Por Anita Leocadia Prestes
Há 80 anos, em 30 de março de 1935, tinha lugar, no teatro João Caetano, no Rio de Janeiro, o lançamento público da Aliança Nacional Libertadora (ANL), ocasião em que Luiz Carlos Prestes foi aclamado presidente de honra da entidade, embora ainda não tivesse regressado ao Brasil do exílio onde se encontrava havia vários anos. Era constituída uma ampla frente formada por setores representativos da sociedade brasileira da época, mobilizados em torno de quatro objetivos principais: luta contra o avanço do integralismo no Brasil e do fascismo no cenário mundial, e luta contra a dominação imperialista e o latifúndio em nosso país. A criação da ANL representou a culminância de um processo de aglutinação de grupos, setores, organizações e personalidades, decepcionados com o rumo tomado pela Revolução de 30, desiludidos de Vargas e do seu Governo. Ao mesmo tempo, para que essa unidade fosse alcançada, o nome, o prestígio, a liderança de Luiz Carlos Prestes mostraram-se essenciais. Sem o Cavaleiro da Esperança e tudo o que ele representava no Brasil, naquele momento, a ANL dificilmente teria existido.
Em pouco menos de três meses e meio de vida legal, a ANL chegou a fundar mais de 1.600 núcleos em todo o território nacional, atingindo na capital da República 50 mil inscritos, e na cidade de Petrópolis 2.500 aderentes. O quadro social da ANL estava, em maio de 1935, aumentando numa média de 3 mil membros por dia. E, no início de julho de 35, no momento de seu fechamento pelo Governo, a ANL contava nacionalmente com um número de militantes que variava entre 70 e 100 mil.
A ANL transformou-se numa grande frente formada tanto através de adesões individuais de destacadas personalidades da cultura, da ciência e da política quanto de organizações populares, sindicais, femininas, juvenis, estudantis, democráticas, etc. Sua composição estava marcada pela presença de setores das camadas médias urbanas, de segmentos do movimento operário e de jovens militares, oriundos em grande parte das lutas tenentistas dos anos vinte.
A direção da ANL contava com a presença de “tenentes”, atraídos pela liderança de Luiz Carlos Prestes, de personalidades progressistas e de militantes do PCB. A presença dos comunistas foi significativa, embora, no início, houvesse restrições de alguns dirigentes do PCB à participação na ANL, pois existia o temor de que o partido pudesse dissolver-se nessa entidade, conforme se considerava que ocorrera com o Bloco Operário Camponês (BOC), no final dos anos vinte.
A atuação da ANL se caracterizava pela organização de atos públicos, caravanas aos estados do Norte-Nordeste, pela participação em lutas de rua contra os integralistas, pela publicação e vasta distribuição de boletins, volantes e jornais aliancistas. No Rio de Janeiro, A Manhã e, em São Paulo, A Platéa foram os principais jornais que deram publicidade aos documentos e às atividades promovidas pela ANL.
Num período de intensa polarização política no cenário mundial, diante do avanço do fascismo em nível internacional e do integralismo em âmbito nacional, a ANL desempenhou um papel relevante na mobilização de amplos segmentos da sociedade e da opinião pública brasileira em defesa das liberdades públicas, gravemente ameaçadas pelos adeptos da Ação Integralista Brasileira, liderados por Plínio Salgado. A ANL promoveu grandes atos e manifestações contra o integralismo, contribuindo tanto para o desmascaramento do seu caráter antinacional e antidemocrático como para o seu crescente isolamento.
A conjugação da luta contra o fascismo e o integralismo com o combate ao imperialismo e ao latifundismo foi justa, uma vez que o fascismo e o seu congênere nacional podem ser caracterizados como fenômenos associados, em determinadas circunstâncias, ao capital monopolista e financeiro. Ao mesmo tempo, o capital estrangeiro, no Brasil, sempre se mostrou solidário com a manutenção do monopólio da terra, tendo seus interesses entrelaçados com os das oligarquias agrárias.
Os comunistas, entretanto, cometeram um erro de avaliação ao caracterizarem a situação do país como “revolucionária”, considerando que o desgaste do Governo Vargas seria tal que as suas condições de governabilidade estariam esgotadas. Confundindo os desejos com a realidade, os comunistas e muitos dos seus aliados superestimaram as possibilidades reais de organização e mobilização das massas populares. Consideraram que havia chegado a hora de levantar a questão do poder, lançando a consigna de um Governo Popular Nacional Revolucionário, formado pela ANL, através de uma insurreição popular. A proposta dos comunistas, assumida pela ANL, mostrou-se fantasiosa e, portanto, inexeqüível, resultando na derrota do movimento.
A inviabilidade de promover uma insurreição das massas trabalhadoras no Brasil, em 1935, aliada à conjuntura de intensa agitação e efervescência política nas Forças Armadas, induziu os comunistas e seus aliados da ANL a sucumbirem à influência das concepções golpistas dos militares, fortemente arraigadas no imaginário nacional. Tal fenômeno sobreveio, apesar dos esforços desenvolvidos para organizar e mobilizar as massas, assim como das repetidas e insistentes declarações do PCB, de Prestes e da ANL condenando o golpismo.
Mas o revés sofrido pelo movimento antifascista no Brasil, em novembro de1935, não se explica apenas pela influência das concepções golpistas. O Governo Vargas, não obstante o desgaste que vinha sofrendo junto a diferentes setores sociais, conseguiu tirar partido de uma conjuntura internacional favorável ao avanço do fascismo e ao estabelecimento de regimes autoritários para, com o apoio da direita e brandindo as bandeiras do anticomunismo, impor uma grave derrota às forças democráticas e progressistas do país.
O sucesso inicial do movimento conduzido pela ANL, assim como do seu programa, residiu na sua justeza, que se evidenciou pela aceitação e a repercussão que obteve junto à opinião pública democrática nacional. Em pouco tempo, a ANL transformou-se na maior frente única popular jamais constituída no Brasil. Seu lema “Pão, Terra e Liberdade”, inicialmente lançado pelo PCB, empolgou centenas de milhares de brasileiros.
A ANL ajudou a formar, no Brasil, uma consciência antifascista, anti-imperialista e antilatifundista, que a derrota de novembro de 35 não foi capaz de apagar. Consciência que viria a renascer no início dos anos quarenta, com o movimento pela entrada do Brasil na guerra contra o nazifascismo, ao lado da União Soviética e das potências aliadas.
A luta unitária conduzida pela ANL - uma experiência a ser resgatada pelas esquerdas e os movimentos populares contemporâneos - continua atual, pois revela a possibilidade da unificação dos trabalhadores e das forças populares em torno das suas reivindicações mais sentidas. O exemplo dos aliancistas deve nos servir de inspiração para alcançarmos hoje a organização e a unificação dos trabalhadores e dos setores populares em torno de metas parciais que venham a contribuir para a acumulação de forças e a criação de condições – inclusive a formação de partidos políticos revolucionários – para a conquista do poder político, objetivo sem o qual o processo revolucionário no Brasil ficará inconcluso e sujeito a derrotas.
* Anita Leocadia Prestes é doutora em História Social pela UFF, professora do Programa de Pós-graduação em História Comparada da UFRJ e presidente do Instituto Luiz Carlos Prestes www.ilcp.org.br.
FONTE: ILCP
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