O jornal O Globo se propôs a debater a questão fundiária brasileira, fundada atualmente na crença de um modelo de produção agrícola de extrema produtividade e rentabilidade: o agronegócio. Argumento este pouco sustentável se levar em consideração para quem vai esta produtividade - mercado externo - e quem fica com o bônus econômico - meia dúzia de empresas transnacionais.
Confiram o debate entre o artigo de João Pedro Stedile, da coordenação nacional do MST, e o editorial do O Globo, publicados nesta segunda-feira (8) no diário, cuja resposta do jornal é de extrema representatividade, afinal demonstra claramente o lado assumido pelos grandes meios de comunicação.
Os Privilégios no campo
Por João Pedro Stédile*
Cantam-se loas ao agronegócio brasileiro. Há razões para isso? A que custo, social, econômico e ambiental, é mantido esse modelo agrícola? Será a única alternativa para o desenvolvimento? As consequências da irracional depredação ambiental, causada pela voracidade de lucros de uma minoria de proprietários rurais, exigirão um posicionamento político que extrapole os interesses do mundo rural.
O agronegócio se vangloria de produzir riqueza para o desenvolvimento. A mídia, tanto pelo alinhamento ideológico com os grandes proprietários quanto por seus interesses econômicos, se encarrega de difundir tal versão.
A truculenta bancada ruralista inibe as possibilidades de debates e adota o discurso de catastrofismo frente às iniciativas que se opõem aos interesses do setor.
O agronegócio é exitoso na estratégia de aparecer como uma atividade moderna. O ex-presidente da Embrapa Eliseu Alves mostrou em estudo que o agronegócio representa apenas 8,2% dos proprietários rurais. São 22,1 mil, de um total de 5,2 milhões.
Esse estrato de proprietários responde pela maior parte da riqueza produzida na agricultura. São dados como este que fazem a fama do agronegócio. Essa concentração não é mérito da eficiência do agronegócio. Ela se deve a políticas que privilegiaram essa parcela. Modernos e produtivos eram também os engenhos de cana do Nordeste nos séculos XVI- XIX. O que sobrou para a população? Produção de riqueza, por si só, não assegura desenvolvimento. No outro extremo, há 3,8 milhões de proprietários rurais desassistidos de políticas públicas. Para essa população, o agronegócio tem somente uma preocupação: ganhar tempo para depois empurrá-los às periferias. Esse modelo expulsará 2/3 desses proprietários rurais. A sociedade está disposta a bancar isso? Por que não logramos impor ao agronegócio restrições para proteger interesses da sociedade? Os grandes proprietários defendem um código florestal contrário à preservação ambiental. É necessária uma legislação que assegure a apropriação social da natureza, para que a qualidade de vida prevaleça sobre os interesses capitalistas.
A reforma agrária representa um ajuste de contas histórico: democratizar as terras agrícolas! Todos os governantes que se subordinaram ao latifúndio alegaram que não seria mais necessária. Essa desculpa esfarrapada escamoteia uma opção de desenvolvimento que menospreza os aspectos culturais, sociais, políticos e ambientais. Reforma agrária é, também, assegurar vida digna para a população do campo, ter uma política de produção associada à preservação ambiental e se desafiar a promover o desenvolvimento nacional atendendo, prioritariamente, aos interesses do povo brasileiro.
*João Pedro Stedile é membro da coordenaçao nacional do MST e da Via Campesina Brasil.
Editorial - Agronegócio inclui pequenos
O agronegócio é um dos principais alicerces da economia brasileira. Por séculos, a economia se concentrou em uma faixa de duzentos quilômetros ao longo do litoral. Assim, mesmo com infraestrutura precária, o agronegócio conseguiu avançar no interior a ponto de o Brasil hoje estar entre os três maiores produtores e exportadores das mais importantes culturas agrícolas e pecuárias.
O superávit proporcionado pelo agronegócio na balança comercial é tão expressivo que o segmento pode ser comparado a um segundo "pré-sal", só que, em vez da costa, se espalha pelo interior. E já produz em grande escala. O agronegócio semeou polos de desenvolvimento em cidades médias por todo o país. Com a renda que gera, criou uma demanda para diferentes serviços, envolvendo sistemas de transportes, bancos, comércio varejista e entretenimento.
Além dos alimentos (cuja volumosa produção contribui para moderar a inflação e melhorar consideravelmente o grau de nutrição de milhões de brasileiros mais pobres), o agronegócio abriu espaço para fontes renováveis de energia. A biomassa tende a ter uma participação crescente na matriz energética do país, assim como os biocombustíveis (etanol e biodiesel).
O agronegócio precisa de grandes áreas para a produção de grãos. No Centro-Oeste, propriedades com menos de 100 hectares são pouco rentáveis ou até inviáveis economicamente. Mas há oportunidades para a agricultura familiar, especialmente na produção de alimentos. Indústrias que processam carne de frango ou de suínos têm milhares de fornecedores, a maioria dos quais pequenos produtores. Os cinturões verdes que hoje abastecem as metrópoles com hortigranjeiros são formados por sitiantes e chacareiros. A piscicultura, que já é responsável pelo salto na produção de pescados (enquanto a captura se mantém relativamente estável), é outro segmento no qual a convivência entre pequenos, médios e grandes produtores tem se mostrado factível.
A política agrícola brasileira se tornou abrangente nos últimos vinte anos, buscando atender desde a produção em grande escala até os produtores familiares. A reforma agrária, dentro dos seus propósitos originais de distribuição de terras com objetivo de reduzir a pobreza e a desigualdade no campo, acabou se esvaziando naturalmente diante dessa dinâmica do setor rural. A absorção de novas tecnologias, a mecanização, a formalização dos empregos e o respeito aos direitos trabalhistas (inclusive a aposentadoria) transformaram, para melhor, o trabalho no campo. A eletrificação, o acesso às telecomunicações e a oferta de educação vêm tirando as famílias rurais do isolamento.
O debate que envolve o campo hoje está mais direcionado para questões ambientais e indígenas, ou de infraestrutura e produtividade. O tema fundiário perdeu relevância, porque são raras as terras mantidas como reserva de valor, sem aproveitamento.
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