domingo, 15 de janeiro de 2012

O assassinato de Rosa Luxemburgo

Por David Arrabalí


Na noite de 15 de janeiro de 1919, em Berlim, foi detida Rosa Luxemburgo: uma mulher indefesa de cabelos grisalhos, enrugada e exausta. Uma mulher velha, que aparentava muito mais que os 48 anos que tinha.



Um dos soldados que a rodeavam, obrigou-a a seguir aos empurrões, e a multidão burlona e cheia de ódio que se amontoava no vestíbulo do Hotel Eden a saudou com insultos. Ela ergueu sua face diante da multidão e olhou os soldados e os hóspedes do hotel que se mofavam dela com seus olhos negros e orgulhosos. E aqueles homens em seus uniformes desiguais, soldados da nova unidade das tropas de assalto, se sentiram ofendidos pela olhada desdenhosa e quase compassiva de Rosa Luxemburgo, “a rosa vermelha”, “a judia”.



Insultaram-na: “Rosinha, aí vem a velha puta”. Eles odiavam tudo o que esta mulher representou na Alemanha durante duas décadas: a firme crença na idéia do socialismo, o feminismo, o antimilitarismo e a oposição à guerra, que eles haviam perdido em novembro de 1918. Dias antes os soldados haviam esmagado o levante dos trabalhadores em Berlín. Agora eles eram os amos. E Rosa os havia desafiado em seu último artigo:



«A ordem reina em Berlín! Ah! Estúpidos e insensatos verdugos! Não vos dais conta de que vossa ordem está levantada sobre a arena. A revolução se erguerá amanhã com sua vitória e o terror assomará nos vossos rostos ao ouvir anunciar com todas suas trompetas: Eu fui, eu sou, eu serei!».

 


Empurraram-na e golpearam. Rosa se levantou. Nesse então, quase haviam alcançado a porta traseira do hotel. Fora, esperava um carro cheio de soldados, os quais, segundo haviam-lhe comunicado, conduziriam-na à prissão. Mas um dos soldados foi para cima dela levantando sua arma e golpeou-lhe a cabeça com a culatra. Ela caiu no chão. O soldado lhe desferiu um segundo golpe na têmpora.



O homem chamava-se Runge. O rosto de Rosa Luxemburgo jorrava sangue. Runge obedecia órdens quando golpeou Rosa Luxemburgo. Pouco antes ele havia derrubado Karl Liebknecht com a culatra do seu fuzil. Também a ele haviam-no arrastado pelo vestíbulo do Hotel Eden.



Os soldados levantaram o corpo de Rosa. O sangue brotava da sua boca e do seu nariz. Levaram-na ao veículo. Sentaram Rosa entre dois soldados no assento de trás. Fazia pouco que o carro havia arrancado quando lhe dispararam um tiro a queima roupa. Se pode escutar no hotel.



Na noite de 15 de janeiro de 1919 os homens do corpo de assalto assassinaram Rosa Luxemburgo. Lançaram seu cadáver de uma ponte para o canal. No día seguinte toda Berlim sabía já que a mulher que nos últimos vinte anos desafiara todos os poderosos e que cativara os assistentes de inumeráveis assembléias, estava morta. Enquanto se buscava o seu cadáver, um Bertold Brecht de 21 anos escrevia:



A Rosa vermelha agora também desapareceu.
Onde se encontra é desconhecido.
Porque ela aos pobres a verdade há dito
Os ricos do mundo a extinguiram.

 


Poucos meses depois, em 31 de maio de 1919, encontrou-se o corpo de uma mulher junto a uma eclusa do canal. Podia-se reconhecer as luvas de Rosa Luxemburgo, parte de seu vestuário, um brinco de ouro. Mas a cara era irreconhecível, já que o corpo fazia tempo que estava podre. Foi identificada e se a enterrou em 13 de junho.



No ano de 1962, 43 anos depois de sua morte, o Governo Federal alemão declarou que seu assassinato fora uma “execução de acordo com a lei marcial”. Faz só nove anos que uma investigação oficial concluiu que as tropas de assalto, que haviam recebido ordens e dinheiro dos governantes social-democratas, foram os autores materiais de sua morte e da de Karl Liebknecht.



A atualidade do pensamento de Rosa Luxemburgo



“Que extraordinário é o tempo que vivemos”, escrevia Rosa Luxemburgo em 1906. “Extraordinário tempo que propõe problemas enormes e espolia o pensamento, que suscita a crítica, a ironia e a profundidade, que estimula as paixões e, antes de tudo, um tempo frutífero, prenhado”.



Rosa Luxemburgo viveu e morreu num tempo de transição, como o nosso, no qual um mundo velho se afundava e outro surgia dos escombros da guerra. Seus companheiro tentaram construir o socialismo, seus assassinos e inimigos ajudaram Adolf Hitler a subir ao poder.



Hoje, quando o capitalismo demonstra uma vez mais que a guerra não é um acidente, senão que uma parte irrenunciável de sua estratégia. Quando os partidos e organizações “tradicionais” se vêem na obrigação de questionar suas formas de atuar ante o abandono das massas. Quando a esquerda transformadora advoga exclusivamente pelo parlamentarismo como via para a mudança social. Quando nos encontramos ante una enorme crise do modelo de democracia representativa e os argumentos políticos se reduzem ao “voto útil”.



Hoje, dizemos, Rosa Luxemburgo se converte em referência indispensável nos grandes debates da esquerda. Não é senão sua voz a que se escuta sob o lema, aparentemente novedoso: “Outro mundo é possível”. Ela o formulou com um pouco mais de urgência: “Socialismo ou barbárie”.



Seu pensamento, seu compromisso e sua desbordante humanidade nos servem de referência em nossa luta para que este novo século não seja também o da barbárie.


 


David Arrabalí é membro do Conselho de Redação da revista Mundo Obrero e mestre em Materialismo Histórico e Teoría Crítica pela Universidade Complutense de Madrid (UCM).







 


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