Documentos detalham prisão de Olga
Por Jorge Félix | Para o Valor, de São Paulo
No dia 23 de abril, completaram-se 75 anos do assassinato de Olga Benário Prestes (1908-1942) numa câmara de gás no campo de extermínio nazista de Bernburg, na Alemanha. A história da líder comunista, mulher de Luís Carlos Prestes, é conhecida muito por conta da biografia lançada em 1985 por Fernando Morais e traduzida para inúmeros idiomas. Vários leitores podem se dar por satisfeitos com a riqueza de detalhes do livro, em que a característica ressaltada da personagem é a coragem. No entanto, "Olga Benário Prestes Uma Comunista nos Arquivos da Gestapo", da historiadora Anita Leocadia Prestes, filha de Olga e Prestes, desvenda algo imprescindível para o entendimento dos fatos e da personalidade da protagonista. Suas revelações só foram possíveis pela preciosidade da fonte.
Durante 70 anos, os chamados "documentos troféus" despertavam a curiosidade de historiadores. Foi assim que ficaram conhecidos os arquivos da Gestapo, a polícia secreta nazista, apreendidos pelos russos ao término da Segunda Guerra (1939-1945). Vitoriosa, a União Soviética levou para casa mais de 2,5 milhões de documentos organizados em 28 mil dossiês separados em 50 catálogos. Esta montanha dormiu silenciosa atrás das muralhas do Kremlin esperando o momento político ideal para falar ao mundo.
A despeito de todos os julgamentos de militares e oficiais nazistas pelo tribunal de Nuremberg e outros, os "documentos troféus" têm o monopólio dos detalhes do terror empreendido pelo nazismo.
Anita, de 81 anos, esperou até abril de 2015, quando a Rússia decidiu liberar esse segredo da guerra, para conhecer a mãe em sua plenitude. A digitalização do material deve ser concluída pelo governo russo apenas no ano que vem. Mas ela tinha pressa em contar quem era a mulher presa "preventivamente" durante seus últimos seis anos de vida.
A primeira surpresa da historiadora foi descobrir que oito dossiês, somando 2,5 mil páginas, diziam respeito apenas à sua mãe. Foram denominados "Processo Olga", constituindo o maior material individual dos catálogos.
O livro pode ser lido como um documento histórico a esclarecer e ampliar a compreensão da triste saga de Olga nas mãos dos nazistas, porém, pode também ser um manual de política, para dizer às novas gerações que, um dia, essa atividade foi exercida por líderes com "caráter". Quem atesta a dignidade da personagem são justamente seus algozes.
Após a prisão em 1936 (com Prestes e a amiga Elise Ewertt, também extraditada para a Alemanha) e sua expulsão do Brasil, já grávida de quatro meses [sete meses], Olga permanece presa em Berlim e é submetida a todo tipo de pressão para delatar as atividades da Internacional Comunista e entregar seus companheiros.
Em todos os relatos dos policiais nazistas, é destacada a determinação de Olga de jamais fazer qualquer tipo de confissão. Os policiais, então, segundo eles mesmos escrevem, iniciam uma tortura emocional usando o bebê como peça de barganha para forçá-la a reconhecer sua militância comunista. Sem sucesso.
Olga permanece irredutível, mesmo após perder a nacionalidade (ela reivindicava a brasileira por ser casada e recusou-se a assinar o passaporte emitido pelo consulado da Alemanha no Rio), afastar-se do marido (Prestes estava preso no Brasil), amargar o silêncio da mãe (para quem ela escrevia sem saber que já havia sido renegada diante da polícia nazista, para a qual Eugenia disse que não aceitava a filha por ser comunista) e ser separada de seu bebê, com pouco mais de 1 ano de vida. Em frente a essas atrocidades, Olga escreveu de próprio punho sob os olhos da Gestapo: "Se outros se tornaram traidores, eu jamais o serei".
É importante notar a partir dos documentos e escritos dos policiais nazistas que a pressão psicológica sobre Olga foi feita antes de o regime mostrar sua verdadeira faceta autoritária e anos antes do início da guerra. Os relatórios, portanto, demonstram também muito sobre como os demônios dostoievskianos vão tomando conta da sociedade sem que ela mesma os percebam.
Um dos alvos principais dos policiais nazistas era o controle da imprensa interessada em Olga. "Os administradores das prisões foram instruídos a não dar nenhum tipo de informação sobre as detidas a terceiros. Perguntas de repórteres de jornais até agora foram respondidas com negativas de nossa parte", escreve um deles. Durante a campanha para a libertação de Anita, documentos mostram o esforço, em vão, da imprensa americana, britânica e francesa em denunciar os nazistas. Palavras impressas não tinham mais força diante de Hitler.
"Olga Benário Prestes Uma Comunista nos Arquivos da Gestapo"
Anita Leocadia Prestes. Boitempo Editorial, 144 págs.; R$ 37
FONTE: Valor Econômico
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