
               
Quando o Syriza vira as costas para quem votou no “não” no referendo e toma o mesmo como um cheque em branco para negociar um novo pacote de austeridade (como o KKE previu), as posições no PSOL foram interessantes. Gilberto Maringoni solta um texto do calibre do governismo mais doente (tipo Emir Sader) afirmando que criticar o Syriza fortalece a Troika (o mesmo Syriza que estava negociando com a Troika!) [7], Thiago Aguiar e Luciana Genro, ao contrário, simplesmente pararam de falar da Grécia. Desde o dia 5 desse mês há um silêncio ensurdecedor na suas respectivas páginas no Facebook. Esse ponto é importante. É conhecido o episódio de organizações de esquerda brasileiras que apoiaram os mercenários fundamentalistas na Líbia e Síria achando que tratava-se de uma revolução popular contra ditadores maléficos. Quando ficou claro o erro de análise, essas organizações simplesmente pararam de falar da questão, não tocaram mais no assunto e fingem que sua posição passada nunca existiu (incluso PSTU e várias tendências do PSOL). Com a ascensão dos nazistas ao poder na Ucrânia aconteceu o mesmo. Várias tendências do PSOL e o PSTU (incluso Luciana Genro) trataram o golpe de estado dado pelos nazistas como uma rebelião popular (!!!), depois que a realidade gritou na cara deles e ficou evidente o que é os levantes na Ucrânia simplesmente pararam de falar do caso.
                 
 A direção do Syriza joga a ideia dos camaradas do PSOL para uma morte horrível. Não é mais possível legitimar o requentado programa democrático-popular pela experiência da “esquerda radical”. Será que agora o novo queridinho do momento vai ser o Podemos da Espanha? Aliás, é preciso deixar claro o que o acordo fechado entre a direção do Syriza e a Troika significa.
Segundo o Esquerda Diário:

Entre os pontos de maior destaque estão o aumento do imposto sobre o valor agregado (IVA) para os restaurantes, de 13% para 23%, o aumento das contribuições à Previdência Social, a eliminação progressiva dos subsídios às pensões mais baixas e o aumento na alíquota do imposto de renda, de 11% para 13% no tipo mínimo, e de 33% para 35% no máximo, além de aumento progressivo até 2022 da idade mínima para ter direito ao benefício integral (até 67 anos) ou o mínimo de 62 com 40 anos de carteira assinada [8].
             
  Mas não é só isso. O acordo também prevê a facilitação de demissões coletivas, aceleração brutal das privatizações e a criação de um fundo de ativos (com riqueza grega) no valor de 50 bilhões que terá como função servir de ““garantia” ao reembolso do novo empréstimo”. Na prática, a austeridade continua tão nociva quanto antes ao povo trabalhador da Grécia e o país perde oficialmente o seu simulacro de soberania nacional, transformando-se num protetorado dos monopólios europeus e do subimperialismo alemão. Mesmo jogando no lixo o programa eleitoral que elegeu o Syriza, cuspindo na cara de quem votou pelo “não” no referendo, Tsipras ainda tem coragem de afirmar que “Sabíamos que não seria uma tarefa fácil, mas deixamos um legado significativo para a mudança necessária por toda a Europa. A Grécia continuará a lutar e nós também, para regressarmos ao crescimento e recuperar a soberania” [9]. Cabe perguntar como é possível uma semi-colônia ter soberania?
                 
Por fim, é necessário destacar que as medidas da direção do Syriza jogam nas brumas da decepção milhões de jovens e trabalhadores que acreditavam no partido. Nesse momento a cena política se polariza entre as duas únicas forças que fazem verdadeira oposição ao Syriza: O KKE e os neonazistas. No Parlamento ao votar o programa antipopular só o KKE e os nazistas votaram contra. Enquanto o parlamento aprovava o pacote os comunistas faziam protestos massivos contra e os nazistas em outro lugar (com bem menos gente) também realizavam protestos. A firme decisão do KKE que não apresentar qualquer conciliação com a Troika e não reforçar a socialdemocracia do Syriza o coloca em boas condições para tornar-se força hegemônica de esquerda entre os trabalhadores [10], mas é preciso que fique claro: a traição da direção do Syriza joga água no moinho dos neonazistas. Não será surpresa se eles dobrarem de tamanho nos próximos dois anos. A aposta na institucionalidade e na conciliação de classe prejudicará por um longo período a esquerda grega e europeia. 


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