por Julio Díaz [*]
Na sempre complicada gestão das alternativas políticas num mundo em convulsão e em crise, são muitos os fenómenos que se mostram sob um aspeto bem diferente do que é a sua verdadeira realidade.
Trataremos neste texto desmascarar algumas das verdadeiras identidades desses movimentos emergentes que se apresentam como a alternativa necessária à ordem dominante, mas que no essencial reivindicam um falso movimento aparente que não altera em nada as bases materiais desta ordem que, eles mesmos, reconhecem como profundamente injusta.
Indo mais fundo, como se de um palimpsesto se tratasse, no seu programa permanentemente alterado e nos seus frágeis princípios modificados à força das declarações dos seus líderes, tentando conseguir alguma identidade real de suas propostas e objetivos, chegamos rapidamente à conclusão de que a sua verdadeira tarefa histórica se limita ao que tão claramente define o filósofo e membro de Podemos, Santiago Alba Rico, ao afirmar numa entrevista recente que "faz falta uma revolução, uma revolução que não acabará com todas as fontes de opressão e alienação, mas que nos permitirá ser, finalmente, algumas vezes reformistas e quase sempre conservadores". Uma definição magistral que, além de marcar os limites reais da sua proposta política, evidencia com meridiana clareza o seu caráter de classe. Uma pequena e média burguesia não oligárquica, condenada à extinção num acelerado e progressivo processo de concentração capitalista e que, sofrendo na própria pele a multiplicidade de contradições sociais que um capitalismo decadente cria e agrava, pondo em causa a própria existência da vida no Planeta, trata de menosprezar a História e negar as necessidades do capitalismo para continuar a reproduzir-se como sistema hegemónico. Um capitalismo com rosto humano, de livre concorrência, onde os monopólios se verguem às necessidades dos lojistas e comissionistas e em que estes, em benefício da convivência entre cidadãos brancos e iguais, cedam parte dos seus lucros, através de impostos progressivos diretos, para que se mantenham uns bons serviços sociais e doações significativas para as ONG para, com isso, tentar conter a onda de famintos que nos destroem o bem-estar burguês e a patriarcal mesa familiar de domingo, com o facto de saltarem a cerca de Melilla ou de se afogarem no Mediterrâneo. Idealismo interessado que, em concorrência direta com as necessidades históricas da classe que tudo produz, é aproveitado e/ou originado pela inteligência do sistema para se perpetuar, reproduzindo ilusões de alternativa social real e possível à margem da acumulação progressiva de forças na luta de classes e da tomada do poder pela classe operária.
O Podemos é isto, esta nova social-democracia que temos vindo a analisar e que, com seu omnipresente círculo roxo, tanto nos faz lembrar as famosas revoluções coloridas que, desde a Geórgia até à Venezuela, passando pela Bielorrússia e a Ucrânia, refletiram a estratégia do imperialismo nas chamadas primaveras árabes, nas quais, com diferenças significativas entre o que aconteceu no Egito, Tunísia, Líbia e Síria, ao fim e ao cabo foi o povo que sofreu os mortos, enquanto o imperialismo saiu reforçado na sua posição geoestratégica. Uma tática impossível, com um percurso tão curto como o dos seus irmãos gregos, negociando com a Comissão Europeia e o BCE, e que, para sobreviverem, mais cedo que tarde, terão de assumir as estratégias da oligarquia e do imperialismo para poderem manter-se como alternância possível dentro do sistema.
Na tese defendida por Esteban Hernández no seu livro O fim da classe média e resumida pelo próprio Alba Rico em que esta, a classe média, se converte num obstáculo económico e ideológico para o desenvolvimento do capitalismo e que a esquerda é obrigada a considerar e orientar com cariz libertador, no caráter "resistente" e "conservador" desta classe média, que já não serve para nada, encontra-se a mãe ideológica desta corrente política que transita por todo o mundo ganhando adeptos à mesma velocidade com que aumenta a sua presença nos ecrãs de televisão e a desideologização do movimento operário e das suas organizações políticas e sindicais.
São estas as chaves mestras para o debate que hoje deveria ser a conversa de qualquer ativista anticapitalista; e é à discussão destas chaves mestras que os e as comunistas convidam toda a nossa classe e os outros setores populares, para se iniciar uma autêntica contra-ofensiva contra o sistema que, para garantir a sua reprodução, nos sonega tudo o que ganhámos pela luta. Este quadro, que não contempla atalhos e que, sem dúvida, é difícil e requer compromissos, é o único que nos permitirá avançar no caminho da verdadeira libertação social e o único capaz de incorporar todos os embates colaterais que se expressam nesta sociedade, como fonte global da Revolução e sustentáculos da principal contradição entre o capital e o trabalho.
É por isto que, se consideramos que as ideias só se constituem como força no momento em que penetram nas massas, temos de definir como tarefa urgente dotar o movimento comunista internacional com a capacidade de incorporar o projeto de luta pelo Socialismo e pelo poder operário e popular em largas camadas da população objetivamente prejudicadas pelo capitalismo na sua fase atual de desenvolvimento (imperialismo). Objetivo que nos impele, na hora de intervir publicamente, a ultrapassar os nossos próprios limites e, desde a defesa do nosso programa consequentemente revolucionário, desenvolver uma tática que se sintonize plenamente com o interesse humano geral (objetivamente anticapitalista) e alcançar, assim, a incorporação real da classe operária e dos setores populares na tarefa revolucionária, porque a identificam com a defesa consequente das suas necessidades e interesses concretos. Isto não tem nada a ver com o confusionismo programático reformista, que, oferecendo novas e constantes oportunidades ao sistema, apela aos trabalhadores e ao povo a que tomem parte no projeto coletivo de gente que, sem sombra de dúvida, dirige taticamente a pequena e média burguesia no imediato, mas norteiam e definem estrategicamente o imperialismo e os grandes monopólios.
Obama, Syriza, Podemos, Hollande, Dilma, Maidan, Tahrir, Altamira, Homs, Benghazi, cada qual com as suas características próprias, dependendo do papel previamente planificado que o povo deveria desempenhar (enchendo praças, derrubando sátrapas obsoletos, mudando governos nas urnas, provocando golpes de estado ou pegando em armas), unem as suas vozes sob o mesmo grito interclassista de Yes We Can para reformar o sistema e melhorar as condições de vida de toda a "gente". Seria um bonito sonho não fosse o caso de no capitalismo, em crise, a realidade nos demonstrar de imediato os limites das reformas e obrigar cada um a desempenhar o papel atribuído, sem se afastar um milímetro do previsto.
Desde 1789 que nas ruas da França revolucionária o povo encheu as praças de cadáveres para levar a então burguesia emergente no poder; já foram muitas as experiências, bem como os mortos, que o povo trabalhador deu para benefício último da burguesia. Acabemos com esta espiral destrutiva, na qual se instalaram todos os derrotados que não concebem a possibilidade de, seguindo o caminho aberto pela Comuna e confirmado em 1917, tomar o céu de assalto e levar a classe operária ao Poder, com a missão histórica de destruir este sistema e, sob as suas cinzas, construir o novo e verdadeiro paradigma emancipador e libertador que tão urgentemente a Humanidade precisa.
Combatamos a nova social-democracia.
31/Março/2015
O original encontra-se em www.unidadylucha.es/... e a versão em português em www.pelosocialismo.net
Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
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