segunda-feira, 30 de novembro de 2015

VÍDEO: HISTORIA DE LA DIALÉCTICA Y LA FILOSOFÍA (Néstor Kohan)


SINOPSIS: La herencia dialéctica como una de las fuentes y las partes integrantes del marxismo y EL CAPITAL. De Heráclito y Demócrito a Protágoras y Epicuro. De Giordano Bruno, Goethe y Shakespeare a Kant y Hegel. El marxismo revolucionario y su recuperación de la sabiduría, la filosofía, el humanismo, la dialéctica y las grandes preguntas de la historia de las culturas y la humanidad.


domingo, 29 de novembro de 2015

Secretaria de Educação do Estado de São Paulo prepara “guerra” contra as escolas em luta!

Em reunião com 40 dirigentes de ensino, braço direito do secretário Herman anuncia que o decreto da “reorganização” sai na terça e lança estratégia para “isolar” e “desmoralizar” as escolas em luta, com o apoio da Polícia Militar


Por Laura Capriglione, especial para os Jornalistas Livres
às 14h de 29/11/2015

Em reunião realizada agora há pouco, na antiga escola Normal Caetano de Campos, a primeira escola pública de São Paulo na era republicana, cerca de 40 dirigentes de ensino do Estado de São Paulo receberam instruções de Fernando Padula Novaes, chefe de gabinete do secretário Herman Jacobus Cornelis Voorwald, sobre como deverão agir a partir de amanhã para quebrar a resistência de alunos, professores e funcionários que estão em luta contra a reorganização escolar pretendida pelo governador Geraldo Alckmin.

A reunião foi realizada em uma sala anexa ao próprio gabinete do secretário.
Jornalistas Livres estavam lá e escutaram o chefe de gabinete anunciar para os dirigentes de ensino que o decreto da “reorganização sai na [próxima] terça-feira”. Segundo ele, “estava pronto na quinta passada (26/11) para o governador assinar”, mas pareceria que o governador não “tinha disposição para o diálogo”. A maioria na sala (todos “de confiança” do governo), suspirou de alívio, e Padula emendou: “Aí teremos o instrumento legal para a reorganização”.
Trata-se de uma gravação esclarecedora, que merece ser ouvida em sua íntegra pelo que tem de revelador. Nela, o chefe de gabinete Padula repete inúmeras vezes que todos ali estão “em uma guerra”, que se trata de organizar “ações de guerra”, que “a gente vai brigar até o fim e vamos ganhar e vamos desmoralizar [quem está lutando contra a reorganização]”. Fala-se da estratégia de isolar as escolas em luta mais organizadas. Que o objetivo é mostrar que o “dialogômetro” do lado deles só aumenta, e que a radicalização está “do lado de lá”.
Também importante foi o ponto em que o chefe de gabinete falou da estratégia de “consolidar” a reorganização. A idéia é ir realizando as transferências, normalmente, deixando “lá, no limite” aquela escola que estiver “invadida”. Segundo ele, o máximo que ocorrerá será que aquela escola “não começará as aulas como as demais”.
A reunião mencionou também o papel de apoio que a Secretaria de Segurança Pública, do secretário Alexandre de Moraes, está tendo, fotografando as placas dos veículos estacionados nas proximidades das escolas, e identificando os seus proprietários. Com base nessas informações, a Secretaria de Educação pretende entrar com uma denúncia na Procuradoria Geral do Estado contra a Apeoesp.

Padula contou como procurou o cardeal arcebispo de São Paulo, dom Odilo Scherer, “A gente precisa procurar todo mundo, não é?”, dele recebendo a orientação para responder aos que se opõem à “reorganização”. “Vocês precisam responder”, teria dito dom Odilo ao chefe de gabinete do secretário Herman Jacobus Cornelis Voorwald. Dom Odilo teria afirmado ainda que “as ocupações nas escolas têm o objetivo de desviar o foco de Brasília”.

Foi interessante notar que a mesma reunião que insistia em denunciar a presença de partidos e organizações radicais entre os meninos e meninas contou com o anúncio solene da presença de um militante do Movimento Ação Popular, ligado ao PSDB e presença frequente nas manifestações pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff.

Escute o áudio da reunião:

 

A poesia que o Brasil não (re)conhece

Pesquisadora resgata importância da obra de Carolina de Jesus, a"poeta da favela".


 Por Nina Fideles 

Carolina Maria de Jesus tinha 43 anos quando foi descoberta pelo jornalista Audálio Dantas, em 1958, na favela do Canindé, Zona Norte de São Paulo. Na ocasião, ele escrevia uma reportagem sobre a expansão da favela, que mais tarde seria removida para a construção da Marginal Tietê. Mineira, negra, semianalfabeta, mudou-se para a capital aos 17 anos, trabalhou como empregada doméstica, teve três filhos, manteve-se solteira, tornou-se catadora e em cadernos encontrados no lixo, relatava seu cotidiano em forma de contos, romances, poesias e até peças de teatro. Um diário iniciado em 1955 deu origem ao primeiro livro de Carolina de Jesus, publicado em 1960. Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada tornou-se um best-seller com mais de um milhão de cópias vendidas em todo o mundo, traduzido em 13 idiomas, em mais de quarenta países. Apenas no Brasil, o livro vendeu mais de 80 mil exemplares.
 
Ao se mudar para um bairro de classe média, Carolina de Jesus lançou o Casa de Alvenaria (1961), mas não obteve o mesmo sucesso que o anterior, e o mesmo ocorreu com as outras duas publicações que se seguiram, que ela própria custeou. O interesse pela ‘mulher da favela que escrevia’, a curiosidade da classe média durou pouco tempo. Além de ter sido vista com certo receio pela crítica literária que desacreditava de sua capacidade. Mas por mais contraditório que possa parecer, o livro Quarto de Despejo, ou Child of the Dark, na tradução para o inglês, é utilizado nas escolas e estudado nas faculdades dos EUA, apenas como simples objeto de estudo, por ser pobre e relatar suas mazelas, sem a intenção de conhecer a fundo seus escritos.

No Brasil, Carolina de Jesus ainda não tem o devido mérito reconhecido. Morreu pobre e praticamente esquecida, em 1977. O centenário de nascimento de uma das mais importantes precursoras da literatura marginal, da favela, foi celebrado no dia 14 de março deste ano e trouxe à tona sua história novamente. Mas a data passará e a luta dos pesquisadores e estudiosos de sua obra, para o reconhecimento e tratamento adequado aos seus manuscritos, permanecerá. Para entender um pouco mais sobre a atualidade da obra de Carolina de Jesus, conversamos com Raffaella Andréa Fernandez, que desenvolve pesquisa de doutorado no Departamento de Teoria e História Literária da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) baseada nos manuscritos inéditos da autora e intitulada Narrativas de Carolina Maria de Jesus: Processo de Criação de uma Poética de Resíduos.

Raffaella aponta que existe uma grande lacuna de preservação de nossa memória, textual principalmente, e os escritos originais de Carolina de Jesus, uma escritora fadada à exclusão, seja em vida ou em morte, ainda se encontram em condições precárias. E afirma que “o posicionamento deva ser também político no sentido de não estar limitado à análise desses textos, mas de solicitar um tratamento especial do material que se encontra em estado de deterioração, sobretudo, porque parte dele havia sido ‘lançado sobre a lama’, junto à família e aos arquivos”.

A contemporaneidade de Carolina de Jesus vai além da data de seu centenário. As histórias que a “poetisa da favela”, como se autodenominava, relatou e viveu se repetem nos dias atuais. E sua própria história representa milhares de mulheres negras, faveladas, mães solteiras, que ainda encontram poesia no dia a dia.

Caros Amigos – Como foi que o seu caminho cruzou com os escritos de Carolina de Jesus?

Raffaella Andréa Fernandez - Tudo começou numa tarde de domingo, na moradia da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Marília, quando meu amigo poeta Milton Mello, então aluno de Filosofia e residente na mesma instituição, foi até meu quarto e me disse: “Toma Raffa, você que gosta de literatura da periferia, acredito que vai gostar desse livro”. Naquela semana estava lendo Cidade de Deus, de Paulo Lins, e hesitando em pesquisar esse livro ou Queda para o Alto, de Sandra Mara Hezer. Mas quando comecei a ler Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada, de Carolina Maria de Jesus, o livro tomou conta de mim e nunca esqueci, apenas deixei aquele outro pequeno quarto quando terminei o livro. Na mesma semana fui procurar a professora Célia Tolentino, minha futura orientadora, que topou na hora me auxiliar no arranjo daqueles rabiscos de projeto que mais tarde seria contemplado com uma bolsa pelo CNPq. Na ocasião, relacionei o best-seller de Carolina de Jesus ao relato de uma ex-menina-de-rua, Esmeralda, Porque não Dancei, com o objetivo de realizar uma análise sociológica para pensar quais as mudanças ou continuidades no lugar social da mulher pobre e negra no Brasil no lapso de 50 anos que separavam os dois testemunhos. No entanto, ao ler Carolina de Jesus notei a força literária que marcava suas narrativas de vida como Casa de Alvenaria: Diário de uma Ex-favelada, Meu Estranho Diário, Diário de Bitita, seu romance Pedaços da Fome, e seus poemas publicados em Antologia Pessoal com um belíssimo e esclarecedor prefácio de Marisa Lajolo. A partir daí, tive a certeza de que precisaria migrar para o curso de Letras para dar continuidade às minhas reflexões sobre esses intrigantes escritos que me diziam algo além do caráter autobiográfico. Assim, em 2006, defendi a dissertação que intitulei Carolina Maria de Jesus, uma Poética de Resíduos, na qual tracei alguns desses percursos literários na obra de Carolina de Jesus até chegar ao doutorado, hoje desenvolvido junto ao Departamento de Teoria e História Literária da Unicamp, sob orientação de Vera Chalmers.

Qual é o objetivo inicial do seu trabalho? E o que mudou durante os anos da sua pesquisa?

Inicialmente procurei os aspectos sociais da obra de Carolina de Jesus com o objetivo de, a partir dos estudos sociológicos, compreender a condição da mulher negra e pobre no Brasil, realizando uma reflexão sobre as ambiguidades, observações e contestações presentes no “testemunho”, inerentes à voz do oprimido. No entanto a força literária de seus escritos encaminhou a pesquisa para outros rumos e implicações de análise na área da crítica e da história da literatura. Entretanto, tal foi o arrebatamento das incertezas geradas diante de seus manuscritos inéditos de características refratadas que tornou obrigatória a abertura para uma nova fresta na área da crítica genética de tradição francesa, de modo a pensar o processo criativo da autora como um todo em sua funcionalidade orgânica e imaterial a partir de seus originais.

Para você, qual a responsabilidade, a missão, de estar estudando manuscritos nunca antes publicados?

Em primeiro lugar há uma grande lacuna na própria cultura brasileira de preservação de nossa memória (textual), o que dificulta todo o processo de acesso e resguardo de documentos em arquivos. Em se tratando de Carolina de Jesus, a problemática é acentuada, pois como uma escritora relegada ao esquecimento (sendo somente agora vista com mais atenção devido a seu centenário), e por não pertencer ao glorioso “cânone” literário, a maior parte de seus originais não tem um lugar de destaque, de modo que ainda se encontram em condições precárias, podendo inclusive serem perdidos pela corrosão do tempo, destruindo folhas de raras tessituras do outro lado da história de nossa literatura. Assim, penso que, tanto no meu caso quanto em relação aos demais pesquisadores dos manuscritos da autora, o posicionamento deva ser também político no sentido de não estar limitado à análise desses textos, mas de solicitar um tratamento especial do material que se encontra em estado de deterioração, sobretudo, porque parte dele havia sido “lançado sobre a lama”, junto à família e aos arquivos.

E quais as influências diretas que você recebeu ao longo dos seus estudos? O que mudou?

Observei que seria impossível pensar os textos de Carolina de Jesus a partir de teorias literárias que privilegiam os “clássicos”, pois a obra da autora não responde aos enquadramentos e regras que em geral essas linhagens de pensamento privilegiam. Assim, parti para a pesquisa de autores na linha dos estudos culturais, bem como os pós-estruturalistas que procuram levar em consideração o centro de outras histórias...

Você utiliza o termo “poética de resíduos”. O que caracteriza essa poética?

A ideia de uma poética de resíduos vem tanto da materialidade desses escritos quanto de seu conteúdo, pois Carolina de Jesus mesclava diversos discursos e recursos literários na criação de seus textos, escritos em boa parte em cadernos reutilizados, os quais ela recolhia das lixeiras enquanto exercia seu ofício de catadora de lixo.

Tem algum objetivo com este material estudado? Qual será o futuro dos manuscritos?

Felizmente neste ano conseguimos publicar uma pequenina parte desse material com o apoio da Fundação Palmares. Espero que este seja apenas o início de uma longa jornada, permitindo não só a realização do sonho da própria Carolina de Jesus de ter seus escritos literários publicados, como também dos leitores que esperam ter acesso à sua literatura. Quanto à preservação da obra tudo ainda permanece incerto, não há previsão para um trabalho de digitalização completa do material, única “certeza” de que poderíamos resguardar esses originais, pois apenas uma parte foi microfilmada e mesmo assim, como sabemos, os microfilmes também têm uma validade. Além disso, as máquinas leitoras de microfilmes são ultrapassadas e dificultam a leitura do material, em especial aqueles que já se encontram quase que totalmente degradados. Estes precisariam passar por um trabalho sério de restauro e em seguida de digitalização, mas esses cuidados demandam um alto custo que as instituições não podem e/ou não estão dispostas a pagar. Segundo opinião de alguns pesquisadores e professores de arquivos, somente o Instituto Moreira Salles estaria apto para realizar esse importante trabalho.

É possível perceber quais as referências que Carolina tem e que aparecem em seus escritos?

Não somente é possível perceber a marcante influência dos românticos, do modo como podemos ler em duas teses publicadas sobre os escritos da autora: Carolina Maria de Jesus; o Estranho Diário da Escritora Vira-Lata, de Germana de Sousa, e o recém-lançado A Vida Escrita de Carolina Maria de Jesus, de Elzira Perpétua; e como podemos acompanhar ao longo de alguns cadernos que desenvolvem um processo de escrita típico do Journal de Gênese, nos quais a autora faz referências a seus textos e aos dos autores que estava lendo ou teria lido: Maupassant, Edgar Allan Poe, Victor Hugo, Chesmman, Saint-Exupéry, dentre outros. Assim podemos conhecer outras Carolinas, principalmente esta que vai além do Quarto de Despejo, quero dizer, a que não pode ser reconhecida apenas sob o martelo do estigma de favelada.

Hoje temos uma cena mais fortalecida intitulada de Literatura Marginal. Você acompanha? E o quê em sua opinião tem de Carolina de Jesus neste cenário atual?

Sim, a dita Literatura Marginal Periférica tem se fortalecido a cada dia e segue seus propósitos de criar uma “cena literária” que gire em torno da favela. Carolina de Jesus, assim como Solano Trindade, podem ser considerados precursores dessa literatura produzida pela voz dos oprimidos, isto é, uma literatura mais autêntica do ponto de vista da fala marginal, uma escrita de dentro para fora com vistas a celebrar a palavra como emancipação política e espiritual no sentido fi losófi co das fomes humanas.

O que, em termos sociais e históricos, é possível perceber ao ler a obra de Carolina de Jesus?

Carolina de Jesus revela uma outra história, a “história menor” que precisa e quer ser ouvida, uma vivência tanto mais palpável quanto corrosiva, para além dos majestosos livros de supostos feitos heróicos dos livros de História do Brasil repleta de falácias, engodos, que sempre visam a interesses políticos. Os problemas sociais delineados por Carolina estão na sua temática, na materialidade do papel escrito em seus cadernos reutilizados, encardidos, tirados das latas de lixo, a escrita “defi ciente” que não corresponde aos intentos da gramática institucional de uma sociedade que não lhe deu a oportunidade de avançar e, mesmo com todas essas defasagens, essa grande autora nos mostra que aquele que se inquieta diante das “atrocidades sociais” jamais se manterá calado.

Contraditoriamente, a obra de Carolina é mais reconhecida nos EUA do que aqui. Por que, em sua opinião, isso ocorre?

Carolina de Jesus é bastante lida nas universidades norte-americanas em cursos de história de graduação e pós-graduação com o objetivo de mostrar para seus alunos um exemplo de uma vida paupérrima, uma mulher negra, pobre e favelada que narra suas mazelas. Não havendo, necessariamente, uma preocupação em conhecer a Carolina escritora.

Os termos “favelada” e “poetisa” são constantes nos escritos dela, mas quando e como ela se reconhece em cada um?

Carolina de Jesus se autodenominava a “poetisa da favela” ou uma “idealista do lixo”. Veja que ela se valia dessas máximas nos momentos de revolta quando desejava afirmar que somente ela poderia ser a porta-voz dos favelados, pois segundo a autora era preciso conhecer as adversidades humanas para falar sobre elas, seja através do discurso poético seja do político.

Como você descreveria a passagem de Carolina de Jesus neste mundo? E como terminou a sua vida?

Infelizmente, após uma nuvem de sucesso, Carolina de Jesus morre pobre e esquecida com insuficiência respiratória. Termina seus dias no Sítio de Parelheiros, entregue aos afazeres domésticos e dedicando-se à correção de alguns de seus textos que haviam sido datilografados por seus filhos. Chegou a entregar dois cadernos para duas jornalistas: a francesa Lapouge e a brasileira Clélia Pisa, que mais tarde editaram e publicaram sua obra póstuma Journal de Bitita, mais tarde traduzido para o português como Diário de Bitita. Em entrevista com estas jornalistas, foi-me relatado que Carolina de Jesus estava muito “velhinha” e “desiludida” e apenas disse: “Vejam o que podem fazer com isso aí”, no momento da entrega dos cadernos. Espero, portanto, com toda força, que muitos trabalhos sejam realizadas com todos os “isso(s) aí” dispersos e fraturados “por aí”, e sobretudo que seja publicada sua obra completa e que assim possamos ter acesso às multiplicidades que emanam do devir-artista, inaudito e envolvente criado por Carolina Maria de Jesus.

sábado, 28 de novembro de 2015

Para download: Vigotski e o "Aprender a Aprender"

Vigotski e o “Aprender a Aprender”: Crítica às Apropriações Neoliberais e Pós-Modernas da Teoria VigotskianaNewton Duarte
Editora Autores Associados
2ª Edição Revista e Ampliada, 2001
COLEÇÃO EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA 

LINK PARA DOWNLOAD:

CONTRA CAPA
Neste livro o autor pleniza com uma tendência que estaria se tornando dominante entre os educadores que buscam, no terreno da psicologia, fundamentos em Vigotski: a tendência a interpretar as idéias desse psicólogo numa ótica que as aproxima a ideários pedagógicos centrados no lema “Aprender a Aprender”. Aliás, mais do que um lema, o “aprender a aprender” significa, para uma ampla parcela dos intelectuais da educação na atualidade, um verdadeiro símbolo das posições pedagógicas mais inovadoras, progressistas e, portanto, sintonizadas com o que seriam as necessidades dos indivíduos e da sociedade do século XXI. Neste livro, o autor aponta para o papel ideológico desempenhado por esse tipo de apropriação das ideias de Vigotski, qual seja, o papel de manutenção da hegemonia burguesa no campo educacional, por meio da incorporação da teoria vigotskiana ao universo ideológico neoliberal e pós-moderno.

ORELHA DO LIVRO
“Aprender a aprender” foi um lema defendido pelo movimento escolanovista e adquiriu novo vigor na retórica de várias concepções educacionais contemporâneas, especialmente no construtivismo. No mundo todo, livros, artigos e documentos oficiais apresentam o “aprender a aprender” como um emblema do que existiria de mais progressista e inovador, um símbolo da educação do século XXI. A psicologia de Vigotski vem sendo apontada por muitos educadores como um dos pilares de propostas educacionais centradas no “aprender a aprender”. A obra do psicólogo L. S. Vigotski seria, de fato, compatível com o “aprender a aprender”, como o construtivismo, com o escola-novismo? Neste livro, Newton Duarte responde negativamente a essa questão, defendendo a necessidade de uma leitura marxista da psicologia vigotskiana e a necessidade de um trabalho de incorporação dessa psicologia à construção de uma pedagogia crítica e historicizadora. Nesse sentido, o autor mostra existirem aproximações entre o construvivismo, o pósmodernismo e o neoliberalismo para então desfechar uma crítica contundente às interpretações que vem sendo difundidas no meio educacional acerca da psicologia vigotskiana, as procuram incorporar tal psicologia ao universo ideológico neoliberal e pós-moderno. Evidenciando o caráter radicalmente marxista da psicologia vigotskiana, o autor apresenta ainda uma análise minuciosa da crítica feita por Vigotski à teoria do jovem Piaget no segundo capítulo do livro Pensamento e Linguagem.

VEJA TAMBÉM O ARTIGO DE NEWTON DUARTE PUBLICADO NA REVISTA BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO (Set/Out/Nov/Dez 2001 No 18):
 


As capitais do capitalismo

Entrevista com David Harvey

 Por Daniel Santini*

Os fenómenos da urbanização e da concentração urbana reflectem aspectos essenciais do desenvolvimento do capitalismo ao longo da sua história, mas a reflexão marxista não tem acompanhado esses fenómenos com o aprofundamento verificado noutras áreas. Esta estimulante e polémica entrevista de David Harvey, geógrafo que se reclama do marxismo, tem assim um interesse acrescido.

- A urbanização na China é um projeto maciço, com alta densidade populacional em conjuntos habitacionais de 50 andares, tudo conectado por trens rápidos. São centros construídos com matérias-primas importadas em larga escala, como ferro, que sai da Amazônia, que não serão alimentados por painéis solares ou usinas de vento, e, sim, por energia nuclear. Dentro de uma perspectiva ecológica, quanto tempo este modelo pode durar?
 
Não tenho a menor ideia. O que temos, neste momento, são algumas dessas formas absurdas de urbanização, como em Dubai [Emirados Árabes]. Existem coisas muito doidas acontecendo. Mas aí é preciso olhar para a macroeconomia. A única coisa que manteve o capitalismo vivo, no mundo, nos últimos anos, é a urbanização chinesa. Se esse projeto maciço não tivesse acontecido e, se ele não tivesse sido acelerado, como foi depois de 2007/2008, grande parte da América Latina teria entrado em crise, naquele período. A China está imensamente endividada, não em dólares, mas consigo mesma. Os chineses morrem de medo do desemprego, e este foi também um projeto de absorção de força de trabalho. A dinâmica de crescimento do capitalismo junto com a ideia de que é possível crescer assim eternamente são uma contradição, que vai chegar ao fim. E haverá consequências ambientais. Vi estatísticas que indicam que a China consumiu mais cimento, nos últimos cinco anos, do que os Estados Unidos no último século. E cobrir um país com cimento não parece uma ideia muito ecológica… Mas é pertinente a questão sobre como tais cidades serão abastecidas em termos de energia; é um ponto crítico. Cidades são extremamente vulneráveis em relação a fontes de energia.

O capitalismo depende cada vez mais da urbanização?

Sim, e este é um ponto importante, porque as atividades mais lucrativas e produtivas estão cada vez mais ligadas à urbanização. Parte desse sistema é pura ficção porque é baseado no aumento de aluguéis, uma variante que é cada vez mais uma fonte de renda importante para a classe capitalista como um todo. Não dá para continuar por esse caminho. Acompanhei o desenvolvimento urbano no Brasil, nos últimos 30, 40 anos. Estive em São Paulo, nos anos 1970, e também em lugares como Recife e Salvador. Eles foram totalmente tomados por arranha-céus e shoppings centers.

Todos, no Brasil, gostam de pensar que o país é especial – mas o que o Brasil tem de especial? É só capitalismo. E, generalizando, é sempre o mesmo. É isso de carros, avenidas, shoppings e condomínios. Se considerarmos que todas essas mudanças aconteceram nos últimos 30, 40 anos, e pensarmos no que vai acontecer nos próximos 30, 40 anos, dá para pensar no mundo em que vamos viver. É inimaginável. O que estamos vendo na China, hoje, é o futuro.

Neste contexto, o que pensa do conceito de desurbanização? Nós temos, como algo naturalizado, a transição do rural para o urbano, mas, talvez, em algum ponto, tenhamos de discutir como desurbanizar, de maneira planejada e democrática, não?

Bem, eu sou contra a desurbanização. Acredito que seria igualmente desastroso, em termos ecológicos, espalhar todos pelos campos. Especialmente, considerando as divisões de trabalho e os fluxos de commodities, acredito que formas eficientes de urbanização são cruciais. Estamos falando de uma população que, em breve, será de 8 bilhões. Como espalhar toda essa gente em espaços pequenos e autônomos? E em que nível eles poderiam ser autônomos? Porque uma das coisas que o capital fez é, ao definir conexões e divisões de trabalho, estabelecer uma rede, em que comunidades locais não são mais tão vulneráveis a catástrofes. Bastava uma praga de gafanhotos para deixar uma comunidade morrer de fome.

No passado, antes das ferrovias, isso era bastante comum. E as ferrovias eliminaram, de maneira eficiente, a fome local. Se pensarmos em um mundo de comunidades autônomas autossustentáveis, cada uma delas vai ser vulnerável, de alguma forma. Então, um mundo descentralizado não parece, para mim, o mais razoável a seguir. Isto posto, também não sou a favor de uma hiperurbanização, como a chinesa. A questão urbana é crucial, mas é por meio de formas mais radicais de urbanização que acredito que vamos resolver nossos problemas. Incluindo, é claro, muita ênfase em sistemas de agricultura urbana e similares. Hortas comunitárias e ideias do gênero podem funcionar bem.

Pequenas comunidades não seriam menos frágeis do que uma cidade como São Paulo, que depende de um só centro de abastecimento? Ficou tão naturalizada nos círculos de esquerda a ideia de urbanização que, mesmo em discussões sobre bem viver, um conceito indígena andino, falar em sair da cidade não é uma opção considerada…

O bem viver tem origens bastante rurais e não dá para todos viverem como populações indígenas da Amazônia.

Esta é a origem, a tradição, mas há muitos pensadores que formulam o conceito, de maneira mais aberta. Muitas vezes, as pessoas resumem tudo como “pachamamistas”, que querem voltar atrás; é uma crítica frequente, da esquerda e da direita.

Não concordo com essa crítica, mas tenho meu ponto de vista, sobre o qual escrevi em Spaces of hope. Entre outras coisas, entendo que certas partes do mundo poderiam ser deixadas para produção altamente industrializada de grãos e carne. Parece bastante ineficiente cultivar trigo no próprio quintal. O que dá para cultivar são verduras, folhas, tomates. Às vezes, uma lesma pode fazer um estrago. Na Argentina, onde vivi por um ano, eu tinha um belo cultivo, mas acordei um dia e tudo tinha sumido. Encontrei uma trilha de formigas e fiquei muito antiecológico. Procurei o veneno mais poderoso e destruí o formigueiro. Desisti dessa coisa orgânica, sem sentido [risos]…

É claro que, se olharmos alguns aspectos da produção industrial, como a de carne, é nojento. Existem muitas evidências de que a maneira como a produção de frango é estruturada, hoje, favorece doenças. Estamos criando novos ambientes para novos patógenos. Então, a questão é: qual tipo de agricultura deve permanecer industrializado? Acredito que a maioria da produção de grãos deve se manter industrializada porque é a maneira mais eficiente e efetiva. Não estou dizendo que a agricultura urbana vai resolver, mas pode ajudar. Esta ideia está relacionada com a noção de bem viver.

Pensa que o conceito pode ser útil na busca por soluções?

Acredito que, com frequência, nos encontramos trabalhando com o que eu chamo de termos vazios de significado – o bem viver, por exemplo. Todo mundo quer uma boa vida. Os bilionários querem uma boa vida, os indígenas querem uma boa vida. A grande questão não é nem o bem viver em si e, sim, como as pessoas preenchem esse conceito com um significado particular. E eu acredito que o que os indígenas querem dizer com esse termo não funciona bem, quando traduzido como bem viver. Ninguém vai dizer que é contra o bem viver. É um desses conceitos em relação aos quais todos vão ser a favor.

Sustentabilidade é outro exemplo. Ou direito à cidade. Todo mundo quer ter direito à cidade. A questão é: direitos de quem? Pelo que as pessoas se esforçam, qual é o sentido da luta? Devemos parar de falar no bem viver e começar a falar sobre pautas específicas – habitação, por exemplo. O quanto antes começarmos a falar sobre programas reais e objetivos, melhor.

Sobre habitação, no Brasil, vemos casas construídas pelo programa Minha Casa, Minha Vida que parecem caixinhas enfileiradas, todas iguais. É possível fazer algo diferente, quando se pensa em programas em larga escala?

No geral, existe essa percepção das pessoas de que projetos habitacionais são, necessariamente, feios e ruins. Mas, se olharmos os construídos em Londres, em 1960, há alguns muito bonitos, que têm uma qualidade fantástica. Tanto que, depois que eles foram privatizados, boa parte da burguesia se apropriou deles. Então, não há nenhum motivo para que projetos sociais de habitação sejam parecidos com o que você descreveu.

Mas é possível construir projetos assim, considerando os custos e os aspectos econômicos?

Primeiro, a questão de custo vai depender do valor dos terrenos, e acredito que este é um ponto em que o Estado tem um papel importante, em coibir a especulação, como parte de uma política de garantir acesso à moradia. Depois, é preciso redirecionar recursos públicos. Por exemplo, se você taxar cada propriedade da burguesia e cobrar impostos de habitação da classe média e da classe alta, redirecionando o que for obtido para a habitação social, vai haver muito mais recursos para projetos habitacionais para as massas. O problema é que, muitas vezes, o sistema funciona ao contrário. Em Nova York, arranha-céus dificilmente pagam impostos, por conta de subsídios que receberam nos anos 1970. Bilionários vivem em condomínios livres de impostos. Bill de Blasio [prefeito de Nova York, do Partido Democrata] está tentando mudar isso.

De Blasio é um progressista, que assumiu a Prefeitura de Nova York depois de [Michael] Bloomberg e outros de direita. Quais possibilidades ele tem?

Muito poucas, porque questões fiscais ficam majoritariamente com o Governo do Estado. Andrew Cuomo é o governador do Partido Democrata, mas pretende chegar à Presidência e, por isso, não vai incomodar Wall Street. Assim, acaba se opondo a tudo que De Blasio propõe e este fica com pouco espaço de manobra. Logo depois da eleição, De Blasio passou a sofrer ataques da imprensa e sua popularidade despencou. Os movimentos sociais não estão mais nas ruas ameaçando Wall Street ou algo assim, então, ele não tem apoio.

E as pessoas que foram para as ruas, em 2011, como o Occupy Wall Street?

Elas se perderam, em muitos aspectos, acredito. Os movimentos sociais, que estavam diretamente ligados e ao redor do Occupy, eram muito fragmentados e diferentes. Quando o Zucotti Park foi fechado, tudo ficou descentralizado e com menos visibilidade. A única aparição foi quando veio o Furacão Sandy e o Movimento Occupy foi o primeiro a organizar ajuda, de maneira supereficiente, com sua autonomia de sair e auxiliar diretamente as pessoas. Mas a política disso é terrível, em um sentido de que eles ajudaram as pessoas a voltarem e reconstruírem suas casas, dentro de regras de propriedade privada e todo o resto. De repente, perceberam que estavam reconstruindo a forma de vida individualista e capitalista – que haviam se tornado um grupo supereficiente de suporte às vítimas, mais do que uma força política transformadora.

E movimentos como os Indignados na Espanha, as forças que surgem em Barcelona, na Grécia, na Turquia, no Sul da Europa? Estamos vivendo um momento de esperança, em que dá para imaginar mudanças?

Sim, eu acredito que é um momento interessante, em muitos sentidos. O Occupy é um movimento que acabou influenciado por sentimentos anarquistas e autonomistas, e isto resultou na falta de interesse em poder político stricto sensu. Era como se o movimento considerasse que o aparelho estatal não teria relevância. Havia essa insistência de que tudo fosse horizontal e não hierárquico. Estive em discussões com eles por algum tempo e escrevi um artigo em que, de maneira amistosa, ataquei os anarquistas. Brinquei com o “Escuta, Marxista!”, do [anarquista estadunidense] Murray Bookchin, e publiquei o “Escuta, Anarquista!”, tentando apontar que muitas coisas boas vieram do anarquismo, mas também falhas cruciais.

E temos de estar preparados para ir além do que os anarquistas fazem, e fazer parte dos governos. Isto é o que parece estar ocorrendo, e aí as eleições, na Espanha, são muito importantes. Vemos um nível de ativismo que, obviamente, é crítico ao Estado, mas não ignora o poder do Estado.

Então, a questão dos movimentos alternativos e seu papel político é a agenda, hoje. Vemos isso sendo expresso na maneira como as coisas aconteceram, em Barcelona ou Madri. É um momento emocionante e de esperança. Mesmo que ainda haja uma ideia forte, em muitas organizações de esquerda, de não querer nenhuma relação com o aparelho estatal. E há todos esses estudantes que me classificam como stalinista porque defendo que não deveríamos descartar negociar com o Estado.

* Daniel Santini é coordenador de projetos na Fundação Rosa Luxemburgo. Texto organizado com base em transcrição feita por Sarah Lempp. A entrevista coletiva (versão em inglês) foi realizada em 12 de junho de 2015 no auditório da organização, em São Paulo.



quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Nesta sexta-feira, 27/11, Anita Prestes em Recife

Além do lançamento do livro "Luiz Carlos Prestes: um comunista brasileiro", a historiadora Anita Prestes ministrará palestra sobre os 80 anos dos levantes antifascistas de 1935.

O evento esta sendo construído em parceria com o Instituto Luiz Carlos Prestes - ILCP, Boitempo Editorial, Partido Comunista Brasileiro - PCB, Departamento de História e Ciências Sociais da UFRPE, União da Juventude Comunista - UJC, Unidade Classista - UC, Diretórios Acadêmicos do Curso de História e Ciências Sociais da UFRPE.
Data: sexta-feira, dia 27 de novembro

Local: Auditório do CEAGRI 2, na Universidade Federal Rural de Pernambuco - UFRPE

Horário: A partir das 19:00h

Espaço Público, da TV Brasil, entrevista Anita Leocadia Prestes

O programa desta terça-feira, 01/12, recebe a historiadora Anita Leocadia Prestes, autora da biografia política Luiz Carlos Prestes: um comunista brasileiro para uma conversa ao vivo, às 23 horas. Não perca! 

A historiadora Anita Prestes é filha de Olga Benario Prestes e Luiz Carlos Prestes

A entrevistada do Espaço Público desta semana tem muito a contar da própria vida, sobre o pai, uma das mais importantes personalidades políticas brasileiras do século 20, e o país.

A historiadora Anita Leocádia Benário Prestes nasceu numa prisão nazista, em 27 de novembro de 1936, depois de a mãe, uma judia grávida de sete meses, ser enviada à Alemanha e entregue ao regime de Hitler pelo então ditador brasileiro Getúlio Vargas.

Olga Benario terminou morta em uma câmara de gás, em 1942. Devolvida à avó paterna com pouco mais de um ano, só aos nove Anita conheceu o pai, o líder comunista Luiz Carlos Prestes, que era mantido preso no Brasil.

Hoje, aos 79 anos, Anita Leocadia é autora de mais de uma dezena de livros e professora doutora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, a UFRJ. No programa, ela vai falar daquela que talvez seja sua obra mais importante, além de a mais recente: "Luiz Carlos Prestes - Um comunista brasileiro", trabalho lançado há menos de dois meses, ao qual dedicou-se por mais de três décadas.

Embora o pai seja o personagem central, o pano de fundo dessa história é o Brasil dos anos 1920 até 1990. E a historiadora - ainda comunista convicta, mesmo que sem filiação partidária – tem opiniões críticas e polêmicas sobre a realidade atual, nas quais não poupa a esquerda brasileira.

O Espaço Público é apresentado pelo jornalista Paulo Moreira Leite.

SAIBA MAIS em Espaço Público

quarta-feira, 25 de novembro de 2015

A última entrevista de Guimarães Rosa

Uma preciosidade histórica da língua portuguesa: a entrevista realizada pelo escritor e jornalista português Arnaldo Saraiva, em 24 de novembro de 1966. Guimarães Rosa morreria menos de um ano depois de tê-la concedido
Eis o homem. O homem que em menos de 20 anos, com sua prosa, seu estilo, sua literatura — sem os favores profissionais da medicina, que pode dar saúde mas ainda não deu gênio (cf. alguns prêmios Nobel), conquistou o Brasil, Portugal, a Alemanha, a Itália, os Estados Unidos, o mundo, não?

Repara no corpo: mau grado as ligeiras ameaças de obesidade, parece atleta, cavaleiro que foi, ou de bandeirante, que da língua é. Vê como está sobriamente elegante, distinto, sorridente, calmo, aristocrata, como convém a um embaixador (ou não estivéssemos num salão do Itamarati). Mas nada da pose ou dos gestos artificiais com que outros tentam iludir a mediocridade. Quem esperou quase quarenta anos para publicar o primeiro livro, ou quem avançou sozinho pelos grandes sertões da língua, não precisa ter pressa nem pedir emprestado um corpo, uma casaca, máscaras.

Lá está o lacinho (ou gravata-borboleta, meu chapa?) simetricamente impecável, fazendo pendant com os óculos claros, tão claros que ainda esclarecem mais os olhos sempre inquiridores, atentos. E é curioso como um mineiro de Cordisburgo, a dois passos (brasileiros) da Ita­­bira de Drum­mond, gosta, ao contrário deste (à primeira vista), de falar, de con­tar, de ser ouvido. Até nisso parece grande o seu amor à língua. Mal me sentei, já ele me começou a falar de Portugal e de escritores portugueses…

Guimarães Rosa — Estive em Portugal três vezes. Na primeira, em 1938, passei lá apenas um dia; ia a caminho da Alemanha. Na segunda, em 1941, passei lá quinze dias, em cumprimento de uma missão diplomática que me fora confiada em Ham­­burgo. Na terceira, em 1942, passei um mês, pois estava já de regresso ao Brasil, por causa da guerra.

Durante essas estadas, travou relações ou conhecimentos com alguns escritores?

Guimarães Rosa — Não. Até porque eu ainda não era “escritor” (“Sagarana”, com efeito, só foi publicado em 1946) e o que me interessava mais era contatar com a gente do povo, entre a quais fiz algumas amizades. Gosto mui­to do português, sobretudo da sua integridade afetiva. O brasileiro também é gente muito boa, mas é mais superficial, é mais areia, enquanto o português é mais pedra. Eu tenho ainda uma costela portuguesa. Minha família do lado Gui­marães é de Trás-os-Montes. Em Minas o que se vê mais é a casa minhota, mas na região em que eu nasci havia uma “ilha” transmontana.

Mas não chegou a conhecer Aquilino?

Guimarães Rosa — Conheci Aquilino (Aquilino Ribeiro), mas acidentalmente. Eu entrei numa livraria, não sei qual, do Chiado (presumo que a Bertrand) e, quando pedi al­guns livros dele, o empregado per­guntou-me se eu queria co­nhecê-lo, pois estava ali mesmo. Respondi que sim, e desse modo obtive dois ou três autógrafos de Aquilino, com quem conversei alguns instantes. Voltei a estar com ele, mais tarde, num jantar que lhe foi oferecido enquanto de sua vinda ao Brasil. Mas ele, naturalmente, não se recordava de mim (porque eu não me apresentara como escritor), e eu também não lhe falei do assunto.

Não sabe que, justamente numa crônica motivada pela sua ida ao Brasil, Aquilino colocou o seu nome, logo em 1952, ao lado dos de José Lins do Rego, Gilberto Freyre, Graciliano Ramos, Manuel Bandeira, Jorge de Lima e Agripino Grieco, que, segundo ele, eram os “notáveis escritores e poetas” que estavam a “encostar a pena contra a lava” que ia no Brasil “sepultando prosódia e morfologia da língua-mater”? Eu creio mesmo que é essa uma das primeiras referências ao seu nome, em Portugal…

Guimarães Rosa — Não sabia dessa curiosa referência do Aquilino. Antes dessa, porém, há uma referência a mim numa publicação do Consulado do Porto, de 1947, feita por não sei quem. Sei de outra referência feita, anos depois, salvo erro, por um irmão de José Osório de Oliveira.

Voltando a Aquilino: acha que recebeu alguma influência dele? Já, pelo menos, um crítico, o mineiro Fábio Lucas, notou alguns “pontos de contato nada desprezáveis” entre a sua obra e a de Aquilino.

Guimarães Rosa — Eu gosto de Aquilino, sobretudo da “Aventura Maravilhosa”, mas não creio que dele tenha recebido alguma influência, a não ser na medida em que sou influenciado por tudo o que leio. A verdade é que antes de 1941 só conhecia de Aquilino um ou dois trechos, co­mo infelizmente ainda hoje sucede em relação à quase totalidade dos escritores portugueses vivos. E, como sabe, “Sagarana”, foi escrito em 1937.

Um garçom do Itamarati entra com um copo de água, e pergunta se precisa mais alguma coisa. Guimarães Rosa agradece e diz: Vá com Deus, como se fosse um beirão ou um transmontano. Mais uma razão, portanto, para eu prosseguir: Como encara ou explica o enorme prestígio de que goza nos meios intelectuais e universitários portugueses?

Guimarães Rosa — Em relação a mim, houve por aqui (no Brasil) muitos equívocos, que ainda hoje não desapareceram de todo e que, curiosamente, ao que parece, não houve em Por­tugal. Pensaram alguns que eu inventava palavras a meu bel-prazer ou que pretendia fazer simples erudição. Ora o que sucede é que eu me limitei a explorar as virtualidades da língua, tal como era falada e entendida em Minas, região que teve durante muitos anos ligação direta com Portugal, o que explica as suas tendências arcaizantes para lá do vocabulário muito concreto e reduzido. Talvez por isso que ainda hoje eu tenha verdadeira paixão pelos autores portugueses antigos. Uma das coisas que eu queria fazer era editar uma antologia de alguns deles (as antologias que existem não são feitas, como regra, segundo o gosto moderno), como Fernão Mendes Pinto, em quem ainda há tempos fui descobrir, com grande surpresa, uma palavra que uso no “Grande Sertão”: amouco. E vou dizer-lhe uma coisa que nunca disse a ninguém: o que mais me influenciou, talvez, o que me deu coragem para escrever foi a” História Trágico-Marítima” (coleção de relatos e notícias de naufrágios, acontecidos aos navegadores portugueses, reunidos por Ber­nardo Gomes de Brito e publicados em 1735). Já vê, por aqui, que as minhas “raízes” es­tão em Portugal e que, ao contrário do que possa parecer, não é grande a distância “linguística” que me se­para dos portugueses.

Eu penso até que na imediata e incondicional adesão portuguesa a Gui­marães Rosa há muito de transferência sublimada de uma frustração linguística nossa, coletiva, que vem pelo menos desde Eça. Mas não nos desviemos. Admira-me muito que não tenha citado ne­nhum livro de ca­valaria, nem ne­nhuma novela bu­cólica, pois pensava que deles e delas havia diversas ressonâncias na sua obra, sobretudo no “Gran­de Sertão: Veredas”…

Guimarães Rosa — Sim, li muitos livros de cavalaria quando era menino, e, por volta dos 14 anos, entusiasmei-me com Ber­nardim (Bernardim Ri­beiro), e depois até com Camilo. Ainda continuo a gostar de Ca­milo, mas quem releio permanentemente é Eça de Queiroz (quando tenho uma gripe, faz mesmo parte da convalescença ler “Os Maias”; este ano já reli quase todo “O Crime do Padre Amaro” e parte da “Ilustre Casa de Ramires”). Camilo, leio-o como quem vai visitar o avô; Eça, leio-o como quem vai visitar a amante. Quando fui a Portugal pela primeira vez, eu só queria comidas ecianas (que gostosura, aquele jantar da Quinta de Tormes). Aliás deixe-me que lhe diga que me torno muito materialista quando penso em Portugal; penso logo nos bons vinhos, nas excelentes comidas que há por lá. E talvez seja também por isso que se há um país a que eu gostaria de voltar é Portugal…

… que, naturalmente, o receberá de braços abertos, em festa. Mas permita-me ainda uma pergunta: como “enveredou” — e penso que a palavra se ajusta bem ao seu caso — pelo campo da “invenção linguística?

Guimarães Rosa — Quando escrevo, não pen­so na literatura: penso em capturar coisas vivas. Foi a necessidade de capturar coisas vivas, junta à minha repulsa física pelo lugar-comum (e o lugar-comum nunca se confunde com a simplicidade), que me levou à outra necessidade íntima de enriquecer e embelezar a língua, tornando-a mais plástica, mais flexível, mais viva. Daí que eu não tenha nenhum processo em relação à criação linguística: eu quero aproveitar tudo o que há de bom na língua portuguesa, seja do Brasil, seja de Portugal, de Angola ou Mo­çambique, e até de outras línguas: pela mesma razão, recorro tanto às esferas populares como às eruditas, tanto à cidade como ao campo. Se certas palavras belíssimas como “gramado”, “aloprar”, pertencem à gíria brasileira, ou como “malga”, “azinhaga”, “azenha” só correm em Por­tugal — será essa razão suficiente para que eu as não empregue, no devido contexto? Porque eu nunca substituo as palavras a esmo. Há muitas palavras que rejeito por inexpressivas, e isso é o que me leva a buscar ou a criar outras. E faço-o sem­pre com o maior respeito, e com alma. Respeito muito a língua. Escrever, para mim, é como um ato religioso. Tenho montes de cadernos com relações de palavras, de expressões. Acompanhei muitas boiadas, a cavalo, e levei sempre um
caderninho e um lápis preso ao bolso da camisa, para anotar tudo o que de bom fosse ouvido — até o cantar de pássaros. Talvez o meu trabalho seja um pouco arbitrário, mas se pegar, pegou. A verdade é que a tarefa que me impus não pode ser só realizada por mim.

Guimarães Rosa vai buscar uma fotografia para me mostrar onde levava o caderninho de notas, nas boiadas: vai buscar uma pasta com a correspondência com um seu tradutor norte-americano, para me mostrar as dúvidas e dificuldades deste, e o trabalho, a seriedade e a minúcia com que as vai resolvendo uma por uma (escrevendo, ele próprio, preciosas autoanálises estilísticas ou considerações filológicas). E, entretanto, vai-me fazendo outras confissões interessantes. Por exemplo:  “gosto das traduções que filtram. Da tradução italiana do Cor­po de Baile gosto mais do que do original.” Ou: “Estou cheio de coisas para escrever, mas o tempo é pouco, o trabalho é lento, lambido, e a saúde também não é muita.” Ou: “Não faço vida literária: como regra, saio daqui e vou para casa, onde trabalho até tarde.” Ou: “No próximo ano, vou publicar um livro ainda sem título, com 40 estórias” (que têm aparecido quinzenalmente, no jornal dos médicos “O Pulso”, onde frequentemente aparecem também cartas ou a atacá-lo ou a defendê-lo ferozmente). Ou ainda: “eu não gosto de dar, nem dou entrevistas. Tenho sempre a sensação de que não disse o que queria dizer, ou que disse mal o que disse, ou que criei maior confusão; e não estou assim tão seguro do que procuro e do que quero. Com você abri uma exceção…”.

Nota:
 Entrevista realizada pelo escritor e jornalista Arnaldo Saraiva, em 24 de novembro de 1966. Publicada no livro “Conversas com Escritores Brasileiros”, editora ECL em parceria com o Congresso Portugal-Brasil.

terça-feira, 24 de novembro de 2015

Anita Prestes em João Pessoa/Paraíba. Conferência e lançamento da biografia política de Luiz Carlos Prestes

Amanhã, 25/11, às 19hs, na Associação Paraibana de Imprensa, em João Pessoa, conferência com Anita Leocadia Prestes e lançamento de seu último livro "Luíz Carlos Prestes: um comunista brasileiro".

Associação Paraibana de Imprensa
Endereço: Rua Visconde de Pelotas, 149
Centro - João Pessoa-PB - CEP: 58013-000






Yes, Sir!

Mauricio Macri, presidente electo de Argentina, sua estrechas relaciones con fundaciones de la derecha internacional y con la embajada de Estados Unidos


Por Atilio A. Boron






Tal como se preveía, no habían transcurrido doce horas desde su victoria electoral cuando en su conferencia de prensa de ayer Mauricio Macri ratificó su vocación de convertirse en un proxy de Washington en la región. En línea con los deseos de la Casa Blanca arremetió contra la República Bolivariana de Venezuela y confirmó que solicitaría la suspensión de ese país como miembro del Mercosur porque, según él, habría infringido la cláusula democrática al “perseguir a los opositores y no respetar la libertad de expresión”. 


Derrocar al gobierno bolivariano es una vieja obsesión del gobierno de Estados Unidos, para cuyo efecto no ha reparado en límite o escrúpulo alguno. Hasta ahora su ofensiva sólo había encontrado un socio dispuesto a avanzar por ese escabroso sendero: el narcopolítico colombiano Álvaro Uribe. Juan M. Santos, que lo sucedió en el Palacio Nariño, no se prestó a tan peligroso juego. Es más, el conservador presidente colombiano no se ha cansado de agradecerle a Venezuela su colaboración en el proceso de paz en curso en La Habana. Macri parece ignorar estas sutilezas de la política internacional y ser un hombre temerario y de frágil memoria, combinación peligrosa si las hay. Habría que recordarle que la sumisión incondicional al imperio ya se practicó en la Argentina durante el menemato, con el nombre de “relaciones carnales”, y que este país pagó con sangre tamaña insensatez. No se entiende por qué habría de repetir ese desatino, salvo para dar cumplimiento a un acuerdo secreto con la Casa Blanca cuya contrapartida seguramente no tardaremos en conocer. 

Macri parece no haber sido tampoco informado que el pasado 28 de Octubre la República Bolivariana fue reelegida para integrar el Consejo de Derechos Humanos de las Naciones Unidas. La Asamblea General de la organización aprobó esa resolución con 131 votos, sobre un total de 192 miembros. Formular las acusaciones que hizo Macri pasando por alto un dato tan significativo como este, que ratifica la presencia de Venezuela en un organismo en el cual participan países como Francia, Estados Unidos, Alemania y Japón, es por lo menos un acto de llamativa irresponsabilidad o una muestra de peligroso amauterismo en el manejo de las relaciones internacionales. ¿Cree acaso que los países del Mercosur van a acompañar su arrebato antibolivariano? ¿Ignora que las decisiones del Mercosur requieren el consenso de todos sus miembros? Para empezar, el canciller uruguayo Rodolfo Nin Novoa se apresuró a declarar que su país “no ve razón para aplicar la cláusula democrática a Venezuela en el Mercosur.” Y lo más probable es que el gobierno brasileño siga el mismo curso de acción, en cuyo caso las amenazas de Macri caerían producto de su inviabilidad política. 

Volviendo al caso de los opositores políticos en Venezuela, ¿qué diría Macri si en los próximos días, siguiendo el ejemplo de Leopoldo López, Daniel Scioli hiciese público su desconocimiento del resultado electoral y poco después del 10 de Diciembre intensificase esa campaña movilizando contactos internacionales e impulsando, cada vez con mayor fuerza acciones violentas exigiendo “la salida” extraconstitucional de un “gobierno ilegítimo” apelando a procedimientos vetados por la constitución y las leyes de la república? ¿Llamaría en tal hipotético caso a Scioli un “opositor político” o lo calificaría, en función de la normativa vigente, como un político incurso en el delito de sedición, que en este país tiene una pena que oscila entre los cinco y veinticinco años de prisión. La legislación venezolana es similar a la argentina y ambas a la de Estados Unidos, donde el delito tiene una penalidad que, en ciertos casos, llega hasta la prisión perpetua o la pena de muerte. En realidad López, cuya mujer estuvo la noche del domingo en los festejos del bunker de Cambiemos, no es un “disidente político” injustamente perseguido por el gobierno bolivariano. Es el cabecilla de un intento de alterar por la fuerza el orden constitucional vigente en su país y derrocar al gobierno surgido de elecciones en un sistema que el ex presidente de Estados Unidos Jimmy Carter dijo que era “más confiable y transparente que el nuestro.” Para ello contó con la colaboración de Uribe, para reclutar un numeroso grupo de mercenarios que camuflados como heroicos “jóvenes universitarios” luchaban valientemente para restaurar las libertades conculcadas en su país. Lanzados a las calles para impulsar “la salida” de Maduro y el derrumbe del orden institucional vigente hicieron uso de cuanta forma imaginable de violencia pueda existir, desde incendios de escuelas y guarderías infantiles hasta la destrucción de medios de transporte públicos y privados, combinado con ataques violentos a universidades y centros de salud, erección de “guarimbas” (barricadas desde las cuales se controlaban los movimientos de la población y se apaleaba o asesinaba impunemente a quienes osaran desafiar su prepotencia) y asesinatos varios. Como producto de estos desmanes murieron 43 personas, la mayoría de ellas simpatizantes chavistas o personal de las fuerzas de seguridad del estado. Tiempo después se descubrió que buena parte de los “guarimberos” eran paramilitares colombianos y que casi no había universitarios venezolanos involucrados en esos luctuosos acontecimientos. La justicia de la “dictadura chavista” lo condenó a una pena de 13 años, 9 meses, 7 días y 12 horas de reclusión. Disconforme con la transición posfranquista en España, el 23 de Febrero de 1981 el teniente coronel Antonio Tejero Molina quiso también él alterar el orden constitucional tomando por asalto el Congreso de Diputados. En su cruzada restauradora el “tejerazo” no produjo ni una sola muerte ni hubo que lamentar pérdidas materiales de ningún tipo. Sin embargo, la justicia española lo sancionó con 30 años de prisión, expulsión del Ejército, pérdida de su grado militar e inhabilitación durante el tiempo de su condena. Nadie lo consideró un opositor político sino un militar sedicioso. Peor es el caso de López, por la mucha sangre derramada por su culpa y por la destrucción de bienes provocada por su apología de la violencia, pese a lo cual la sentencia de la justicia venezolana fue insólitamente benigna. Pero Macri no lo ve así y sigue considerándolo un opositor maltratado por un poder despótico. Mal comienzo en materia de política exterior. Y un paso preocupante en el intento de avanzar en el “reformateo” neoliberal del Mercosur, otra vieja ambición de Estados Unidos, para hacerlo confluir con la Alianza del Pacífico y la Unión Europea dominada por la Troika. 

Atilio A. Boron es investigador Superior del Conicet​​ e investigador del IEALC, Instituto de Estudios de América Latina y el Caribe de la Facultad de Ciencias Sociales de la Universidad de Buenos Aires
* Una versión abreviada de este artículo aparecerá en la edición del Martes 24 de Noviembre del matutino argentino Página/12.


 FUENTE: Rebelión