Grande parte de textos de revistas científicas se origina de pesquisas financiadas com recursos públicos
Ao estabelecer em março de 2014 a sua Política de Acesso Aberto ao
Conhecimento, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) buscou garantir à
sociedade a consulta livre a sua produção científica, alinhando-se ao
movimento global de acesso aberto (open access). Com início no
fim da década de 1980, esse movimento foi uma reação à chamada “crise
dos periódicos”. Os constantes aumentos nos preços de assinaturas de
revistas científicas praticados por editoras comerciais inviabilizavam a
aquisição de coleções por bibliotecas de universidades e instituições
de ensino e pesquisa.
Como se veem compelidas a comprar dessas editoras, pois elas detêm o
controle do único veículo aceito pela comunidade científica mundial para
publicação de textos, configura-se um negócio peculiar em que um ente
privado se apropria de um bem (o artigo científico), agrega algum valor a
ele e cobra preços exorbitantes para sua utilização. Grande parte
desses textos se origina de pesquisas financiadas com recursos públicos.
O acesso aberto rompe essa lógica, auxiliado pelas tecnologias da
informação e comunicação e pela internet, que propiciam modelos de
publicação a baixo custo e ampla circulação.
As políticas de acesso aberto vêm gerando tensão no setor de
publicações científicas. Trata-se de um mercado concentrado, no qual
apenas três grupos editoriais — Reed Elsevier, Springer e Wiley — detêm
mais de 40% das revistas científicas publicadas. Até há bem pouco tempo,
eles tinham pouco interesse na publicação científica do Brasil. Esta
atitude mudou, e a maioria já abriu um escritório em nosso país ou
comprou uma editora nacional. Um dos obstáculos a essa expansão de
editoras comerciais internacionais no mercado editorial brasileiro é o
SciELO, inovador portal de revistas científicas brasileiras, pioneiro no
uso do acesso aberto no Brasil e um dos responsáveis pelo aumento da
visibilidade da nossa produção científica em nível nacional e
internacional. Recentemente, um bibliotecário acadêmico americano,
simpático aos editores comerciais e crítico feroz do movimento de acesso
aberto, publicou um artigo comparando o SciELO a uma “favela de
publicações”, e as editoras comerciais a “bairros agradáveis”. Seu
desrespeito com a publicação científica na América Latina foi repudiado
pelo SciELO e pela comunidade científica com respostas que soaram como
uma renovação do apoio generalizado ao acesso aberto nessa região.
No
que se refere à Fiocruz, para execução da sua política de acesso
aberto, ela aperfeiçoou em 2014 o repositório digital Arca, criado para
disseminar e preservar a sua produção intelectual. Ele conta hoje com
4.698 artigos científicos, 2.224 dissertações de mestrado e 867 teses de
doutorado. Em 2015, a Fiocruz lançou o seu Portal de Periódicos,
reunindo as sete revistas científicas que edita: “Cadernos de saúde
pública”; “Memórias do Instituto Oswaldo Cruz”; “História, ciências,
saúde — Manguinhos”; “Trabalho, educação e saúde”; “Revista Eletrônica
de comunicação, informação & inovação em saúde”; “Vigilância
sanitária em debate”; e “Revista Fitos”. Em dois espaços digitais, o
leitor tem acesso gratuito a significativa parcela de literatura
científica da área de saúde pública produzida no Brasil e no exterior.
Hoje, o engajamento da comunidade científica e de governos, que
editam leis em prol do acesso aberto, ocorre em todo o mundo. No Brasil,
iniciativas como as da Fiocruz e do SciELO precisam do apoio das
agências públicas de fomento à pesquisa, criando políticas para
publicação em acesso aberto de artigos oriundos de pesquisa financiada
com seus recursos.
* Paulo Guanaes é editor-executivo da revista “Trabalho, educação e
saúde” e Hooman Momen é editor científico da revista “Memórias do
Instituto Oswaldo Cruz”
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