domingo, 13 de abril de 2014

Se a oposição venezuelana fosse francesa…

por Salim Lamrani [*]

O que aconteceria se a oposição venezuelana fosse francesa? O caso da deputada María Corina Machado é revelador pois a Justiça da França seria implacável com ela 


Desde Fevereiro de 2014 a Venezuela sofre com a violência orquestrada pela extrema-direita golpista. Ao contrário do que mostram os meios de comunicação ocidentais, ela se limita a nove dos 335 municípios do país e reina a tranquilidade na imensa maioria do território nacional, particularmente nos bairros populares. Alguns estudantes procedentes dos bairros abastados tomam parte em graves acções criminosas – e não em manifestações pacíficas como afirmam os media ocidentais. Mas eles estão longe de serem maioritários. Na verdade, a maioria das pessoas detidas tem graves antecedentes criminais e vários, inclusive, são procurados pela Interpol. [1] 

A oposição dirige esses novos sectores abastados. Ainda que a violência tenha sido limitada em termos geográficos, está a ser mortífera. De facto, pelo menos 37 pessoas perderam a vida, algumas em condições particularmente atrozes: seis pessoas que circulavam de moto foram degoladas por cabos de aço estendidos nas ruas. Por outro lado, cinco membros da Guarda Nacional Bolivariana e um promotor da República foram assassinados por esses grupúsculos, e outras oito pessoas que tentavam abrir caminho nas ruas e desmontar as barricadas foram executadas. Cerca de 600 pessoas foram feridas, dentre elas 150 membros das forças da ordem. [2] 

Os danos materiais são incontáveis e superaram os 10 mil milhões de dólares, com a multiplicação de actos de terrorismo e de sabotagem que miram tudo o que representa a Revolução Bolivariana, democrática e social: autocarros incendiados, estações do metro saqueadas, uma universidade — a UNEFA — completamente destruída pelas chamas, dezenas de toneladas de produtos alimentícios destinados aos mercados públicos reduzidos a cinzas, edifícios públicos e sedes ministeriais saqueadas, instalações eléctricas sabotadas, centros médicos devastados, instituições eleitorais destruídas etc. [3] 



María Corina Machado é uma das autoras intelectuais desses actos criminosos. Deputada da oposição, ao invés de respeitar a legalidade constitucional do país lançou numerosos apelos públicos à violência: "O povo da Venezuela tem uma resposta: 'Rebeldia, rebeldia'. Alguns dizem que devemos esperar eleições dentro de alguns anos. Podem esperar os que não conseguem alimentos para os seus filhos? Podem esperar os funcionários públicos, os camponeses, os comerciantes, de quem tiram o direito ao trabalho e à propriedade? A Venezuela não pode esperar mais". [4]

Corina Machado pôs-se mesmo ao serviço de uma potência estrangeira hostil ao representar o Panamá durante uma reunião da Organização dos Estados Americanos, em flagrante violação dos artigos 149 e 191 da Constituição. O primeiro estipula que "os funcionários públicos não poderão aceitar cargos, honras ou recompensas de governos estrangeiros sem a autorização da Assembleia Nacional". O segundo, por sua vez, enfatiza que "os deputados ou deputadas da Assembleia Nacional não poderão aceitar ou exercer cargos públicos sem perder seu mandato, salvo em actividades docentes, académicas, acidentais ou assistenciais, que não suponham dedicação exclusiva.". [5]

A deputada acaba de perder a imunidade parlamentar e o seu mandato no Parlamento. [6] Ela nega-se a aceitar a sua nova situação jurídica, afirmando que seu mandato só pode ser revogado em caso de "morte, renúncia, extinção ou destituição resultante de sentença tribunal" [7] . A lei, no entanto, é muito clara: segundo o Regulamento Interno e de Debates da Assembleia Nacional, a imunidade parlamentar pode ser revogada pelo voto maioritário dos deputados, o que foi o caso. Em relação ao seu cargo de deputada, ela o anulou automaticamente ao violar os artigos 149 e 191. [8]

O que aconteceria se María Corina Machado fosse francesa? Seria investigada sob os rigores da lei penal. De facto, a deputada destituída atentou contra os interesses fundamentais da nação, isto é, contra a "forma republicana de suas instituições" (artigos 410-1), ao convocar uma ruptura violenta da ordem constitucional [1] .

Da mesma maneira, o artigo 411-4 estipula que "o facto de manter [relações de] inteligência com uma potência estrangeira, com uma empresa ou organização estrangeira ou sob controle estrangeiro ou de seus agentes, com vistas a suscitar hostilidades ou actos de agressão contra a França é sancionável com 30 anos de detenção criminal e 450 mil euros de multa. Sanciona-se com as mesmas penas o facto de proporcionar a uma potência estrangeira, a uma empresa ou organização estrangeira ou [que esteja] sob o controle estrangeiro ou de seus agentes, os meios de empreender hostilidades ou realizar actos de agressão contra a França". De fato, Corina Machado tem-se reunido regularmente com o Departamento de Estado dos Estados Unidos, o qual desempenha um papel chave na desestabilização da Venezuela.

Corina Machado também teria infringido o artigo 412-2 do Código Penal francês e seria acusada de complô: "Constitui um complô a resolução tomada entre várias pessoas de cometer um atentado, quando essa resolução se concretiza mediante um ou vários actos materiais. O complô é punido com dez anos de prisão de 150 mil euros de multa. As penas chegam a vinte anos de detenção criminal e a 300 mil euros de multa, quando uma pessoa depositária de autoridade pública comete a infracção."

Corina Machado também teria violado os artigos 412-3 e 412-4 do Código Penal. Estes, estipulam que "constitui um movimento insurreccional toda violência natureza de colectiva que ponha em risco as instituições da República ou atente contra a integridade do território nacional. É punido com quinze anos de detenção criminal e 250 mil euros de multa o facto de participar de um movimento insurreccional: 1. Edificando barricadas, trincheiras ou todo tipo de obra com o objectivo de impedir ou colocar entraves à acção da força pública; 2. Ocupando abertamente ou mediante ardil ou destruindo todo edifício ou instalação; 3. Assegurando o transporte, a subsistência ou as comunicações dos insurgentes; 4. Provocando agrupamentos de insurgentes, qualquer que seja a forma; 5. Empunhando uma arma. 6. Substituindo uma autoridade legal".

Se a ex-parlamentar María Corina Machado fosse francesa, estaria na prisão e seria acusada de graves crimes contra o Estado e as instituições da República. Aconteceria o mesmo aos principais líderes da oposição venezuelana que participaram das violências mortíferas desde Fevereiro de 2014.

[1] Agencia Venezolana de Noticias, "Delincuentes buscados por Interpol manejaban 18 barricadas en Táchira", 18 de março de 2014;  Agencia Venezolana de Noticias , " Guarimbas: Instrumento de la ultraderecha que ha cobrado 36 vidas ", 25/Março/2014; Romain Migus, " Venezuela: la fabrique de la terreur ", Março/2014.http://www.romainmigus.com/2014/03/la-fabrique-de-la-terreur.html (site consultado em 31/Março/2014). 

[2] Agencia Venezolana de Noticias, "Violencia derechista en Venezuela ha generado 37 muertos y 559 heridos", 31/março/2014; Telesur, "Más de 10 mil millones de dólares en pérdidas materiales por guaribas", 27/Março/2014. 
[3] Agencia Venezolana de Noticias, "Violencia derechista en Venezuela destruye 12 centros de atención médica y electoral", 27/Março/2014. 
[4] Salim Lamrani, "25 verdades sobre las manifestaciones en Venezuela ", Opera Mundi, 23/Fevereiro/2014. 
[5] Constitución de la República Bolivariana de Venezuela. http://www.tsj.gov.ve/legislacion/constitucion1999.htm (sítio consultado em 31/Março/2014) 
[6] EFE, "Parlamento venezolano ratifica pérdida de investidura de diputada María Corina Machado", 26/Março/2014. 
[7] Agence France Presse, "Opositora Machado regresa el miércoles a Caracas y teme ser detenida", 24/Março/2014. 
[8] Asamblea Nacional de la República Bolivariana de Venezuela, "Reglamento Interior y de Debates de la Asamblea Nacional". www.asambleanacional.gob.ve/... (sítio consultado dia 31/Março/2014). 
[9] Code pénal français. www.legifrance.gouv.fr/affichCode.do?cidTexte=LEGITEXT000006070719 (sítio consultado dia 31 de março de 2014). 



[*] *Doutor em Estudos Ibéricos e Latino-americanos, Salim Lamrani é professor-titular da Universidade de la Reunión e jornalista, especialista nas relações entre Cuba e Estados Unidos. Seu último livro é Cuba. Les médias face au défi de l'impartialité , Paris, Editions Estrella, 2013, com prefácio de Eduardo Galeano. 



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