segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Da insurreição armada (1935) à “União Nacional” (1938-1945): a virada tática na política do PCB




Apresentação de Francisco Carlos Teixeira da Silva (p. 11-13), professor titular de História Moderna e Contemporânea da UFRJ, do livro de Anita Leocadia Prestes, cujo título é Da insurreição armada (1935) à “União Nacional” (1938-1945): a virada tática na política do PCB, publicado pela Editora Paz e Terra, em 2001.





É com imenso prazer que aceito a tarefa de apresentar o (...) trabalho de pesquisa de Anita Leocadia Prestes. O livro sobre os objetivos e táticas do PCB entre 1935 e 1945, veio preencher uma lacuna básica da história política brasileira. Poucas vezes a história esteve tão cativa dos debates políticos como a história do PCB no período proposto pelo estudo de Anita Prestes. Da mesma forma, esta foi e ainda o é uma história sobre o PCB, longe de ser uma história do PCB. Assim, a própria ditadura do Estado Novo acabou por nomear e definir estratégias do partido com uma pátina de preconceito reacionário. Termos como Intentona Comunista e todo o seu campo semântico negativo; a afirmação da luta antifascista como um ardil comunista; a própria confusão entre comunistas e aliancistas (os militantes da ALN) permaneceram longamente nas páginas dos livros brasileiros. Mas não só a ditadura contagiou a história do PCB. Os liberais, hegemônicos no processo de redemocratização de 1945, viram no PCB um concorrente poderoso, capaz de mobilizar a população brasileira contra um quadro secular de exploração. Assim, procuraram colar a imagem do PCB e de seus líderes à figura do ditador do Estado Novo, em especial no episódio do chamado Queremismo – a manutenção de Vargas durante o processo de redemocratização como garantia dos direitos sociais alcançados durante a ditadura. Mesmo a historiografia universitária mais moderna muitas vezes repetiu, creio que desavisadamente, os mesmos preconceitos. Até mesmo o uso dos arquivos da repressão – só recentemente abertos à pesquisa – pode algumas vezes reafirmar visões parciais, posto que depoimentos e confissões foram muitas vezes arrancados em situações de humilhação e dor; relatórios e prontuários foram escritos para confirmar a própria necessidade da existência da polícia política e de seus servidores, quase sempre por agentes incultos e preconceituosos. Esquecia-se, assim, da advertência de Carlo Guinzburg ao pesquisar o material da Santa Inquisição (tão próximo dos arquivos da repressão no Brasil): ao buscar bruxas em tais documentos, com certeza as acharemos!



O presente trabalho de Anita Prestes enfrenta exatamente tais problemas. De saída a autora recusa-se a utilizar uma fonte única, seja da documentação interna do PCB, seja a documentação produzida pela repressão. Os documentos são regularmente checados com depoimentos, com as conjunturas políticas e as condições sociais e econômicas existentes, recorrendo a autora aos ensinamentos de Pierre Vilar sobre a história vista como um conjunto contínuo de interconexões. O quadro teórico é informado por uma leitura gramsciniana vivificada do Marx historiador e teórico do Estado, em especial de textos como o “18 Brumário”. Assim, fontes, método e teoria formam um conjunto coerente e dinâmico, abrindo novos caminhos de compreensão para a história do PCB e, consequentemente, da história brasileira entre 1935 e 1945. Dessa forma, inúmeros preconceitos são removidos; lugares comuns são abalados e leituras tradicionais dos eventos centrais do período merecem uma nova interpretação.



Em especial destacamos a análise do período final do Estado Novo, quando os principais instrumentos de repressão do regime desmoronam e Vargas começa a reorganizar as bases de sustentação do seu governo. Assim, a autora nos mostra que o Golpe Militar que afasta Vargas em 1945 foi dirigido contra um regime que era uma pálida sombra do Estado Novo. Suas razões são fortes e alteram uma série de lugares comuns alimentados pela oposição liberal.



Destacamos ainda, a ampla capacidade da autora de articular as conjunturas nacional e internacional, caracterizar a atuação das grandes potências e seus objetivos, demonstrando um sólido conhecimento da história contemporânea.



Anita Prestes alinha-se, dessa forma, como outros historiadores que se lançaram nos últimos anos, a uma completa revisão da chamada Era Vargas. (...) Anita Prestes contribui fortemente para lançar as bases de uma história do tempo presente no Brasil. Durante largo período de nossa história, a temática referente ao Estado Novo, aos partidos políticos e, em especial, o PCB, constituía-se em campo exclusivo dos estudos de ciência política. Trabalhos como o presente livro somam-se a um vigoroso esforço para a construção da história das nossas lutas sociais. Boa parte desse esforço fundamenta-se na incorporação de um vasto arsenal teórico buscado na ciência política, com a correção de certos artificialismos pelo uso cuidadoso do método histórico.



Uma história revificada do PCB, para além dos preconceitos, restaura uma parte importante da história da resistência às injustiças sociais no país, além de evidenciar uma série de dramas pessoais, marcados ora por erros e equívocos, ora por valentia e altruísmo e muitas vezes, por tudo junto, como salta das páginas do livro de Anita Prestes.

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