quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Homenagem à Maria Yedda Leite Linhares



Maria Yedda Leite Linhares – 1921/2011



Por Francisco Carlos Teixeira da Silva, Universidade do Brasil


Maria Yedda Leite Linhares foi acima de tudo uma formadora de gente. Sua alegria, a grande satisfação, era ter em seu redor jovens com quem dialogasse – sempre de forma igual, buscando em cada um deles, um talento, uma vocação. Em torno de sua sala de aula e de seus gabinetes de pesquisas passaram gerações. A primeira delas com nomes como Arthur e Hugo Weiss, Valentina Rocha Lima, Francisco Falcon e Helena Lewin. A estes se agregou uma segunda turma, formada pelos jovens Ciro Cardoso, Barbara Levy, José Luis Werneck da Silva, Berenice Brandão. E então veio a vocação irresistível de participar, de viver no mundo, e fazer a mudança: as lutas políticas e sociais tomaram vulto: contra as oligarquias, contra os entreguistas, contra as burocracias e as velhas lideranças acadêmicas carcomidas. Sua integral participação nas lutas do seu tempo a levaria, em 1964, a viver a cada dia no coração da crise do Brasil moderno.



Contra todos os conselhos, inclusive do bom-senso e sabedoria do Dr. José Linhares, ou “o José” simplesmente, ela insistira. Não havia conserto, era da sua natureza. Nascera assim. Lá no Ceará, em 3 de novembro de 1921, nascera - para usar a expressão do poeta que ela tanto amaria - “gauche na vida”. Meninota, contra a vontade dos pais, colocara um imenso laço vermelho nos cabelos para ver a passagem das tropas revolucionárias que adentravam o Calçamento de Messejana para conquistar Fortaleza em 1930. Aí consolidara sua vocação: rebelde, teimosa, voluntariosa, humana e generosa.



Com a família, seguindo o rastro da crise mundial que derrubara os preços do algodão, mudou-se para Porto Alegre. Lá ficou pouco tempo. Sofreu uma infecção no ouvido, que mais tarde martirizaria a vida e a vaidade. Mudaram-se para o Rio. Aqui, na capital federal, abriu-se o espaço e as redes sociais que permitiriam a Maria Yedda ser a mulher que marcou seu tempo. Autodidata, com uma letra incompreensível, adaptou-se mal ao colégio de freiras. Estudou ainda mais, em especial português – que se tornou uma obsessão e quase a nos rouba para o jornalismo – e história. Na maratona de educação alcançou o primeiro lugar, tendo como prêmio o único livro que jamais emprestou: a História Geral de Varnhagen.



A criação da UDF facilitou sua ascensão ao curso de “filosofia” – entendida bem mais como um curso humanista para a formação de professores. Lá conheceu os amigos que marcariam sua vida: o Dr. Anísio Teixeira, uma marca poderosa. Com o Dr. Anísio apreendeu, e acreditou, por toda vida que somente a educação para todos, laica e pública, mudaria o país. Aí encontrou também seu amigo de vida, Darcy Ribeiro – o que não quer dizer, de forma alguma, que não brigassem como cão e gato. Conviveu como jovem estudante, em sala de aula ou em reuniões e debates, com homens como Hermes Lima, Brochado da Rocha, San Thiago Dantas - todos jovens professores e oponentes da ditadura varguista. Yedda ouvia, apreendia e preparava-se também para participar.



Por fim assistiu a derrocada da UDF, o golpe do Estado Novo e a prisão de Pedro Ernesto e de seus jovens professores.



Sua excelência em português, já naquele momento conhecida de todos, a aproximou de uma severa senhora americana encarregada da formação de quadros do Dasp. Era a chegada da política de boa vizinhança. Maria Yedda foi para os Estados Unidos, jovem, corajosa e sozinha. Um fenômeno em sua época. Estudou no Barnard College, na Universidade de Columbia.



Nada seria igual depois disso. Creio que mesmo o amor, e gratidão, que viria a ter pela França, não igualariam jamais a admiração pelos Estados Unidos. Sozinha, e precisando viver, tornou-se, ainda uma vez, professora de português para americanos e, depois, em inglês, locutora da rádio universitária.



Travou laços de amizade com uma geração de exilados da guerra civil espanhola, odiou Franco e ouviu os relatos das atrocidades dos fascismos em ascensão. Conheceu a poesia americana, espanhola e a arte deslumbrante de um México insurgente. Amava Lorca. Freqüentou o Radio City Hall e apaixonou-se pelo jovem Frank Sinatra. O inglês tornou-se uma língua fluente, na qual amava dizer poesias. Todas modernas, nunca amou Shakespeare, mas ficaria para sempre fascinada pela sonoridade de Walt Whitman.



Então veio guerra e a decisão de voltar ao Brasil. Três dias de avião, porto por porto, até mesmo no Caribe com o piloto perseguindo um submarino alemão. O Rio mudara, o Brasil se cansava da ditadura nativa. Voltava para universidade, agora a UB, a gloriosa universidade da qual seria a mais jovem mulher catedrática.



Travava amizade com Delgado de Carvalho, o decano da história moderna e contemporânea. Mais do que tudo: conhecia José, jovem rábula, que a traria, ainda mais, para o coração da crise, casando-se e convivendo com os atores do poder. Data daí a amizade e o respeito por Alzira Vargas – o que importava que fosse oposição, tratava-se de “Alzirinha”, tão somente. Jamais esqueceria a desobediência do Comandante Amaral Peixoto, o pai da nossa “França Livre”, Niterói!



Tornou-se fundadora da UNE e sua primeira diretora do “Departamento Cultural”: o teatro, incluindo o jovem teatro negro, as revistas culturais e dos debates. Talvez fosse sempre isso do que Yedda mais gostava. O debate. Quente. Vivo. Múltiplo. Formou-se a frente pela entrada do Brasil na guerra mundial. Lá estava ela, na primeira fila, de braços com Marighela! O escritório da Reuters, na Cinelândia, tornar-se-ia seu prórpio escritório, lendo em primeira mão os telegramas que relatavam a guerra. Tornar-se-ia, para sempre e do fundo do seu coração, botafoguense. Os chamados rapazes do Botafogo, com João Saldanha à frente, seriam parceiros de caminhadas na então estreita calçada de Copacabana.



O casamento deveria ter equilibrado sua vocação revolucionária, creio, contudo, que foi o Dr. José que se acostumou ao sobressalto. Aconselhava, pedia e sempre, sempre, punha-se ao seu lado. Em toda crise repetia a mesma coisa: “Minha filha, não diga nada, espere para ouvir...” Inútil, Yedda não era mulher de esperar. Agia. Muitas vezes na direção certa, guiada por seu instinto contrário a toda injustiça. Outras vezes era precipitada, nunca, contudo, injusta. No mais das vezes prejudicava a si mesma.



Do casamento teve Maria Teresa, “Teca”, e José, “Zequinha”! Havia orgulho nos filhos, via-se neles, sentia por eles. Uma das maiores revoltas foi vê-los envolvidos na insidiosa e malsã campanha da imprensa golpista nos idos de março de 1964. Creio também que ambos pagaram algum preço – o preço de serem filhos de Yedda, o preço das horas roubadas, o preço de partilhá-la com todos nós, comigo, com Ciro Cardoso e principalmente com Francisco Falcon. Temos que pedir perdão por isso, perdão por tê-la tanto tempo conosco! A tudo se juntava a presença de Yonne Leite, outro motivo de orgulho de Yedda, que a via, com tudo que isso encerra, bem mais como filha do que irmã.



Na casa, a velha Virgínia cuidava de todos, incluindo alimentar os famintos assistentes, como o insistente Falcon.



Vieram os concursos, provas, cerimônias, becas e arminhos. Substituía Delgado de Carvalho como catedrática: foi o dia que mais chorou na vida. Não queria a cátedra, ao menos não queria “aquela cátedra” – lutaria todo o resto de sua vida para mudar a universidade. Falcon seria seu principal companheiro de trabalho, de lealdade e de debates intelectuais. Livros inteiros eram lidos e resenhados pelo telefone, todas as noites.



Os tempos eram de chumbo, o ar era arenoso e o chão fugidio. Yedda namorava com o PCBR, respeitava e ouvi a Apolônio de Carvalho, tinha Renée como amiga. Apoiara o ministro da educação, assumia a direção da Radio MEC. Desesperada, sem tempo, negociando e montando uma equipe de trabalho, pediria a Eduardo Portella que escrevesse seu discurso de posse, dizendo pelo telefone o que queria dizer. Ao seu lado estaria como fiél escudeira a nossa Sandra Ribeiro da Costa, forte, sem sutilezas e capaz de protegê-la, inclusive dela mesma.



Usou seu espaço para fazer cultura, afastou-se do ambiente malsão da FNFi daqueles dias. Adorava as óperas e a música erudita, da qual se tornou aficionada, muitas vezes tendo Ciro Cardoso como interlocutor. Só detestava o Bolero de Ravel. Deu a Roberto Carlos seu primeiro emprego no Rio, na própria rádio. Então vieram rostos novos, em especial Alberto Coelho, um amigo que será um consolo e uma fonte permanente de atualização e de novidades.



Então veio o pior: as forças alarmadas, como dizia “o José”, tomaram o poder. A “Revolução Brasileira em curso”, como diziam os amigos do ISEB, era feita de papel. As conseqüências seriam terríveis. Prisões, cassações, aposentadorias compulsórias. Maria Yedda seria inculpada em 11 IPMs; seria acusada na mídia, seria espezinhada por muitos. Pouco importava, sabia o que fazer.



Queria proteger amigos – advertia Falcon, em razão do projeto da história nova. Passaria uma temporada no exterior e por fim tomaria à frente da resistência. No apartamento da Cinco de Julho organizava-se a Passeata dos Cem Mil. Em fim, o ar tornou-se irrespirável. As prisões se sucederam... Tirada do hospital foi levada para o 1º. RCC. Fernand Braudel e Jean-Paul Sartre escreveriam ao presidente-general exigindo sua liberdade.



O exílio seria na França. Primeiro Paris, onde encontraria Ciro Cardoso, e todos que estavam, e depois Toulouse-Le Mirail, onde Jacques Godechot e Bartolomé Benassar a aceitariam com carinho e respeito. Travaria conhecimento e angariaria respeito de todos: Albert Soboul, o amigo Mauro.



Por fim, o casamento de Maria Teresa e o nascimento de Patrícia, a primeira neta seriam de mais. Forçava seu retorno, antes do decreto da anistia. A pressão seria tremenda, obrigando-a a um exílio interno, em Vassouras e impossibilitando toda pesquisa e docência em entidades públicas.



Com a volta reorganizavam-se as redes de sociabilidade, os amigos e os projetos. Em principio o CPDA, no Horto Florestal, depois a UFF e. em fim, o retorno à casa, a UFRJ. Formava-se em torno dela uma nova geração, dos quais João Fragoso e Hebe Mattos são os mais amados.



Em fim a redemocratização: Yedda ainda uma vez aceita os desafios. Primeiro é a secretaria municpal de educação, depois, por duas vezes, seria secretaria estadual de educação. Então, ao lado de Darcy Ribeiro, lançariam mão da herança do Dr. Anísio Teixeira. Os cieps, brizolões – a mais generosa e igualitária proposta de educação que o país produziu – é em verdade a versão moderna da escola-parque.



Outros amigos vieram: Laurinda, Lia Faria, Edilberto, Maria Lucia kamache – todos embalados pelo mesmo sonho: “A educação para todos, pública, laica e de qualidade". Ao seu lado, como amparo, crítico e amigo, teria a presença de Paulo Sérgio Duarte, mais um filho muito amado.



Isto é um pouco de Maria Yedda, só um pouco, porque tão poucas pessoas conseguiram em uma só vida viver tanto. Hoje não estou triste, não quero estar triste. Para Yedda tenho apenas uma lembrança, um título de Pablo Neruda: “confesso que vivi”!



FONTE: Carta Maior

terça-feira, 29 de novembro de 2011

Educação Popular: Escola Itinerante dos acampamentos do MST

MST comemora 15 anos de existência da Escola Itinerante



Por Isabela Camini,
Da Caros Amigos



"Os poderosos não temem os pobres, temem os pobres que pensam. As escolas do MST ensinam os estudantes a pensar e, por isso, são condenadas e proibidas. Esta condenação apenas vem confirmar o fato de que os que não amam a democracia querem o povo ignorante para poder continuar a tratá-lo como massa de manobra e impedir que busque seus direitos e viva sua cidadania" (Eduardo Galeano).



Comemorar 15 anos de existência da Escola Itinerante dos acampamentos do MST - uma experiência escolar pública, estadual, itinerante, que se pretende contra-hegemônica à existente escola capitalista, pode-se considerar um avanço importante para os movimentos sociais do campo, de modo especial para o MST, cuja luta pela Reforma Agrária, em toda a sua história, é entrecruzada com a luta pela educação e escola.



Frente às inúmeras criações e invenções no campo da educação, com pouco êxito e sustentação, nos últimos anos, seja pela fragilidade da proposta ou falta de convicção e projeto social de seus propositores, se torna necessário que o MST faça uma reflexão acerca das experiências escolares itinerantes, desenvolvidas no decorrer de 15 anos da Escola Itinerante, reconhecida e aprovada pela primeira vez (1996), no estado do Rio Grande do Sul. Salientamos que neste período, esta experiência se expandiu para outras regiões do país, forjando o Movimento a voltar seu olhar, com mais afinco, para a escola e para a formação de educadores, na perspectiva da classe trabalhadora. Vale destacar também as inúmeras pesquisas e sistematizações, realizadas neste período, que referenciam, de modo especial, a Escola Itinerante organizada e desenvolvida nos acampamentos do MST do Rio Grande do Sul e Paraná, como um projeto de escola próximo à Pedagogia do Movimento, conectada com a vida e com as práticas sociais que a cercam.



Para lembrar, atualmente a forma escolar itinerante encontra-se aprovada em seis estados: Rio Grande do Sul (1996), Paraná (2003), Santa Catarina (2004), Goiás (2005), Alagoas (2005) e Piauí (2008). Porém, em Goiás a experiência foi desenvolvida durante apenas dois anos, e no Rio Grande do Sul suas atividades foram interrompidas pelo TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) firmado entre Secretaria de Estado da Educação e Ministério Público do RS, no final do ano de 2008, essa questão será abordada mais adiante.



É, portanto, sobre algumas lições e aprendizados obtidos com a Escola Itinerante, construída, praticamente, em cenários de conflitos: tensões, contradições e dificuldades que queremos refletir neste pequeno texto. Todavia, temos presente à impossibilidade de tratarmos, brevemente, aspectos importantes desta experiência, dada sua singularidade em cada acampamento, marchas, despejos, e outros espaços, nos quais esta escola se fez presente pelo período e/ou tempo exigidos pelas mobilizações das famílias acampadas. Situações essas, impostas pela morosidade no que tange às questões relacionadas ao projeto de Reforma Agrária proposto pelos trabalhadores.



Rememorando a história



Para melhor entendimento de nossa reflexão, acerca da Escola Itinerante, reportamo-nos ao tempo e à memória, trazendo presente dois fatos/acontecimentos, expressos com particularidades diferentes, mas que marcaram a história do MST, ocorridos em um dos períodos mais férteis de expansão do Movimento para outras regiões (1990), os quais são expressos com particularidades diferentes. Para entender a relação que estabelecem entre si e o sentimento que provocam nos militantes, a cada ano que passa, esses acontecimentos serão identificados pela ordem cronológica.

Em abril de 1996, o Massacre do Eldorado dos Carajás, no Pará, com dezenove trabalhadores sem terra, assassinados.



Em novembro do mesmo ano, aprovação da proposta de Escola Itinerante dos acampamentos do MST no Rio Grande do Sul, Estado pioneiro em reconhecer a trajetória e a experiência de escola que vinha sendo delineada e construída como projeto, para o atendimento às crianças e adolescentes em situação de acampamento, desde as primeiras ocupações de terras improdutivas no estado, na década de mil novecentos e oitenta.



Embora o primeiro fato, que indignou o mundo pela sua crueldade, tenha ocorrido no mês de abril, em uma ponta do país - na região Norte, e o segundo, um acontecimento que representou um avanço para o projeto educativo do Movimento, ocorrido no mês de novembro, em outra ponta do país - na região Sul, são fatos relacionados entre si, porque ambos aconteceram no interior do Movimento Social, articulado pelos mesmos princípios, em vinte e quatro estados da Federação. Portanto, os acontecimentos do MST no RS, no Pará, ou noutro estado, repercutem imediatamente na Organização em nível nacional. Sendo assim, tanto o massacre sangrento dos dezenove sem-terra no Pará, quanto à criação da Escola Itinerante no Rio Grande do Sul, respeitadas suas particularidades, são acontecimentos que marcaram o calendário de lutas do MST lembrados de maneira especial nos meses de abril e novembro de cada ano.



Seguramente, pela sua repercussão e significado, esses dois fatos continuam irradiando seus efeitos 15 anos depois.



Criação em 1996



Em relação ao Massacre de Eldorado dos Carajás assistimos a cada ano, na agenda de lutas batizada de Abril Vermelho, em várias regiões do país, inúmeras manifestações, ocupações e celebrações visando manter viva a memória daqueles companheiros que tombaram pela mão do poder opressor do capital. Essas manifestações intencionam relembrar à sociedade o crime cometido pelo Estado burguês contra a vida dos trabalhadores do campo, denunciar a não realização da Reforma Agrária e, ao mesmo tempo, preservar a memória de fatos que marcaram a época, e que ainda sangram nas veias do MST, por ver a impunidade dos culpados.



O segundo fato anunciado, o qual se constitui a razão fundamental deste pequeno texto, se relaciona com a Escola Itinerante dos acampamentos do MST, criada em 19 de novembro de 1996, no estado do Rio Grande do Sul, e, em seguida, expandida para outras regiões do país onde o MST está organizado.



Assim, como o primeiro fato, que continua a indignar até hoje, merecedor de denúncia permanente, o segundo, também é destacado com comemorações alusivas a data de 19 de novembro, de cada ano, de modo especial nos estados e comunidades acampadas, onde a escola pública está sendo recriada/reinventada - em sua forma e conteúdo, denominada de Escola Itinerante.



Entre tantos fatos marcantes, na história da luta pela terra encampada pelo MST, na década de 1980 até nossos dias, os dois fatos que anunciamos acima, motivam e renovam, a cada ano, a vivência de uma mística que neutraliza os ídolos do egoísmo, que recoloca a necessidade de lutar e construir ao mesmo tempo, capaz de mexer com a alma dos militantes.



Como se pode observar, a contradição é visível, pois o Estado burguês que matava trabalhadores sem terra, acampados no Pará, ao mesmo tempo aprovava o direito de crianças em iguais condições frequentarem a escola pública estadual, no sul do país.



Fechamento no RS



Embora nosso texto não queira centrar o foco no Termo de Ajuste de Conduta - TAC, firmado entre Secretaria de Estado da Educação e Ministério Público do RS, no final do ano de 2008, o qual determinou o fechamento das sete escolas itinerantes dos acampamentos do MST do RS, deixando sem escola, em torno de 600 crianças e adolescentes, obrigando-as a estudarem em escolas urbanas, é importante fazer uma pequena memória do ocorrido, uma vez que, até o momento, dois anos e meio após o ocorrido, as atividades escolares itinerantes ainda não foram retomadas.



Em consequência desse fato, no início do ano letivo de 2009, inúmeras mobilizações foram realizadas, pelo MST e seus apoiadores, do campo e da cidade, na direção de retomá-las. No entanto, governo e Ministério Público mantiveram-se inertes e indiferentes à voz e as manifestações da sociedade civil que se via no direito de lutar e exigir que o governo e Ministério Público revissem suas decisões. Todavia, as vezes que se manifestaram foi no sentido de reafirmar a intransigente decisão da não reabertura das mesmas, alegando que os conteúdos escolares veiculados na Escola Itinerante eram de cunho ideológico. Ignorando o drama das famílias acampadas, obrigadas a separar-se dos filhos em idade escolar, Governo e Ministério Público se limitaram a pressioná-las para que buscassem vagas em escolas da rede pública, estadual ou municipal, localizadas próximas dos acampamentos.



No entanto, esta procura só foi feita mediante pressão e ameaça da brigada militar e oficiais de justiça junto aos acampados. Surpreendentemente, essas instituições visitaram as comunidades acampadas a fim de fiscalizar se havia alguma criança não matriculada nas escolas indicadas. No entanto, se negaram a informar que em alguns casos, a escola mais próxima se encontrava há 30 ou até 50 km, distante. Ou seja, aqueles educandos que encontraram vagas e se submeteram ao transporte escolar para chegarem à escola, tiveram de enfrentar muitas horas de viagem, além de conviver com o preconceito por serem “sem terra”.



Como é do conhecimento de muitas pessoas, porque o debate à época foi polêmico e veiculado pela imprensa, relembramos que a decisão do fechamento das sete escolas itinerantes, pelos mesmos órgãos públicos que deveriam assegurar o direito, em vez de violá-lo, levou inúmeros educandos à reprovação, à perda do ano letivo, e, consequentemente, ao fracasso escolar.



Curiosamente e estranhamente a Secretaria de Estado da Educação, em vez de resolver o problema baseado no princípio do diálogo, buscou solucioná-lo da forma mais violenta e truculenta possível, apoiando-se no efetivo da brigada militar, uma instituição que tem outras funções sociais. Desse modo, confirmam-se as inúmeras críticas já conhecidas ao sistema escolar vigente, sempre muito preocupado com o acesso das crianças à escola, porém, deixando em segundo plano a preocupação com a permanência e qualidade do ensino nas escolas onde estudam os filhos dos trabalhadores, especialmente nas escolas do campo.



É dessa forma que a Escola Itinerante, solução encontrada ainda no ano de 1996, no Rio Grande do Sul, para atender as crianças e adolescentes nos acampamentos, tem suas atividades escolares proibidas doze anos depois, sem diálogo e sem consentimento do Movimento Social que conquistou essa escola, como solução viável para manter os filhos próximos aos pais enquanto lutam pela terra. Portanto, se constituiu um ato autoritário e prejudicial, em grande medida, para as famílias Sem Terra. Em outras palavras, podemos dizer que este foi mais um ato, contra os direitos humanos de um povo, já desprovido de outros direitos, pela sua humanidade roubada, há tempo, pelo sistema capitalista.



Dignidade



Todavia, no que pese a importância desta Organização e o sonho que alimenta seu projeto social, este povo tenta de todas as formas reencontrar sua dignidade, esperança e sentido, participando da luta pela terra, vivendo nos acampamentos e mobilizando-se com eles, sem descuidar da escola para seus filhos.



Neste momento, praticamente três anos deste ocorrido, o referido termo (TAC) está sendo questionado e considerado sem valor legal pelo atual governo do estado.

Em face deste novo cenário, sem visualizar a solução do problema em curto e médio prazo, algumas perguntas se fazem necessárias: Porque esta escola foi fechada e negada como direito do povo e dever do Estado? Qual a responsabilidade cabível ao Estado, no que se refere aos prejuízos causados para as crianças e adolescentes Sem Terra, durante quase três anos em que a Escola Itinerante se encontra proibida de desenvolver atividades escolares? O governo de Yeda Crucius, à frente deste Estado, no período de 2007-2010, não será responsabilizado por isso?



Como integrante na luta pela Escola Itinerante do MST, e pesquisadora nesta área, tenho contribuído, ao longo dos 15 anos, no processo de construção e elaboração de sua proposta educativa, fundamentalmente pelo papel social que a escola desempenhou e desempenha ao tornar-se referência, expandindo-se para outros estados da federação. Temos presente que, à medida que fomos recriando a escola e construindo a Itinerante com uma forma escolar diferente, ela tem nos provocado a pensar uma outra escola nos assentamentos. Talvez, por isso, ela tenha sido tão questionada por parte do Sistema, ao mesmo tempo, elogiada por aqueles que acreditam nesta possibilidade.



Educação básica



Ainda nesta parte, é importante salientar que a Escola Itinerante dos acampamentos, mesmo tendo sido reconhecida pelos órgãos públicos somente em 1996, é uma retomada das primeiras experiências educativas iniciadas na década de 1980, no Estado do Rio Grande do Sul, que foi pioneiro em reconhecer a Escola Itinerante como pública estadual, e também, pioneiro em interromper e proibir as atividades da mesma.

Faz-se necessário mencionar e destacar, neste texto, que no Paraná, o segundo Estado a reconhecer a Escola Itinerante (2003), tomando por base a experiência em desenvolvimento no RS, gradativamente foi ampliando a experiência da Escola Itinerante para o conjunto da Educação Básica, ou seja, hoje, mantém escolas itinerantes de ensino fundamental e ensino médio, organizadas em várias comunidades acampadas, evitando problemas de reprovação, ou ainda, a perda do ano letivo para muitos Sem Terra.



Todavia, este avanço e compreensão da necessidade de uma escola alternativa, itinerante, viável para a condição em que vivem os Sem Terra no Paraná, não resultam do simples fato do Estado Burguês empenhar seus esforços e acreditar neste projeto, mesmo que em alguns casos tenha sido parceiro, especialmente no apoio aos processos de sistematização e divulgação da proposta de Escola Itinerante no período de 2007 - 2010. Esse avanço, sem dúvida, é fruto do enfrentamento das contradições e dificuldades nas relações entre Movimento Sem Terra e Estado, que, independente do apoio ou não do poder público, continua sua luta pelo direito à escola e sua transformação, propondo e construindo pouco a pouco, a nova escola, mesclando o ensino com a vida.



Ajustamento



Neste sentido, tem-se a clareza dos limites e dificuldades que teremos que enfrentar, enquanto Organização Social, na tentativa de contrariar o projeto hegemônico de escola. Mesmo assim, existe a certeza que valerá a pena assegurá-la nos acampamentos, fazendo de tudo para que a escola dos sem terra não tenha um retrocesso e volte ao leito e a vocação para a qual a instituição escolar foi organizada e assegurada historicamente, a serviço dos interesses e ideais das classes dominantes no decorrer dos últimos séculos.



Como acabamos de ver, o fato da referida experiência de escola do RS ter sido motivadora e incentivadora para a criação de escolas itinerantes no Paraná, em Santa Catarina, em Goiás, no Piauí e em Alagoas, e de ter motivado inúmeras pesquisas acadêmicas e processos de sistematização, que tornaram conhecida a Escola itinerante dos Sem Terra, não foi determinante para a abertura de diálogo que pudesse reverter o TAC. Cabe destacar que, enquanto as escolas itinerantes do RS se encontram fechadas há mais de dois anos, em outros estados, essa forma escolar continua sendo a solução adequada e viável para o atendimento dos filhos das famílias que vivem em condições de itinerância na luta pela Reforma Agrária.



Embora nosso texto tenha por objetivo principal tratar das lições e aprendizados obtidosnos espaços das escolas itinerantes, comemorando sua existência há 15 anos nos acampamentos do MST, não seria justo deixar de mencionar, e mais uma vez, denunciar, a intransigente decisão tomada pelo Estado do Rio Grande do Sul, de negar o direito à educação às famílias Sem Terra. Também, é oportuno dizer que mesmo a Escola Itinerante almejando êxito por se constituir um contraponto à escola convencional, por estar inserida em uma realidade em que as práticas sociais são latentes, tal qual um acampamento, uma marcha, conforme comprovado em tese, não se tornaria conhecida, estudada e debatida, senão tivesse sido impedido seu funcionamento, no final de 2008.



Retrocesso



Contudo, entende-se que esta foiuma decisão, a princípio, profundamente contraditória e autoritária, pois desrespeitou o direito das famílias acampadas, de manterem seus filhos próximos a elas, situação, essa, favorecida quando do reconhecimento da Escola Itinerante na itinerância dos acampamentos, em 19 de novembro de 1996, pelo Conselho Estadual de Educação e Secretaria de Educação, em um governo pouco progressista do PMDB.



Esse foi um ato de governo, considerado à época, sensível às causas pelas quais o povo lutava, entra elas, o direito a uma educação alternativa, podendo organizar e recriar a escola em locais distantes onde se encontra o povo em luta. Entretanto, após doze anos do desenvolvimento desta experiência, vem outro ato de governo, retrocedendo o anterior, determinando o fechamento e a proibição desta Escola.



Concluindo esta breve reflexão sobre o fechamento da EI, trazemos novamente Eduardo Galeano, porque ele sintetiza o pensamento dos trabalhadores: “Os poderosos não temem os pobres, temem os pobres que pensam. As escolas do MST ensinam os estudantes a pensar e por isso são condenadas e proibidas...”.



Perspectiva e tarefa atual



Hoje, analisando a trajetória desta escola, contabilizando-se todos os desafios enfrentados percebe-se o quanto a Escola Itinerante tem representado para o Movimento, sobretudo, pelas provocações e interrogações que vem lhe fazendo, no decorrer de 15 anos. Também, pelo trabalho e dedicação exigidos das comunidades, que lutam por mantê-la em suas áreas, por exemplo, frente a um despejo do acampamento, frente a um vendaval que destrói sua estrutura física, e/ou frente ao inesquecível acontecimento da queima da Escola Itinerante Dandara, pelo efetivo da brigada militar, no acampamento Sepé Tiarajú, Fazenda Guerra, município de Coqueiros do Sul em 2006, entre outros.



Aqui, poderíamos trazer inúmeros exemplos que indignaram e mobilizaram as comunidades acampadas na construção e em defesa dessa escola. Sabe-se, porém, que a Escola Itinerante, para essas comunidades, teve e terá sempre um novo sentido, à medida que se mantém conectada à vida e as práticas sociais dos sujeitos engajados na luta por outro projeto social. Sendo assim, a escola neste contexto não teria sentido e viabilidade em outro espaço. Portanto, a presença da escola nestes espaços terá que ser na perspectiva da intencionalidade formativa do projeto social que este povo tem como horizonte. Neste sentido, relembramos o que foi dito acima. Ao ser fechada a Escola Itinerante no RS, acusada de ser ideológica, a classe dominante tenta negar que toda a instituição escolar é ideológica, porém, de forma não explicitada. Sabemos que por ser itinerante imersa na luta social, a Escola Itinerante explicita sua não neutralidade, frente à luta social latente e as condições de vida extremadas que vivem os Sem Terra.



O Movimento, enquanto Organização social, não tem dúvida do papel que a Escola Itinerante assumiu ao longo de 15 anos. Nas diversas escolas organizadas nos acampamentos, denominadas com nomes de lutadores do povo, tais como: Che Guevara, Olga Benário, Zumbí dos Palmares, Oziel Alves, Paulo Freire, e outros, escolarizaram-se centenas de crianças, adolescentes e jovens que puderam continuar seus estudos no ensino médio e superior, além de contribuir e forjar este Movimento a mover-se na direção do cuidado com o conjunto da escola, seja de acampamento ou de assentamento. Neste sentido, Alessandro Mariano, do setor de educação do MST do Paraná, nos revela algo bem importante: “A Escola Itinerante do MST, criada em 2003, no estado do Paraná, nos obrigou a olhar para a escola do MST”.



Referência



Sendo assim, a Escola Itinerante, embora ainda longe de ser a escola que os trabalhadores do campo buscam, torna-se referência de escola para os filhos dos acampados, dando-lhes a oportunidade de estudar enquanto lutam, sendo agente-fermento, contribuindo na formação desses lutadores sociais, de acordo com a realidade de cada região onde está inserida. Essa Escola, e sempre provocada para ser diferente econtrariar o projeto de escola hegemônica, continua a refazer-se em acampamentos dos Sem Serra do Paraná, Santa Catarina, Alagoas e Piauí, como “semente que se espalha e cresce com vigor”, conforme depoimento de Pedro Tierra, ao perceber a presença de inúmeras crianças e adolescentes, em idade escolar, no acampamento de Eldorado dos Carajás, logo após o massacre dos dezenove sem terra, em 1996.



Portadora de uma experiência singular, a escola da qual estamos falando, é itinerante, mesmo que possa parecer estranho aos olhos de muitas pessoas, incapazes de admitir uma forma escolar diferente daquela escola, geralmente cercada pelas grades e localizada, fisicamente, distante da vida daquelas pessoas que a frequentam.



É itinerante porque inserida no meio social que a conquistou, a mantêm viva sob a orientação da Pedagogia do Movimento. É itinerante por sua natureza. E é de sua natureza não fechar-se sobre si mesma, ignorando a realidade que a cerca, ou visitando-a de vez e outra, sem importar-se com ela ao retornar à sala de aula e ao retomar o currículo pré-estabelecido, exigido e imposto pelo Sistema. É de sua natureza manter-se aberta para a vida, sem, contudo sentir-se aprisionada pelas estruturas físicas que a impedem de mobilizar-se, à medida da necessidade da luta.



É itinerante porque construiu uma organização coletiva que a permite caminhar em movimento, sem aprisionar-se a um único lugar - sala de aula, considerado pela escola convencional, quase único e imprescindível espaço favorável para aprender. Por isso, a Itinerante, ao mesmo tempo em que assusta, despertando debates acerca dela, também aponta a possibilidade de outro jeito de escola.



Sendo assim, torna-se difícil e complexo descrever o que significou a conquista do direito de estudar nos acampamentos, a presença desta forma escolar num espaço de permanentes lutas e contradições, além de todo o trabalho realizado no sentido de transformar esta escola no decorrer de quinze anos. Nossa pretensão aqui é apenas fazer memória e levar o leitor a refletir sobre alguns fatos que marcaram a sua trajetória.



Desafio



Herdeira das primeiras iniciativas educativas do Movimento, a Escola Itinerante, por pretender-se diferente da escola burguesa, tem se tornado um desafio permanente para o MST, pois é um projeto a ser construído passo a passo, com persistência, tendo em vista as reais circunstâncias físicas e conjunturais onde ela precisa ser construída, desfeita e reconstruída novamente, dependendo da mobilização, ocupação ou um despejo. Neste sentido, precisamos destacar o trabalho incansável dos coletivos de educadores e comunidades acampadas, onde existe ou já existiu alguma escola itinerante, no sentido de não reproduzirem nesse espaço escolar, a forma escolar hegemônica, da qual, a classe trabalhadora precisa se libertar, à medida que se empenha para construir a sua escola, buscando conhecer as experiências educativas bem sucedidas de outros países, mesmo que em tempos e contextos distintos.



Construída com muito trabalho, identidade e mística, a Escola Itinerante do MST, sempre foi uma interrogação para o Movimento, porque desde o início ela não poderia atrapalhar e impedir as mobilizações, próprias do movimento pela Reforma Agrária. Por isso, buscououtra forma deorganização, capaz de acompanhar a luta, sem prejuízo de dias letivos. Portanto, a forma escolar itinerante deu conta deste objetivo.



Experiências



Entre muitos debates e estudos realizados para encontrar o caminho que viabilize essa escola, atualmente, o desafio vem se constituindo, fundamentalmente, na busca e compreensão de experiências que já foram realizadas em outros tempos e contextos sociais, tais como a educação socialista, no período revolucionário de 1917-1930, na Rússia, tendo presente, todavia, que a primeira experiência que ousou contrariar a escola capitalista, se desenvolveu em um contexto social bem distinto do atual. Ao estudá-la e compreendê-la, nosso maior desafio hoje, se constitui, basicamente, em exercitar alguns aspectos desta escola, tendo presente a realidade atual capitalista em que nos encontramos – onde se desenvolve a Itinerante - sem previsibilidade, a curto e médio prazo de mudança estrutural.



É nesta perspectiva que já exercitamos, no interior da Escola Itinerante, espaços de auto-organização dos estudantes, levantamento, pesquisa e sistematização das questões do seu entorno, além de avançarmos na compreensão e na construção processual dos Complexos de Estudo já experimentados pela escola russa. Neste sentido e na direção que vai essa escola, se torna necessário e imprescindível pensar um projeto de formação dos educadores que lhe dê condições de acompanhar e analisar as lutas em que se insere a escola, além de refletir e sistematizar a pedagogia que se constrói na itinerância.



Nosso entendimento é que o acompanhamento pedagógico aos educadores é um esforço que precisamos fazer, tendo em vista a escola que queremos construir, conectada com o projeto social da classe trabalhadora. Conforme Freitas, 2011, “forma-se o educador segundo a forma escolar que se tem em vista, uma forma escolar que lhe sirva de horizonte”.



Perspectiva social



Por fim, temos presente que a construção dessa escola é tarefa dos trabalhadores Sem Terra, principalmente pela sua importância no processo educativo e formativo da referida classe. Todavia, não é qualquer escola, mas sim uma escola que seja capaz de acompanhar sua perspectiva social. Por isso mesmo, se faz necessário começar sua projeção e construção, neste momento, sem esperar pela transformação social, pela qual lutamos e acreditamos que venha ocorrer.



O desafio, pois, é ir fazendo a ocupaçãoda escola, e a partir dela e de dentro dela, pensar a escola dos trabalhadores, tendo presente que não será tarefa simples, mexer com a instituição escolar - uma construção social e histórica, conservadora, e colocá-la em nossa direção, pois a forma escolar usual é a referência mais conhecida, se não a única, aceita sem questionamentos pela maioria das pessoas.



Que todas as interrogações, lições e aprendizados extraídos nestes 15 anos de Escola Itinerante, sejam um incentivo e provocação para denunciarmos que “fechar escola é crime”, além de um grande retrocesso, especialmente no campo; determinação para continuarmos a luta pela transformação da escola, sem esquecer, todavia, que esta transformação nos custará muito trabalho e dedicação, principalmente porque enquanto não houver uma transformação social, estaremos todos os dias, remando contra a maré, contra o projeto hegemônico da escola capitalista.



Por fim, o que deve fortalecer nossa luta é a tripulação com quem comungamos nossos projetos, a pressa para construí-los, e a direção em que remamos.



* Isabela Camini é mestre e doutora em Educação pela UFRGS, pesquisadora da Escola Itinerante, autora do livro: "Escola Itinerante: na fronteira de uma nova escola", São Paulo, Expressão Popular, 2009.

 
 
FONTE: MST
 
 
 

EUA e Israel: lição de "democracia"

A vontade de alguns prevalece sobre a maioria




29 de novembro: Dia Internacional de Solidariedade ao Povo Palestino
Democracia é poder do povo
Todo o poder ao povo palestino sobre o território da Palestina


COMO MUDAR O MUNDO - MARX E O MARXISMO, 1840-2011


O historiador Eric Hobsbawm reúne 16 de seus textos, escritos entre 1956 e 2009, que constituem "um estudo sobre a evolução e o impacto póstumo do pensamento de Karl Marx [1818-1883]", ampliando a abrangência da obra deste para além dos limites do debate ideológico.


Companhia das Letras
trad. Donaldson M. Garschagen 424 págs.
R$ 57

 
 
 
Sumário
 
Prefácio ..................................................... 9


PARTE I — MARX e ENGELS

1. Marx hoje ................................................. 13

2. Marx, Engels e o socialismo pré-marxiano ...................... 25

3. Marx, Engels e a política ..................................... 53

4. A situação da classe trabalhadora na Inglaterra ................... 88

5. O Manifesto comunista ...................................... 98

6. A descoberta dos Grundrisse ................................. 116

7. Marx e as formações pré-capitalistas .......................... 122

8. A divulgação das obras de Marx e Engels ....................... 164


PARTE II — MARXISMO
 
9. Dr. Marx e os críticos vitorianos .............................. 185


10. A influência do marxismo, 1880-1914 ........................... 196

11. A era do antifascismo, 1929-45 ................................ 239

12. Gramsci .................................................. 285

13. A recepção das ideias de Gramsci .............................. 302
 
14. A influência do marxismo, 1945-83 ............................. 311


15. O marxismo em recessão, 1983-2000 ........................... 346

16. Marx e o trabalhismo: o longo século .......................... 358

Notas ....................................................... 377

Datas e fontes de publicação original . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 407

Índice remissivo ............................................... 409

"Eu só acredito no modelo socialista, é o único que pode salvar a humanidade"





Trechos da entrevista de Beth Carvalho concedida ao jornalista Valmir Moratelli,  do iG por ocasião do lançamento do CD de músicas inéditas “Nosso samba tá na rua”, dedicado a dona Ivone Lara, com canções sobre a negritude, o amor e o feminismo.


iG: Em seu novo CD, a letra “Chega” é visivelmente feminista. Por que é raro o samba dar voz a mulheres?

BETH CARVALHO: O mundo, não só o samba, é machista. Melhorou bastante devido à luta das mulheres, mas a cada cinco minutos uma mulher apanha no Brasil. É um absurdo. Parece que está tudo bem, mas não é bem assim. Sempre fui ligada a movimentos libertários.
 
 
 
iG: A senhora é vizinha da favela da Rocinha. Como vê o processo de pacificação?

BETH CARVALHO: Faltou, por muitos anos, a força do estado nestas comunidades. Agora estão fazendo isso de maneira brutal e, de certa forma, necessária. Mas se não tiver o lado social junto, dando a posse de terreno para quem mora lá há tanto tempo, as pessoas vão continuar inseguras. E os morros virarão uma especulação imobiliária.
 
 
 
iG: Alguns culpam o governo Leonel Brizola (1983-1987/1991-1994) pelo fortalecimento do tráfico nos morros. A senhora, que era amiga do ex-governador, concorda?

BETH CARVALHO: Isso é muito injusto. É absurdo (diz em tom áspero). Se tivessem respeitado os Cieps, a atual geração não seria de viciados em crack, mas de pessoas bem informadas. Brizola discutia por que não metem o pé na porta nos condomínios da Avenida Viera Souto (em Ipanema) como metem nos barracos. Ele não podia fazer milagre.
 
 
 
iG: Aqui na sua casa há várias imagens de Che Guevara e de Fidel Castro. Acredita no modelo socialista?

BETH CARVALHO: Eu só acredito no modelo socialista, é o único que pode salvar a humanidade. Não tem outro (fala de forma enfática). Cuba diz ‘me deixem em paz’. Os Estados Unidos, com o bloqueio econômico, fazem sacanagem com um país pobre que só tem cana de açúcar e tabaco.



 
iG: Mas e a falta de liberdade de expressão em Cuba?

BETH CARVALHO: Eu não me sinto com liberdade de expressão no Brasil.



iG: Por quê?

BETH CARVALHO: Porque existe uma ditadura civil no Brasil. Você não pode falar mal de muita coisa.



iG: Como quais?

BETH CARVALHO: Não falo. Tem uma mídia aí que acaba com você. Existe uma censura. Não tem quase nenhum programa de TV ao vivo que nos permita ir lá falar o que pensamos. São todos gravados. Você não sabe que vai sair o que você falou, tudo tem edição. A censura está no ar.



iG: Mas em países como Cuba a censura é institucionalizada, não?

BETH CARVALHO: Não existe isso que você está falando, para começo de conversa. Cuba não precisa ter mais que um partido. É um partido contra todo o imperialismo dos Estados Unidos. Aqui a gente está acostumada a ter vários partidos e acha que isso é democracia.



iG: Este não seria um pensamento ultrapassado?

BETH CARVALHO: Meu Deus do céu! Estados Unidos têm ódio mortal da derrota para oito homens, incluindo Fidel e Che, que expulsaram os americanos usando apenas o idealismo cubano. Os americanos dormem e acordam pensando o dia inteiro em como acabar com Cuba. É muito difícil ter outro Fidel, outro Brizola, outro Lula. A cada cem anos você tem um Pixinguinha, um Cartola, um Vinicius de Moraes... A mesma coisa na liderança política. Não é questão de ditadura, é dificuldade de encontrar outro melhor para ocupar o cargo. É difícil encontrar outro Hugo Chávez.



iG: Chávez é acusado por muitos de ter acabado com a democracia na Venezuela.

BETH CARVALHO: Acabou com o quê? Com o quê? (indaga com voz alta)



iG: Com a democracia...

BETH CARVALHO: Chávez é um grande líder, é uma maravilha aquele homem. Ele acabou com a exploração dos Estados Unidos. Onde tem petróleo estão os Estados Unidos. Chávez acabou com o analfabetismo na Venezuela, que é o foco dos Estados Unidos porque surgiu um líder eleito pelo povo. Houve uma tentativa de golpe dos americanos apoiada por uma rede de TV.



iG: A emissora que fazia oposição ao governo e que foi tirada do ar por Chávez...

BETH CARVALHO: Não tirou do ar (fala em tom áspero). Não deu mais a concessão. É diferente. Aqui no Brasil o governo pode fazer a mesma coisa, televisão aberta é concessão pública. Por que vou dar concessão a quem deu um golpe sujo em mim? Tem todo direito de não dar.


 
iG: A senhora defende que o governo brasileiro deveria cassar TV que faz oposição?

BETH CARVALHO: Acho que se estiver devendo, deve cassar sim. Tem que ser o bonzinho eternamente? Isso não é liberdade de expressão, é falta de respeito com o presidente da República. Quem cassava direitos era a ditadura militar, é de direito não dar concessão. Isso eu apoio.
 
 
 
iG: Por ser oriundo dos morros, o samba foi conivente com o poder paralelo dos traficantes?

BETH CARVALHO: Não, o samba teve prejuízo enorme. Hoje dificilmente se consegue senhoras para a ala das baianas nas escolas de samba. Elas estão nas igrejas evangélicas, proibidas de sambar. Não se vê mais garoto com tamborim na mão, vê com fuzil. O samba perdeu espaço para o funk.



iG: Quem é o culpado?

BETH CARVALHO: Isso tem tudo a ver com a CIA (Agência Central de Inteligência dos EUA), que quer acabar com o samba. É uma luta contra a cultura brasileira. Os Estados Unidos querem dominar o mundo através da cultura. Estas armas dos morros vêm de onde? Vem tudo de fora. Os Estados Unidos colocam armas aqui dentro para acabar com a cultura dos morros, nos fazendo achar que é paranoia da esquerda. Mas não é, não.



iG: O samba vai resistir a esta “guerra” que a senhora diz existir?

BETH CARVALHO: Samba é resistência. Meu disco é uma resistência, não deixa de ser uma passeata: “Nosso samba tá na rua”.

 
 
 
FONTE: iG
 
 
 
 
 

29 de novembro: DIA INTERNACIONAL DE SOLIDARIEDADE AO POVO PALESTINO

Pelo direito de autodeterminação do povo palestino e pelo reconhecimento do Estado da Palestina.









Pelo fim da tragédia de um povo que vive décadas de uma ocupação criminosa, mantida por Israel.

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Heróis condenados



Por Frei Betto



“Os últimos soldados da guerra fria”, livro de Fernando Morais editado pela Companhia das Letras (2011), teria suscitado inveja em Ian Fleming, autor de 007, se este não tivesse morrido em 1964, sobretudo por comprovar que, mais uma vez, a realidade supera a ficção.



Suponhamos que na esquina de sua rua haja um bar que abriga suspeitos de assaltarem casas do bairro. Como medida preventiva, você trata de infiltrar um detetive entre eles, de modo a proteger sua família. A polícia, de olho nos meliantes, identifica o detetive. E ao invés de prender os bandidos, encarcera o infiltrado...



Foi o que ocorreu com os cinco cubanos que, monitorados pelos serviços de inteligência de Cuba, se infiltraram nos grupos anticastristas da Flórida, responsáveis por 681 atentados terroristas contra Cuba, que resultaram no assassinato de 3.478 pessoas e causaram danos irreparáveis a outras 2.099.



Desde setembro de 1998, encontram-se presos nos EUA os cubanos Antonio Guerrero, Fernando González, Gerardo Hernández e Ramón Labañino. O quinto, René González, condenado a 15 anos, obteve liberdade condicional no último dia 7 de outubro, mas por ter dupla nacionalidade (americana e cubana) está proibido de deixar o país.



Os demais cumprem pesadas penas: Hernández recebeu condenação de dupla prisão perpétua e mais 15 anos de reclusão... Precisaria de três vidas para cumprir tão absurda sentença. Labañino está condenado à prisão perpétua, mais 18 anos; Guerrero, à prisão perpétua, mais 10 anos; e Fernando a 19 anos.



Os cinco constituíam a Rede Vespa, que municiava Havana de informações a respeito de terroristas que, por avião ou disfarçados de turistas, praticaram atentados contra Cuba, contrabandearam armas e detonaram explosivos em hotéis de Havana, causando ferimentos e mortes.



Bush e Obama deveriam agradecer ao governo cubano por identificar os terroristas que, impunes, usam o território americano para atacar a ilha socialista do Caribe. Acontece, no entanto, exatamente o contrário, revela o livro bem documentado de Fernando Morais. O FBI prendeu os agentes cubanos, e continua a fazer vista grossa aos terroristas que promovem incursões aéreas clandestinas sobre Cuba e treinamentos armados nos arredores de Miami.



Em 15 capítulos, o livro de Morais relata como a segurança cubana prepara seus agentes; a saga do mercenário salvadorenho que, a soldo de Miami, colocou cinco bombas em hotéis e restaurantes de Havana; o papel de Gabriel García Márquez, como pombo-correio, na troca de correspondência entre Fidel e Bill Clinton; a visita sigilosa de agentes do FBI a Havana, e o volume de provas contra a Miami cubana que lhe foram oferecidas por ordem de Fidel.



“Os últimos soldados da guerra fria” é fruto de exaustivas pesquisas e entrevistas realizadas pelo autor em Cuba, EUA e Brasil. Redigido em estilo ágil, desprovido de adjetivações e considerações ideológicas, o livro comprova por que Cuba resiste há mais de 50 anos como único país socialista do Ocidente: a Revolução e suas conquistas sociais incutem na população um senso de soberania que a induz a preservá-las como gesto de amor.



Em país capitalista, para quem, graças à loteria biológica, nasceu em família e classe social imunes à miséria e à pobreza, é difícil entender por que os cubanos não se rebelam contra as autoridades que os governam. Ora, quando se vive num país bloqueado há meio século pela maior potência militar, econômica e ideológica da história, da qual dista apenas 140 km, é motivo de orgulho resistir por tanto tempo e ainda merecer elogios do papa João Paulo II ao visitá-lo em 1998.



Em mais de 100 países – inclusive no Brasil – há médicos e professores cubanos em serviços solidários em áreas carentes. O número de desertores é ínfimo, considerada a quantidade de profissionais que, findo o prazo de trabalho, retornam a Cuba. E a Revolução, como ocorre agora sob o governo de Raúl Castro, tem procurado se atualizar para não perecer.



Talvez este outdoor encontrado nas proximidades do aeroporto de Havana, e citado com freqüência por Fernando Morais, ajude a entender a consciência cívica de um povo que lutou para deixar de ser colônia, primeiro, da Espanha e, em seguida, dos EUA: “Esta noite 200 milhões de crianças dormirão nas ruas do mundo. Nenhuma delas é cubana”.





Frei Betto é escritor, autor de “Diário de Fernando – nos cárceres da ditadura militar brasileira” (Rocco), entre outros livros.



 
 

Excelente entrevista de Atílio Boron sobre a situação na América Latina e no mundo atual

Clique no link abaixo


Politólogo y sociólogo argentino da un vistazo a Latinoamérica(video)


Consulta Eletrônica em defesa da EDUCAÇÃO PÚBLICA



A campanha 10% do PIB para a Educação Pública, além do plebiscito, está promovendo uma consulta eletrônica.



Para votar, basta acessar o link abaixo e inserir as informações solicitadas.




 
Orientamos a todas as entidades e movimentos a divulgarem em seus blogs, sites e redes sociais o endereço dessa consulta.

 
Vote! Vamos fortalecer a campanha 10% do PIB para a Educação Pública já!

 
Visite o site da Campanha: http://www.dezporcentoja.blogspot.com/
 

sábado, 26 de novembro de 2011

Entrevista de Anita Prestes concedida ao jornal Gazeta do Povo



Quais as inovações da Coluna Prestes no conflito com as oligarquias?



Ela tem uma tática totalmente no­­va, bem diferente da guerra de posição, que era a que se conhecia [a de soldados que ficam parados e prontos para atirar]. A questão é que o exército não estava preparado para enfrentar uma guerra de movimento que foi a Coluna. Eles se moviam e estavam bem informados porque tinham as potreadas, nome que se dava ao grupo que se afastava para conhecer o território, conseguir gado e alimentos e levantar informações [com a população] sobre o movimento dos inimigos.



O que acontecia quando o grupo chegava às cidades?



A questão é que o governo fez uma política intensa no país apresentando-os como malfeitores e bagunceiros. A população, então, tinha medo e grande parte fugia e se escondia. Mas, depois que conheciam o movimento, tinham prestígio diante da população porque mostravam que combatiam um governo que, para a população da época, só sabia cobrar impostos e significava violência policial.



Prestes lhe contou o que mais o impressionou durante suas andanças?



Ele disse que o que mais impressionou a ele e aos comandantes era a miséria que viram pelo interior do Brasil. Quem vivia na cidade não tinha ideia do horror que era a vida do trabalhador rural. Isso causou um impacto grande que o levou à conclusão de que aquele ideário liberal que tinham não iria resolver aquele problema. Aí que meu pai decide ir ao exterior para estudar, encontrar uma solução para os males do Brasil.



A senhora vai lançar um novo livro com dados inéditos?



Sim, principalmente dos últimos 30 anos da vida de meu pai. Existem documentos inéditos que mostram a evolução do pensamento dele e da crítica crescente que ele faz sobre o partido. Devo lançar o ano que vem.



Na sua opinião, a Coluna venceu?



Embora não tenha saído vitoriosa, porque não cumpriu com o objetivo de derrubar o presidente Artur Bernardes e assumir o poder, a Coluna saiu do Brasil [para a Bo­­lívia] invicta, apesar de muita gente ter morrido pelo caminho. E a repercussão dela foi grande: teve prestígio na crise da República Ve­­lha e contribuiu para a chamada Revolução de 30.



Quando Prestes rompe com o Partido Comunista do Brasil?



Ele tentou de todas as maneiras mu­­dar o partido por dentro, discutindo... Quando se convenceu que não tinha como mudar, ele resolve romper arcando com todas as consequências. Aí ele fica sozinho, sem apoio. Só tem um grupo de amigos que vai se reunir e arrecadar recursos financeiros para ele viver seus últimos dez anos de vi­­da. Oscar Niemeyer dá a ele um apartamento. Os amigos deram um carro. E depois ele faz uma coleta mensal para sobreviver.

 
 
 

Cuba confirmada como o país com melhor desenvolvimento humano da América Latina

O Fundo de População das Nações Unidas assegurou que Cuba conta com um desenvolvimento equivalente ao avanço de um quarto de século, se comparado aos demais países da América Latina e do Caribe.




O Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA em inglês), na apresentação do Informe sobre o Estado da População Mundial 2011, além de analisar o fato de que o mundo chegou aos 7 bilhões de habitantes, assegurou que Cuba é a nação com mais alto desenvolvimento humano latino-americano, chegando a afirmar que conta com um desenvolvimento equivalente a um quarto de século de avanço em relação aos demais países da América Latina e do Caribe.

Isso ocorre devido aos baixos níveis de mortalidade do país, a elevada esperança de vida, seu acesso à saúde e educação, sua saúde sexual e reprodutiva, e os indicadores de envelhecimento de sua população, todos com valores similares e, inclusive, maiores aos de nações industrializadas.


Com respeito ao enfoque sobre os 7 bilhões de pessoas no mundo, a UNFPA não só evidenciou dados demográficos, como também o aprofundamento das problemáticas sociais e econômicas que implicam no crescimento da população, onde se alguns questionamentos foram levantados: De que maneira reduzir as lacunas entre ricos e pobres e retificar as desigualdades entre homens e mulheres, e entre meninos e meninas? Ou ainda: Como alcançar que as cidades sejam lugares aptos para viver?


O documento mostrou os grandes contrastes sociais e as necessidades de trabalharmos unidos pelo progresso, como, por exemplo, a questão da natalidade. Enquanto nas nações européias mais industrializadas nascem 1,5 crianças por mulher, na África – de alarmantes indicadores sócio-demográficos e grande pobreza –, nascem cinco bebês por mãe.


Esta conquista de Cuba se soma a sua reconhecida luta contra o racismo, a desnutrição infantil e sua comprovada qualidade em todos os níveis de educação.


Tradução: Maria Fernanda M. Scelza (PCB)





Folha reabilita o ideólogo da ditabranda

Por Caio Navarro de Toledo



Os editores da Folha de S. Paulo sempre se regozijam com os resultados de pesquisas que asseguram que, do ponto de vista de sua formação escolar, os leitores do jornal seriam “altamente qualificados” (74% teriam cursado o ensino superior e 24% o ensino médio).



É possível afirmar também que, desde o final da ditadura militar, o jornal passou a abrir suas páginas para uma colaboração regular de acadêmicos e intelectuais críticos (a “campanha das diretas já” talvez tenha se constituído em momento privilegiado do congraçamento com esses setores). Creio que os vínculos com a academia se acentuaram quando os editores e colunistas do jornal (com cursos de pós-graduação, mestrado e doutorado) passam a ser recrutados nas várias unidades de ensino e pesquisa das universidades públicas paulistas, em particular da USP.



Por meio de seus editores, alguns intelectuais e acadêmicos – vários deles de esquerda e alguns, inclusive, de convicções marxistas – são convidados a escrever colunas semanais enquanto outros têm artigos, entrevistas e depoimentos publicados nas diferentes seções do jornal (economia, política nacional e internacional, cultura, educação etc.); igualmente, escrevem cartas, têm seus livros resenhados, pedem que abaixo-assinados com fins acadêmicos e políticos sejam divulgados etc.(*)



Na inexistência de jornais ou revistas definidamente de esquerda e ampla circulação nacional – que poderiam servir de canal alternativo à grande mídia –, uma parte dos acadêmicos críticos e intelectuais socialistas acredita que é imprescindível travar o combate ideológico dentro dos meios de comunicação da burguesia. Embora possam ser críticos da linha editorial da Folha, muitos intelectuais e acadêmicos de esquerda não deixam de assinar o jornal e alguns destes colaboradores sentem-se prestigiados quando vêem seus textos ali reproduzidos. Assim, publicar na Folha ou ter seu livro ali discutido passa a ser uma prova de reconhecimento intelectual mais apreciada do que, inclusive, ver um texto ou uma resenha de livro divulgada em algumas revistas acadêmicas dirigidas por seus próprios pares.



Mas nem todos pensam assim. Sob uma outra perspectiva, existem aqueles, dentro das esquerdas, que são críticos da colaboração com a grande imprensa, particularmente com a Folha de S. Paulo posto que isso implicaria legitimar os aparelhos de hegemonia das classes dominantes. Em seu blog, a jornalista Elaine Tavares foi categórica:

“No que diz respeito aos jornalões nacionais como Globo, Folha de S. Paulo e Estadão, nunca houve dúvidas sobre o que eles defendem. Por isso sempre me causou espécie ver a intelectualidade brasileira de esquerda render-se ao feitiço da Folha, que insistiam em dizer que era o `mais democrático´ ou que `pelo menos abria um espaço para a diferença´” .

Embora o duradouro namoro entre a Folha e os acadêmicos de esquerda tenha sofrido um relativo abalo com o episódio do malfadado editorial “Limites a Chavez” (25/2/2009) – que denominou de “ditabranda” o período do regime militar pós-1964 –, alguns acadêmicos e intelectuais socialistas, talvez hoje em menor quantidade, continuam colaborando regularmente com o jornal. Importante lembrar também que o “episódio da ditabranda” provocou intensos protestos pela internet e uma expressiva manifestação de leitores, militantes sociais e blogueiros diante da sede da Folha; versões informam que centenas de assinaturas do jornal foram canceladas a fim de expressar o repúdio pela falsificação histórica e ofensa à memória de brasileiros e brasileiras mortos pela ditadura militar. (Um relato circunstanciado e analítico do episódio pode ser consultado AQUI)



Acredito que o recente caso da militarização do campus da USP poderá contribuir para lançar novas luzes sobre a ambivalente relação entre os intelectuais/acadêmicos e a Folha. Além da publicação de vários artigos de colunistas do jornal apoiando a presença da PM no campus da USP, deve-se destacar um fato: numa edição dominical, a Folha tomou a iniciativa de publicar um artigo de autoria de um jornalista que o conjunto da grande imprensa brasileira, nos últimos anos, havia decidido “colocar de quarentena”. Sabe-se que as editorias de O Globo, JB, O Estado de S. Paulo, Zero Hora, Veja, Época etc., hoje, dispensam os “bons serviços” do sr. Olavo de Carvalho. [Atualmente o ultradireitismo desse publicista é difundido em suas páginas na internet e reproduzido em blogs e sites inequivocadamente anti-esquerda (“Terrorismo nunca mais”, “Mídia sem Máscara” e outros), em artigos e livros de militares etc.]



Embora de orientação conservadora ou liberal, os maiores veículos de comunicação do país, entre outras razões, afastaram o “filósofo” pelos problemas criados por seu estilo de intervenção; além de substituir a argumentação racional pela desqualificação pessoal dos autores dos quais diverge, sempre adota em seus textos uma linguagem desabrida e utiliza a verrina como arma contra os adversários políticos e ideológicos.



Não cabe aqui examinar o caráter e o significado do panfletarismo arqui-conservador desse senhor. Temos nítida consciência da pertinente questão crítica que a nós seria feita caso cometêssemos este desatino: examinar os trabalhos do “filósofo de província” não seria pura vacuidade intelectual ou “render-se ao seu jogo”? Isto posto, cabe sublinhar que apenas nos interessa aqui indagar as razões da Folha reabilitar um autor que outras publicações da grande imprensa brasileira, de forma sensata, hoje ignoram.



Por que, agora, a Folha de S. Paulo – que exalta a sofisticação e o refinamento intelectual de seus colaboradores – reabilitou um jornalista cujos escritos não seriam aceitos por qualquer direção de jornal orientado por um criterioso manual de redação? No artigo que o jornal acaba de publicar (seção “Tendências e debates” , 13/11/2011), por exemplo, afirma-se a USP está controlada pelas esquerdas: ontem, “stalinistas, trotskistas, maoístas etc.”; hoje, “pela estratégia gramsciana, que integra como instrumentos de guerra cultural o ´sex lib´, a apologia das drogas e a legitimação da criminalidade como expressão do “grito dos oprimidos”. Tendo em vista que, hoje, “não existe direita no jornalismo brasileiro” (1964. 31 de março, p. 122), a conclusão desta catilinária não pode ser outra: o ideário presente na USP é, “a ideologia, em suma, da própria Folha de S. Paulo”. Em suma, ficamos sabendo que a Folha de S. Paulo é um periódico de esquerda tal como o conjunto da elitista Universidade de São Paulo!



Deixando de comentar esta autêntica peça de ficção, é de se indagar se as razões da iniciativa da Folha não se explicariam em virtude das afinidades hoje existentes entre a direção do jornal e o “filósofo paulista” quando ambos examinam o regime de 1964. Como se desconhece uma autocrítica séria e consistente feita pela Folha sobre o emprego da noção “ditabranda” no editorial citado, deve-se reconhecer que continuariam existindo concordâncias entre a direção do jornal e o publicista sobre o assunto. Vejamos o que o jornalista, em várias ocasiões, escreveu:



“muita gente na própria esquerda já admitiu (…) a contribuição positiva do regime militar à consolidação de uma economia voltada predominantemente para o mercado interno – uma condição básica da soberania nacional. Tendo em vista o preço modesto que esta nação pagou, em vidas humanas, para a eliminação daquele mal (a ameaça totalitária representada pelo comunismo no pré-1964, CNT) e a conquista deste bem, não estaria na hora de repensar a Revolução de 1964 e remover a pesada crosta de slogans pejorativos que ainda encobre a sua realidade histórica?” (O Globo de 19/1/1999) (negrito meu).

É também esclarecedora uma alocução dele dirigida aos militares brasileiros em livro editado pela Biblioteca do Exército,

“Não temos que nos (sic) envergonhar do que foi feito de bom durante todo o período militar, e, sobretudo, ninguém que tenha participado do regime de 1964 tem que abaixar a cabeça perante esses criminosos (comunistas brasileiros, CNT) que são cúmplices do genocídio (…) Não devemos permitir que essa gente julgue ninguém, pois eles não têm autoridade. Nosso dever é mostrar exatamente como eles têm sido e como estão comprometidos com o mal”. 1964. 31 de março, 2003. p. 144.

 

Provavelmente, nenhum editorial da FSP – com exceção do trecho do “mal menor” ou do “preço modesto” – endossaria os candentes termos presentes nas citações acima. Mas a questão persistiria: conhecendo as radicais opiniões desse autor – apoiador incondicional dos (modestos!) “crimes da ditadura” –, por que a Folha apela para esta voz justamente numa conjuntura na qual acadêmicos e intelectuais pedem a desmilitarização do campus da USP? Por que a Folha de S. Paulo apela para a voz deste proeminente ideólogo civil do regime militar de 1964, justamente numa conjuntura em que amplos setores da sociedade brasileira se mobilizam para que a Comissão da Verdade e Justiça consiga revelar e promover a verdade histórica sobre todo o período da ditadura militar, o esclarecimento dos fatos e as responsabilidades institucionais, à semelhança do que em ocorrendo no âmbito internacional?



Ao publicar o frágil e inconsistente “A USP e a Folha” – uma imposição de setores da ultra-direita brasileira (ou uma estratégica argumentativa visando reforçar a versão do “pluralismo das idéias” praticado pelo jornal) ? –, a pergunta se imporia: quem a Folha buscaria iludir?



Por último, é cedo para se saber se está em curso uma inflexão ainda mais à direita na Folha de S. Paulo. Pode-se, no entanto, concluir que a sistemática crítica aos estudantes e docentes da USP que resistem à militarização do campus – agora reforçada com a colaboração de um dos ideólogos da ditabranda – não é um bom sinal para os leitores progressistas e intelectuais de esquerda que aceitam colaborar com o jornal.



* Destaque-se, a este respeito, que, em setembro de 2005, sob o título “Intelectuais de esquerda criticam blindagem de Lula”, a FSP divulgou amplamente um abaixo-assinado organizado por acadêmicos marxistas da USP e da Unicamp. O caráter polêmico do abaixo-assinado residia no fato de que ele admitia – logo no início do debate sobre o chamado “mensalão” – a hipótese da instauração de um processo de impeachment contra Lula da Silva. Sabe-se que outros intelectuais e acadêmicos de esquerda não apoiaram o abaixo-assinado; criticava-se o fato desta iniciativa pouco se distinguir da “campanha neoudenista” orquestrada por partidos e mídia conservadora.



Caio Navarro de Toledo é professor aposentado do Departamento de Ciência Política, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, da Unicamp.

 
FONTE: Vi o mundo