segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

O socialismo está em crise? E o capitalismo?

Se a construção prática do socialismo enfrentou problemas, o que dizer dos resultados apresentados pelo capitalismo? Como anda a África, por exemplo?


Por Wadih Damous (*)

A queda do Muro de Berlim e a extinção do bloco socialista na Europa do Leste fizeram a alegria dos defensores do capitalismo. Houve até quem, como Francis Fukuyama, decretasse o fim da história: a partir dali, afirmava ele, não haveria mais solavancos. As coisas aconteceriam sem mudanças radicais na sociedade.

Fukuyama não foi o primeiro a vaticinar o caráter perene de uma determinada situação de hegemonia. O Império Romano já falava nisso. Vindo mais para perto no tempo, poderia ser lembrado também o “Reich dos Mil Anos”, apregoado pelos próceres do nazismo, e que, em vez de mil, mal durou 15 anos...

De qualquer forma – é preciso reconhecer – as experiências socialistas enfrentaram percalços para transformar em realidade os sonhos de milhões de lutadores sociais que as defenderam ao longo dos últimos cento e poucos anos.

Essas dificuldades têm que ser objeto de estudo. A compreensão de suas razões será importante para a construção do futuro.

Questões relacionadas com a democracia e o desenvolvimento da produtividade do trabalho, e das forças produtivas em geral, estão a clamar por respostas. Ao não serem resolvidas, empurraram aquelas sociedades para uma excessiva estatização e uma burocratização que criou camadas privilegiadas e parasitárias – o que lhes foi fatal.

Mas, seria o caso de, por isso, se abdicar do socialismo, de se jogar fora a criança juntamente com a água da banheira?

Penso que não.

Essas dificuldades têm que ser vistas como desafios a serem vencidos para os que não têm o sistema capitalista como solução para os problemas da humanidade.

Por isso, é preciso travar o debate ideológico. E, se a construção prática do socialismo enfrentou problemas, o que dizer dos resultados apresentados pelo capitalismo? Como anda a África, onde, em pleno século 21, milhões de seres humanos são desnutridos e morrem de fome? O que o capitalismo trouxe para essas pessoas.

Mas, deixemos de lado a África - continente que, ainda hoje, enfrenta as consequências da escravidão, que retirou durante mais de três séculos sua força de trabalho mais qualificada. Vejamos o que o capitalismo oferece aos cidadãos na maior potência econômica da história.

Como anda a assistência de saúde nos Estados Unidos? Por incrível que pareça, lá não existe sequer um sistema universal de saúde, algo correspondente ao nosso SUS (mesmo com os problemas que o SUS possa ter). Quem não tem plano de saúde privado está arriscado a morrer diante de um hospital sem ser atendido. Isso é civilização?

Aos incrédulos, eu recomendaria que assistissem ao filme “Sicko”, realizado em 2007 pelo cineasta americano Michael Moore, que mostra o quão excludente é o sistema de saúde nos Estados Unidos.

E nem só de fracassos viveram as experiências socialistas até agora existentes. 

Vejamos Cuba, por exemplo: é um país pequeno, sem grandes recursos naturais e que apresenta alguns indicadores sociais de fazer inveja. Seu índice de mortalidade infantil – critério usado pelas Nações Unidas para medir a qualidade de vida, pois, quando se esta se deteriora as crianças são a parcela da população mais vulnerável – é o melhor da América Latina, sendo superior até mesmo ao dos Estados Unidos.

Por outro lado, seu sistema educacional - que abrange todas as crianças do país, sem exceção - tem recebido os maiores prêmios internacionais da Unesco, à frente de todos os demais países da América Latina.

Cuba é um país pobre. Deve ser comparada não às nações do Norte da Europa, mas às da América Central, como Guatemala, Honduras ou República Dominicana. Quem vive melhor? A população desses países, que são capitalistas, ou o povo cubano, apesar de todos os problemas que tem diante de si?

Assim, a discussão sobre os problemas do socialismo tem que ser enfrentada sem subterfúgios. Mas considerar que, devido às dificuldades (algumas delas oriundas do bloqueio e da sabotagem de países capitalistas, diga-se), a solução estaria no capitalismo é um enorme engano.

Que, nestes tempos de confusão ideológica e amesquinhamento de objetivos, as correntes progressistas não percam essa verdade de vista.

 
(*) Advogado

FONTE: Carta Maior

Um comentário:

  1. Primeiramente, há que repudiar o stalinismo em todos os seus matizes tributários do mito do "socialismo em um só país", uma deformação rasteira e grosseira do "leninismo". Ao mesmo tempo, "desmitificar" a apologética do "trotskysmo". Ambos navegam pelo mesmo leito do economicismo de esquerda, o primeiro, simplesmente, decepa o sujeito histórico - a iniciativa independente de grandes massas – e o segundo rebaixa o "leninismo" a um típico messianismo, a mística da purificação do "estado burocraticamente degenerado". O stalinismo destrói ("desconstrói") a iniciativa independente de grandes massas e o sujeito político em prol de um organismo social monolítico sem vida; o trotskysmo relega a iniciativa das massas ao espontaneísmo por liquidar a unidade de ação da vanguarda. Ambos desconhecem o preceito "lenineano" da construção estratégica do sujeito político e de sua iniciativa independente, ambos subjacentes no conceito do “socialismo estrategicamente construído” presentes no pensamento de Lênin. Em segundo lugar, se considerem as experiências do socialismo em um só país como tributárias de "sociedades e economias de transição" a deriva do capitalismo de estado e salvaguardadas por estados anti-imperialistas. A divisão internacional e imperialista do trabalho exerce um impacto dramaticamente expropriador sobre as economias de transição, levando suas sociedades à estagnação. O materialismo histórico age de modo sobre essas sociedades como um imperativo. Na concepção leninista original, ao contrário, impõe-se por força do socialismo proletário revolucionário uma reversão do próprio materialismo histórico: a sociedade por meio da socialização da política impõe-se sobre a economia e com esta atuam determinando a sobre-estrutura. Se, me permitirem, poderei contribuir metodicamente com alguns textos sintéticos a cerca da problemática aqui desposada.

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