Construindo a ponte: neurociência e educação
Ao compreender circuitos neurais envolvidos na aprendizagem, a neurociência pode contribuir para a prática pedagógica
Por Sidarta Ribeiro
O mundo de nossos bisnetos será lindo ou pavoroso? Ninguém sabe a resposta, mas todos parecem concordar, do norte ao sul, da esquerda à direita, dos ateus aos religiosos, que a chave para o sucesso de nossa civilização é a disseminação da educação. Do ponto de vista do futuro da espécie, a ponte entre neurociência e educação é a que apresenta maior potencial positivo para otimizar o modo como crianças e adultos aprendem, o que explica o fascínio público com o tema. Mas em que pode a neurociência de fato ajudar a educação? Essa ponte existe?
Com o intuito de elucidar essas perguntas, organiza-se anualmente desde 2011 a Escola Latino-Americana de Ciências Educacionais, Cognitivas e Neurais, carinhosamente chamada pelos participantes de “LA School”. Em 2014 essa imersão de duas semanas ocorreu em Punta del Este, reunindo 50 novos alunos, 9 alunos veteranos e 40 professores de todo o mundo. A realização da Escola no Uruguai tem um significado especial, pois se trata do país que ousou equipar cada um de seus alunos com um computador portátil para uso diário, tanto na escola quanto em casa.
O projeto começou há seis anos com 150 crianças em uma única escola. Em março passado foi alcançada a marca de 1 milhão de computadores. Se os benefícios dessa massiva inclusão digital já se fazem sentir em diversos indicadores, persiste controvertida a progressiva “gamificação” da aprendizagem, em que programas de computador mais ou menos lúdicos começam a substituir a aula tradicional. Certas evidências de transferência de habilidades entre domínios cognitivos distintos sugerem que mesmo jogos aparentemente não educativos podem ser úteis, mas também há achados empíricos questionando a generalização de habilidades desse tipo. Com implicações complexas, o tema é obrigatório, pois a vida das crianças e jovens já se “gamificou” há anos.
Outro problema abordado na LA School é a disputa entre os métodos global e local de aprendizado da leitura. Por razões históricas e filosóficas, muitos professores adotam o método global, em que desde o início se ensina a ler palavras inteiras e contextualizadas. Esse método é adotado em detrimento do método fônico, em que as crianças primeiro aprendem a ler letras e sílabas para depois passar a palavras inteiras.
Nesse ponto colidem pedagogia e neurociência, pois a maturação dos sistemas neurais que permitem mapear grafema em fonema e daí em significado precede a maturação do circuito que mapeia grafema em significado. Primeiro é preciso mapear símbolos simples em sons para depois dar sentido às combinações desses símbolos. Fazer o contrário é remar contra a maré do desenvolvimento cerebral, aumentando desnecessariamente a dificuldade do aprendizado.
Alguém poderia objetar que nesse caso a neurociência não vai muito além do que a psicolinguística já sabia, mas, como lembra o neurocientista Stanislas Dehaene, compreender o desenvolvimento dos circuitos neurais responsáveis pela leitura ajuda os professores a ter modelos concretos para alicerçar a prática pedagógica.
Esses e outros tópicos foram abordados em artigo recém-publicado na revista Nature Neuroscience pelos organizadores sul-americanos da LA School, entre os quais me incluo (http://t.co/fKZQ84EZS9). Em 2015 a LA School voltará ao Chile, país onde se originou, para fazer um balanço de seus primeiros cinco anos de existência. As inscrições serão abertas em setembro para aqueles decididos a construir a ponte entre neurociência e educação.
FONTE: Mente e Cérebro
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