Por Marcos Cesar de Oliveira Pinheiro
Em meio a muita polêmica, foi lançado, em dezembro de 2015, o livro “O Maior Espetáculo da Terra – 30 anos de Sambódromo”. Segundo o autor, Luiz Carlos Prestes Filho [Luiz Carlos Ribeiro Prestes], trata-se de um registro sobre a importância dos quatro presidentes de escolas de samba (Anísio Abraão, Capitão Guimarães, Luizinho Drummond e Carlinhos Maracanã) que lutaram pela construção da Passarela do Samba e criaram a Liesa, Liga Independente das Escolas de Samba.
A razão da controvérsia está no fato de que o lançamento do livro de Luiz Carlos Ribeiro Prestes aconteceu duas semanas depois da chegada às livrarias de “Os porões da contravenção”, de Chico Otavio e Aloy Jupiara, livro publicado pela editora Record, que tem por tema a ligação dos bicheiros com a ditadura militar e ações criminosas - isto é, a história da aliança que profissionalizou o crime organizado (leia aqui um trecho do livro). Mas Luiz Carlos parece ser da mesma opinião que José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, autor do prefácio do livro, que disse em entrevista ao Globo: “Não conheço e nem me interesso pelo outro lado dos protagonistas” (citação em "O tão falado livro do Prestes Filho sobre o carnaval carioca", por Lu Lacerda, no IG).
Em reportagem na revista Isto é, intitulada "Veto e mal estar", Luiz Carlos Ribeiro Prestes disse: “Não há mais condenação contra eles [integrantes da cúpula do Jogo do Bicho no Rio, condenada pela Justiça nos anos 1990], e independentemente de qualquer coisa, não dá para negar a importância deles para o Carnaval Carioca. José Dirceu está preso e escrevem livros sobre ele. Posso escrever sobre quem eu quiser. Estamos numa democracia.”
Em reportagem na revista Isto é, intitulada "Veto e mal estar", Luiz Carlos Ribeiro Prestes disse: “Não há mais condenação contra eles [integrantes da cúpula do Jogo do Bicho no Rio, condenada pela Justiça nos anos 1990], e independentemente de qualquer coisa, não dá para negar a importância deles para o Carnaval Carioca. José Dirceu está preso e escrevem livros sobre ele. Posso escrever sobre quem eu quiser. Estamos numa democracia.”
"Se você é neutro em situações de injustiça, você escolhe o lado do opressor." (Desmond Tutu)
Nesta segunda-feira, 15/02/2016, o blog do jornalista Ancelmo Góis, colunista do jornal O Globo, publicou a seguinte nota:
Polêmica na Sapucaí
Luiz Carlos Prestes Filho, Maria Prestes e Capitão Guimarães |
Esta foto mostra Maria Prestes, acompanhada do filho Luiz Carlos Prestes Filho, ao lado do Capitão Guimarães, sábado, no camarote da Liga das Escolas, na Sapucaí. A viúva do principal líder comunista brasileiro cumprimentou o bicheiro “pelo belo desfile da Vila Isabel, que homenageou o grande Miguel Arraes”. O encontro, segundo o filho, “foi formal, elegante e democrático.”
O Capitão Guimarães, como se sabe, serviu no Doi-Codi durante a ditadura. Ele também é citado como torturador no relatório da Comissão da Verdade.
Aliás...Este encontro, improvável há algumas décadas, é um desdobramento do livro lançado por Luiz Carlos, em dezembro: “O maior espetáculo da Terra — 30 anos de carnaval carioca”. Estudioso da economia da cultura popular, o autor exalta no livro o papel dos bicheiros no carnaval. Diz que “sem eles, o desfile não teria a magnitude de hoje”.
Só que este livro coincidiu com o lançamento de “Os porões da contravenção”, de autoria dos repórteres Aloy Jupiara e Chico Otávio. A dupla mostra as ligações de bicheiros com a ditadura e o crime organizado.
Diante do exposto, parece que uma parte da família de Luiz Carlos Prestes, exercendo, claro, o seu direito de liberdade de escolha e de associação, a muito tempo renunciou ao legado político de Prestes, o Cavaleiro da Esperança. Se é que alguma vez, de fato e efetivamente, estes familiares estiveram politica e ideologicamente ao lado dele.
E por falar do legado de Luiz Carlos Prestes, cabe aqui reproduzir o texto de Florestan Fernandes, intitulado "O herói sem mito", escrito em homenagem ao Cavaleiro da Esperança, por ocasião de seu falecimento em 7 de março de 1990.
O herói sem mito
Escrito por Florestan Fernandes
(Texto publicado no encarte da revista Trilha Socialista - 1990)
Faleceu o único herói brasileiro que não forjou o pedestal de sua gloria. Homem simples e franco no trato cotidiano, era um líder político (e militar) nato. Depois da célebre marcha, na qual sobrepujou em argúcia e espirito inventivo as Forças Armadas oficiais, poderia ter se tomado um dos "grandes da República", Getúlio Vargas tentou seduzi-lo, mas encontrou o repúdio a qualquer composição política pessoal. O rebelde não se despia de suas convicções antioligárquicas e democráticas, buscando servir a nação - e a sua independência — e submeter-se a uma vida de sacrifícios exemplares que o enobrecem como figura humana e como agente histórico.
Nem sempre estive ao seu lado e demorei para entender os desafios que ele enfrentava com desprendimento e grandeza. Foi a década de 1970 e principalmente a luta contra a ditadura militar que escancararam para todos os olhos o significado político de sua dedicação ao movimento operário e sindical. O prestismo deixara, então, de ser o dínamo de seu partido e uma realidade histórica. Privado de tudo, de sua condição de dirigente e confrontado por antagonismos antes imprevisíveis, ele apareceu na cena política na plenitude do seu ser real. Ao contrario de outros "comunistas" que renegaram e traíram seus compromissos e valores, ele procurou atualizar sua compreensão objetiva do Brasil, seu conhecimento do marxismo e sua atuação independente dentro do movimento operário e sindical. Algo surpreendente para uma pessoa de sua idade, além do mais tida como "dogmática" e "autoritária".
Nesse momento, enquanto a esquerda se fragmentava e se delinearam novas opções partidárias socialistas, Luiz Carlos Prestes cresceu como homem e como personalidade política. Velhos militantes fieis somavam-se a jovens ardentes, que ouviam sua pregação moral. É neste terreno que trava a batalha final, até a morte. Ética e política não se dissociam. Uma constitui o avesso da outra. A luta de classes é uma realidade política. Contudo não seria nada se não fosse, acima de tudo, uma exigência moral. Nesse nível — do qual parte, aliás, o "jovem Marx" — Prestes empenha-se em sua "última etapa", impulsionado pelo dever incoercível de chegar a explicações e ações fundadas nas raízes dos processos sociais, econômicos e políticos. Corria o Brasil de um lado a outro, levando a toda parte o ardor de suas convicções.
O rebelde do começo não ressurge no radical da etapa derradeira. Surge um Prestes arquétipo, que infunde vitalidade à esperança dos trabalhadores livres e semilivres ou dos jovens e estudantes, todos desesperados e desorientados, que não viam esperança individual ou coletiva para si e para o Brasil. A revolução socialista formulada como a "única via" da liberdade, de igualdade e da democracia da maioria é posta no eixo da auto-emancipação das classes trabalhadoras e das massas populares excluídas. Esse discurso ultrarradical encontrou ressonância mesmo entre seus detratores e inimigos. E originou uma solida confiança nos de baixo em sua capacidade de ação — de criar uma sociedade nova, digna de inspirar os brasileiros a tomar em suas mãos a democratização do país e do Estado. Essa esperança transcendeu o seu percurso solitário, foi além das fronteiras dos militantes e simpatizantes de seu ideário político e representa a principal herança por ele deixada ao movimento operário, sindical e partidário de orientação firmemente socialista.FONTE: ILCP.
Queiram ou não os seus adversários e críticos de plantão, a ausência física de Luiz Carlos Prestes não nos impede de falar de legados políticos, entendidos como um conjunto de valores e princípios de modo a formar uma cultura política. Dos pilares dessa cultura política, o historiador Lincoln de Abreu Penna enumera três, ao participar do Seminário "Prestes - 20 anos sem o Cavaleiro da Esperança", realizado pela UFRJ, em setembro de 2010: o repúdio às injustiças sociais e a luta para superá-las; o primado do altruísmo, da solidariedade, sobre o individualismo; a vontade política voltada às transformações como motivação das ações na vida pública. Sobre eles, Lincoln traça os seguintes comentários:
O primeiro pilar esteve presente no engajamento de Prestes quando ainda jovem oficial do exército. Revoltou-se e liderou ao longo da década de vinte o movimento tenentista;O segundo acompanhou toda a sua trajetória de vida. O altruísmo e a solidariedade aos companheiros e aos segmentos sociais ligados ao mundo do trabalho sempre deixaram em segundo plano eventuais desejos individuais; E no que se refere ao terceiro pilar, a postura revolucionária o levou a trilhar uma das mais destacadas vidas no campo das lutas em defesa do ideário socialista; É por essa razão que a esperança foi intensamente representada pela figura do seu Cavaleiro, a percorrer o Brasil de Norte a Sul, de Leste à Oeste, levando a bandeira da libertação.
O historiador Lincoln Penna, conclui afirmando que de Prestes devemos guardar alguns princípios e ensinamentos:
O princípio da coerência ideológica; O ensinamento de que o compromisso com a causa da revolução supera os eventuais interesses individuais; O princípio e o ensinamento do dever cívico, que passa pela defesa da soberania nacional e do internacionalismo; A integridade moral diante das adversidades; A capacidade de contrariar maiorias, tendências dominantes, em nome da determinação da luta.
Embora não haja um determinismo de que os filhos devem, obrigatoriamente, seguir os passos dos seus pais e comungar da sua visão de mundo, não deixa de ser chocante e causar repúdio aos comunistas aliados às posições de Luiz Carlos Prestes, que honram a sua luta, a sua figura e a sua memória, e à esquerda revolucionária em geral o uso do seu nome e da sua imagem, ainda que indiretamente - e de forma leviana -, associados à contravenção, ligada à ditadura militar e às ações criminosas. Porque, infelizmente, o autodenominado Luiz Carlos Prestes Filho e sua mãe parecem se aproveitar bastante dos vínculos de parentesco com o Cavaleiro da Esperança para a promoção de seus interesses individuais, algo completamente oposto aos princípios preconizados por aquele que foi a maior liderança comunista na história deste país.
NOTAS:
Para saber sobre as relações dos bicheiros com a ditadura militar, isto é, a história da aliança que profissionalizou o crime organizado, recomendo a leitura do seguinte livro:
Jupiara, Aloy; Chico Otavio. Os porões da contravenção: jogo do bicho e ditadura militar - a história da aliança que profissionalizou o crime organizado. São Paulo: Record, 2015.
NOTAS:
Ver em Petição Pública: DECLARAÇÃO PÚBLICA DOS COMPANHEIROS,AMIGOS E ADMIRADORES DE LUIZ CARLOS PRESTES
Para saber sobre as relações dos bicheiros com a ditadura militar, isto é, a história da aliança que profissionalizou o crime organizado, recomendo a leitura do seguinte livro:
Jupiara, Aloy; Chico Otavio. Os porões da contravenção: jogo do bicho e ditadura militar - a história da aliança que profissionalizou o crime organizado. São Paulo: Record, 2015.
Para conhecer o que foi o DOI-Codi, recomendo o seguinte livro:
GODOY, Marcelo. A Casa da Vovó: uma biografia do DOI-Codi (1969-1991), o centro de sequestro, tortura e morte da ditadura militar: histórias, documentos e depoimentos inéditos dos agentes do regime. São Paulo: Alameda, 2014.
Para conhecer a trajetória política de Luiz Carlos Prestes, recomendo a seguinte obra:
PRESTES, Anita Leocadia. Luiz Carlos Prestes: um comunista brasileiro. São Paulo: Boitempo, 2015.
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