Entrevista - Anita Leocádia Prestes - revista Carta Capital - 10/11/2015.
A autora, filha do biografado, fez uma reconstituição da história do político que passou pelo exército e se tornou comunista
Por Thaís Barreto
Prestes chega à capital de Pernambuco para participar de comício |
Após mergulhar por 32 anos em
documentos e relatos, a historiadora Anita Leocádia Prestes concluiu a
biografia do pai. A autora de Luiz Carlos Prestes: um comunista brasileiro(Boitempo
Editorial, R$ 48) afirma que a obra não é definitiva. São, contudo,
mais de 500 páginas de rigorosa apuração sobre a trajetória de um dos
mais destacados políticos brasileiros que aderiu ao comunismo. A
preocupação de Anita foi apresentar para as novas gerações a história de
um personagem que “foi sempre caluniado ou silenciado pelos donos do
poder”.
Filho de militares,
Prestes foi criado pela mãe – o pai faleceu cedo, quando tinha 10 anos.
Estudou em escola militar e, em 1920, aos 22 anos, tornou-se
segundo-tenente e foi servir no subúrbio do Rio de Janeiro. Foi quando
teve a primeira imagem do povo brasileiro, segundo a autora. Via rapazes
de 18 anos chegarem ao exército analfabetos, e acompanhava a rotina de
humilhações que os superiores impunham aos mais novos. Prestes dedicou
70 anos à vida política e viveu até os 92 anos. Leia os principais
trechos da entrevista com Anita Leocádia Prestes, filha de Prestes e
Olga Benário:
O 1º encontro de Prestes com a filha, nascida numa prisão da Alemanha nazista |
CartaCapital: Como foi o processo para escrever a biografia de Luiz Carlos Prestes?
Anita Leocádia Prestes: Comecei o trabalho no início dos anos 1980, e à época não tinha certeza se ia conseguir escrever a biografia dele.
Meu pai tinha uma excelente memória, principalmente sobre a Coluna Prestes. Daí
nasceu a preocupação de gravar um depoimento dele. Entrei no mestrado e
doutorado em História e fui pesquisar a Coluna Prestes. Utilizei não só
a entrevista dele, mas muitos outros arquivos listados no livro.
CC: Como foi pesquisar o próprio pai?
Anita: Pesquisei
a vida política dele e também o Partido Comunista Brasileiro (PCB),
pois se entrelaçam. Tive que estudar profundamente a história do Brasil
no século XX e relacionar com a história mundial. Foram 11 livros
publicados em diferentes períodos. Nesses
últimos anos parti para escrever a biografia propriamente dita. No meu
trabalho, a banca examinadora da minha tese de doutorado reconheceu que
eu tinha conseguido alcançar objetividade. Fui criada na minha família
sem mitificar o meu pai.
CC: Que pontos são essenciais para compreender a vida política de Prestes?
Anita: A
preocupação de Prestes, desde muito jovem na Escola Militar, foi com os
subordinados dele, o que não era comum. O que imperava no Exército era a
violência, os castigos corporais por parte dos oficiais, extremamente
autoritários e elitistas. Ele tinha a preocupação que os soldados
estudassem, queria uma vida digna para eles.
No
Rio de Janeiro ele criou três escolas: uma de alfabetização, outra para
soldados e outra para sargento. Ele mesmo era o professor e dava aulas.
Ninguém fazia isso no Exercito na época. Quando ele foi transferido
para o Rio Grande do Sul fez a mesma coisa, tanto que isso foi muito
importante na preparação até do levante da Coluna Prestes.
CC: No
livro você detalha como surgiu o movimento tenentista nos anos 1920, o
qual pretendeu, entre outras coisas, tirar do poder o presidente Artur
Bernardes, que representava exclusivamente a oligarquia brasileira. A
partir daí foi formada a Coluna Prestes...
Anita: A
palavra de ordem do movimento tenentista era o voto secreto, pois a
eleição no Brasil era totalmente fraudada. Quando Prestes participou da
Coluna, na medida em que ele conheceu o interior do Brasil, se convenceu
de que aquele programa não ia resolver os problemas do país, pois a
miséria era assustadora.
Ele
achou que era preciso encontrar uma solução. Encerrou a Coluna e foi
para o exterior. Primeiro ficou um ano na Bolívia, depois foi para
Buenos Aires, o grande centro do movimento comunista. Veio ao Brasil
para dois encontros muito rápidos, por insistência dos tenentes que
queriam que ele apoiasse o Getúlio Vargas.
Era
muito duro para ele não conseguir convencer os colegas para suas
posições comunistas. Ele veio com o objetivo de desmascarar Getúlio,
mostrar que ele não queria fazer revolução nenhuma, mas Getúlio era
muito hábil, prometeu até armas e dinheiro para o movimento.
CC: Como está no livro, Prestes deixou claras suas posições para Getúlio e este fingiu concordar?
Anita: Exatamente.
Prestes ficou isolado, um general sem soldado. Os tenentes aderiram ao
movimento liberal, depois se tornam marionetes. Alguns até viraram
marechais, ministros de Getúlio e até da Ditadura após 1964.
CC: Essa constatação do Prestes sobre as necessidades do povo foram a semente para o que ele se tornou dali em diante?
Anita: Ele
chegou à conclusão que não era possível assistir tudo aquilo e ficar de
braços cruzados. A partir daí, estudou o marxismo e constatou que a
teoria permitiria realizar essa transformação. Essa ruptura que ele faz
em 1930 com os tenentes é algo que as classes dominantes do Brasil nunca
perdoaram.
Foi um momento
em que o Prestes saltou sobre a trincheira da luta de classes,
abandonou qualquer possibilidade de ser uma liderança a serviço da
classe dominante, e se colocou ao lado dos trabalhadores, dos
explorados. Ele nunca quis voltar para o Exército, tinha uma avaliação
muito negativa e nunca aceitou a Anistia. Prestes encerrou a carreira de
militar e passou a ser um político revolucionário.
FONTE: CARTA CAPITAL
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