sexta-feira, 30 de maio de 2014

Neurociência pode contribuir para a prática pedagógica


Construindo a ponte: neurociência e educação

Ao compreender circuitos neurais envolvidos na aprendizagem, a neurociência pode contribuir para a prática pedagógica



Por Sidarta Ribeiro

O mundo de nossos bisnetos será lindo ou pavoroso? Ninguém sabe a resposta, mas todos parecem concordar, do norte ao sul, da esquerda à direita, dos ateus aos religiosos, que a chave para o sucesso de nossa civilização é a disseminação da educação. Do ponto de vista do futuro da espécie, a ponte entre neurociência e educação é a que apresenta maior potencial positivo para otimizar o modo como crianças e adultos aprendem, o que explica o fascínio público com o tema. Mas em que pode a neurociência de fato ajudar a educação? Essa ponte existe?

Com o intuito de elucidar essas perguntas, organiza-se anualmente desde 2011 a Escola Latino-Americana de Ciências Educacionais, Cognitivas e Neurais, carinhosamente chamada pelos participantes de “LA School”. Em 2014 essa imersão de duas semanas ocorreu em Punta del Este, reunindo 50 novos alunos, 9 alunos veteranos e 40 professores de todo o mundo. A realização da Escola no Uruguai tem um significado especial, pois se trata do país que ousou equipar cada um de seus alunos com um computador portátil para uso diário, tanto na escola quanto em casa.

O projeto começou há seis anos com 150 crianças em uma única escola. Em março passado foi alcançada a marca de 1 milhão de computadores. Se os benefícios dessa massiva inclusão digital já se fazem sentir em diversos indicadores, persiste controvertida a progressiva “gamificação” da aprendizagem, em que programas de computador mais ou menos lúdicos começam a substituir a aula tradicional. Certas evidências de transferência de habilidades entre domínios cognitivos distintos sugerem que mesmo jogos aparentemente não educativos podem ser úteis, mas também há achados empíricos questionando a generalização de habilidades desse tipo. Com implicações complexas, o tema é obrigatório, pois a vida das crianças e jovens já se “gamificou” há anos.

Outro problema abordado na LA School é a disputa entre os métodos global e local de aprendizado da leitura. Por razões históricas e filosóficas, muitos professores adotam o método global, em que desde o início se ensina a ler palavras inteiras e contextualizadas. Esse método é adotado em detrimento do método fônico, em que as crianças primeiro aprendem a ler letras e sílabas para depois passar a palavras inteiras.

Nesse ponto colidem pedagogia e neurociência, pois a maturação dos sistemas neurais que permitem mapear grafema em fonema e daí em significado precede a maturação do circuito que mapeia grafema em significado. Primeiro é preciso mapear símbolos simples em sons para depois dar sentido às combinações desses símbolos. Fazer o contrário é remar contra a maré do desenvolvimento cerebral, aumentando desnecessariamente a dificuldade do aprendizado.

Alguém poderia objetar que nesse caso a neurociência não vai muito além do que a psicolinguística já sabia, mas, como lembra o neurocientista Stanislas Dehaene, compreender o desenvolvimento dos circuitos neurais responsáveis pela leitura ajuda os professores a ter modelos concretos para alicerçar a prática pedagógica.

Esses e outros tópicos foram abordados em artigo recém-publicado na revista Nature Neuroscience pelos organizadores sul-americanos da LA School, entre os quais me incluo (http://t.co/fKZQ84EZS9). Em 2015 a LA School voltará ao Chile, país onde se originou, para fazer um balanço de seus primeiros cinco anos de existência. As inscrições serão abertas em setembro para aqueles decididos a construir a ponte entre neurociência e educação.


PT entrou na mesmice de outros partidos, diz Lula

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva criticou a forma de atuação do seu partido, o PT, durante entrevista à revista "Carta Capital" divulgada nesta sexta-feira (30). Ele disse ainda que não se pode permitir que "meia dúzia de pessoas" deformem a imagem do partido.
"O PT começa a errar, quando começa a utilizar as mesma práticas dos outros. Todo mundo quer muito dinheiro para se eleger alguma coisa, todo mundo quer facilidade daqui, facilidade dali", afirmou Lula. "O partido também começou a entrar na mesmice dos outros partidos."
Durante a conversa com o jornalista Mino Carta e o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, o ex-presidente disse que o PT foi a oportunidade de o povo criar um partido em que ele mesmo dirige.
"A tradição política do Brasil é de tribos locais. São caciques regionais", afirmou. "É o cacique de Minas, o cacique de Pernambuco, é o cacique de São Paulo, o cacique do Rio de Janeiro."
Lula falou ainda sobre as expectativas em relação à Copa do Mundo no Brasil e sobre os protestos.
"Como a Copa tá na moda, e a Fifa é a responsável, resolveram pedir 'padrão Fifa', pelas exigências que ela fazia ao Brasil", disse o ex-presidente.

Anita Prestes protagoniza momento histórico na história da UFES

Segundo postagem da página do Facebook da Casa da América Latina (ES):


Obrigado a todos que compareceram ao evento ontem. Certamente o debate de ontem foi histórico e a palestra mais lotada da história da UFES e talvez Espírito Santo. Uma lástima que ainda assim não tenha cabido todas as pessoas e muitos não puderam ver o debate. Aguardem as próximas atividades da Casa da América Latina.


Comentário de Mauro Ribeiro, via Facebook:


"Anita Prestes simplesmente reviveu a passagem de seu pai Luiz Carlos Prestes, no Espírito Santo, quando também veio falar da Coluna Prestes, no Colégio do Carmo, em 1985, onde faltou espaço pra tanta gente. Que na época, também não poupou as críticas aos traidores."


Fotos da palestra de Anita Prestes, neste 28/5/2014, no Teatro Universitário da UFES, em Vitória:

























Para download: a poesia completa de Fernando Pessoa

O portal Domínio Público disponibiliza para download a poesia completa de Fernando Pessoa. O acervo contempla toda a obra conhecida do poeta português.

LINK: 


Ação humana acelerou ritmo de extinções em mil vezes

RAFAEL GARCIA
DE SÃO PAULO



O ritmo com que testemunhamos espécies de plantas e animais se extinguindo hoje é mil vezes mais rápido do que aquele que ocorre normalmente ao longo dos milênios. Essa é a conclusão do mais detalhado estudo já feito sobre a interferência humana na biodiversidade, que compilou dados sobre seres vivos de todo o planeta.

"Os humanos são o equivalente ao asteroide que colidiu com a Terra", afirma Clinton Jenkins, ecólogo americano atualmente no IPÊ (Instituto de Pesquisas Ecológicas), de Nazaré Paulista (SP), uma das instituições que assinam o trabalho. "Estamos causando extinções um pouco mais devagar que o asteroide, mas não muito."

Jenkins foi responsável por produzir os mapas usados na pesquisa, que apontam as regiões onde ocorreram mais extinções recentes de animais e onde elas tendem a ocorrer.

Para chegar ao número que estima o ritmo atual de aniquilação de espécies, os pesquisadores primeiramente fizeram uma reavaliação do registro mundial de fósseis, que é capaz de mostrar com que ritmo plantas e animais sumiram ao longo dos milhões de anos que precederam a existência dos humanos.



COMPARAÇÃO

Para avaliar as extinções em tempos recentes, os pesquisadores contaram com bancos de dados de história natural de todo o mundo e com dados recentes de descobertas de novas espécies. Com base nisso calcularam quantas espécies desconhecidas ainda restam por conhecer em cada grupo de animais e plantas estudados.

"Baseados em quantas espécies você descobre, quão rápido as descobre e em quantas pessoas estão procurando, é possível fazer um cáculo para ter um ideia", diz Jenkins. "O que vimos é que nossas descobertas estão mais vagarosas, apesar de um mesmo número de pessoas estar procurando espécies."

Desde 1900, segundo o estudo, já foram descobertas 1.230 novas espécies de aves, somando-se às mais de 95 mil espécies já conhecidas antes. Ao menos 13 dessas espécies, porém, já estão extintas. Isso significa que hoje a taxa de extinção para aves é duas vezes e meia mais veloz do que aquela que vinha ocorrendo antes do século passado.

Um estudo do grupo, liderado por Stuart Pimm, da Universidade Duke (EUA), descreve o problema na revista "Science". O trabalho estima que o ritmo atual de sumiço de criaturas é de 100 extinções por milhão de espécies por ano. Antes do surgimento do homem, essa taxa era de cerca de apenas 0,1.

No trabalho, os cientistas também apresentam mapas detalhados para mostrar onde se concentram as espécies sob maior risco de extinção. Um dos objetivos da nova pesquisa, diz Jenkins, é ajudar o planejamento de programas de conservação de espécies mundo afora, pois nem sempre áreas de alta biodiversidade se revelam como as prioritárias para proteção.

Apesar de a Amazônia ter mais diversidade de aves, por exemplo, preservar a Mata Atlântica é mais urgente, pois ela abriga muitas espécies endêmicas, que só existem lá.

FONTE: Folha de São Paulo, 30/5/2014.

quinta-feira, 29 de maio de 2014

Documentário: Ruy Mauro Marini e a dialética da dependência

O documentário "Ruy Mauro Marini e a dialética da dependência já pode ser visto pelo link da Editora Expressão Popular no youtube:






Ruy Mauro Marini e a dialética da dependência

Série Realidade Brasileira
Realização: Editora Expressão Popular e Escola Nacional Florestan Fernandes
Coordenação Geral: Cecília Luedemann e Miguel Yoshida

Ruy Mauro Marini e a dialética da dependência, produzido pela Editora Expressão Popular e pela Escola Nacional Florestan Fernandes faz parte da série Realidade Brasileira, destinada aos estudos em escolas do ensino médio, universidades, bibliotecas públicas, pontos de cultura e movimentos sociais. O principal objetivo desta publicação é disponibilizar para a juventude um material preparado a partir de ampla pesquisa bibliográfica sobre os lutadores sociais brasileiros, contando com a contribuição de especialistas no tema. 

Ruy Mauro Marini (1932-1997), representante da sociologia crítica latino-americana, dedicou sua vida à tarefa de explicar a causa da dependência e da desigualdade social e de propor os meios para sua superação à partir da perspectiva da classe trabalhadora. Seus estudos sobre o capitalismo latino-americano resultaram na reinterpretação de nossa história, profundamente atrelada à integração na dinâmica do capitalismo internacional.

Com o golpe civil-militar de 1964, Ruy - então professor da Universidade de Brasília - é preso e torturado pela Marinha e Exército, sendo obrigado a um longo exílio, que teria fim somente com a anistia, em 1979. Num primeiro momento, ele segue para o México, onde inicia seus estudos sobre a realidade latono-americana. Com a repressão aos movimentos do trabalhadores, Ruy é expulso deste país e parte para seu segundo exílio, no Chile. Lá, diante da intensa participação política, com o Governo Popular de Salvador Allende, Ruy torna-se dirigente do MIR (Movimiento de Izquierda Revolucionaria). É no Chile que elabora, junto a intelectuais de esquerda, a teoria marxista da dependência.

quarta-feira, 28 de maio de 2014

Smith, Marx e alienação

por Prabhat Patnaik [*]


Entre não marxistas há sempre uma tendência a ignorar a especificidade das percepções de Marx no âmago da economia política e reduzi-las, ao invés, a ideias semelhantes mas anteriores que podem ser encontradas em Adam Smith ou David Ricardo. O economista Paul Samuelson exprimiu esta tendência da maneira mais flagrante, se não deliberadamente provocatória, quando se referiu a Marx como um "pós ricardiano menor".

O problema com esta tendência é que ela perde o salto que Marx deu sobre os seus antecessores e portanto interpretou-o muito mal. O caso clássico de tal má interpretação é a teoria de valor de Marx, a qual é erradamente tomada como não diferente daquela de David Ricardo (um erro que conforma a caracterização de Marx feita por Samuelson). Um erro análogo é cometido também quanto à visão de Marx da alienação.

Adam Smith, seria de recordar, enfatizou o significado profundo da divisão do trabalho tanto na sociedade como um todo como também dentro da fábrica. Em relação a esta última, ele deu o famoso exemplo da fábrica de alfinetes onde o trabalho de manufacturar alfinetes era segmentado em numerosas actividades separadas e diferentes trabalhadores eram assinalados a estas diferentes actividades, o que resultava num enorme aumento da produtividade por trabalhador. Smith havia sustentado que tal aumento de produtividade e o rácio no qual o total da força de trabalho era dividido em "trabalhadores improdutivos" (tais como servidores domésticos) e "trabalhadores produtivos" (os quais produziam valor excedente) como os dois factores chave que determinavam o aumento da riqueza das nações.

Mas tendo enfatizado o papel da divisão do trabalho como causa do progresso económico, no sentido de aumentar a "riqueza das nações", Smith avançou para destacar o facto de que tal especialização tendia a causar a "mutilação mental" dos trabalhadores, uma vez que cada um deles estava restrito a desempenhar uma única tarefa repetitiva. Vale a pena aqui citar Smith na íntegra:
"O homem cuja vida inteira é gasta no desempenho de umas poucas operações simples, das quais os efeitos são talvez sempre os mesmos, ou muito aproximadamente os mesmos, não tem oportunidade de exercer o seu entendimento ou de exercitar o seu poder inventivo na descoberta de expedientes para remover dificuldades que nunca ocorrem. Ele naturalmente perde, consequentemente, o hábito de tal esforço e torna-se geralmente tão estúpido e ignorante quanto é possível tornar-se uma criatura humana. O torpor da sua mente torna-o não só incapaz de desfrutar ou participar de qualquer conversação racional, nem de conceber qualquer sentimento generoso, nobre ou delicado e, consequentemente, de formar qualquer julgamento justo referentes mesmo a muitos dos deveres comuns da vida privada... Mas em toda sociedade aperfeiçoado e civilizada isto é o estado no qual os trabalhadores pobres, isto é, o grande conjunto do povo, deve necessariamente cair, a menos que o governo faça alguns esforços para impedi-lo".
Se bem que esta visão de Smith sem dúvida apreenda um aspecto importante da produção capitalista, um aspecto acerca do qual muitos marxistas também escreveram e que de modo impressionante foi captado no filme Tempos Modernos de Charlie Chaplin, ela é frequentemente mantida como sendo a precursora da teoria da "alienação" de Marx e como contendo a sua ideia central. Esta última afirmação no entanto é errónea e enganosa, não obstante a perspicácia contida nas observações do próprio Smith.

Smith queria que os "governos" nas "sociedades civilizadas" impedissem este torpor da mente que sobrevém aos pobres trabalhadores, como complemento necessário ao progresso económico da nação. Comunistas pré-marxistas como Proudhon também trataram das consequências adversas da divisão do trabalho e exprimiram-se sobre como ultrapassar este torpor. Marx resumiu a visão de Proudhon sobre isto, em A pobreza da filosofia, com as seguintes palavras;
"O sr. Proudhon ... propõe ao trabalhador que faça não só um doze avos do alfinete, mas sucessivamente todas as doze partes dele. O trabalhador viria então a conhecer e compreender o alfinete. Isto é a síntese do trabalho do sr. Proudhon... ele não pode pensar em nada melhor do que em levar-nos de volta ao artesão ou, no máximo, ao mestre-artífice da Idade Média".
Portanto a alienação, como Smith ou mesmo Proudhon a viam, não exige a transcendência do capitalismo para ser ultrapassada (isto apesar do facto de que o próprio Proudhon era comunista). O entendimento de Marx da alienação, embora não negando a percepção que Smith e, a seguir a ele, Proudhon, haviam avançado, era no entanto completamente diferente disto; e a ultrapassagem exigia uma transcendência do capitalismo.

A ULTRAPASSAGEM DA ALIENAÇÃO NECESSITA DA TRANSCENDÊNCIA DO CAPITALISMO 

Em Smith, eram apenas os trabalhadores que eram alienados desta maneira. Mas em Marx, a alienação era uma característica universal do sistema, afectando todos, não apenas os trabalhadores mas também os capitalistas. E a universalidade da alienação caracterizando o sistema significa que ela não podia ser ultrapassada dentro do próprio sistema; ela necessariamente exigia a sua transcendência.

A alienação era imanente na própria forma mercadoria. Uma mercadoria é naturalmente um valor de uso e um valor de troca; mas ela não é um valor de uso para o produtor. Enquanto para o comprador ela é tanto um valor de troca, representando uma certa soma de dinheiro como um valor de uso, com certas propriedades físicas e químicas as quais satisfazem suas exigências, para o vendedor ela é só um valor de troca, só uma certa soma de dinheiro. As propriedades físicas e química da mercadoria são inúteis para ele pessoalmente.

Isto é um ponto básico de diferença entre a economia política marxiana e a economia política burguesa "convencional"("mainstream"), uma vez que esta última é fundamentada sobre a presunção de que a mercadoria que é trocada por dinheiro entre o vendedor e o comprador constitui um valor de uso para ambos (além naturalmente de ser um valor de troca para ambos). Mas se a mercadoria é apenas um valor de troca, não um valor de uso, para o produtor, então o produtor não pode simplesmente retirar-se do mercado e consumir sua própria mercadoria. Venha o inferno ou a tempestade ele deve vendê-la por uma certa soma de dinheiro; se não puder vender então está condenado, a menos que tenha algumas reservas de cash a que recorrer.

Uma vez que todos os vendedores sabem disto, construir tais reservas pela ampliação do negócio a expensas de rivais torna-se essencial para cada um. A competição, por outras palavras, introduz uma luta darwiniana entre produtores de mercadorias; e isto transmite-se ao capitalismo, o qual é nada mais que a produção generalizada de mercadorias (onde o próprio valor-trabalho tornou-se uma mercadoria). É a esta luta darwiniana que está subjacente o impulso para a acumulação de capital e para a introdução do progresso tecnológico.

O que isto significa é que não são apenas os trabalhadores que têm de competir uns contra outros pelo emprego num mundo caracterizado pelo desemprego (isto é, pela presença perene de um exército de reserva do trabalho), mas os capitalistas também têm de competir uns contra os outros. Em suma, todos os participantes neste sistema têm de representar papeis particulares, quer gostem ou não; pois se não o fizerem então dão-se por vencidos. Cada um deles pode conservar a sua posição dentro do sistema, não importa se essa posição implica ser um explorador ou quem é explorado, só representando um certo papel, actuando e comportando-se de uma maneira particular. Cada participante individual no sistema aparece como tendo "arbítrio" ("agency") no sentido de ser aparentemente livre para fazer o que preferir fazer; mas de facto esta aparência é enganosa porque o modo da sua acção é determinado pela sua posição dentro do sistema e o papel deste impõe-se sobre ele ou ela. É digno de nota que Marx chamou o capitalista de "capital personificado", isto é, as tendências imanentes do sistema actuam elas próprias entre outras através do "arbítrio" nominal dos capitalistas (tal como efectivamente dos trabalhadores).

O capitalismo, por outras palavras, não é apenas um sistema explorador; não é apenas um sistema anárquico onde a resultante agregada das acções de indivíduos revela-se diferente do que pretendiam; ele é também, além disso, um sistema "espontâneo", onde o modo de influir sobre parte dos próprios indivíduos não é determinada pela sua vontade mas é-lhes imposta pela posição que ocupam dentro do sistema.

A LÓGICA COERCIVA DO SISTEMA 

A alienação sob o capitalismo está basicamente ligada a isto, isto é, ao facto de que as acções dos indivíduos não são baseadas na sua própria vontade mas derivam da lógica coerciva do sistema. O capitalista acumula não porque goste mas porque não tem outra opção dentro da lógica do sistema se não quiser dar-se por vencido. Os trabalhadores obedecem ordens porque se não o fizessem seriam despedidos e postos à margem. O progresso tecnológico é introduzido porque se um capitalista com acesso à nova tecnologia não a introduzisse, então algum outro o faria; e o primeiro capitalista ficaria fora da competição e seria descartado. É esta coerção que é alienante, o facto de que o arbítrio nominal não implique arbítrio autêntico, mas seja meramente a mediação através do qual funcionaa lógica imanente do sistema.

Contudo é precisamente esta espontaneidade que é desafiada pelos trabalhadores através de "combinações" que impõem cada vez mais complexidade política (com a ajuda de teoria trazida de "fora"). Tais combinações, por outras palavras, constituem passos para ultrapassar a alienação imposta pelo sistema sobre os trabalhadores. Mas as tendências imanentes do mesmo (ex. a tendência rumo à centralização do capital, sua formação em blocos cada vez maiores), actua sempre para frustrar e reverter estes esforços em direcção à ultrapassagem da alienação dentro do próprio sistema.

O facto de que a globalização do capital, a qual é expressão do mais alto nível de centralização até hoje alcançado, tenha servido para minar os movimentos sindicais por todo o mundo capitalista, e com isto o movimento político de esquerda, só confirma esta afirmação. Disto se segue que a ultrapassagem da alienação, como entendida por Marx, não é possível dentro do próprio sistema; ela só é possível através da sua transcendência. Este facto apenas enfatiza a diferença básica entre o entendimento smithiano e o entendimento marxiano da alienação.


[*] Economista, indiano, ver Wikipedia . 

O original encontra-se em peoplesdemocracy.in/2014/0323_pd/smith-marx-and-alienation . Tradução de JF. 


FONTE: Resistir.Info

terça-feira, 27 de maio de 2014

Palestra de Anita Leocádia Prestes discute movimentos sociais no Brasil


A capacidade de luta do povo brasileiro e sua relação de atualidade com o movimento conhecido como Coluna Prestes, que aconteceu no Brasil durante a década de 20, será tema principal da palestra de Anita Leocádia Prestes, filha dos históricos militantes comunistas Luiz Carlos Prestes e Olga Benário, que lideraram o movimento no País.
Doutora em história social e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Anita Leocádia Prestes chega a Vitória nesta quarta-feira(28) para a palestra “A atualidade da Coluna Prestes 90 anos depois”. O evento acontece no Cine Metrópolis, na Ufes a partir das 19 horas.
Segundo a historiadora, objetivo é comparar as lutas dos movimentos sociais de esquerda da atualidade com a Coluna Prestes e o legado que o movimento deixou. “As bandeiras mudaram, mas a luta continua a mesma”, comentou.
O movimento que aconteceu entre os anos de 1925 a 1927, liderado por Luiz Carlos Prestes, contou com lideranças de tenentes e capitães de classe média, além de civis, e se deslocou pelo interior do país pregando reformas políticas e sociais e combatendo o então presidente Arthur Bernardes e, posteriormente, Washington Luís.
Era um movimento de denúncia da pobreza da população e exploração das camadas mais pobres do Brasil. O movimento percorreu 25 mil quilômetros pelo interior do país, mas apesar dos esforços não teve adesão da população. Entretanto contribuiu para disseminar os problemas do poder concentrador oligárquico da República Velha, culminando na Revolução de 1930.
Anita Prestes acredita que a Coluna Prestes revelou a capacidade de luta do povo brasileiro quando existem lideranças que mobilizem a população e por isso o tema se torna tão atual.
“A Coluna Prestes mostrou que, no desenrolar das lutas populares, quando surgem lideranças autênticas, torna-se possível mobilizar, organizar e conduzir trabalhadores pelo caminho de transformações revolucionárias”, comentou.
Anita acredita também no socialismo como solução definitiva para os problemas que afetam o povo latino-americano, e em relação às manifestações populares que aconteceram em junho do ano passado, Anita destaca um lado positivo e outro negativo.
“As manifestações revelam insatisfação do povo e isso é positivo porque o povo sentiu a necessidade de reivindicar, ir para as ruas e mostrar insatisfação, mas por outro lado não existiu uma liderança e nem projeto, e é preciso ter”, ponderou.
O evento é organizado pela Casa da América Latina do Espírito Santo e pela  Secretaria de Cultura da Ufes.
FONTE: Leia-se


Arqueólogos acham tesouro histórico em obra na Galileia



Restos de porto e sinagoga foram encontrados em hotel na Galileia

Documentário "Capitalismo, uma história de amor" legendado em português

Capitalismo: uma história de amor(2009), documentário dirigido por Michael Moore

LINK PARA ASSISTIR:

https://www.youtube.com/watch?v=Fl8xUjEh_yw    127 min.


Para além e para aquém do capital

Por Flávio Ricardo Vassoler

Que podemos dizer sobre o sistema de (re)produção econômica e social mais contraditório com o qual a humanidade já se deparou? Um pensador do século XIX, aos 18 anos, procurou avaliar os movimentos revolucionários do capitalismo: 

− A burguesia, em seu reinado de apenas um século, gerou um poder de produção mais massivo e colossal do que todas as gerações anteriores reunidas. Submissão das forças da natureza ao homem, maquinário, aplicação da química à agricultura e à indústria, navegação a vapor, ferrovias, telegrafia elétrica, esvaziamento de continentes inteiros para o cultivo, canalização de rios, populações inteiras expulsas de seu habitat – que século, antes, pôde sequer sonhar que esse poder produtivo dormia no seio do trabalho social?

O autor do trecho acima, empolgado com o potencial de expansão humana fomentado pelo capitalismo, ficou conhecido como um dos maiores inimigos do capital. Estamos diante de um trecho do Manifesto Comunista, de Karl Marx (e Friedrich Engels). Ora, o jovem Marx estava diante da ascensão primordial daquilo que hoje se convencionou chamar de humanidade. Contraditoriamente, foi a expansão exploratória do capitalismo que fez com que o mundo se interligasse. Particularismos foram sendo rompidos – e padronizados em função do chicote do dominador. As grandes navegações chacinaram africanos e indígenas, ao mesmo tempo em que possibilitaram o contato com o outro além-mar. Júlio Verne se tornou extemporâneo quando a sua volta ao mundo em 80 dias passou a ser feita em algumas horas. O computador que utilizo para escrever este texto é a resultante de trabalhos espraiados por regiões do mundo que o generalíssimo Júlio César sequer podia imaginar. 

− Amarás o teu próximo como a ti mesmo. (Marcos, 12, 31)

O capitalismo remove o sermão de Cristo da montanha e, ao menos como potência, irradia a irmandade para a estepe do mundo. O próximo já não precisa estar ao alcance do olhar. Afinal, leitores do outro lado do Atlântico não se deparam com este texto escrito em São Paulo?

Mas o capitalismo, como os barbudos alemães bem entreviram, traz em seu bojo uma série de contradições. ‘Capitalismo: uma história de amor’ (2009), documentário dirigido por Michael Moore, procura tensionar os limites éticos e sociais do sistema que forja a noção de universalidade humana e contrapõe muros e cercas farpadas para que os condenados da terra não possam se apropriar da riqueza socialmente produzida. 

− O pão nosso de cada dia nos dai hoje. (Mateus, 6, 11) 

A humanidade não mais deveria orar pela própria subsistência. Quando não havia meios de desenvolvimento efetivo; quando a irracionalidade se configurava como nossa segunda natureza e projetava deuses capazes de realizar o que os homens desconheciam, a escassez de recursos clamava aos deuses e a Deus pela sobrevivência. Se não conseguimos revogar tal passagem do Pai Nosso, é porque chegamos a um grau de cinismo tão refinado que a fome, o desemprego e o desabrigo alheios já fazem parte da fauna urbana – sim, porque a humanidade capitalista vive sobretudo em cidades. A possibilidade não realizada de distribuição equitativa das riquezas relega a promessa iluminista de (re)construção racional da realidade ao subsolo da história. Subsolo incômodo e por vezes redivivo, mas, ainda assim – sentenciam os donos do poder –, subterrâneo. 

Michael Moore arrola vários exemplos que demonstram a plasticidade ética do capitalismo. Tudo o que é sagrado é profanado: se o rim se regenera, por que não trocar uma parte do órgão por um vale-refeição? A indústria farmacêutica precisa testar os novos remédios que, de acordo com a lógica de maximização do capital, talvez devam prolongar a doença ao invés de curá-la de uma vez. (A amortização da cura ao invés de sua erradicação; fundo de capitalização patológica.) Assim, ratos humanos há muito desempregados acabam se oferecendo como cobaias para os medicamentos cujos efeitos colaterais serão testados in loco mediante um novo vale-refeição. Se quisermos exemplos grandiloquentes, poderemos invocar o experimento do presidente Harry Truman, que pulverizou Hiroshima e legou aos netos de Nagasaki as sombras fosforescentes de seus avós. Os campos de concentração nazistas, que bem poderiam render estudos de caso sobre excelência administrativa em cursos de MBA capitalismo afora, lançaram mão do ápice da racionalidade instrumental para acabar com a fome. Se não há famintos, não há fome, e o cálculo utilitário não quer saber se o bebê escorre pelo ralo junto com a água do banho. 

Michael Moore discorre sobre a impossibilidade de o capitalismo erradicar a desigualdade social sem acossar – e criminalizar – os miseráveis. Então desponta a figura rediviva de Franklin Delano Roosevelt, o pai do New Deal, a política de intervenção estatal na economia que pôde retirar os Estados Unidos da profunda depressão econômica decorrente da crise de 1929. Roosevelt assenta as bases para a vindoura social-democracia. Que os ricos paguem altos impostos – afinal, a riqueza não é socialmente produzida? Que haja férias e descanso remunerados, que haja pensões e aposentadorias, que o acesso à saúde e à educação sejam universais. Metas que apenas a Europa social-democrata conseguiu alcançar durante o período que o historiador Eric Hobsbawm denominou como “idade de ouro”, por conta da iminência do espraiamento soviético após a Segunda Guerra. A solidariedade utilitária do Plano Marshall injetou dinheiro na Europa que se esgueirava entre os escombros para que a cortina de ferro não chegasse até os Pireneus. Mas, após o naufrágio da ameaça vermelha, o neoliberalismo pôde despontar como a retomada dos anéis que o grande capital outrora aceitara alugar para que seus dedos não fossem decepados. Mesmo a Suécia, que historicamente vinha ocupando o cume mundial do Índice de Desenvolvimento Humano, começou a desmontar sua estrutura de regulamentação pública das desigualdades (re)produzidas pelo capitalismo. 

‘Capitalismo: uma história de amor’ contrapõe a democracia à selvageria do capital. Se cada um possui um voto e se a maioria é acossada pela plutocracia que insiste em se aferrar a seus privilégios, a solução democrática, segundo Michael Moore, se apresenta como a saída a ser radicalizada. Mas seria importante considerar se o sistema político consegue revolucionar, a partir de suas instituições, todo um modo de produção. E mais: o ímpeto social-democrata do documentário que pretende retomar a simbologia do New Deal não historiciza propriamente o debate e nem acompanha a transformação da reprodução do capital. O desmantelamento da social-democracia se deve única e exclusivamente à rapinagem do grande capital que já não teme o socialismo ou está profundamente relacionado à impossibilidade de absorção maciça de trabalhadores por parte das novas forças produtivas em contínua revolução tecnológica? A crescente falência do Estado e do mercado como reguladores econômicos não demonstraria a atualidade das teses do velho Marx sobre a contradição de um sistema que pressupõe o trabalho humano objetivo sem poder absorvê-lo na esteira produtiva? Não estaríamos diante de novas contradições históricas para a reprodução do valor socialmente gerido? 

Se nos ativermos aos limites da democracia institucional e não nos voltarmos para o cerne das contradições do sistema de reprodução social, será inviável explicar como a democracia grega pode conviver com a revogação das pensões e aposentadorias garantidas constitucionalmente e como os funcionários públicos de Portugal têm que arcar com a redução de 40% de seus salários após as reformas democráticas condicionadas pelas grandes consultorias financeiras. Se a democracia radicalizada pressupõe a ocupação urbana contínua e a percepção de sua contradição basilar em relação ao capitalismo, o pensamento crítico precisa expandir suas categorias de análise para além dos conceitos decantados pela guerra-fria.


Sugestões de leitura
Gostaria de mencionar duas obras que me parecem seminais para refletirmos sobre os limites da transformação reformista do capitalismo – pensamento a contrapelo da noção de que a esfera política pode reproduzir o valor social indefinidamente para além das contradições do capital:

(1) ‘Manifesto contra o trabalho’, composto pelo Grupo Krisis: 
http://o-beco.planetaclix.pt/mctp.htm 

(2) ‘O colapso da modernização’, de Robert Kurz. São Paulo: Editora Paz e Terra, 1999. 


*Flávio Ricardo Vassoler é escritor e professor universitário. Mestre e doutorando em Teoria Literária e Literatura Comparada pela FFLCH-USP, é autor de O Evangelho segundo Talião (Editora nVersos) e organizador de Dostoiévski e Bergman: o niilismo da modernidade (Editora Intermeios). Periodicamente, atualiza o Subsolo das Memórias, www.subsolodasmemorias.blogspot.com, página em que posta fragmentos de seus textos literários e fotonarrativas de suas viagens pelo mundo. 

FONTE: Carta Maior