POR VLADIMIR SAFATLE
"Pense globalmente, aja localmente." Este era um dos slogans mais repetidos por qualquer manual de administração de empresas nos anos 90. O filósofo Slavoj Zizek demonstrou como a política externa dos EUA na primeira década do século 21 seguiu um imperativo inverso: "Pense localmente, aja globalmente".
De fato, boa parte das intervenções norte-americanas na política mundial parece ser orientada por problemas domésticos. Um exemplo trágico é o conflito Israel-Palestina.
Desde que assumiu o poder, Obama reiterou sua disposição em lutar por um Estado palestino. Logo nos primeiros meses de seu governo, ouvimos suas exigências claras sobre o congelamento da política de construção de assentamentos na Cisjordânia. Meses atrás, ele afirmou que a negociação sobre tal Estado deveria partir das fronteiras definidas pela ONU em 1967.
Tudo isso não passou de palavras vazias. Agora, Obama vetará pateticamente uma proposta de reconhecimento do Estado palestino que ele mesmo havia enunciado, na ONU, como objetivo a ser alcançado neste ano. O argumento é que as condições ainda não estariam dadas, já que, para Obama, um Estado não pode ser reconhecido se não for fruto de negociação com a potência que ocupa seu território.
Seguindo tal argumento inacreditável, o Kosovo nunca seria reconhecido como país. Mas os EUA foram um dos primeiros a reconhecê-lo.
O governo Netanyahu disse claramente que um Estado palestino nas fronteiras de 1967 é inaceitável. Ele não afirmou algo como: só aceitamos se houver garantias substantivas de completo desarmamento do Hamas, se pudermos operar conjuntamente a segurança de zonas sensíveis do novo Estado etc. A posição foi simplesmente: não há negociação sobre este ponto. Depois disso, há de se perguntar o que resta a negociar.
A posição dos EUA nessa questão, na contramão de praticamente todo o resto do mundo, só é explicável pelas idiossincrasias de sua política interna. Se Obama é incapaz de pressionar seu aliado a encarar o caráter insustentável da situação, isto não se deve só à influência dos grupos norte-americanos de pressão ligados à comunidade judaica.
O problema é mais espinhoso. Sua raiz deve ser procurada no terreno teológico e na aliança entre os messianismos evangélicos e judaicos. Faz parte da mentalidade evangélica hegemônica no chamado "Bible Belt" a crença em uma certa "comunidade de destino" entre os representantes do Velho e do Novo Testamento.
Algo que o Partido Republicano sabe muito bem e não tem medo de instrumentalizar. Triste é pensar que tópicos sensíveis da política internacional estejam à mercê de influências dessa natureza.
FONTE: Folha de São Paulo, 27 de setembro de 2011.
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