quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Os retratos do Velho


Por Jacques Gruman



Lilia e Zé Maurício ainda comemoravam a chegada do primogênito quando os blocos foram para as ruas. O carnaval de 1951 foi no início de março e naquele ano, para variar, marchinhas caminhavam para a eternidade.Tomara que chova e Sapato de pobre mantinham acesa a rivalidade Emilinha/Marlene, blockbusters da rádio Nacional. Dalva de Oliveira não estava para brincadeira e vinha de Zum zum (oi zum zum zum zum zum, tá faltando um ...). Correndo por fora, trote de pangaré, vinha a surpreendente Retrato do velho, de Haroldo Lobo (um campeão, compositor de pérolas como Ala-la-ô, Índio quer apito e Emília) e Marino Pinto (parceiro, entre outros, de Ataulfo Alves, Herivelto Martins e Tom Jobim; como ninguém é perfeito, trabalhou como censor do Departamento Federal de Segurança Pública). Era uma exaltação à volta de Getúlio Vargas à presidência. O ditador filofascista do Estado Novo retornava legitimado pelas eleições do ano anterior. A letra, inspiração para puxa-sacos de baixos e altos coturnos, dizia: Bota o retrato do velho outra vez/Bota no mesmo lugar/O retrato do velhinho faz a gente trabalhar. As crônicas da época dizem que a musiquinha se saiu muito bem, turbinada pelo vozeirão do Chico Viola.



Não faz muito, outro Velho, com v maiúsculo mesmo, voltou a ser notícia. Parte da família de Luiz Carlos Prestes, carinhosamente chamado de Velho por seus camaradas do Partidão, doou ao Arquivo Nacional cartas, fotos e documentos do acervo do líder comunista. A divulgação de algumas fotos mais íntimas, que mostram Prestes celebrando aniversário de uma neta, cavalgando na União Soviética ou descansando numa praia nordestina, despertou controvérsia. A viúva Maria alegou ser importante mostrar o lado “humano” do Cavaleiro da Esperança. A filha Anita, que a imprensa burguesa teima em pintar como um boneco de gelo, condenou a banalização da imagem do homem a quem mesmo seus inimigos consideram um dos mais importantes políticos brasileiros do século passado. Entendo a preocupação de Anita, imperturbável na preservação do espírito revolucionário de seu pai. Esse espírito inclui, certamente, a separação entre as vidas pública e privada. Qual é a importância, em qualquer sentido, de saber se Prestes usava sunga na praia? Bisbilhotar, voyeurizar e mexericar: eis a Santíssima Trindade da sociedade do espetáculo, onde as imagens escravizam a Razão, dissolvem o raciocínio e mediocrizam a vida. Se as fotos de um comunista servissem para discutir o que um jornalista d’o Globo chamou de “legado prestista”, que viessem em cascata! Claro que não foi essa a intenção. Tratou-se apenas de um momento paparazzo, um gostinho de supresa(?) para vender mais jornais e revistas. Mais conveniente manter o Velho congelado nas Rolleiflex empoeiradas ...



Mal a “polêmica” sobre as fotos do Prestes saiu do forno e o business visual já manipulava novas excitações. Inaugurada a temporada 2012 do indigente Big Brother (alguém perguntou se um livro, um mísero exemplar sobre qualquer assunto, já foi flagrado no cárcere de luxo do Projac) e um suposto estupro ... alavancou a audiência. Consultei minhas bases para entender como funciona a coisa. É um assombro. Junta-se um grupo disposto a se expor publicamente por algumas semanas. De um modo geral jovens, que topam tudo, tudo mesmo, para ganhar uma grana. Acrescenta-se doses industriais de álcool, festinhas de embalo e, desconfio, estímulos para se gerar cenas “picantes” (e bater recordes de acesso pela internet). Resultado? Um Coliseu hormonal, com milhões de basbaques grudados nas telinhas, ciceroneados por um débil mental estridente, que, sem piscar, assegura que “o amor é lindo”, confundindo descaradamente um ato sexual pré-fabricado com a relação complexo-poética de dois indivíduos. Esgoto puro, vendido como “show da realidade”. Dou a palavra à psicanalista Maria Rita Kehl: “Parece que o público que prefere o Big Brother não quer ser iludido com a vida água com açúcar das novelas. Engano. O que o público está pedindo é para se iludir melhor. Os reality shows são a forma mais eficiente de ilusão que a cultura de massas já produziu: vendem aos espectadores o espelho fiel de sua vida amesquinhada sob a égide severa das 'leis de mercado'. Vendem a imagem da selva em que a concorrência transforma as relações humanas. Só que elevados ao estatuto de espetáculo”.

 
FONTE: PCB
 
 

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