segunda-feira, 4 de maio de 2020

O amor e o antifascismo de Olga Benário Prestes em CD

Entrevista de Anita Prestes ao boletim do Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro

POR SOS BRASIL SOBERANO


Três artistas alemães deram voz e corpo dramático à história de amor e de luta antifascista de Olga Benário e Luiz Carlos Prestes. O livro-áudio com o resultado deste trabalho, já levado ao palco em Berlim, na Alemanha, e em Zurique, na Suíça, foi lançado e está disponível para aquisição online. A atriz Ute Kaiser, responsável pelo conceito e pela direção do espetáculo, lê as cartas de Olga e o ator Martin Molitor, as de Prestes, enquanto Gabriela Börschmann faz a leitura dos arquivos da Gestapo sobre a combatente comunista.

“Eles resgatam a memória dos meus pais e emocionam o público”, afirma a historiadora e escritora Anita Leocádia, professora de pós-graduação de História Comparada da UFRJ, e filha do casal Olga-Prestes, nascida na prisão de mulheres de Barnimstrasse, em Berlim, antes da mãe ser enviada aos campos de concentração nazistas. “O livro-áudio é uma forma de denunciar e mostrar de forma artística o risco e os horrores do fascismo.”

A força dos relatos, observa Anita, está na sua autenticidade e na potência da própria experiência histórica. O livro-áudio reúne trechos dos documentos organizados em dois livros do pesquisador suíço Roberto Cohen: Olga Benario, Luiz Carlos Prestes: Die Unbeugsamen – Briefwechsel aus Gefängnis und KZ (Göttingen, Wallstein, 2013), uma coletânea da correspondência entre os dois revolucionários, e Der Vorgang Benario: Die Gestapo-Akte 1936 – 1942 (Berlim, Berolina, 2016), com material do “Processo Benário”, uma dos “documentos-troféus” (Trophäen-dokumente) nazistas apreendido pelos soviéticos em 1945, na tomada de Berlim.

O processo da Gestapo só foi aberto em abril de 2015, em um acordo feito entre os governos russo e alemão. “Minha mãe aparece como a pessoa sobre quem, individualmente, a Gestapo tinha o maior número de documentos”, diz Anita. São quase 2 mil páginas sobre ela. Os relatórios, depoimentos, fotos e cartas desse acervo cobrem desde a saída de Olga do Brasil, em 1936, passando pelo período de sua prisão no campo de concentração de Ravensbrück, até sua morte em outro campo nazista, de Bernburg, onde foi assassinada na câmara de gás, em 1942.

As cartas trocadas com Luiz Carlos Prestes são de quando Olga era prisioneira na Alemanha nazista e ele, no Brasil do Estado Novo. “Se quisermos saber alguma coisa sobre o amor entre duas pessoas, não devemos indagar o que as pessoas fazem do amor, mas sim o que o amor faz das pessoas. O que o amor fez de Olga Benário e Carlos Prestes descobrimos em suas cartas”, escreve Cohen na introdução do livro com a correspondência dos dois, conforme citado no site http://prestesaressurgir.blogspot.com/2020/04/na-alemanha-lancado-livro-audio-sobre.html.

Desses três eixos documentais — as cartas de Olga, as de Prestes, e o processo da Gestapo — nasce o livro-áudio. O CD, com tiragem de cerca de 3 mil exemplares, vem acompanhado de um suplemento impresso com 40 páginas, escritas por Cohen. O texto foi encenado no próprio campo de Ravensbrück, a 90 km ao norte de Berlim, na cidade de Fürstenberg, atualmente um museu.

Anita conta que a atriz alemã Ute Kaiser conheceu Cohen e, por meio de outros contatos junto a antifascista alemães da Anistia Internacional, acabou formando o grupo teatral do projeto. O livro-áudio deve ser distribuído para entidades de direitos humanos e antifascistas.



Atualidade da luta antifascista

A iniciativa mereceria uma versão em português, já que a história de Olga e Prestes ganha cada vez mais atualidade no país. “Marchamos para o fascismo, para uma ditadura que pode se aproximar de uma natureza fascista”, alerta Anita Prestes. “A oposição não tem rumo. A única demanda é ‘fora Bolsonaro’, mas, se tirarem o presidente, o que vai acontecer? Temos o Mourão [o vice-presidente, general Hamilton Mourão], que tem um reacionarismo e um fascismo mais consequente.”

Na avaliação da historiadora, “enquanto não houver um movimento popular com força, não será possível conseguir mudanças nem influir nos acontecimentos; sempre, como é tradicional na história, as decisões são das elites e contra o povo”. As lideranças, diz ela, “deveriam estar organizadas para brigar por reivindicações objetivas — leitos em hospital, por exemplo –, uma vez que há mais de 300 pessoas precisando de UTI, só no Rio de Janeiro, devido à pandemia de covid-19.

Cartas resgatadas

Parte do trabalho de Cohen contou com a correspondência entre Olga e Prestes publicada por Anita em 2001 — referente aos nove anos (de 1936 a 1945) em que seu pai esteve preso. A grande maioria das cartas trocadas com Olga passava pela avó e pela tia de Anita, Lygia, porque a Gestapo só aceitava correspondência escrita em alemão, e as mulheres encaminhavam os textos para serem traduzidos por um grupo de amigos, primeiro na França, depois no México. “Apesar dos riscos, minha tia Lygia guardou essa documentação, e com base nelas publicamos ‘Anos Tormentosos – Luiz Carlos Prestes – Correspondência da Prisão (1936-1945)’, em três volumes, pela editora Paz e Terra.

Parte dessa correspondência está no Arquivo Público do Rio de Janeiro, mas outra lote — cerca de 300 cartas — foi descoberta em 2018 e é objeto de uma disputa judicial. As cartas inéditas foram identificadas quando um comerciantes de antiguidades da Praça XV tentou levá-las a leilão, suspenso pela Justiça, diz Anita. Ao contrário do que se pensou inicialmente, elas não foram encontradas pelo antiquário no lixo, explica a historiadora, mas, a julgar seu ótimo estado, devem ter vindo do acervo de algum policial ligado ao gabinete de Filinto Müller, chefe da polícia política de Getúlio Vargas.

Anita lembra que, em 1945, o pai, ao sair da prisão anistiado por Getúlio Vargas, não tinha endereço fixo,e guardou sua documentação na sede do Partido Comunista, na rua da Glória, na capital carioca. No dia 29 de outubro, no golpe que derrubou o presidente, a polícia de Filinto Müller invadiu e depredou a sede do partido. “Algum policial guardou essa correspondência, que não deu entrada oficialmente na polícia”, acredita a historiadora.”Um descendente a encontrou e vendeu para o antiquário da Praça XV.”

Na ação pelo direito às cartas, Anita já ganhou em todas as instâncias e agora aguarda a decisão final do STF. Enquanto isso, elas estão sob a guarda da leiloeira. Quando estiver com a posse definitiva do material, a historiadora pretende doá-lo para a Biblioteca Comunitária da Unicamp. Entre as cartas, está aquela em Olga anuncia sua gravidez a Prestes, publicada por Anita em 2019 no livro “Viver é tomar partido: memórias”, pela editora Boitempo.

No site https://www.olgabenario.de/ é possível ouvir dez minutos de leitura (em alemão) do áudio-livro “Die Unbeugsame – Olga Benario in ihren Briefen und in den Akten der Gestapo”.




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