Por Anita Leocadia Prestes*
Se
considerarmos o clássico debate em torno das condições objetivas e subjetivas
da revolução, vale a pena recordar a intervenção de Luiz Carlos Prestes nos
marcos da “Conferência sobre a Dívida Externa” organizada pelo governo de Fidel
Castro em Havana, em julho/agosto de 1985. Nessa ocasião Prestes afirmava:
A revolução não
pode se realizar quando se quer. Ela só poderá eclodir e ser vitoriosa quando
existam as condições objetivas e subjetivas para tanto indispensáveis. E tudo
indica que em nosso Continente, se crescem cada vez mais as condições
objetivas, as subjetivas ainda se retardam. Estamos longe também da
indispensável organização e unidade da maioria esmagadora da classe operária,
faltam-nos ainda partidos revolucionários efetivamente ligados às grandes massas
trabalhadoras e populares.[1]
Diagnóstico
que, lamentavelmente, trinta anos depois continua válido para o Brasil[2],
embora as condições objetivas para a revolução socialista – um significativo
desenvolvimento capitalista, em que as relações capitalistas de produção são dominantes,
– sejam uma realidade amplamente reconhecida.
Conforme
já tive oportunidade de assinalar[3], mesmo
antes do golpe civil-militar de abril de 1964, inexistia no Brasil o sujeito-povo[4]
– a força social e política, unificada por ideias comuns e preparada para
viabilizar na prática o rompimento com a política
de conciliação de João Goulart com os setores mais conservadores e a realização
das Reformas de Base. “Inexistia no país um poderoso movimento popular unido e
organizado – dirigido por lideranças providas de propostas política e
ideologicamente definidas e adequadas ao momento -, capaz de golpear as forças
reacionárias internas e externas e conquistar o poder”[5].
Inexistiam, pois, as condições subjetivas para dar sustentação a um governo
progressista como o de J. Goulart e, menos ainda, para garantir o avanço dos
setores populares rumo a transformações revolucionárias que apontassem para uma
perspectiva socialista.
O
regime militar, que durou 21 anos (1964 a 1985), uma ditadura a serviço dos
interesses do grande capital nacional e internacional, contribuiu decisivamente
para aumentar e tornar mais evidente o retardamento da criação das condições
subjetivas para a revolução em nosso país. A violenta repressão desencadeada
pela ditadura contra todas as forças democráticas e de oposição, incluindo o
extermínio físico de parte significativa de suas lideranças, aliada à tática equivocada
das organizações de esquerda que optaram pela resistência armada ao regime
militar na ausência de condições propícias para tal, favoreceu o retrocesso de
um incipiente processo de organização e mobilização popular anterior ao golpe
de abril, embora nesse período houvesse “muito mais a retórica dos discursos do
que propriamente uma ação organizada para preservar o processo democrático”, na
lúcida avaliação de Waldir Pires[6],
consultor-geral da República no governo J. Goulart.
Ao
mesmo tempo, contribuía para retardar o processo de amadurecimento das
condições subjetivas para a revolução no Brasil a orientação política do PCB
(Partido Comunista Brasileiro), marcada pela concepção etapista da revolução,
ou seja, pela ideologia nacional libertadora, de acordo com a qual era traçada uma
estratégia denominada de nacional e democrática. Pretendia-se eliminar a
dominação imperialista e o latifúndio através da formação de uma coligação de
forças sociais e políticas que incluíssem não só os trabalhadores como uma
suposta burguesia nacional, com vistas a conquistar um desenvolvimento
capitalista, a partir do qual se considerava possível criar as condições para a
etapa socialista da revolução. O desenrolar da própria história revelaria que
tal burguesia nacional não passava de um mito.[7]
Nas
diretrizes do PCB e na sua atuação política não se levava em conta algo que o
conceito de bloco histórico, proposto
por A. Gramsci, pressupõe: o momento
político da aliança de classes pretendida. “Sua constituição está assentada
em classes ou grupos concretos definidos pela sua situação na sociedade, mas as
ideias cumprem um papel fundamental no que se refere à sua coesão.” Em outras
palavras, no bloco histórico há “uma
estrutura social – as classes e grupos sociais – que depende diretamente das
relações entre as forças produtivas; mas também há uma superestrutura
ideológica e política”[8].
Gramsci escrevia nos Cadernos do cárcere que,
segundo Marx, “uma persuasão popular tem, com frequência, a mesma energia de
uma força material”. Tal afirmação, segundo o filósofo italiano,
conduz ao
fortalecimento da concepção de ‘bloco histórico’, no qual, precisamente as
forças materiais são o conteúdo e as ideologias são a forma, distinção entre
forma e conteúdo puramente didática, já que as forças materiais não seriam
historicamente concebíveis sem forma e as ideologias seriam fantasias
individuais sem as forças materiais.[9]
Os
elementos citados da concepção gramsciana de bloco histórico permitem perceber o frequente empobrecimento de tal
conceito no âmbito dos partidos comunistas, pois esse fenômeno marcou, de uma
maneira geral, grande parte do movimento comunista mundial. Nas fileiras do
PCB, semelhante postura teria como consequência a subestimação pelo trabalho
ideológico de formação teórica e política não só dos seus quadros, como também
de lideranças populares. A incompreensão da necessidade de criar um bloco histórico contra-hegemônico, capaz
de conduzir o processo revolucionário à vitória, condicionou o desarmamento
ideológico e político dos comunistas diante do bloco histórico dominante e a inevitável capitulação frente ao
reformismo burguês.[10]
Os
trinta anos decorridos após a transição pactuada da ditadura militar para um regime
de democracia restrita não possibilitaram a superação da regressão havida nos
21 anos anteriores no que se refere à criação das condições subjetivas para a
revolução no Brasil. Percebemos a ausência de lideranças revolucionárias e de
partidos políticos enraizados nos setores populares e habilitados a conduzir
amplas massas rumo a transformações profundas da sociedade brasileira. Entre as
forças consideradas de esquerda imperam o voluntarismo
– caracterizado pela ação de supostas
“vanguardas”, cujas proposições não passam de metas irrealizáveis nas condições
atuais - ou o reformismo, evidenciado
nas proposições que se mantêm nos limites impostos pelos governantes atuais, empenhados
na reprodução da ordem capitalista.
No
difícil processo de amadurecimento das condições subjetivas para a revolução no
Brasil, dois sérios obstáculos estão se tornando cada vez mais evidentes na
conjuntura atual.
Em
primeiro lugar, as tendências
voluntaristas, fruto, em grande medida, de certo desespero frente à
despolitização, à desorganização e à espontaneidade dos movimentos populares e
às crescentes concessões dos governantes atuais aos interesses dos monopólios
capitalistas nacionais e estrangeiros. Evidencia-se a pressa característica da
ideologia pequeno-burguesa – a ânsia de alcançar metas avançadas sem o
necessário preparo das massas trabalhadoras para tal. Surgem assim as propostas
de convocação de uma Constituinte soberana, quando não existe uma mobilização
popular capaz de assegurar sua realização e os setores políticos com
representação no Congresso Nacional dispõem de força suficiente para impedir
tal solução. Da mesma forma, é lançada a ideia de uma reforma política como
condição para que o movimento popular possa avançar no processo de mobilização,
proposta esta habilmente manipulada pelos setores com assento no Congresso
Nacional, os quais estão empenhados na elaboração de uma reforma política que
sirva aos seus desígnios e possa ser apresentada como resposta às demandas da
população. Entre outras, surge uma proposição de conquista de um Poder Popular,
objetivo estratégico para a
realização do qual não é apresentada uma tática
política capaz de construir o caminho para alcançar tal meta. Certamente,
outros exemplos poderiam ser citados de tendências voluntaristas generalizadas atualmente
no panorama político brasileiro, situação esta preocupante, pois, como advertia
A. Gramsci, “voluntarismo-passividade vão juntos mais do que se crê”[11].
Em
segundo lugar, temos o reformismo burguês
evidenciado nas políticas que vêm sendo promovidas pelo PT e o PCdoB, partidos
governistas que se apresentam como pertencentes ao espectro das forças de
esquerda no país, assim como pelos intelectuais comprometidos com um “possibilismo
conservador”, ou “um falso realismo”[12],
para justificar as políticas adotadas pelos governos do PT, apresentando-as
como as únicas viáveis nas atuais condições do mundo e do Brasil, na tentativa
de explicar o canhestro reformismo burguês que praticam.
Há
que lembrar que, desde as eleições presidenciais de 2002, tanto Lula quanto a
direção do PT enveredaram pelo caminho da conciliação com setores da burguesia.
Sem jamais terem adotado a teoria marxista como orientação ou considerado a
realização de reformas sociais como caminho para a revolução, os líderes do PT
optaram pelo reformismo burguês. Diante da tradicional alternativa – reforma ou
revolução[13]
-, a escolha foi clara. Tratou-se de buscar a reforma do capitalismo, de
alcançar um capitalismo “sério” e distribuidor de benesses aos desassistidos,
abandonando definitivamente qualquer proposta de mudança de caráter
revolucionário e anticapitalista.
Contrariando
o que haviam imaginado e proposto pensadores marxistas como Florestan Fernandes,
nos primeiros anos de existência do PT, o “partido dos trabalhadores”
transformou-se numa versão brasileira da social-democracia europeia, com a
diferença de que os conflitos sociais no Brasil, resultado de desigualdades
extremas, não têm solução, mesmo que temporária, nos marcos do capitalismo,
como aconteceu com o “estado do bem-estar social”, criação dos partidos
social-democratas na Europa. Experiência esta hoje falida, como é do
conhecimento geral.
Em
2002, ao candidatar-se pela quarta vez à presidência da República, Lula e as
tendências que o apoiavam dentro do PT compreenderam que para assegurar sua
eleição seria necessário fazer concessões ao grande capital internacionalizado,
ou seja, aos setores da burguesia monopolista brasileira e internacional. A
“Carta aos brasileiros” selou esse acordo. Lula e o PT tornaram-se confiáveis
para a continuidade do sistema capitalista no Brasil, contribuindo para tal a
nomeação de Henrique Meirelles para o Banco Central, o único gerente não
estadunidense do então Banco de Boston, homem de confiança das multinacionais.[14]
Jamais no país os grandes empresários e banqueiros ficariam tão satisfeitos com
um governo quanto com os dois quadriênios de Lula e, logo a seguir, com a
eleição de sua “criação”, a presidente Dilma.
Uma
vez no governo, os dirigentes do PT incluíram em sua base aliada partidos e
agrupamentos políticos comprometidos com a continuidade das políticas
neoliberais, que haviam constituído a essência dos compromissos assumidos com a
“Carta aos brasileiros”. Estava fora de cogitação qualquer possibilidade de os
novos governantes desenvolverem esforços voltados para a organização e a
mobilização populares, tendo em vista a implantação de políticas favoráveis aos
interesses dos trabalhadores e das grandes massas vitimadas pela exclusão
social.
De
acordo com a cartilha neoliberal, formulada pelas agências ligadas aos grupos
monopolistas internacionais, aos setores populares seria destinada uma parte
dos recursos provenientes dos lucros fabulosos desses grupos, através de
políticas assistencialistas promovidas pelo Estado brasileiro, cujo objetivo
principal jamais deixou de ser a garantia da paz social. Dessa forma, tentou-se
evitar as convulsões sociais e garantir o apoio popular aos governos do PT e de
seus aliados, assegurando a sucessão tranquila desses governantes a cada
eleição. Foram distribuídas migalhas ao povo, enquanto as multinacionais
obtinham lucros fabulosos e os dirigentes do PT e seus aliados garantiam a
reeleição para os principais cargos dos governos da República.
Até recentemente esse esquema vinha
funcionado, mas, a partir de junho de 2013, começou a ser contestado pelas
manifestações que se espalharam por todo o Brasil. A crescente insatisfação
popular com a situação do país evidenciou-se durante a última sucessão
presidencial, quando a reeleição de Dilma Rousseff foi garantida por uma
pequena margem, de 3,28%,[15]
sobre o seu principal adversário, o “tucano” Aécio Neves. Este se tornara o candidato
preferencial dos monopólios nacionais e internacionais, uma vez que
comprometido com setores empresariais partidários de políticas decididamente neoliberais,
incluindo propostas de privatização total do Pré-Sal e de um completo
alinhamento com os interesses estadunidenses.
Diante
do descontentamento popular com a política neoliberal - embora camuflada por um
discurso demagógico -, adotada pelo seu governo, a candidata do PT à reeleição
precisou recorrer a promessas eleitorais, chegando a garantir que, em seu novo
governo, os direitos dos trabalhadores não seriam tocados “nem que a vaca
tossisse”. Mas, uma vez eleita, Dilma Rousseff não tardou em anunciar para o
Ministério da Agricultura o nome da Sra. Katia Abreu, declarada representante
do agronegócio e dos grandes latifundiários do país. A seguir seria a vez dos
ministros da área econômica Joaquim Levy, Nelson Barbosa, Alexandre Tombini e
Armando Monteiro Neto, todos conhecidos pelos compromissos que, de uma forma ou
de outra, os unem aos grupos monopolistas que controlam a economia nacional.
De
acordo com o “choque fiscal” anunciado pela nova equipe econômica, pretende-se
a redução dos direitos trabalhistas e da proteção social dos trabalhadores, ou
seja, criar dificuldades para o acesso ao seguro-desemprego, ao abono salarial,
à pensão por morte, ao auxílio-doença e ao seguro-defeso aos pescadores no
período de proibição da sua atividade. A justificativa apresentada é o combate
às fraudes e a necessidade de cortar 18 bilhões de reais nas despesas da União,
parte do ajuste fiscal de, no mínimo, 60 bilhões, definido pelo ministro da
Fazenda, Joaquim Levy, para atingir um superávit de 1,2% do PIB. Além disso, já
foi decretado o aumento de impostos sobre combustíveis, crédito ao consumidor e
importações e mudanças no Imposto sobre Produtos Industrializados para o setor
de cosméticos. Com tais medidas, pretende-se chegar a retirar quase 70 bilhões
de reais da economia.[16]
Estamos diante de uma “guinada ortodoxa”, tão a gosto das receitas neoliberais,
para combater a crise econômica que adquire maior gravidade no país.
Tais
políticas praticadas pelos governos do PT e respaldadas por setores
comprometidos com o reformismo burguês, como é o caso do PCdoB, contribuíram de
maneira decisiva para retardar a formação das condições subjetivas para a
revolução no Brasil, pois levaram à desarticulação do movimento sindical, que
começara a se reestruturar nos anos 1980, à desorganização dos movimentos
populares nascidos na mesma época e à atual desmoralização junto a amplos
setores populares do PT, dos seus governos e das suas lideranças, incluindo o
próprio Lula. As ilusões em transformações significativas da realidade
nacional, alimentadas junto a setores populares pelos líderes do PT e em
particular por Lula, começaram a dissipar-se, contribuindo para o atual clima
de desorientação e desesperança generalizada de múltiplos segmentos da
população brasileira.
Frente
a tal situação, o que fazer tendo em vista a criação das condições subjetivas
para a revolução no Brasil? Certamente, não existe solução mágica. Para quem
está empenhado na formação das forças sociais e políticas - o sujeito-povo, ou seja, o bloco histórico gramsciano – capazes de constituírem
um elemento impulsionador das transformações necessárias para que se possa
avançar rumo a um poder popular que abra caminho para o socialismo, não existe
alternativa a não ser o trabalho de organização
popular, paciente, perseverante e destinado a durar um longo período. Organização
dos diferentes setores populares – prioritariamente os mais significativos da
vida nacional, assim como os mais esclarecidos e combativos – em torno das suas
reivindicações mais sentidas e capazes de sensibilizá-los com maior eficácia para
a luta.
Tais
reivindicações existem sempre; é necessário saber defini-las a cada momento
histórico. Na conjuntura atual, podem ser as reivindicações salariais ou de
melhorias nas condições da saúde pública, do ensino público, dos transportes públicos,
etc. Certamente, para as massas trabalhadoras não está colocada no momento atual
a conquista de uma Constituinte ou de uma reforma política. É necessário lembrar
o retrocesso político havido no Brasil, apontado anteriormente, para
compreender que teremos pela frente um longo período de preparação das massas
trabalhadoras antes que estas se disponham a lutar por demandas mais avançadas,
incluindo a conquista de um poder popular.
Ao lembrarmos a contribuição teórica dos
fundadores do marxismo (C. Marx, F. Engels, V. Lenin) e, em particular, de A.
Gramsci (no que diz respeito à realidade observada em países com uma sociedade civil[17]
desenvolvida), verificamos que a organização popular não poderá resultar em
avanços significativos da luta revolucionária se não for acompanhada da
formação ideológica e política de suas lideranças, muitas das quais deverão transformar-se
em quadros políticos habilitados a dirigirem partidos efetivamente
revolucionários. Partidos enraizados nos movimentos populares, com direções
teoricamente capazes de elaborar diretrizes viáveis - reformas parciais - que
apontem no sentido de transformações profundas de caráter revolucionário,
abrindo caminho para a conquista do poder político e o início da construção de
uma sociedade socialista. Em outras palavras, realizar um “reformismo radical”,
nas palavras de A. Boron[18],
um reformismo voltado para a superação do sistema capitalista.
Sabemos que são as massas que fazem a
revolução. Mas o movimento espontâneo de massas desorganizadas e despolitizadas
não saberá avançar rumo à revolução, embora possa chegar a derrubar governos,
como aconteceu na Argentina em 2001. Pelo contrário, um movimento espontâneo pode
ser manipulado e direcionado por líderes com perfil de direita ou até mesmo fascista,
como o demonstra a experiência histórica brasileira e mundial. Multidões
convocadas a sair às ruas, inclusive através das redes sociais, sem organização
e objetivos definidos, sem lideranças que as orientem rumo à formação de forças
sociais e políticas empenhadas na transformação radical da sociedade, não terão
condições de contribuir de maneira efetiva para o avanço dos movimentos
populares, para a conquista de suas demandas e a realização das expectativas almejadas
por amplos setores da população.
Ao analisar as condições atuais dos
movimentos populares na América Latina, A. Boron ressalta que se tornou necessário
desenvolver esforços para
a criação de um instrumento político, de uma organização revolucionária e de um
trabalho de conscientização e formação ideológica no campo popular que torne
possível que as classes e camadas subalternas percebam que outro mundo não só é
necessário como também possível, cuja
construção pode iniciar-se sem mais delongas, aqui e agora.[19]
Frente ao poder de
influência dos atuais meios de comunicação, dominados e orientados pelo grande
capital, o papel da educação e da formação teórica e política das lideranças
populares adquire importância decisiva para a criação das condições subjetivas para
a revolução, necessárias para garantir a realização de profundas transformações
na sociedade.
Quando
A. Gramsci chega a postular nos Cadernos
do cárcere a necessidade da formação de um bloco histórico contra-hegemônico (o sujeito-povo), já tinha acumulado uma vasta experiência
revolucionária adquirida durante os embates do operariado de Turim (Itália), na
segunda metade dos anos 1910, e na criação do Partido Comunista Italiano, no
início da década de 1920. Já nesse período inicial da sua atuação
revolucionária, Gramsci viria a advertir a importância das “premissas culturais
das revoluções políticas e sociais”[20]:
Toda revolução foi precedida por
um intenso e continuado trabalho de crítica, de penetração cultural, de
impregnação de ideias em agregados de homens que eram inicialmente refratários
e que só pensavam em resolver por si mesmos, dia a dia, hora a hora, seus
próprios problemas econômicos e políticos, sem vínculos de solidariedade com os
que se encontravam na mesma situação.[21]
Nas condições atuais
existentes no Brasil, de desorganização e despolitização de grande parte dos
setores populares, as reflexões gramscianas podem contribuir para nos alertar
quanto à necessidade de concentrar os esforços das forças sociais e políticas
empenhadas em criar as condições subjetivas para a revolução brasileira no
trabalho de organização popular.
Trabalho que deve ser entendido como organização
em torno da luta pelas reivindicações mais sentidas dos trabalhadores, combinada
com a permanente atividade de educação
ideológica (marxista) e política e de formação
revolucionária das lideranças que mais se destacarem nesse processo.
Trabalho dirigido no sentido de criar as condições para a formação de
organizações e/ou partidos revolucionários, dirigidos por lideranças nascidas
das próprias lutas dos trabalhadores e forjadas no embate de ideias durante
esses processos concomitantes de luta e de formação teórica revolucionária.
Trabalho que deverá tornar tais lideranças aptas a elaborar diretrizes
unitárias visando o avanço da revolução brasileira rumo ao socialismo.
Junho de 2015.
*Anita Leocadia Prestes é doutora
em História Social pela UFF, professora do Programa de Pós-graduação em
História Comparada (PPGHC) da UFRJ e presidente do Instituto Luiz Carlos
Prestes
[1] PRESTES, Luiz Carlos. “Discurso
na Conferência sobre a Dívida Externa”, Havana, 3/8/1985, documento original
datilografado, 6 p. (arquivo particular da autora). “PRESTES – Dívida externa”,
folheto impresso (arquivo particular da autora).
[2]
Em alguns países do continente
latino-americano, como é o caso da Venezuela, da Bolívia, do Equador e da
Nicarágua, nos últimos anos registrou-se um avanço do amadurecimento das
condições subjetivas para a revolução; Cuba constitui um caso à parte, pois o
regime socialista já está implantado nesse país.
[3]
PRESTES, Anita Leocadia. Luiz Carlos Prestes: o combate por um
partido revolucionário (1958-1990). São Paulo, Expressão Popular, 2012, p.
100-104.
[4]
Sujeito-povo – categoria empregada por alguns
intelectuais latino-americanos, relacionada com o conceito gramsciano de bloco histórico, ou seja, sujeito-povo expressa não só a soma
numérica de diversos setores sociais, mas também é portador de novos valores
culturais e constitui uma alternativa de poder (cf., por exemplo, BIGNAMI, Ariel.
Intelectuales & revolución o el tigre
azul. Buenos Aires, Acercándonos Ediciones,
2009, p. 23, 26, 28 e 107).
[5] PRESTES, Anita Leocadia, op. cit.
p. 101.
[6]
MORAES, Denis. A
Esquerda e o golpe de 64: vinte e cinco anos depois, as forças populares repensam
seus mitos, sonhos e ilusões. Rio de Janeiro, Espaço e Tempo, 1989, p.198.
[7] PRESTES, Anita Leocadia, op.
cit., p. 19-31.
[8]
BIGNAMI, Ariel. El pensamento de Gramsci: una introduccion.
2ª ed. Buenos Aires, Editorial El Folleto, s.d., p. 27. (Tradução da autora)
[9]
GRAMSCI, Antonio. Cadernos do cárcere, 2ª ed., v. 1. Rio
de Janeiro, Civilização Brasileira, 2001, p. 238.
[10] PRESTES, Anita Leocadia,
“Antônio Gramsci e o ofício do historiador comprometido com as lutas
populares”, Revista de História Comparada,
v. 4, n. 3, dez. 2010.
[11]
GRAMSCI, Antonio. Quaderni del carcere. Toríno, Einaudi,
1965, p. 1999; Il Risorgimento. Roma,
Editori Riuniti, 1977, p. 206-207, apud
CERRONI, Umberto. Pequeño Diccionario
Gramsciano. Buenos Aires, Altamira, 2008: 157. (Tradução da autora).
[12]
BORON, Atílio A. Socialismo siglo XXI. Hay vida después del
neoliberalismo? 1ª ed. Buenos Aires,
Luxemburg, 2008, p. 79-82; “Estudio introductorio – Rosa Luxemburg y la crítica
al reformismo socialdemócrata”, in
LUXEMBURG, Rosa. Reforma social o revolución?
Buenos Aires, Luxemburg, 2010, p. 83.
[13] LUXEMBURG, Rosa. Reforma
social o revolución? Buenos Aires,
Luxemburg, 2010.
[14] Henrique Meirelles permaneceu à
frente do Banco Central durante os dois quadriênios dos governos Lula.
[15] “Dilma
é reeleita na disputa mais apertada da história; PT ganha 4º mandato”, UOL, São Paulo, 26/10/2014, in
[16] Cf.
Carta Capital, nov., dez. /2014,
jan., fev./2015 in http://www.cartacapital.com.br/; Carta Capital,
[17]
Segundo A. Gramsci, “podem-se
fixar dois grandes ‘planos’ superestruturais: o que pode ser chamado de
‘sociedade civil’ (isto é, o conjunto de organismos designados vulgarmente como
‘privados’) e o da ‘sociedade política ou Estado’”. GRAMSCI, A. Cadernos do cárcere, apud LIGUORI,
Guido. Roteiros para Gramsci. Rio de
Janeiro, Editora UFRJ, 2007, p. 20.
[18]
BORON, Atílio A., op. cit.,
p.84.
[19]
BORON, Atílio A. Socialismo siglo XXI. Hay vida después del
neoliberalismo? 2ª ed. actualizada y
ampliada. Buenos Aires, Luxemburg, 2014, p.46; grifos meus. (Traduação da
autora)
[20]
RAPONE, Leonardo. O jovem Gramsci: cinco anos que parecem
séculos – 1914-1919. Rio de Janeiro, Contraponto; Brasília, Fundação
Astrojildo Pereira, 2014, p. 335.
[21]
GRAMSCI, Antonio.
“Socialismo e cultura”, in Escritos Políticos. Rio de Janeiro,
Civilização Brasileira, 2004, v. 1, p. 58-59.
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