Por Marcos Cesar de Oliveira
Pinheiro*
Sorrateiramente
– seria muita ingenuidade achar que foi uma decisão repentina, não planejada –,
na noite desta segunda-feira, dia 13 de abril de 2020, a Prefeitura de Rio das
Ostras publicou o Jornal Oficial, edição 1159, trazendo a PORTARIA Nº
0309/2020, que “DISPENSA, RESCINDINDO, CONTRATO TEMPORÁRIO DE TRABALHO”. Entre
os “considerandos” da referida portaria, o último foi o de fato revelador das
prioridades do governo, a saber: “Considerando
que a extinção desses contratos de trabalho temporários se torna uma exigência
administrativa necessária; E diante da necessidade de adoção de medidas que vão
além da vontade do Chefe do Executivo, por se tratar de exigências
jurídicas e de responsabilidade fiscal”. De modo que mais de mil pessoas
tiveram rescindidos “os Contratos de Trabalho por tempo determinado, firmados
para atender às necessidades temporárias e emergenciais da Secretaria Municipal
de Educação, Esporte e Lazer – SEMEDE”.
Assim
como os governos municipais anteriores, sejam eles verde ou laranja, no fundo cores
de um mesmo borrão[1], a
atual administração apresenta “informações genéricas” como “exigências
administrativas”, “exigências jurídicas”, “responsabilidade fiscal” e por aí
segue a fraseologia vazia para ludibriar a massa incauta. No presente momento, estas
“informações genéricas” deixam algumas questões mais imediatas em aberto:
·
Como
fica a situação dos milhares de cargos comissionados da Prefeitura de Rio das
Ostras, nomeados, majoritariamente, mais por indicações políticas do que por
requisitos técnicos? Irão continuar? Não se encaixam às “exigências jurídicas e
de responsabilidade fiscal”?
·
Quem
vai dar continuidade a distribuição da versão impressa das “aulas e atividades”,
produzidas pelos professores em regime de trabalho home office[2],
que vem sendo feita nas unidades escolares pelos funcionários contratados da
SEMEDE? O serviço será realizado pelos milhares de
cargos comissionados da prefeitura?
·
Os
professores contratados, que vinham até a última segunda-feira trabalhando em
home office, não são mais necessários para a elaboração das “atividades
pedagógicas online”? (Não se enganem com os motivos “pedagógicos” de
padronização das habilidades, dos conteúdos de aulas e das atividades exigidos
por ano de escolaridade em cada unidade escolar. O motivo principal é a “exigência
administrativa” de descarte dos professores contratados.)[3]
·
Com
quem a SEMEDE vai contar para a distribuição de cestas básicas, com recursos oriundos
do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), para atender as famílias de
estudantes em situação de vulnerabilidade social?[4]
O serviço será realizado pelos milhares de cargos comissionados da prefeitura?
Ou também vai contar com o pessoal em função gratificada lotado na referida
secretaria?
Contudo,
o alinhamento da administração municipal de Rio das Ostras às orientações do
governo de Jair Bolsonaro[5],
infelizmente, não é um fenômeno isolado.[6]
Em diversos estados do Brasil, tem-se notícias de prefeituras demitindo
servidores contratados. Medidas marcadas pelo cinismo, pela frieza e pelo
burocratismo desumano das “exigências administrativas”. Concomitante aos planos
de enfrentamento à pandemia do novo coronavírus (Covid-19), em todas as esferas
(municipais, estaduais e federal), segue a política de precarização da classe
trabalhadora.
Até
Delfim Neto, ex-ministro da Ditadura Militar e baluarte do “Partido da Ordem”
(isto é, dos donos do poder, dos capitalistas), em entrevista, nesta
segunda-feira (13/4), ao UOL Economia, declarou: ‘O Estado tem a obrigação
moral de reduzir o número de óbitos. Por isso, para
enfrentar o covid-19 não poder ter limite orçamentário”. Portanto, as
administrações governamentais estão indo no sentindo oposto, levando os profissionais
demitidos, como no caso de Rio das Ostras, “à situação de penúria em um momento
a qual deveria ter proteção estatal”.[7]
Manter os contratos é preservar vidas, é “reduzir o número de óbitos”, é não
contribuir para o caos e a vulnerabilidade social vigentes.
Mas
o governo municipal de Rio das Ostras deixa bem clara sua posição, renunciando à
sua “obrigação moral” e alinhando-se às diretrizes do governo de Jair Bolsonaro,
“o produto malparido do medo burguês”.[8]
“No entanto, ao invés de economia com corte de gastos nos mais variados
contratos empresariais, muitos de caráter supérfluo ou até mesmo, na diminuição
de privilégios, o mesmo busca cortar ‘gastos’ atacando os direitos dos
trabalhadores.” (“Nota sobre as rescisões dos contratos em Rio das Ostras” do
SEPE Rio das Ostras/Casimiro de Abreu).
Querem
manter as coisas como elas estão, ou seja, deixar intocadas as relações de
poder entre a "elite" e o "povo". Manter a vontade popular
adormecida, narcotizada e manipulada. Assistimos à falácia de uma
"democracia formal", em que o povo tem um papel totalmente secundário
e marginal, com escassa ou nula incidência na elaboração de políticas públicas
que garantam proteção aos interesses das camadas populares.
Transformar
a indignação numa atmosfera de combatividade crescente dos professores será um
avanço. Nas palavras do educador marxista Paschoal Lemme, “o ensino e a
educação só avançam, só progridem realmente quando as respectivas reformas
resultam de transformações reais ocorridas na estrutura da sociedade, quando
impulsionadas e realizadas pelas forças progressistas vitoriosas na luta pelo
poder político”. Afirma que “uma das ilusões mais ingênuas dos educadores é a
crença de que reformas educacionais transformam a sociedade, quando o que se dá
é exatamente o contrário”. Por isso, se afirmar que quando o professor está
lutando também está ensinando. Porque é na luta que ele desenvolve um processo
pedagógico diferenciado na sua relação com o educando. É lutando a melhor
maneira de fazer da escola um espaço que venha a contribuir para a apropriação
e produção de um modo de pensar diferente do que predominou historicamente.
Por
fim, só pedir desculpa aos leitores, pois trata-se de um texto escrito à toque
de caixa e sob efeito da indignação deste ato covarde. Por isso, o momento imediato é de hipotecar solidariedade aos colegas demitidos, como expressão do descontentamento e revolta dos profissionais da educação de Rio das Ostras pela situação degradante a que estão sendo submetidos.
*
Professor de História da Rede Municipal de Ensino Público de Rio das Ostras.
Matrícula: 6273-1. Lotado na Escola Municipal Padre José Dilson Dórea, bairro
Âncora. E também Professor Adjunto de História da Educação da Faculdade de
Educação da Baixada Fluminense (FEBF), da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro (UERJ).
[1] Recomendo a leitura do texto de
Benoni Alencar, intitulado “Verde e laranja, cores de um mesmo borrão”.
Disponível em: http://prestesaressurgir.blogspot.com/2011/10/rio-das-ostras-mais-um-crime-politico.html.
[2] Conforme Decreto Municipal 2490/20.
[3] Ver matéria do noticiário Cidade
24h, publicada no último dia 11 de abril, abordando a questão do ensino à
distância na nossa realidade, intitulada “Ensino à Distância pode prejudicar
professores e alunos em Rio das Ostras e Casimiro de Abreu”. Disponível em: https://cidade24h.com/noticias/ensino-a-distancia-pode-prejudicar-professores-e-alunos-em-rio-das-ostras-e-casimiro-de-abreu/.
[4] Em notícia no site da Prefeitura
de Rio das Ostras, publicada no último dia 8 de abril, diz que: “A partir dos
próximos dias, a Secretaria de Educação lançará um cronograma de distribuição
dos alimentos e as famílias receberão avisos via telefone e redes sociais para
comparecer à unidade de ensino na qual o aluno está matriculado para a retirada
da cesta.” Ver “Município consegue liberação de verba federal para distribuir
cestas básicas”, disponível em: https://www.riodasostras.rj.gov.br/municipio-consegue-liberacao-de-verba-federal-para-distribuir-cestas-basicas/.
[5] Na contramão de outros governos do
mundo, que neste momento adotam políticas de preservação de empregos e de
renda, incluindo proibição de demissões, o governo federal brasileiro autoriza
demissões, como pode ser acompanhado nos meios de comunicação. Ver a Medida Provisória (MP) 936, publicada em 1º de abril de 2020.
[6] Tomei conhecimento de que, no
estado do Rio de Janeiro, as prefeituras de São Pedro da Aldeia, Búzios e
Mesquita seguiram o mesmo caminho de rescindir contratos de servidores.
[7] Ver “Notasobre as rescisões dos contratos em Rio das Ostras” do SEPE Rio das Ostras/Casimirode Abreu. Disponível em: https://www.facebook.com/SEPERiodasOstras1977/photos/a.959834684131840/2886812451434044/?type=3&theater.
[8] Expressão usada por Karl Marx em
Lutas de classes na França (Boitempo, 2012, p. 160).
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