domingo, 6 de abril de 2014

Lançamento Boitempo: Ditadura: o que resta da transição

Milton Pinheiro (org.)




Cinquenta anos depois do golpe que instaurou a ditadura militar no Brasil – e em meio aos 25 anos de transição democrática em nosso país –, a Boitempo publica Ditadura: o que resta da transição. Organizada pelo cientista político Milton Pinheiro, a coletânea enfrenta o desafio de reinterpretar uma história em que vários aspectos estão ainda por decifrar, desde o contexto por trás do golpe até a campanha pelas Diretas Já.


Com ensaios inéditos de pensadores como João Quartim de Moraes, Anita Prestes, Lincoln Secco, Décio Saes, Marco Aurélio Santana, entre outros, o livro traça um rico panorama das continuidades e rupturas na história contemporânea brasileira, abrangendo temas como as mutações da ideologia, o lugar dos intelectuais, dos sindicatos, a mobilização comunista, as políticas econômicas e a presença dos partidos políticos.

Obra de inflexível veio crítico, é sobretudo a postura ousada que distingue Ditadura: o que resta da transição da bibliografia existente sobre o assunto: os autores enfatizam, sob perspectivas diversas, a centralidade do caráter de classe da ditadura militar para compreender suas origens, bem como seu legado. Marcos Del Roio, no prefácio, é categórico: tratava-se de uma “ditadura de classe, que buscava impedir a eventual realização de uma revolução democrática pelas forças populares”.

A forma pela qual se pensou a gestão da política econômica durante o regime militar é destrinchada pelo cientista político Adriano Codato, ao investigar a questão da estrutura administrativa do Estado e o problema do arranjo ideal para organizar o processo de tomada de decisões. Aprofundando a análise das bases econômicas na ditadura e na transição, o economista Nilson Araújo de Souza divide o período em cinco momentos, que atentam para o complexo de políticas econômicas desenvolvidas e suas relações. 

Já a historiadora Anita Prestes analisa o papel desenvolvido por seu pai, Luiz Carlos Prestes, histórico dirigente comunista, após o processo de anistia, para contribuir com a luta pelas liberdades democráticas e por uma transição progressista. É também à resistência que se volta Leonilde Servolo de Medeiros em sua reflexão sobre a luta pela terra durante a ditadura militar, que procura dar conta das diversas formas de disputa que ocorreram: das ligas camponesas à reforma agrária, passando pelos processos de assentamento imposto pelo governo militar. Com um olhar mais voltado para os impactos do período ditatorial na politização trabalhista, o sociólogo Marco Aurélio Santana desvenda a gênese de um novo sindicalismo a partir das contradições da presença política dos trabalhadores numa conjuntura de arrocho salarial e repressão, quando os sindicatos agiam em duas vertentes: afirmando e contradizendo o velho sindicalismo. 

O filósofo marxista João Quartim de Moraes fornece uma aprofundada análise da natureza de classe do Estado brasileiro. Versando sobre ideologia, militarização do poder e a dinâmica do capital, Quartim desvenda a especificidade desse instrumento político durante a ditadura. Cabe a Décio Saes uma reflexão a respeito das frações da classe dominante no capitalismo, que analisa de forma original, testando o arcabouço teórico de Nicos Poulantzas contra a configuração de classes durante a ditadura brasileira. 

O historiador Lincoln Secco traça um precioso panorama analítico dos partidos políticos de 1978 até hoje, refletindo sobre o legado da ditadura. Para analisar a política dos comunistas brasileiros durante o período, Milton Pinheiro parte da ação teórico-prática do PCB e o desencontro de suas formulações para reinterpretar o fechamento do ciclo da revolução burguesa no Brasil. Já David Maciel lança um olhar crítico sobre a articulação da Aliança Democrática na superação da ditadura militar e o papel desempenhado por esse bloco de forças políticas na transição para a democracia até o governo Collor. 

Se a campanha Diretas Já é analisada por Vanderlei Neri sob a óptica contraditória de uma mobilização de massas com direção burguesa, é com uma perspectiva mais distanciada que o sociólogo Anderson Deo faz um balanço do processo de transição a longo prazo da ditadura militar até as últimas duas décadas, ou, em suas palavras, da "institucionalização à autocracia burguesa no Brasil". Toda essa complexa reflexão já parte das orelhas do livro, com o texto assinado por Marcelo Ridenti.

Sumário

Prefácio 
Marcos del Roio

Os comunistas e a ditadura burgo-militar: os impasses da transição 
Milton Pinheiro

A natureza de classe do Estado brasileiro 
João Quartim de Moraes

As frações da classe dominante no capitalismo: uma reflexão teórica 
Décio Azevedo Marques de Saes

Luiz Carlos Prestes e a luta pela democratização da vida nacional após a anistia de 1979 
Anita Leocádia Prestes

Intelectuais de Estado e a gestão da política econômica no regime ditatorial brasileiro 
Adriano Codato

Trabalhadores, sindicatos e regime militar no Brasil 
Marco Aurélio Santana

Trabalhadores do campo, luta pela terra e o regime civil-militar 
Leonilde Servolo de Medeiros

A hegemonia tardia 
Lincoln Seccoo

Diretas Já: mobilização de massas com direção burguesa 
Vanderlei Elias Nery

A Aliança Democrática e a transição política no Brasil 
David Maciel

Uma transição à long terme: a institucionalização da autocracia burguesa no Brasil 
Anderson Deo

A economia da ditadura e da transição 
Nilson Araújo de Souza

Sobre o organizador

Milton Pinheiro é sociólogo e cientista político, professor da Universidade do Estado da Bahia (Uneb). Editor da revista Novos Temas e autor/organizador, entre outros, dos livros A reflexão marxista sobre os impasses do mundo atual (Outras Expressões, 2012) e Teoria e prática dos conselhos operários (Expressão Popular, 2013), em conjunto com Luciano Martorano. Integra o grupo de pesquisa Pensamento Político Brasileiro e Latino-Americano (Unesp).
Ficha técnica

Título: Ditadura: o que resta da transição
Organizador: Milton Pinheiro
Autores: Anita prestes e outros
Prefácio: Marcos del Roio
Orelha: Marcelo Ridenti
Páginas: 376
ISBN: 978-85-7559-366-0
Preço: R$ 43,00
Ano: 2014
Editora: Boitempo(coleção Estado de Sítio)


Leia abaixo a orelha do livro, assinada por Marcelo Ridenti

Um aspecto fundamental distingue este livro, organizado por Milton Pinheiro: seus autores tomam como central o caráter de classe da ditadura civil-militar instaurada em 1964, por vezes secundarizado ou até esquecido em outras pesquisas. Não é pouco reafirmar que se tratava de uma “ditadura de classe, que buscava impedir a eventual realização de uma revolução democrática pelas forças populares”, nos termos de Marcos Del Roio.
Disso não decorre que se deva ignorara complexidade de cada conjuntura, nem minimizar as diferenças no interior do regime. Ao contrário, envolve sensibilidade para desvendar as conexões entre política e economia, como atesta por exemploAdriano Codato, que analisa as disputas entre os círculos dirigentes civis pelo comando da economia nos anos 1970 e a constituição de “intelectuais de Estado”. Ou ainda as reflexões teóricas de Décio Saes sobre frações da classe dominante e de João Quartim acercada natureza de classe do Estado brasileiro. Por sua vez, Nilson Souza realizou um balanço da economia dos anos 1960 aos 1980.
Mais de quatro décadas de lutas dos trabalhadores rurais são inventariadas por Leonilde Medeiros, enquanto Marco Santana faz uma síntese das lutas operárias. Aspectos do período final do regime e da transição para a democracia são abordados. Anita Prestes retoma a presença do legendário Luiz Carlos Prestes naquele contexto. David Maciel analisa a Aliança Democrática, Vanderlei Nery o movimento dasDiretas Já. Lincoln Secco faz um balanço da atuação dos principais partidos desde os anos 1980.Anderson Deo reflete sobre a longa transição eMilton Pinheiro sobre a formulação política dos comunistas do golpe ao fim do regime.
Todos, a seu modo, ajudam a compreender o tempo da ditadura e seu legado.

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