quarta-feira, 18 de junho de 2014

O conceito de Modo de Produção segundo o historiador marxista Pierre Vilar


"Modo de Produção" é um dos conceitos centrais do Materialismo Histórico. O conceito, todavia, beneficiou-se de inúmeras releituras, depois de proposto por Marx e Engels por ocasião da fundação do paradigma do Materialismo Históirico. Historiadores, sociólogos e filósofos vários, ligados a este paradigma, rediscutiram o conceito à luz de novas proposições teóricas, de novas constatações empíricas a partir da história efetiva, ou de novas demandas teórico-metodológicas. No texto abaixo, veremos a posição de Pierre Vilar com relação à delimitação deste conceito.

O texto foi extraído do primeiro capítulo do Volume III deTeoria da História [BARROS, José D'Assunção. Teoria da História, volume III: Os Paradigmas Revolucionários. Petrópolis: Editora Vozes, 2011]. 

O Modo de Produção segundo Pierre Vilar [Teoria da História, III, p.62-64]

Em diversificados textos de Pierre Vilar, o tratamento mais complexo dispensado ao modo de produção – concebido como simultaneamente determinado e determinante – expressa-se através da atenção conferida a aspectos por vezes secundarizados pelo marxismo mais corriqueiro de sua época. Assim, no artigo escrito para a revista dos Annales de 1973, intitulado “Histoire Marxiste, histoire em construction” (1973-b), Pierre Vilar chama atenção para um aspecto pouco abordado no delineamento de um Modo de Produção: as condições geográficas. Depois de destacar a influência do clima, do relevo, e de outros aspectos geográficos na vida humana, Vilar acrescenta que cada sociedade manipula o espaço em função de suas técnicas, necessidades e organização interna (LEMARCHAND, 2007, p.97). Percebe-se simultaneamente o diálogo com Febvre e Braudel, e a preocupação em estabelecer os horizontes marxistas de sua concepção.

Avançando ainda mais na complexificação do conceito de Modo de Produção, Vilar acrescenta-lhe também a importância da Demografia, impondo-se ao mesmo tempo para redefinir as forças de produção e o potencial de consumo. Para aquilatar a importância das reflexões pioneiras de Vilar neste sentido, devemos acompanhar as análises de Lemarchand, que dissertou mais sistematicamente sobre “A Noção de Modo de Produção em Pierre Vilar” (2007, p.98). Um artigo de Pierre Vilar datado de 1956, intitulado “Le temps du Quixotte”, escrito para a revista Europa, já trazia a Demografia para primeiro plano. O ensaio de Pierre Goubert que introduz o estudo da demografia para a França do século XVII, intituladoBeauvais et Le Beauvasis data de 1960. E os materialistas históricos dos anos 1960, na sua maioria, ainda expressariam uma acentuada desconfiança em relação à Demografia, então uma ciência recente.

Tudo isto ilumina o caráter inovador de Pierre Vilar ao trazer para as discussões sobre o Modo de Produção simultaneamente as instâncias Geográfica e Demográfica. Isto, naturalmente, sempre dentro do horizonte maior do Materialismo Histórico, e será oportuno lembrar que em 1960, mesmo ano da publicação do Beauvais de Pierre Goubert, Pierre Vilar profere uma conferência intitulada “Crescimento Econômico e análise histórica” na qual ressalta a importância da dimensão demográfica mas critica a autonomização da Demografia, ressaltando que o fator população não poderia se constituir na chave universal para a compreensão da História.

Por fim, Pierre Vilar acrescenta ao Modo de Produção o aspecto mais renitente entre os marxistas de sua época: a superestrutura, a começar pelo papel do Estado, sempre lembrando que seu principal objeto de estudos históricos nos anos 1960 refere-se à Monarquia na Espanha dos séculos XVI e XVII. Em seguida, a Ideologia, incluindo o desprezo da aristocracia espanhola pelo trabalho, e, particularmente, a Religião, destacada com especial cuidado por Pierre Vilar para uma correta compreensão do mundo feudal, o que é nos dias de hoje uma instância de primeira ordem para a compreensão do modo de produção feudal, mas cujo papel fora muito negligenciado pelos marxistas franceses da época de Pierre Vilar. Vale ainda lembrar que, sintonizando com uma concepção análoga expressa nos anos 1960 pela micro-sociologia política de Georges Gurvitch, Pierre Vilar ainda chama atenção para o fato de que cada instância da formação social – a economia e a Política, por exemplo – tem o seu ritmo próprio.
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