quinta-feira, 1 de maio de 2014

Lutas Operárias que Antecederam a Fundação do Partido Comunista do Brasil

Por Astrojildo Pereira




O Partido Comunista do Brasil nasceu das lutas operárias que agitaram o país durante os anos de 1917 a 1920, e se formou sob a influência decisiva da Revolução Socialista de Outubro. O que quer dizer que nasceu e se formou já na época das guerras imperialistas e das revoluções proletárias. Mas, para melhor se compreender o processo de sua gestação e do seu aparecimento na arena política brasileira, como partido independente da classe operária, torna-se necessário proceder a um retrospecto histórico do movimento operário brasileiro, pelo menos, a partir de 1906. Esta data é muito importante, porque assinala o início, entre nós, de uma organização operária de âmbito nacional, qual seria a Confederação Operária Brasileira, só organizada em 1908, mas cujas bases haviam sido lançadas pelo Congresso Operário reunido no Rio de Janeiro, naquele ano. Acresce, ainda, a circunstância, que é preciso igualmente levar em conta, de que o referido Congresso assinalou, do mesmo passo, o começo de todo um período de predomínio da influência anarco-sindicalista no movimento operário brasileiro.

Desde muito antes, desde os primeiros anos da República, tentativas se fizeram, tendo por fim a organização do nascente proletariado brasileiro em partido político do tipo social-democrático ou trabalhista, estruturado principalmente sobre a base de associações profissionais, de beneficiência ou de resistência, que já existiam ou começavam a existir. Neste sentido, um congresso foi convocado e se reuniu, em 1892, na capital do país; mas, dessa iniciativa restou, apenas, o noticiário nos jornais do tempo. Dez anos mais tarde, e, já com um caráter mais diferenciadamente político, reunia-se, em São Paulo, um congresso do Partido Socialista Brasileiro, o qual aprovou um longo programa socialista de tipo reformista; mas também essa iniciativa dentro em pouco se desfazia em nada.

Iniciativas semelhantes se repetiram de tempos em tempos, antes e depois de 1906, sobretudo no plano estadual e mesmo municipal, para efeitos quase que só eleitorais; tudo, porém, sem produzir qualquer resultado perdurável. E cabe observar, que mesmo no Congresso Operário de 1906 manifestou-se uma forte corrente favorável à formação de um partido político operário; mas, a corrente anarco-sindicalista predominou ali de maneira irredutível, com o seu visceral preconceito "anti-político". Nasceu, assim, em vez de um partido, a COB, central sindical inspirada nos moldes da CGT francesa.

Escaparia ao plano deste trabalho aprofundar o exame das causas de semelhante fato. Parece claro, porém, que ele se deve principalmente à própria estrutura econômica semi-feudal do país e, em conseqüência, à própria formação do proletariado nacional, aliás quase todo de imediata origem camponesa e artesanal, inclusive o que provinha de correntes imigratórias, influenciado pela ideologia pequeno-burguesa do anarquismo. A par disso, no entanto, havia uma certa tradição de luta operária (já não falando das lutas seculares dos escravos), que vinha desde os meados do século passado — por exemplo, a grande greve dos tipógrafos do Rio de Janeiro, em 1858. Creio que este último fator explica em grande parte até que ponto o espírito de revolta reinante nas massas de trabalhadores — e produzido, obviamente, pelas duras condições de trabalho a que eram sujeitos — viria a favorecer entre nós o surto do anarquismo, uma vez que o socialismo, confuso e vago socialismo, se apresentava aqui quase sempre sob as vestes do mais frouxo reformismo, que apenas de nome ouvira falar de Marx e do marxismo(1).

O que é fato é que o anarquismo, sobretudo em sua forma anarco-sindicalista, predominou no movimento operário brasileiro durante os anos que vão de 1906 a 1920. Isto não quer dizer que todo o movimento operário e sindical estivesse debaixo da influência absoluta do anarquismo. Havia muitas associações operárias de tipo reformista, beneficiente e mesmo da resistência, como se chamavam algumas delas, que nunca ou raramente aceitaram a orientação anarquista. Sendo que as de transportes urbanos, ferroviários, carregadores, portuários, etc., eram na sua maioria dominadas por velhos burocratas sindicais inteiramente a serviço dos patrões e dos governos — os ancestrais dos modernos pelegos.

O Congresso Operário de 1906 reuniu-se num período de animação do movimento operário. Nem fora esquecida ainda a grande greve dos cocheiros e carroceiros, em 1903, que tamanha atoarda suscitou na imprensa burguesa. Também em São Paulo, em 1905, se registrava uma greve de ferroviários da Companhia Paulista, que a polícia reprimiu com extrema brutalidade(2).

O Congresso, promovido pela Federação Operária Regional do Rio de Janeiro, reuniu-se precisamente em dias de abril, daquele ano, com a participação de delegados de numerosos sindicatos dos Estados, principalmente de São Paulo. Os delegados anarquistas, que, aliás, não constituíam maioria, mostravam-se mais combativos do que os não anarquistas e por isso mesmo dominaram o plenário, fazendo passar todas ou quase todas as suas teses e proposições. Mas a tarefa realmente importante, levada a efeito pelo Congresso de 1906, consistiu em ter lançado as bases da Confederação Operária Brasileira, organização sindical de âmbito nacional.

COB organizou-se efetivamente em 1908, integrada por cerca de 50 associações sindicais do Rio, São Paulo, Bahia, Rio Grande do Sul, Pernambuco, etc. Estruturada à moda anarquista, isto é, na base pouco sólida de um federativismo extremamente frouxo, a COB concentrou a sua atividade quase que só em promover agitações populares de ordem geral. Neste sentido, e a seu crédito, merecem menção: o movimento anti-militarista de 1908, de que nos ocuparemos mais adiante, e as demonstrações de protesto contra o fuzilamento de Francisco Ferrer, na Espanha, em 1909, as quais culminaram, no Rio, com o desfile pelas ruas do centro da cidade, calculando-se que 5.000 pessoas participaram do mesmo.

Seguiu-se um período estacionário, que durou até fins de 1912, quando, por iniciativa da Federação Operária do Rio de Janeiro, constitui-se uma comissão reorganizadora da COB, com o encargo de convocar um novo congresso sindical nacional. Para veículo de propaganda e preparação do congresso, a comissão organizadora fez reaparecer, a 1.º de janeiro de 1913, o órgão da COB, "A Voz do Trabalhador", que se publicou desde então como quinzenário, atingindo a sua tiragem até 4.000 exemplares, cifra considerável para a época.

Por essa razão, vigorosas manifestações se realizaram nos principais centros operários do país contra o projeto de lei de expulsão de estrangeiros, a qual visava, particularmente, aos militantes operários de outras nacionalidades aqui radicados. As classes dominantes conservaram-se insensíveis ao clamor dos protestos operários e fizeram o projeto passar a toque de caixa no Parlamento. A lei de expulsão fora exigida ao governo federal pelos magnatas das Docas de Santos, em represália aos frequentes movimentos grevistas que se verificavam no grande porto de Santos. A fúria reacionária nem sequer respeitava certas aparências, e assim é que obteve do governo a expulsão de dezenas de trabalhadores estrangeiros, ainda quando o projeto se achava em discussão no Parlamento, lançando-se mão, para consumar a violência, do mais baixo e ignominioso recurso — decretando a sua expulsão, não como grevistas, nem como revolucionários, mas como ladrões e caftens.

Grande foi a indignação produzida nos meios operários por tão vergonhoso procedimento do governo. Por iniciativa da COB, levou-se a efeito um grande comício interestadual, convocado simultaneamente, para a mesma hora do mesmo dia (20 de maio de 1913), no Rio, em São Paulo, em Santos, em várias cidades de Minas e do Rio Grande do Sul. A COB, chegou mesmo a enviar delegados seus a Portugal, Espanha e Itália, principais fontes de emigração para o Brasil, para narrar de viva voz naqueles países, o que de verdadeiro se passava no Brasil, em matéria de respeito às liberdades democráticas, que a propaganda governamental brasileira apregoava na Europa, a fim de atrair braços para as fazendas de café, para os trabalhos de carga e descarga nos portos, para as fábricas de tecidos que começavam a desenvolver-se.

A carestia da vida, que então subia de maneira alarmante foi também motivo de larga agitação popular em diversas cidades brasileiras, realizando-se numerosos comícios, principalmente no Rio, São Paulo, Rio Grande do Sul, Minas, Alagoas, promovidos pela COB No Rio, cerca de 15 comícios de bairro foram efetuados, em preparação do comício central no largo de São Francisco, a 16 de março de 1913, do qual participou uma multidão superior a 10.000 pessoas, que depois desfilaram pelas ruas principais do centro.

Péssimas condições de trabalho, certos sinais de crise, a carestia crescente — eis aí os fatores que forçavam a classe operária a lutar em defesa dos seus interesses mais elementares. Sob a pressão de tais fatores e em correlação com eles, crescia a sua combatividade, de que foi exemplo típico a recente greve nas Docas de Santos (1912), durante a qual se registraram sérios choques entre a polícia e os grevistas.

Cabe observar, também de um modo mais geral, que já o movimento revolucionário popular mexicano de 1910-1912, o advento da república portuguesa de 1910 e bem assim a extraordinária revolução chinesa de 1912, repercutiam entre nós como um estímulo vivo ao espírito combativo do nosso povo, aliás, tantas vezes posto à prova no passado, e ainda num passado relativamente bem próximo, como foi o caso do movimento contra a vacina obrigatória em 1904 e o da revolta dos marinheiros da esquadra nacional em 1910.

Com relação propriamente à classe operária, convém lembrar, como contraprova, o que foi a reunião, em 1912, do "congresso operário" dos pelegos daquele tempo. Tratava-se, evidentemente, de pura manobra governamental tendo em mira amainar o ânimo combativo que se desenvolvia entre as massas. Era preciso acenar demagogicamente com as promessas de melhores dias, com uma série de leis trabalhistas, com o velho conto da casa operária, etc. O deputado Mario Hermes, oficial do exército, filho do presidente da República, juntamente com outro oficial, o tenente Serra Pulquerio, foram os instrumentos de que se serviu o governo Hermes para executar a sua política "operária". Os burocratas sindicais e os aventureiros, que sempre pululam nessas ocasiões, foram mobilizados e encarregados de montar o pomposo "congresso operário" o qual se reuniu nada menos que no Palácio Monroe, com todas as facilidades oficiais e oficiosas. Palhaçada ignóbil, a que a classe operária respondeu com indiferença, com desprezo — e que, ao cabo de algum tempo, dava em droga, como, aliás, era fácil de prever.

Mas, esse congresso de burocratas e aventureiros teve o mérito, se assim se pode dizer, de espicaçar a vanguarda operária organizada na COB, contribuindo em boa parte para que se tomasse a iniciativa de convocação de um legítimo congresso operário, que veio a reunir-se em setembro de 1913. Foi este de fato um congresso operário nacional, dele participando mais de 100 delegados a maioria dos quais vindos de muitos Estados, do Pará ao Rio Grande do Sul. Representou, sem dúvida alguma, um importante papel no conjunto do movimento operário brasileiro, sobretudo como fator de mútuo conhecimento, de congraçamento moral e de unidade nas lutas futuras. No entanto, do ponto de vista da orientação e dos métodos de organização, o Congresso de 1913 foi apenas uma confirmação e em certa medida um desdobramento do Congresso de 1906. Com a agravante — que hoje podemos perceber e caracterizar — de uma atitude em muitos casos ainda mais sectária e verbalista, como se pode verificar comparando as formulações adotadas nas teses de um e de outro.

* * *

A história do movimento operário brasileiro apresenta frequentes e significativos exemplos de luta contra as guerras e em defesa da causa da paz entre os povos. Não é difícil demonstrá-lo.

Já no Congresso de 1906, a moção adotada sobre a questão exprimia o sentimento dominante no seio da classe operária, ao considerar "que a guerra é um grande mal para os trabalhadores que lhe pagam todos os encargos com o seu dinheiro e o seu sangue" e a "incitar o proletariado à propaganda e ao protesto contra a guerra". É uma formulação vazada em termos gerais e sentimentais, mas nem por isso perde o seu valor com afirmação decidida contra os horrores da guerra.

Em 1908, jornais burgueses da Argentina e do Brasil, baseando-se em fúteis pretextos, lançaram-se numa campanha alarmista tendente a envenenar as relações diplomáticas entre os dois países — a serviço de escusos interesses, cuja origem se podia facilmente localizar: a diplomacia imperialista, empenhada em consolidar a sua dominação sobre a América Latina. O caso é que as ameaças de guerra pairavam no ar, e o governo brasileiro, alimentando a intriga e ao mesmo tempo aproveitando-se dela, fez passar no Parlamento uma lei estabelecendo o sorteio militar, coisa que as massas populares receberam com aversão. A COB, refletindo e interpretando essa aversão popular, promoveu uma campanha de agitação simultaneamente contra a guerra e contra a lei do sorteio. Criou-se uma Liga Anti-militarista, que editou um jornal de propaganda com o título Não Matarás! Publicaram-se manifestos e volantes, realizaram-se comícios na praça pública e conferências nas sedes sindicais, tanto no Rio quanto em cidades dos Estados. Em relatório sobre as atividades da COB nessa época, ficou registrada a seguinte informação:

"A 1 de dezembro desse mesmo ano (1908) realizava a Confederação uma estupenda manifestação de protesto, na qual tomaram parte cerca de 20 associações operárias do Rio e delegações de diversas sociedades de fora, formando um cortejo superior a 10.000 pessoas. E assim foi lançado pelo operariado brasileiro o primeiro grito de guerra contra a guerra."
O Congresso de 1913 aprovou a longa moção, em que se dizia o seguinte:
"...considerando que as guerras, com todos os seus horrores, são a seqüência lógica das ambições burguesas em detrimento exclusivo da classe trabalhadora, que é a única que vai derramar o seu sangue na defesa de sinistros interesses que não lhe pertencem," o Congresso "aconselha ao proletariado do Brasil para, em caso de guerra externa, declarar-se em greve geral revolucionária".

Linguagem tipicamente anarquista, mas, com tudo isso, exprimindo a seu modo o princípio de transformação da guerra externa imperialista em guerra interna revolucionária.

Durante todo o tempo da guerra imperialista de 1914-1918, mesmo depois que o Brasil se viu envolvido no conflito, em 1917, o proletariado brasileiro sustentou invariavelmente, pelos meios que lhe eram próprios e possíveis, a mesma posição de repúdio à guerra, de luta contra as suas conseqüências e pelo restabelecimento da paz. Os jornais operários que então se publicavam no Distrito Federal e nos Estados, refletiam nas suas colunas, pode-se dizer que unanimemente, esse estado de espírito de revolta contra a guerra e o capitalismo que a gerara.
Para exemplificar, citaremos desde logo as manifestações de rua levadas a efeito, no início da guerra, pelo proletariado de Santos. Mas foi a partir de 1915, ainda no primeiro trimestre, que a luta contra a guerra, pela paz, se ampliou e tomou o caráter de movimento nacional organizado.

A iniciativa deste movimento coube ao Centro de Estudos Sociais, que se achava estreitamente ligado à vida e à atividade dos sindicatos locais, funcionando na mesma sede da Federação Operária, localizada então na rua dos Andradas 87 (antigo largo do Capim). Aí se reuniram várias assembleias preparatórias e por fim, a 26 de março de 1915, uma grande assembléia de delegados de organizações sindicais e outras, bem como de representantes dos jornais operários e libertários que então se publicavam no Rio de Janeiro, deliberando-se criar uma Comissão Popular de Agitação contra a Guerra, composta pelos representantes das entidades presentes e de outras que lhe dessem posteriormente a sua adesão. Essa Comissão assumiu o comando do movimento, traçando para o Distrito Federal o plano de uma série de conferências, palestras, assembleias sindicais, comícios populares, etc., em preparação de um grande comício no dia 1.º de maio, que estava próximo, e que seria assim um 1.º de maio de luta pela paz. Deliberou-se igualmente publicar um manifesto sobre o problema da guerra e da paz, dirigido a todo o povo brasileiro. Em São Paulo, foi o movimento imediatamente secundado, constituindo-se uma Comissão Internacionalista contra a Guerra, à qual aderiram as seguintes organizações: Centro Socialista Internacional, Centro Libertário, Deutschen Graphischen Verbandes für Brazilien, Associação Universidade Popular de Cultura Racionalista, Allg Arbeiteryerein, Círculo de Estudos Sociais Francisco Ferrer, Grupo Anarquista "Os Sem Pátria", União dos canteiros, Federação Espanhola, os jornais Avanti!, La Propaganda Libertária, A Lanterna, Volksfreund. Preparando-se para as demonstrações de 1.º de Maio, a Comissão de São Paulo publicou um manifesto, datado de 8 de abril de 1915, o qual terminava com as seguintes palavras:

"Em 1.º de Maio, aproveitando a comemoração com que o proletariado afirma, em internacional manifestação, o seu direito à vida melhor, realizaremos nesta cidade, onde a guerra teve tão ruinosa repercussão no povo, lançando-o na miséria, a nossa primeira grande reunião pública pró-paz — Abaixo a guerra! Viva a Internacional dos Trabalhadores!"

No Rio, o comício de 1.° de Maio de 1915 foi, como se esperava, uma verdadeira demonstração de massa contra a guerra. Ao largo de São Francisco, onde se realizou, acorreram milhares e milhares de trabalhadores, de homens e mulheres, que ali proclamavam o seu horror à guerra e a sua disposição de luta pela causa da paz. Um dos oradores procedeu à leitura do manifesto Pela Paz!, no qual se fazia uma análise das causas e dos efeitos da guerra, e se expunham os fins da agitação em favor da paz que se iniciava no Brasil, a exemplo do que se estava fazendo na própria Europa em guerra e nas três Américas(3). Por fim, a massa aprovou por aclamação, com entusiasmo, a moção de encerramento do comício, em que se concluía, depois de uma série de outros considerandos:

"... considerando tudo isso, a grande massa popular reunida no largo de São Francisco de Paula, às 4 horas da tarde de hoje, em comício convocado pela Comissão Popular de Agitação contra a Guerra, representante de grande número de associações proletárias e libertárias desta cidade, resolve:
"l.º Deixar lavrado o seu solene e público protesto contra o crime premeditado e praticado pela burguesia européia;
"2.º Declarar a sua solidariedade ao proletariado de todo o mundo e ao movimento internacional contrário à guerra e favorável à paz que neste momento começa a agitar os povos dos países. neutrais; e
"3.º Concitar as classes trabalhadoras e todos os homens livres do Brasil a manifestar-se no mesmo sentido, por todos os meios possíveis, agitando, assim, a opinião pública nacional e criando um ambiente de profunda hostilidade e formal condenação à guerra e aos guerreiros, para que, obrigados por uma pressão popular universal, sejam os governos beligerantes levados a terminar, no mais breve espaço de tempo, a imensa, ruinosa e detestável matança que assola as terras da Europa."

Em seguida, a massa popular desfilou pelas ruas do Ouvidor, Uruguaiana, avenidas Rio Branco, Marechal Floriano, rua dos Andradas, até à sede da Federação Operária.

Nesse mesmo ano a COB tornou a si o encargo da preparação de um Congresso da Paz que se reuniu no Rio nos dias 14, 15 e 16 de outubro de 1915.(4)

Além de delegações do Distrito Federal, São Paulo, Pernambuco, Alagoas, Estado do Rio, Minas e Rio Grande do Sul, participaram do Congresso do Rio Janeiro, delegados da Argentina, de Portugal e da Espanha. No dia de sua inauguração, a COB lançou a público um manifesto em que concitava o

"proletariado da Europa e da América a uma ação revolucionária que dê por terra com o atual estado de coisas, varrendo da face do mundo as quadrilhas de potentados e assassinos, que mantêm os povos na escravidão e no sofrimento."

Os debates e resoluções do Congresso, imbuídos da ideologia anarco-sindicalista, perderam-se, afinal de contas, em declarações verbais sem alcance prático. Visto com os nossos olhos de hoje, facilmente assinalamos as enormes debilidades de organização e orientação do Congresso da Paz de 1915; mas ao mesmo tempo, devemos reconhecer que ele marcou, com incontestável relevo, uma posição decidida de luta contra a guerra imperialista e em defesa da paz e da liberdade.

Falta-nos dados precisos sobre a atividade dos partidários da paz durante o ano de 1916 — a não ser os que nos oferecem por si mesmos os jornais operários, sendo certo que estes jornais, na sua quase totalidade, mantinham firme a bandeira da paz, por meio de artigos, comentários, notas, etc. Mas, os primeiros meses de 1917 assinalam, no Rio de Janeiro, o recrudescimento da campanha contra a guerra, e agora estreitamente ligada a uma enérgica agitação contra a carestia da vida. Durante os meses de março e abril desse ano, a Federação Operária local promoveu a realização de numerosos comícios pelos diversos bairros da cidade, e a 18 de abril, numa grande assembléia em sua sede foi aprovada uma mensagem, que se enviaria ao Presidente da República, na qual se protestava firmemente contra a eventualidade da entrada do Brasil na guerra e se sugeriam medidas tendentes a aliviar a crise econômica e financeira, cujos efeitos recaiam principalmente sobre as costas dos trabalhadores. A comemoração de 1.º de Maio de 1917 no Rio de Janeiro transcorreu igualmente sob o signo da luta contra a carestia, com impressionante desfile operário pelas ruas da capital.

E quando, finalmente, em outubro de 1917, o governo brasileiro, cedendo à pressão imperialista, entrou na guerra, a classe operária não se afastou uma polegada da posição de luta pela paz mantida sem desfalecimento desde o início das hostilidades entre os dois grupos imperialistas. Um periódico progressista que então se publicava na capital do país(5), e que mantinha ligações de simpatia no movimento operário, publicou o seu editorial com um título que equivalia a uma reafirmação inequívoca dos sentimentos não só da classe operária mas também de todo o povo brasileiro — "O Brasil não quer a guerra."

Em suma, podemos afirmar que os melhores elementos do proletariado, os mais capazes e combativos, mantendo-se fiéis ao internacionalismo proletário e condenando tenazmente a guerra imperialista, conseguiram realizar, durante a primeira guerra mundial e sem embargo das debilidades e deformações da ideologia anarco-sindicalista, uma tarefa meritória de mobilização das massas populares no sentido da luta em defesa da paz. Essa tarefa, levada por diante nas condições tão difíceis de nosso país, contribuiu sem dúvida a um proveitoso esforço de compreensão dos objetivos da Revolução de Outubro, que o proletariado brasileiro recebeu e saudou, com entusiasmo, desde o primeiro momento, como o próprio início da grande e sonhada revolução social internacional.

As notícias relativas à insurreição e à conquista do poder pela classe operária russa, guiada pelo Partido bolchevique, eram acompanhadas com imenso e apaixonado interesse pelos trabalhadores do Brasil. A imprensa burguesa apresentava tais notícias caluniosamente, deformando os fatos, torcendo o sentido dos acontecimentos revolucionários que se desenrolavam na Rússia; mas, o leitor operário, levado por seu instinto de classe, sabia descobrir o que havia de verdadeiro no cipoal confuso do noticiário transmitido pelas agências imperialistas. Por outro lado, os pequenos e pobres jornais operários, que se publicavam nas principais cidades brasileiras, rebatiam as mentiras, calúnias e deformações veiculadas pela imprensa burguesa, procurando, com os escassos elementos de que dispunham, mostrar a significação e a natureza dos fatos que se sucediam no antigo império dos tzares. Deve-se recordar, neste sentido, um folheto saído a lume, no Rio, em janeiro de 1918, sob o título A Revolução Russa e a Imprensa, no qual precisamente se defendia a Revolução de Outubro contra as calúnias mais grosseiras divulgadas pelos jornais, da reação burguesa. Boletins e volantes foram igualmente publicados com o mesmo propósito.

É certo que em muitas dessas publicações havia a suposição de que se tratava de uma revolução de tipo libertário, abrindo caminho ao anarquismo; mas, isso resultava simplesmente da completa ignorância, reinante em nosso meio, acerca do Partido de Lênin e Stálin e da posição realmente e consequentemente revolucionária que o mesmo sustentara, durante anos, nos quadros da II Internacional. O que se sabia desta última era que se tornara um reduto do mais podre oportunismo reformista, como a guerra aliás viera confirmar de maneira definitiva. E o que se sabia e se compreendia da Revolução Russa era que se tratava efetivamente de uma "revolução proletária". Postas as coisas nestes termos, tudo o mais vinha a ser secundário — e foi justamente essa consideração que serviu para esclarecer os melhores elementos do anarco-sindicalismo brasileiro e levá-los ao rompimento com os dogmas e preconceitos do anarquismo e à plena aceitação de princípio da ditadura do proletariado e das 21 condições de adesão estabelecidas pela III Internacional.

Mas, a par de suposições e conceitos errôneos, que transitavam através de comentários próprios, os periódicos anarco-sindicalistas favoráveis à revolução bolchevique — e todos o foram até pelo menos 1920 – publicavam em suas colunas artigos e documentos autênticos sobre a revolução, colhidos na imprensa operária da Europa e da América. Por exemplo, o semanário Spartacus, do Rio, estampou em seu 1.º número, publicado em agosto de 1919, a "Carta aos trabalhadores americanos” de Lênin, e algumas semanas mais tarde, o fundamental trabalho, também de Lênin, “A Democracia burguesa e a Democracia proletária", adotado, sob a forma de teses, pelo Congresso de fundação da Internacional Comunista, em março de 1919. A Hora Social, órgão da Federação das Classes Trabalhdoras de Pernambuco, publicou em novembro de 1919 o texto da primeira Constituição Soviética. O semanário em língua italiana Alba Rossa, de São Paulo, reproduziu em sua edição de 1.° de março de 1919, um artigo de Lênin sobre a paz de Brest-Listtowski, e um apelo de Máximo Gorki aos trabalhadores de todos os países. Vanguarda, diário do povo trabalhador, também de São Paulo, publicou em 11 de março de 1921 o discurso que Clara Zetkin havia pronunciado no Congresso de onde saiu o Partido Comunista Francês, em dezembro de 1920, e mais de um artigo de Losovski em números subsequentes. Estes exemplos podiam ser multiplicados com citações de todos os jornais operários da época.

Alguns intelectuais progressistas, com mais ou menos compreensão do fenômeno revolucionário, manifestavam também as suas simpatias pela Revolução Socialista de Outubro — e à frente deles, com mais decisão, colocou-se Lima Barreto, que publicou em 1919 um artigo sob o título "Manifesto Marximalista" (mais tarde recolhido no seu livro Bagatelas), o qual, como se pode imaginar, produziu enorme sensação.

Porém, nos sindicatos operários e nos movimentos de massa é que as manifestações de solidariedade do proletariado brasileiro à jovem República Operária e Camponesa atingiram mais extensão e vigor. As assembleias sindicais eram sempre numerosas e movimentadas e todas as vezes que se mencionavam nelas os exemplos de luta revolucionária dos trabalhadores russos, a massa presente demonstrava com unânime entusiasmo os seus sentimentos de fraternidade, admiração e apoio. Os sindicatos promoviam conferências, palestras e debates sobre assuntos relacionados com a Revolução Russa. Quando da intervenção de tropas imperialistas anglo-franco-japonesas, que sustentavam os generais contra-revolucionários Denikin, Yudenitch, WrangelKoltchak e outros, moções de protesto recebiam aprovação igualmente unânime das Assembléias e comícios onde eram apresentadas. Citemos alguns fatos.

No 1.º de maio de 1918, no Rio, foi aprovada a moção em que se declarava que o proletariado carioca resolvia por aclamação

"manifestar a sua profunda simpatia pelo povo russo, neste momento em luta aberta e heróica contra o capitalismo."

No 1.º de Maio de 1919 — grande demonstração de massas — entre outras moções foi aprovada a seguinte:

"O proletariado do Rio de Janeiro, reunido em massa na praça pública e solidário com as grandes demonstrações dos trabalhadores neste 1.º de Maio, envia uma saudação especial aos proletariados russo, húngaro e germânico, e protesta solenemente contra qualquer intervenção militar burguesa tendo por fim atacar a obra revolucionária tão auspiciosamente encetada na Rússia."

O Congresso Sindical de 1920 aprovou também uma saudação especial ao proletariado russo,

"que tão alto tem erguido o facho da revolta triunfante, abrindo o caminho do bem estar e da liberdade aos trabalhadores mundiais".
Noutra moção se dizia que o Congresso

"resolve declarar sua simpatia em face da III Internacional de Moscou, cujos princípios correspondem verdadeiramente às aspirações de liberdade e igualdade dos trabalhadores de todo o mundo."

Lembremos ainda que, em 1919, a União dos Metalúrgicos do Rio de Janeiro proclamou uma greve geral na corporação contra a intervenção imperialista e de solidariedade à República Operária e Camponesa.

Todo aquele período de 1917-1920 caracterizou-se por uma onda irresistível de greves de massa, que em muitos lugares assumiram proporções grandiosas. Já antes mesmo, em julho de 1917, tinha havido a greve geral em São Paulo, paralisando completamente, durante alguns dias, a vida da cidade. Em 1918, 1919, 1920, no Rio, de novo em São Paulo, em Santos, em Porto Alegre, na Bahia, em Pernambuco, em Juiz de Fora, em Petrópolis, em Niterói e outras muitas cidades de norte a sul do país, as greves operárias se alastravam com ímpeto avassalador. Eram movimentos por aumento de salários e melhoria das condições de trabalho, mas uma coisa se mostrava evidente — a influência da Revolução de Outubro como estímulo à combatividade da classe operária.

Entre as mais sérias lutas sustentadas então pelos trabalhadores do Distrito Federal e cidades vizinhas do E. Rio, houve algumas que devemos destacar, pela significação de que se revestiram. Em primeiro lugar, cronologicamente, a greve do pessoal da Cantareira, no Rio e Niterói. Foi um movimento importante, desencadeado contra poderosa empresa imperialista, a cujo serviço se colocaram imediatamente as forças policiais, provocando graves conflitos. Num desses conflitos intervieram soldados e inferiores do exército aquartelados na capital fluminense, tomando o partido dos grevistas, e dois deles tombaram heroicamente, de armas na mão, ao lado dos operários. Isto se passou em agosto-setembro de 1918. Dois meses e pouco depois deflagrava o movimento de 18 de novembro, em que se envolveram vários sindicatos operários, à frente dos quais o dos operários em fábricas de tecidos, abrangendo igualmente fábricas de localidades vizinhas situadas no Estado do Rio. Em muitas dessas fábricas se travaram violentos conflitos provocados pela polícia, com mortes de lado a lado. Duras lutas de rua assinalaram também o início do movimento, na tarde daquele dia. O movimento malogrou-se devido a desastrosas falhas de organização, mas serviu para pôr à prova o agudo espírito de combatividade revolucionária de que os trabalhadores se achavam possuídos. Isto evidenciou-se ainda com o desfecho do processo criminal movido pela polícia contra os cabeças do movimento: sob a pressão da massa operária, que manifestava abertamente a sua solidariedade aos companheiros incriminados, foram estes absolvidos, depois de cerca de seis meses de prisão, e a tempo de participarem das grandes demonstrações do 1.° de Maio de 1919.

Ainda em 1919 voltaram os tecelões à carga numa nova greve de grandes proporções. A greve da Leopoldina, em 1920, abrangendo o Distrito Federal, os Estados do Rio e de Minas, marcou época nos anais dos movimentos grevistas do proletariado brasileiro, por sua tenacidade e pela onda de solidariedade que levantou em toda a massa trabalhadora a favor dos grevistas. A greve dos Marítimos, já no fim de 1920, quando o surto grevista entrava em descenso, fracassou lamentavelmente, mas apesar de tudo constituiu indiscutível demonstração de combatividade por parte da massa dos trabalhadores marítimos.
Especial registro merece, nesse período, a maneira pela qual os operários da construção civil conquistaram a jornada de 8 horas. Deu-se o caso que o sindicato da construção civil resolveu, depois de numerosas e sucessivas assembléias, "decretar" por conta própria o dia de 8 horas de trabalho em todas as obras de construção civil em andamento no Rio de Janeiro, o que realmente se efetivou, a partir de 2 de maio de 1919. Está claro que semelhante "método" de luta só produziu os resultados em mira porque se tratava de um sindicato poderoso e de um momento de impetuoso impulso de todo o movimento operário.

Não há dúvida que outras muitas das reivindicações pelas quais lutavam as massas trabalhadoras, nessa época, foram alcançadas, total ou parcialmente. Mas é um fato que a natureza e o volume das vitorias alcançadas não estavam em proporção com o vulto e a extensão do movimento geral. Mais ainda — as reivindicações formuladas, por aumento de salários, por melhores condições de trabalho, etc., constituíam como que um fim em si mesmo, e não um ponto de partida para reivindicações crescentes de nível superior. E que na realidade se tratava de lutas mais ou menos espontâneas, isoladas umas das outras, sucedendo-se por força de um estado de espírito extremamente combativo que se generalizava entre as massas. Admiráveis exemplos de firmeza, de bravura, de abnegação se verificavam um pouco por toda a parte, durante as greves e demonstrações de massa que se multiplicavam de maneira contagiosa, naqueles anos. Faltava porém um centro coordenador, um comando geral à altura das circunstâncias, em suma — uma direção política, que só um partido independente da classe poderia imprimir a todo o movimento. Em tais condições, era inevitável que, ao cabo de algum tempo, quebrado o ímpeto combativo das massas, pudesse a reação patronal e governamental retomar a iniciativa e desencadear uma onda de terror visando à liquidação do movimento revolucionário. As grandes greves e agitações de massa do período 1917-1920 puseram a nu a incapacidade teórica, política e orgânica do anarquismo para resolver os problemas de direção de um movimento revolucionário de envergadura histórica, quando a situação objetiva do pais (em conexão com a situação mundial criada pela guerra imperialista de 1914-1918 e pela vitória da revolução operária e camponesa na Rússia, abrira perspectivas favoráveis à derrubada do poder feudal-burguês dominante. A constatação deste fato, resultante de um processo espontâneo e a bem dizer instintivo de autocrítica, que se acentuou principalmente durante a segunda metade de 1921, sob a forma de acaloradas discussões nos sindicatos operários, é que levou diretamente à organização dos primeiros grupos comunistas, que se constituíram como passo inicial para a fundação do Partido Comunista.

A bancarrota do anarquismo fora total e com ela ficou encerrado um largo período da história do movimento operário brasileiro. O conseqüente surgimento do Partido Comunista, ao mesmo tempo que assinalava o início de um novo período, era também a revelação de que as lutas precedentes haviam produzido um rápido amadurecimento político da classe operária brasileira, que assim mostrava compreender qual o papel histórico que lhe caberia à frente da revolução social e nacional em marcha.

Eis porque dizemos que a existência do Partido Comunista do Brasil corresponde a uma necessidade histórica que os fatos do passado demonstraram e são confirmados pelos fatos do presente. O Partido Comunista do Brasil nasceu e cresceu, vive e viverá porque precisamente lhe cabe a missão, como vanguarda consciente da classe operária, de organizar e dirigir as lutas de todo o povo brasileiro contra a exploração econômica e a opressão política, pelo progresso do país e sua libertação do jogo imperialista, pelo socialismo.


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