Deputado e pastor cubano comenta o momento de mudanças e o papel da religiosidade na ilha
da Redação
Reverendo Raúl Súarez, deputado cubano.
Foto:
Cubadebate
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O reverendo Raúl Súarez, 77 anos, é um dos principais personagens ecumênicos
da Revolução Cubana. O pastor batista – membro do parlamento cubano desde 1993 –
é considerado um dos responsáveis pela flexibilização do Estado cubano em
relação à religiosidade. Por um longo período, desde 1959, os dirigentes do
Partido Comunista não admitiam as práticas religiosas no país, muito menos a
presença de religiosos na agremiação. Súarez participou de conversas com Fidel
Castro, que foi se convencendo do poder de mobilização da religião, sobretudo
após visita a um encontro das Comunidade Eclesiais de Base no Brasil, em 1990.
Em entrevista ao Brasil de Fato, Súarez relata como sua
trajetória religiosa encontrou-se com os ideais políticos da revolução cubana. O
pastor também comenta o momento atual de Cuba, que passa por mudanças para
“aperfeiçoar o socialismo”.
Brasil de Fato – Para iniciar, poderia contar um pouco sua trajetória
como pastor batista e o seu encontro com os ideais da revolução de 1959?
Raúl Súarez - Vivi 24 anos no sistema capitalista de Cuba.
Em 1953, com 18 anos, pela primeira vez ouvi o nome de Fidel Castro, quando do
assalto ao Quartel de Moncada. Desde então, minha simpatia por seus ideais se
iniciou e permanece até hoje. Quando a revolução triunfa em 1959, iniciei minhas
atividades como pastor, em um setor bastante pobre do país, a Península de
Zapata. Participei da ajuda aos feridos da invasão mercenária do país, na Baía
dos Porcos. Posso dizer que não estava preparado bíblica e politicamente para
viver uma revolução comandada por pessoas que não eram da igreja e, em sua
maioria, eram marxistas que queriam implementar o socialismo.
No entanto, por minha origem social, em meio aos trabalhadores rurais, algo
como os sem-terra do Brasil, um setor muito pobre, meu coração sempre esteve ao
lado da revolução, pela obra humanitária de justiça social para todos os
cubanos.
Então, havia uma contradição entre um coração que respondia à minha origem
social e uma racionalidade que respondia à formação teológica por missionários
estadunidenses. Foi um processo agônico, conflituoso, tenso. Mas, em 1971, senti
a necessidade de mudar de minha pastoral para iniciar uma nova pastoral com uma
base bíblica e teológica mais fortalecida e aberta, contextualizada. Por outra
parte, a interpretação que alguns setores da revolução faziam do
marxismo-leninismo, criava dificuldades para se tomar uma consciência. Era muito
dogmática e sectária, influenciada pelos manuais soviéticos sobre o tema da fé
cristã e da revolução.
Como foi a evolução da relação entre a revolução
cubana e a religiosidade no país?
A partir de 1984, a história me proporcionou um encontro com Fidel Castro.
Ali se inicia uma plena consciência de que unidos à revolução, poderíamos
superar as contradições entre marxistas e cristãos, tudo pela unidade
nacional.
Nesse ano, preparei uma atividade em homenagem a Martin Luther King, como
secretário-executivo do Conselho Ecumênico de Cuba, em que defendemos a
candidatura do Reverendo Jesse Jackson à presidência dos Estados Unidos. Nesse
ato, Fidel compareceu. Participei do jantar que Fidel ofereceu a Jackson e tive
uma conversa de três horas com ambos. Fidel nos presenteou com o livro “Fidel e
a Religião”, de Frei Betto, que ainda não havia sido publicado. Com o propósito
de que percebêssemos qual era seu pensamento em relação à religião, que não era
um dogmático. Foi um reconhecimento de que não tinha nenhuma restrição com o
símbolo, como ele disse, que é Jesus Cristo. Após esse encontro, iniciou-se uma
nova etapa entre a revolução e a igreja.
Em 1990, Fidel vem ao Brasil na posse de Fernando Collor e se impressiona com
um encontro com cerca de 4 mil delegados de Comunidades Eclesiais de Base. Nessa
época, a União Soviética já dava indícios de que desapareceria, e amigos e
inimigos da revolução pediam que Fidel fizesse o mesmo movimento que se
desenhava no Leste Europeu, ou seja, uma transição ao capitalismo. Nesse
encontro, as canções, consignas e as leituras da bíblia eram solidárias com Cuba
e pediam a Fidel que se mantivesse firme com a revolução e o socialismo.
Após seu regresso a Cuba, reunimo- nos com muito mais pessoas, por nove horas
e, a partir dessa reunião, o Partido Comunista fez uma nova interpretação em
relação à política. Em seu 4º Congresso, em relação à igreja, eliminou os
impedimentos à religiosidade no país e as barreiras para que os religiosos
fossem membros do Partido.
Formulou-se também uma nova lei eleitoral e, em 1993, a Central do
Trabalhadores de Cuba me indicou como deputado, pelo papel que o movimento
ecumênico estava desempenhando na unidade dos cubanos. Então, desde lá até hoje,
sou membro do parlamento cubano e da comissão de relações internacionais.
Não tenho contradição entre ser um pastor ativo, fiel à minha vocação
pastoral, e em me posicionar ao lado da revolução e um sentimento de
pertencimento ao processo revolucionário.
Como o senhor avalia o processo de mudanças que Cuba vive no momento.
Com a renovação dos quadros e a chamada atualização do socialismo?
Eu creio que a situação atual de Cuba e sua definitiva convicção de que se
deve reorientar a política e a economia é parte de um processo
revolucionário.
A revolução não é um projeto petrificado, congelado no passado, não é um
museu, mas um movimento. A situação que vive a humanidade, com crises
econômicas, ecológicas, é resultado de um sistema globalizado capitalista, que
não é mais sustentável. Por ser globalizado, o capitalismo atinge os países
pobres, e Cuba não está imune a isso. Temos poucos recursos. As conquistas
sociais de Cuba foram alcançadas em um momento propício.
Fidel, antes da doença, disse: “não há bloqueio estadunidense que possa
derrotar a revolução, só nós mesmos podemos o fazer”. Aí ele desenvolve um
resumo do que é a revolução, como um decálogo, que reflete a essência do
pensamento de Fidel e do pensamento ético revolucionário do povo cubano.
Ele afirma que temos que mudar tudo o que deve ser mudado, sem pular etapas e
sem copiar qualquer modelo estrangeiro. Não levamos a cabo o modelo chinês,
soviético, vietnamita. Estamos dispostos a aprender com todos, como disse Raúl
Castro, mas o nosso projeto deve nascer do contexto cubano, caribenho e
latino-americano. Esse processo se leva a cabo com a participação ativa do povo.
Iniciou-se um debate em toda a sociedade, incluso as igrejas. Mais de 7 milhões
de pessoas participaram, sendo que 1,5 milhão expuseram suas demandas. Disso,
criou- -se um diagnóstico em que apareceu a angústia, as críticas e as
esperanças do povo. As principais críticas eram referentes à burocracia do país,
o centralismo do Estado. Não houve críticas ao socialismo e à revolução.
Então surge uma proposta de alinhamento econômico e social. Agora estamos em
fase de implementação dessas demandas apontadas no processo de discussão. Por
outra parte, se leva a cabo a descentralização do Estado, com menos ministérios,
menos burocracia. E a eliminação de algumas decisões verticais e a atribuição de
mais poder aos municípios e comunidades, que terão mais autonomia e
responsabilidades. É uma reconsideração do projeto socialista e do projeto
econômico.
Há uma leitura feita pela imprensa internacional de que essas
transformações seriam parte de uma transição ao capitalismo. O que o senhor
pensa desta avaliação?
Foi interessante o discurso de Raúl Castro quando tomou posse. “Não fui
eleito para destruir o socialismo, mas para aperfeiçoá-lo”. A intenção é essa,
colocá- lo em seu tempo e espaço sobre uma base econômica que sustente e que se
siga adiante o processo ético de igualdade e justiça.
Não há nenhuma intenção de regressar ao capitalismo. O povo, nos debates,
nunca critica o socialismo. Critica os erros que se cometem na construção do
socialismo.
Como membro da Comissão de Relações Internacionais do parlamento
cubano, como o senhor avalia o atual momento da América Latina? Depois de um
período de surgimento de governos mais à esquerda, parece que há uma interrupção
dessa tendência, com o golpe de Estado no Paraguai, a eleição de Piñera no Chile
e a volta do PRI ao poder no México...
O governo de Bush foi bruto, torpe. Com os problemas internos e as guerras,
deu pouca importância para a situação da América Latina. Mas Obama é um
presidente astuto e inteligente. É um filho do sistema. Mudou o motorista, mas o
carro segue sendo o mesmo. Continua sob o controle da indústria bélica e das
grandes transnacionais. Continuam as demandas de construção de bases militares
em regiões estratégicas de fonte de água e petróleo.
Iniciaram, em Honduras, uma nova maneira de retomar a América Latina como
quintal dos Estados Unidos. Tentaram dar um aspecto legal ao golpe. Agora, no
caso do Paraguai, está comprovado que militares dos EUA conversaram com
políticos paraguaios sobre a possibilidade de se instalar uma base militar na
região do Chaco, uma região miserável, mas estratégica.
Há uma política imperialista que visa impor
eleitoralmente, com fraudes ou sem fraudes, governos de direita.
FONTE: Brasil de Fato
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