Leia trechos da entrevista de Newton Duarte concedida a Germinal: Marxismo e educação em debate.
Quanto aos embates com o construtivismo e outras pedagogias do aprender a aprender, a luta é árdua por várias razões. A força dessas pedagogias vem do fato de que elas se encaixam perfeitamente no ambiente da sociedade capitalista contemporânea. Daí vem sua força de atração. Além disso, elas tem uma grande capacidade de modificação de seus nomes, de seu vocabulário e estratégias discursivas e práticas, ou seja, possuem um elevado grau de mutabilidade. Mas há um ponto que une a todas elas e que não se altera: a guerra permanente à socialização do conhecimento pela escola pública. O universo ideológico neoliberal e pós-moderno é visceralmente desvalorizador do conhecimento em suas formas mais elevadas. Essa visão tem, entretanto, contagiado a muitos intelectuais de esquerda que tem adotado uma visão semelhante à da corrente que existiu nos primeiros anos da União Soviética, chamada Cultura Proletária, ou “Proletcult”. É necessário retomarmos as críticas feitas por Lênin a essa concepção de cultura proletária. Lenin, assim como Marx, Engels e todos os grandes líderes e autores marxistas, valorizava a apropriação, pela classe trabalhadora, da cultura produzida na sociedade capitalista e nas que a precederam. (p. 132-133)
Mas é claro que a defesa da escola pública não se apóia apenas em referências acadêmicas, por mais importantes que elas sejam. Há necessidades dos professores se organizarem para lutarem para que a escola torne-se uma instituição que inspire e aspire conhecimento. O foco de tudo o que se faz dentro da escola deve ser o conhecimento. Há que se resistir às políticas educacionais que apontam em direção à descaracterização da escola e do trabalho do professor. Há que se rechaçar veementemente os discursos que secundarizam a transmissão do conhecimento pela escola. Há que defender o professor, o aluno e a instituição escolar dos ataques provenientes dos gabinetes dos defensores, declarados ou não, da ordem social capitalista. (p. 133)
Quando um sistema educacional adota uma perspectiva pedagógica que não valoriza a aquisição, pelo aluno, dos conhecimentos científicos, artísticos e filosóficos em sua forma mais desenvolvida, quando a educação escolar volta-se para a formação de competências, quando se postula que “quanto menos o professor ensinar melhor o aluno aprenderá”, a conseqüência, em termos de avaliação, será a de desconectá-la do conteúdo ensinado e aprendido e transformá-la em mera descrição de um percurso individual sem rumo claramente definido. Esse tipo de concepção não interessa à classe trabalhadora. Esta quer que a avaliação seja um instrumento que indique se as crianças, os adolescentes e os jovens estão adquirindo o conhecimento cuja transmissão é obrigação da escola. Quando os resultados calamitosos gerados pela adoção das pedagogias do aprender a aprender começam a se mostrar por demais evidentes, os governos em nível estadual e federal adotam medidas emergenciais da mesma forma que fazem com os momentos de enchente e de desabamentos nas grandes cidades. Parece-me que isso tem acontecido com a discussão sobre avaliação. Não adianta, por exemplo, criticar a progressão continuada se não criticarmos radicalmente as pedagogias que lhe dão base, como é o caso do construtivismo, da pedagogia das competências, da pedagogia dos projetos, da pedagogia multiculturalista, entre outras. (p. 134)
A teoria histórico-cultural é uma teoria psicológica fundamentada nos trabalhos de psicólogos soviéticos, especialmente Vigotski, Leontiev e Luria. Ela é de grande importância com um dos fundamentos de uma pedagogia marxista, mas ela não é, em si mesma, uma teoria pedagógica. Não há uma pedagogia vigotskiana. Entre a teoria histórico-cultural, como uma teoria psicológica, e a prática escolar, há necessidade da mediação de uma teoria pedagógica. Como já explicitei, a teoria pedagógica com a qual trabalho e para cujo enriquecimento procuro contribuir é a pedagogia histórico-crítica. Quando não é discutida a questão da teoria pedagógica mais adequada para fazer a mediação entre a psicologia histórico-cultural e a prática pedagógica, as idéias de Vigotski, Leontiev e Luria acabam sendo apropriadas de forma distorcida e incorporadas às pedagogias do aprender a aprender, ou seja, são subsumidas ao universo ideológico neoliberal e pós-moderno, como mostrei há mais de dez anos atrás em meu livro "Vigotski e o Aprender a Aprender". (p. 136)
Para mim a escola, em seu formato clássico, não é uma instituição essencialmente burguesa, que tem por principal função domesticar a classe trabalhadora. Por essa razão não concordo que seja necessário um outro formato de escola. O que precisamos fazer é superar os aspectos alienantes tanto da escola tradicional como das outras propostas de escola que surgiram na sociedade capitalista ao longo do século XX. Mas há um núcleo da educação escolar que deve ser preservado e que podemos chamar a escola em sua forma clássica. O que a classe trabalhadora precisa não é o fim da escola em sua forma clássica, mas sim sua universalização. (p. 137-138)
A tarefa precípua dos professores é dominar e transmitir aos seus alunos o conhecimento científico, artístico e filosófico em suas formas mais desenvolvidas. Parafraseando Marx eu diria que na sociedade comunista ser professor deixará de ser um meio de vida e passará a ser a primeira necessidade vital de muitos indivíduos, ou seja, para esses indivíduos a transmissão do conhecimento será uma atividade de desenvolvimento de sua individualidade como uma individualidade para-si. Nós podemos e devemos começar a lutar nessa direção desde já. (p. 138)
FONTE: DUARTE, Newton. “Luta de classes, educação e revolução”. Entrevista com Newton Duarte. In: Germinal: Marxismo e Educação em Debate, Londrina, v. 3, n. 1, p. 128-138; fev. 2011.
FONTE: DUARTE, Newton. “Luta de classes, educação e revolução”. Entrevista com Newton Duarte. In: Germinal: Marxismo e Educação em Debate, Londrina, v. 3, n. 1, p. 128-138; fev. 2011.
Newton Duarte: um dos mais contundentes opositores das pedagogias do capital na atualidade, com destaque para uma produção intensa de crítica às pedagogias do aprender a aprender, disseminada em artigos, livros e conferências pronunciadas por todo o Brasil.
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