sexta-feira, 20 de julho de 2012

O Fórum de São Paulo e seus desafios: resposta a Valter Pomar



Por Atilio A. Boron
O Secretário Executivo do Fórum de São Paulo, Valter Pomar, escreveu uma resposta sarcástica ao meu artigo “Fórum de São Paulo: balanço a partir de Caracas”. Uma leitura mais cuidadosa do texto não faz outra coisa que confirmar o acerto contido nas teses centrais de meu artigo, como tratarei de fundamentar mais a frente. Chamo a atenção para que, enquanto em meu artigo falo de política, Pomar, no seu, fala de psicologia. No lugar de discutir os argumentos acerca do “ecletismo ideológico” do fórum ou das debilidades da Declaração final (onde, ao longo de oito páginas, não diz uma palavra sobre as maciças manifestações estudantis contra a privatização das universidades que estão comovendo a política do Chile, Colômbia, México, República Dominicana e, inclusive, Quebec. Apenas fala das bases militares dos Estados Unidos na região, sendo que Pomar é militante de um partido cujo país é o mais completamente cercado por esse tipo de instalações mortíferas), o que sobressai em sua pretensa réplica são supostas caracterizações de minha pessoa e de meu comportamento.
Assim, diz que é “aterrador” escrever o que escrevi; qualifica-me como suposto “mensageiro” de Chávez; ou de “pontificar” em lugar de investigar; “meio descontente” e, mais adiante, “mal humorado” com o êxito do fórum; de dizer “absurdos” ao fazer uma crítica teórica à Declaração do FSP; de elaborar “ridículas caricaturas”; ou pecar pela falta de “tolerância”; de “simplificar” a situação ao comparar o FSP com o Fórum Social Mundial (FSM); de atuar com “má fé” ao insinuar uma possível relação entre o esquecimento do golpe contra Aristides com a presença da MINUSTAH, no Haiti; e de “não saber” que as declarações finais do FSP “são consensuais” nas reuniões de Grupo de Trabalho. Primam pela ausência de categorias de análises políticas ou econômicas, enquanto sobram as de tipo psicológico. Algum motivo deve ter.
A verdade é que sua atitude não faz senão confirmar a escassa vontade do Secretário Executivo do FSP de aceitar dissidências e habilitar uma discussão sobre temas candentes. Tudo, absolutamente tudo, deveria estar aberto à discussão e revisão, especialmente numa organização que pretender representar a esquerda na América Latina e que, supostamente, não admite a infalibilidade dos dirigentes como princípio organizativo. Atitude intolerante que se reflete no fato de que, ao menos até o dia 14 de julho, no site do FSP, só aparecia a nota crítica que Pomar dedicara ao meu artigo – em castelhano e também numa tradução para o inglês –, sem que os visitantes do site pudessem ler a minha. [1] Em meu blog, no entanto, desde o primeiro momento incluí junto ao meu próprio texto a Declaração final do FSP e a nota de Pomar. [2] Censurar ou ocultar opiniões adversas sempre é uma prática malévola e, nas organizações de esquerda, suas consequências são nefastas. É hora de alguém instruir o Secretário do FSP para que acabe com as mesmas, pelo bem do próprio fórum.
Pomar disse que existem “equívocos de fato” em minha nota. Em primeiro lugar, questiona minha afirmação em relação à atitude não solidária e até desrespeitosa com que Piedad Córdoba, representante da Marcha Patriótica da Colômbia, fora tratada nas sessões do FSP. Lamentavelmente para ele, me foi dirigida uma Carta Aberta da ex-senadora Piedad Córdoba e Carlos Lozano Guillén, porta-voz da Marcha Patriótica, onde ratificam minhas palavras e refutam as explicações de Pomar. [3] O mesmo vale sobre a atitude, igualmente prejudicial e indiferente, em relação aos companheiros hondurenhos de LIBRE, cuja heroica resistência durante seis meses nas ruas contra o golpe não foi suficiente para permitir-lhes explicar aos presentes no XVIII Encontro quais eram os desafios que enfrentava este partido frente às eleições do próximo ano. Uma mensagem enviada a mim, em 13 de julho, por Gilberto Ríos Munguía, Coordenador da Comissão Internacional do Partido Liberdade e Refundação (LIBRE), põe fim a qualquer especulação. Nela, diz textualmente que o “Advogado Enrique Flores Lanza solicitou o uso da palavra para dirigir-se aos presentes no Fórum e a mesma foi negada. Não entendemos bem porque não nos foi permitido falar ao plenário. Agradecemos a seu artigo por fazer referência ao que parece ser uma arbitrariedade por parte do companheiro Valter, ainda que tenhamos certeza que tenha ligação com a agenda e os regulamentos. O certo é que um minuto numa saudação não deve ser negado”. Conclusão: o que Pomar caracteriza como “equívoco de fato” são fatos irrefutáveis, corroborados pelos atores diretamente envolvidos ou por testemunhos qualificados. [4] Quem está errado é Pomar. Assunto encerrado.
O Secretário do FSP me reprova por ter escrito que “Chávez apresenta uma nova agenda”. Recomendo que veja o vídeo e tome nota das palavras do Comandante, de uma clareza meridiana e que, em síntese, dizem o seguinte: “Quando nos despedimos hoje e amanhã regressarmos aos nossos países, onde estará a organização, o comando, o plano de batalha, o plano científico, como diria Karl Marx? ... E Lula nos disse uma vez, em Manaus, ‘Chávez, se não vencermos a burocracia será impossível a integração’. A burocracia de nossos governos é uma coisa terrível”. Pois é, e se fazia falta alguma prova mais a forma burocrática como o FSP processou as questões acima mencionadas apontaria uma nova evidência confirmatória dos temores expressos por Lula. [5] Nesse vídeo é possível ver Chávez perguntando onde está Piedad Córdoba e logo expondo uma agenda que não se encontra na Declaração do FSP. Também em relação a este discurso, Pomar disse que “concordo com algumas coisas e difiro de outras que disse Chávez no discurso final”. Dado que detém a Secretaria Executiva do FSP não seria má ideia expressar quais são seus pontos de coincidência e de discrepância com o dito pelo líder da Revolução Bolivariana. Parece-me que não é um assunto menor, dado que Chávez não é apenas um ativista que passou ocasionalmente pelo fórum, mas está investido de uma representação e uma gravitação internacional que seria absurdo não levar em conta. E no caso em que haja desacordos com suas palavras, seria bom conhecê-los e não guardá-los em segredo e, é claro, submeter ambas as posturas a uma discussão aberta e democrática.
Por último, a comparação entre o FSP e o FSM não obedece a nenhuma simplificação, mas leva em conta precisamente a comum ausência em ambos os fóruns de um pensamento estratégico acerca de como avançar para um horizonte pós-capitalista. Basta chegar ao governo para construir o socialismo? Claro que não! Os dificílimos avanços registrados na Venezuela, Bolívia e Equador, além da demora na colocação em marcha deste projeto no Brasil, Uruguai e El Salvador – três países onde governam partidos ou coligações fundadoras do FSP – são claros sintomas das enormes dificuldades em que tropeça a construção do socialismo em Nossa América, uma área que, como recordava Che, constitui a “reserva estratégica do império”.
É preciso debater sobre os espinhosos temas da organização do campo popular, a imprescindível articulação internacional de suas lutas e a estratégica e tática da transição, assuntos sobre quais não se falam nem no FSM nem o FSP. No primeiro, devido a que predominou nele uma absurda atitude de repúdio à política e a qualquer tentativa de organizar as energias canalizadas no fórum para a conquista do poder, o que terminou por esterilizar e debilitar irreparavelmente uma iniciativa que perdeu a oportunidade de consolidar-se como uma força de positiva gravitação universal na cena contemporânea. Podem os povos do mundo lutarem sem organização nem articulação internacional alguma, confiando tão só na eficácia da resistência instintiva contra sua exploração, frente a uma burguesia imperial que aperfeiçoou ao máximo sua capacidade organizativa e executiva no plano mundial?
As resistências no FSP têm origem distinta, toda vez que se privilegia de maneira excludente uma só forma de organização, o partido político, e uma só estratégia derivada dessa forma organizacional: a eleitoral. No entanto, os grandes avanços democráticos dos últimos tempos foram resultados de esmagadoras insurreições populares e não do funcionamento do sistema de partidos. Tal foi o caso da criação de uma ordem democrática na Nicarágua e em El Salvador, nos anos setenta e oitenta do século passado, e no Equador e na Bolívia, na primeira década deste século. E, há apenas um ano, na Tunísia e no Egito.
Em ambos os casos, a silenciosa premissa que se oculta atrás destas equivocadas posturas é ou bem a ingênua crença de que o socialismo surgirá como a queda de uma fruta madura, o qual vem sendo desmentido pela história, ou, pior ainda, a cínica convicção de que o socialismo é um projeto fracassado, que se afogou com a União Soviética ou com o metabolismo do capital que impera na China, como diria István Mészáros. O certo é que não existirá socialismo sem uma revolução anticapitalista. Como recordou uma centena de vezes Lênin, “o capitalismo não cai só; somente cairá se o fizerem cair”, e para fazê-lo cair se requer a presença de um sujeito plural e multifacetado, porém organizado, consciente e capaz de implantar estratégias e táticas adequadas para liberar a longa batalha pelo socialismo. E se mencionei a advertência de Chávez sobre este tema não foi para amparar-me em sua autoridade (como assinala Pomar), mas para destacar com suas palavras a atualidade da crítica do marxismo clássico – e, especialmente, de Lênin e Rosa Luxemburgo – ao evolucionismo socialdemocrata de Bernstein e sua inexorável conclusão: o reformismo burguês.
O FSP cumpriu um papel positivo nas suas mais de duas décadas de existência, porém os tempos mudaram; enfrentamos a pior crise do capitalismo em toda sua história, uma crise cuja resolução é impossível dentro do capitalismo. Vivemos numa época onde as contradições desse modo de produção, aquelas que contrapõem o capital ao trabalho e à natureza, se potencializaram exponencialmente, criando as condições objetivas para um salto revolucionário. Os multimilionários “resgates” com que se beneficia aos causadores da crise desnudam o caráter de classe das democracias capitalistas, cuja legitimidade se derrubou irreparavelmente. E o império, diante de sua lenta, porém inexorável decadência, se lança a uma contraofensiva brutal para recuperar o controle absoluto da América Latina, procurando em vão retroceder a história ao período prévio à Revolução Cubana quando os Estados Unidos prevaleciam sem contrapeso nesta parte do mundo. Ante esta situação não podemos permanecer pensando ou fazendo o mesmo que antes.
Tenho a esperança que na próxima edição do FSP estes temas possam ser encarados e discutidos com a profundidade que merecem. Caso contrário, o risco que se corre é que o destino deste espaço latino-americano seja o mesmo de tantas outras bem intencionadas instituições internacionais: primeiro, o rigor mortis de sua burocratização e, finalmente, seu desaparecimento, devido a sua incapacidade de responder aos desafios da época.
[3] Ver “Austeridad, entereza y compromiso”, em  Página/12, Quinta-feira, 12 de julho de 2012: http://www.pagina12.com.ar/diario/elmundo/4-198471-2012-07-12.html
[4] Ver as observações sobre o tema feitas por Narciso Isa Conde: “XVIII Foro de Sao Paulo: examen microscópico”, em http://www.alainet.org/active/56452&lang=es
[5] O discurso de Chávez está disponível em http://www.youtube.com/watch?v=_7U0j4MVAxU&feature=relmfu, (ir à marca 3:27:00)

Tradução: Partido Comunista Brasileiro (PCB)




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