domingo, 16 de novembro de 2014

Entrevista com Tarso Genro: PT deve deixar de ser mero apoiador-expectador

Tarso Genro fala das investigações da Polícia Federal envolvendo a Petrobras e dos desafios que o atual cenário coloca para o PT e o governo Dilma.

Marco Aurélio Weissheimer



Porto Alegre - “O PT deve deixar de ser mero apoiador-expectador, excessivamente preocupado com cargos e espaços na máquina pública, para se tonar um partido apoiador-proponente, disputando os rumos do Governo”. A afirmação é do governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro, ao avaliar a conjuntura política pós-eleitoral e os cenários colocados para 2015. Em entrevista à Carta Maior, Tarso Genro fala das investigações da Polícia Federal envolvendo a Petrobras e dos desafios políticos que o atual cenário coloca para o PT e o governo Dilma.

Na opinião do governador gaúcho, o PT deve ter iniciativa política e não pode mais “tolerar qualquer comportamento que beire à corrupção ou ao aproveitamento das funções públicas para benefícios pessoais”. No plano político, defende que o partido construa “uma forte articulação, na sociedade e no Parlamento, com a esquerda e com a centro-esquerda, com pontos programáticos que possam ir forjando algo para o futuro e, ao mesmo tempo, seja no presente o núcleo de sustentação mais coerente das medidas progressistas e democráticas do segundo do governo Dilma”.

Em relação ao governo federal, manifesta confiança que a presidenta Dilma Rousseff comporá “um grupo dirigente que fale à sociedade, com respaldo nas ações da Presidenta e que faça política 24 horas por dia, no sentido mais elevado do termo”.

Carta Maior: Qual sua avaliação sobre os últimos episódios da investigação da Polícia Federal envolvendo a Petrobras?

Tarso Genro: Este novo processo que envolve a Petrobrás tem, como no chamado "mensalão", dois componentes bem claros: de um lado, atos evidentes de corrupção na estatal, que devem ser apurados em profundidade para produzirem punições exemplares a quaisquer envolvidos, de quaisquer partidos, tenham eles , ou não, envolvimento com financiamentos de campanhas, ou tenham eles se aproveitado das propinas para enriquecimento próprio. De outra parte, também há um evidente cunho político, que aproveita a questão da corrupção, para disputar os destinos desta empresa, que é um patrimônio fundamental da nação.

Carta Maior: De que forma esses dois componentes se relacionam e como isso pode afetar os rumos da própria investigação?

Tarso Genro: Para que vença o primeiro componente, que neutralize a tentativa de esvaziamento e liquidação da empresa como empresa do Estado, se faz necessária uma ação imediata do Governo, promovendo a normatização mecanismos de transparência total para as empresas públicas e estatais, em geral, propondo também, - no mínimo e imediatamente - ao Poder Legislativo, Projeto de Lei que regule o financiamento das campanhas eleitorais, em regime de urgência, para proibir doação de empresas aos partidos, dentro e fora dos prazos de eleição.

O Governo deveria propor, igualmente, medidas que simplifiquem os procedimentos de natureza penal, para dar maior rapidez aos julgamentos (sem prejudicar o direito à ampla defesa); e, ainda, propor normas legais rigorosas, que permitam expulsar do serviço público, com a devida punição criminal, aqueles servidores, seja do Ministério Público, seja dos órgãos policiais, que vazam informações para o público e que, com isso, não só prejudicam o aprofundamento das investigações, porque previnem os delinquentes, mas também porque formam uma opinião pública manipulada, a partir de dados que são selecionados para tirar "proveito político", seja para que lado for. Esta deformação dos procedimentos, aqui no Brasil, pelos vazamentos direcionados, tem sido também um instrumento de acobertamento seletivo da corrupção, bem como tem judicializado o processo político, o que é um desserviço à democracia.

Carta Maior: Quais são os obstáculos para que essas propostas se tornem realidade?

Tarso Genro: Estas reformas iniciais, agora impulsionadas pela contingência política, já estão maduras e estão sendo debatidas há muitos anos. Trata-se de colocar, na verdade, o Congresso, no dever de responder a um anseio nacional majoritário, pois o país poderá paralisar, com graves danos à economia e a democracia, se não tivermos, neste momento, pelo menos algumas respostas das instituições forjadas na democracia para uma situação, que é, ao mesmo tempo, trágica e rica. É trágica, porque sabe-se que grupos como estes atuam há muito tempo, em situações tão graves como a atual - como é caso da compra de votos para a reeleição de Fernando Henrique -, e é também uma situação rica, porque sem dúvida é um momento de prestigiar e salvar a Petrobrás de um desgaste ainda maior, que poderá levar, no futuro, a sua privatização, como quer uma boa parte do tucanato.

Tenho convicção que a Presidenta sinalizará, com a devida rapidez, uma forma clara de reagir ao bloqueio que o país poderá sofrer com esta crise, com um Ministério da Justiça fortalecido, um Chefe da Casa Civil forte e adequado à complexidade da situação e um Ministro da Fazenda coerente com as propostas programáticas que defendeu no segundo turno. Trata-se também de compor um grupo dirigente que fale à sociedade, com respaldo nas ações da Presidenta e que faça política 24 horas por dia, no sentido mais elevado do termo.

Carta Maior: Na sua opinião, qual o papel que o PT pode e deve desempenhar neste processo? O partido está preparado politicamente para enfrentar os desafios postos para 2015?

Tarso Genro: O PT não pode mais tolerar qualquer comportamento que beire à corrupção ou ao aproveitamento das funções públicas para benefícios pessoais. Assim como ele não pode se pautar pela mídia, que quer, na verdade, esvaziar a sua originária capacidade transformadora, que ele pode recuperar plenamente pelo que ele já fez pelo Brasil. O Partido não pode deixar mais dúvidas a respeito da sua intolerância com a corrupção.

Neste caso, por exemplo, sem qualquer pré-julgamento, quando os processos judiciais estiverem abertos, ou mesmo, antes, através de advogados que tenham acesso aos autos, o Partido deve verificar responsabilidades de filiados seus e, confirmada sua vinculação direta ou indireta com atos ilegais de qualquer espécie, deve expulsá-los imediatamente ou aceitar seu afastamento voluntário, sem vacilar.

Quanto ao comportamento no Legislativo e nas relações com o Governo, nosso Partido, sem deixar de apoiar de maneira incondicional um Governo que é nosso, deve deixar de ser mero apoiador-expectador, excessivamente preocupado com cargos e espaços na máquina pública, para se tonar um partido apoiador-proponente, disputando os rumos do Governo. Este será um novo período de Governo, com base parlamentar mais frágil e dotada de grandes tentações fisiológicas. Para buscar estes rumos entendo que o Partido deva formar uma forte articulação, na sociedade e no Parlamento, com a esquerda e com a centro-esquerda, com pontos programáticos que possam ir forjando algo para o futuro e, ao mesmo tempo, seja no presente o núcleo de sustentação mais coerente das medidas progressistas e democráticas do segundo do governo Dilma.

Carta Maior: Quais pontos programáticos poderiam forjar uma frente desse tipo? Poderia citar alguns exemplos?

Tarso Genro: Creio que um programa mínimo de unidade de uma esquerda plural, para um certo período em que o crescimento do país estará bloqueado pela captura do Estado pelo capital financeiro especulativo, poderia se basear nos seguintes pontos, principalmente: uma reforma política que dê coerência nacional aos partidos e que acabe com a força do dinheiro como força dominante nos processos eleitorais; uma reforma tributária que reduza as taxações sobre as classes médias e sobre os trabalhadores, e um impostos progressivo sobre as grandes fortunas, abrindo novas perspectivas para o financiamento do Estado e reduzindo o endividamento público; um sistema de participação popular dentro das regras da constituição de 88, para produzir políticas públicas de largo alcance; uma reforma completa no sistema de concessões na área das comunicações para democratizar o acesso à informação e o direito equitativo à circulação da opinião; a renovação do programa de reforma de agrária para buscar, à médio prazo, uma total soberania alimentar.

Carta Maior: E qual seria o caminho para se chegar a um acordo desse tipo? Historicamente, a esquerda tem manifestado dificuldades para construir unidades em torno de programas mínimos. O mais usual é a prevalência das diferenças e da divisão.

Tarso Genro: O ideal seria travar uma discussão ampla, em rede, sem centro dirigente, mas com pontos de apoio na sociedade civil, nos movimentos sociais, nos partidos e frações de partidos, na academia, na intelectualidade progressista, para que cheguemos, daqui a dois anos, a um programa mínimo comum. O objetivo concreto, na minha opinião, seria apresentar aos partidos do campo da esquerda e às frações de partidos que possam ser progressistas, à sociedade e aos movimentos, uma espécie de nova carta aos brasileiros, desta feita propondo um compromisso com mudanças ousadas no Brasil, para melhoria dos serviços públicos, para acordar novas políticas públicas de combate às desigualdades sociais e regionais e para retirar o Estado brasileiro da lógica, perversa ensejada pelo domínio do capital financeiro.

Qual a força que esta proposta terá e como vai se reproduzir na sociedade em geral e, especialmente junto ao campo popular e democrático, que quer continuar mudando o Brasil para melhor, com mais igualdade, mais oportunidades compartilhadas, com uma sociedade de paz e sem a disseminação doentia da violência como está acontecendo hoje, dependerá do tipo de Ministério que a Presidenta apresentará brevemente e como ele será recebido pela sociedade e, especialmente, pelos setores mais dinâmicos e progressistas da sociedade brasileira.


FONTE: Carta Maior

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